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A teoria dos precedentes judiciais à luz dos princípios da segurança jurídica e da igualdade

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27/07/2019 às 15:10
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O PRECEDENTE À LUZ DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA IGUALDADE

No sistema do Civil Law, a decisão judicial sempre foi vista como um ato de individualidade do juiz. Acreditava-se que o juiz, inspirado no princípio do livre convencimento motivado, teria autorização legal e constitucional para proferir decisão com o conteúdo que lhe aprouver, mesmo que haja violação a igualdade no tratamento dos jurisdicionados.

A justificativa para mostrar o erro crasso deste raciocínio é relativamente simples. Veja: o princípio da igualdade sempre foi visto como conteúdo do devido processo legal. A igualdade está presente no respeito ao contraditório; a igualdade se faz incisiva na confecção de procedimentos especiais em busca de uma tutela jurisdicional diferenciada para o direito material; o princípio da igualdade é a base que fundamenta a existência de tutelas provisórias baseadas em cognição sumária, já que há situações de urgência (ou de evidência) que merecem um tratamento desigual diante de sua peculiaridade; a igualdade sempre esteve presente na concessão de privilégios processuais a determinadas pessoas, como é o caso da Fazenda Pública em juízo ou o incapaz.

Não obstante a relevância do princípio da igualdade em todos os pormenores do devido processo legal, nunca se imaginou a incidência do principio da igualdade como norteador do conteúdo das decisões judiciais. Já está mais do que na hora de perceber a violência que é permitir que um órgão jurisdicional produza decisões judiciais díspares para casos semelhantes. O juiz do Civil Law, que é individualista por excelência, produz decisão judicial como representante de todo o sistema judiciário. A decisão judicial deve ser vista como um produto do sistema, e como tal não pode admitir decisões contrárias para casos iguais. A igualdade perante a lei inserida na Carta Magna, por razões clarividentes, deve ser interpretada como igualdade perante o Direito, caso em que se insere a decisão judicial, pois é instrumento que produz norma jurídica.

Decerto que o princípio constitucional da igualdade obrigado tanto os particulares quanto o Poder Público e, nesta seara, há de ser observado não apenas quando da edição das leis (em sentido amplo) ou da atuação da administração pública, mas também quando da concretização da função jurisdicional (FREDIE DIDIER JUNIOR, Curso de Direito Processual Civil, p. 399, ed. 9).

A segurança jurídica vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, também é um princípio indispensável para um Estado de Direito.

Neste sentido, interessante são as lições do professor Fredie Didier Júnior.

O indivíduo, muita vez, termina por pautar a sua conduta presente com base num comportamento adotado por outro indivíduo ou, o que mais nos interessa aqui, pelo Estado. Dentro dessa dimensão pública, é natural que as soluções dadas pelo Poder Judiciário às situações que lhe são postas para análise sejam levadas em consideração pelo indivíduo para moldar a sua conduta presente (FREDIE DIDIER JUNIOR, Curso de Direito Processual Civil, p. 400, ed. 9).

Para que haja previsibilidade no Direito, é necessário que o jurisdicionado tenha certeza do que o Poder judiciário entende por Direito. A previsibilidade só estará assegurada se a decisão judicial que produz a norma jurídica respeite a norma jurídica geral que foi produzida na atividade jurisdicional diante dos casos análogos. Como já foi pormenorizada, a decisão judicial é o “locus” de onde se obtém a certeza do Direito, pois a lei e a Constituição produzem Direito que ainda está inacabado, razão pela qual a confecção da norma jurídica geral é o regramento que os jurisdicionados irão se pautar. Este mister da atividade jurisdicional tem como exigência constitucional gerar previsibilidade do Direito para os jurisdicionados.

Se a segurança jurídica exige que a decisão judicial produza previsibilidade do Direito para os jurisdicionados, esta não basta. O precedente que foi produzido também deve ter continuidade na ordem jurídica. De nada adiantaria se fosse possível ao órgão jurisdicional que produziu o precedente obrigatório alterar o seu conteúdo de forma imotivada, pois haveria frustração da expectativa gerada nos jurisdicionados acerca do determinado sentido que existia no precedente formado. Lembre-se que, a revogação de um precedente deve se colmatar em mudanças sociais, econômicas ou em mudança de legislação, para, só assim, a segurança jurídica dos jurisdicionados não reste prejudicada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma teoria dos precedentes judiciais é uma necessidade para qualquer sistema jurídico que se preocupe com a igualdade das decisões judiciais e a segurança jurídica dos jurisdicionados. A dicotomia tradicionalmente existente entre os sistemas do Civil Law e do Common Law, hodiernamente não se mostram divergentes. A evolução do sistema jurídico romano-germânico alterou as suas premissas ideológicas, notadamente acerca do papel do juiz no exercício da jurisdição.

Se esta é a realidade atual, não há mais espaço para aceitarmos o mito do livre convencimento motivado em detrimento da igualdade das decisões judiciais para casos análogos. A igualdade das decisões judiciais insere-se, também, no conteúdo da decisão judicial, impondo, destarte, que os ordenamentos jurídicos passem a adotar o sistema de precedentes como um instrumento que torne mais eficaz a atividade jurisdicional.

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Sobre o autor
Renato Nascimento Lessa

Advogado OAB BA n° 40.539. Área de atuação: Cível e Consumidor. Graduado pela Universidade Católica do Salvador. Pós- graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera/LFG, coordenação do professor Fredie Didier. Aprovado e empossado nas funções de conciliador e juiz leigo, tendo exercido tais atividades entre 2015 e 2017. Telefone: (71) 992838762 (wapp)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Renato Nascimento. A teoria dos precedentes judiciais à luz dos princípios da segurança jurídica e da igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5869, 27 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69694. Acesso em: 18 abr. 2024.

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