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A insegurança jurídica e o risco Brasil

10/11/2018 às 12:13
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A sentença judicial não pode ser uma surpresa para as empresas, apenas para os empresários menos avisados ou menos cautelosos, pois os riscos das ações em curso e suas consequências financeiras devem ser conhecidos.

A economia e o direito não são realidades dissociadas. Muito pelo contrário, devem sempre caminhar juntas, para o melhor desenvolvimento econômico do País.

Nesse sentido, é cediço reconhecer que o atributo da segurança jurídica, dentre outras virtudes, assegura a continuidade das empresas que já estão gerando emprego, renda e pagando tributos, assim como atrai novos empreendedores nacionais e estrangeiros, que são os responsáveis pelo desenvolvimento econômico.

Todavia, não é esse o cenário que se vê no Brasil de hoje. Muito pelo contrário, a cada dia os resultados das demandas judiciais surpreendem, cada vez mais constantemente e com maior intensidade, os juristas mais experientes em razão, sobretudo, do grau de afastamento das leis vigentes, da jurisprudência e da doutrina, até porque, no Brasil, nossos juízes são treinados para focarem os litígios em sua individualidade, não vislumbrando o juiz os efeitos de sua decisão na ordem econômica e no consequente desenvolvimento econômico.

"As consequências (e os efeitos político-jurídicos) de uma Decisão Judicial devem ser sempre considerados e, portanto, fazer parte da construção de sua elaboração." (DENIS LERRER ROSENFIELD; Esculhambação Institucional, O Globo, 12/12/2016, p. 12)

A atual situação de inquestionável imprevisibilidade das decisões judiciais (particularmente nos juízos monocráticos), alimentada pela falta de critérios técnico-hermenêuticos na fundamentação dos julgados, bem como o persistente distanciamento entre as conclusões sentenciais e o comando da lei e da própria jurisprudência dominante vem gerando situações de insegurança jurídica, que passou a ser denominada Risco Judiciário Brasil, uma importante e destacada espécie do consagrado "Risco Brasil". Neste compasso, os empresários ficam sem saber quais as regras de comércio, trabalhista, tributária e civil vão efetivamente prevalecer no contexto de suas respectivas atividades, gerando, em consequência, grande instabilidade econômica.

As diversas formas de entendimento para o mesmo fato, que ocorrem diariamente nos Juízos Singulares e nas Turmas e Câmaras dos diversos Tribunais da Justiça Brasileira e, muitas vezes, no contexto intrínseco da mesma Turma ou Câmara, dependendo da composição da turma julgadora, demonstra que muitas das vezes o que prevalece são as convicções pessoais do Julgador (algumas vezes até mesmo eivadas de inconfessáveis vaidades intelectuais) em detrimento da correta hermenêutica relativa ao comando legal ou mesmo da jurisprudência dominante ou consolidada.

A segurança jurídica é temporal; para o passado se tem a garantia de que nunca será objeto da deliberada proposta legislativa tendente a abolir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Para o presente tem-se a garantia da eficácia normativa das regras jurídicas positivadas (legislação) que são publicadas para o conhecimento de todos (efeitos erga omnes) e, finalmente, para o futuro temos a garantia da irretroatividade e da anterioridade da lei, sendo que este último é a possibilidade de se conhecer com antecedência o conteúdo da nova lei.

Dessa forma a falta de previsibilidade das decisões judiciais traz a incerteza, intranquilidade e falta de confiança de que os atos praticados estão de acordo com ordem jurídica vigente, visto que o dever jurídico baseia-se exclusivamente na normatividade jurídica em vigor que o impõe e que foi prescrita pela ordem social.

Essa falta de previsibilidade das decisões judiciais impede o empresário de conduzir e planejar suas relações jurídicas, pois os riscos empresariais assumidos estão alicerçados necessariamente na previsibilidade e calculabilidade dos efeitos jurídicos dos direitos e obrigações assumidas.

Em última análise, concordamos com o Ministro (aposentado) do Superior Tribunal de Justiça (STJ) JOSÉ AUGUSTO DELGADO[3] quando ressalta que a Segurança Jurídica representa, em última análise, a confiabilidade no sistema legal aplicado, na inexistência de julgamentos parciais e na não alteração injustificada da jurisprudência dominante sobre determinado tema.

Assumir riscos empresariais não pode significar um mergulho em um abismo de incertezas e rumo ao completo desconhecido. Muito pelo contrário, assumir riscos empresariais significa assumir riscos ordinários, comuns, previsíveis, oriundos de relações jurídicas as quais os empresários farão no comando da sua empresa, posto que, antes de abrir seu fundo de comércio, o mesmo sempre fará a análise da legislação, civil, comercial, trabalhista, tributária, ambiental etc, mormente em sua área de atuação.

Após esse levantamento, deverá verificar também como os tribunais vêm decidindo a respeito das demandas afetas ao seu ramo de negócio, os valores das condenações e o grau de possibilidade de sair vencedor nestas demandas, de forma a contingenciar os valores envolvidos e, também, agir de forma preventiva para evitar ou extinguir litígios com grande possibilidade de perda. Após estas análises, haverá a dosimetria do risco jurídico do empreendimento que fará parte de sua planilha financeira e consequentemente do business plan.

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A sentença judicial não pode ser uma surpresa para as empresas, apenas para os empresários menos avisados ou menos cautelosos, pois os riscos das ações em curso e suas consequências financeiras devem ser conhecidos, por óbvio, levando-se em consideração a previsibilidade das decisões judiciais, pois não raro se vê casos de sentenças que levaram empresas à quebra, seja pela falta de experiência administrativa do empresário ou pela imprevisibilidade da decisão (muitas vezes ao arrepio da correta hermenêutica da legislação aplicável à espécie) ou do valor desarrazoado da condenação.

A falta de previsibilidade das decisões judiciais faz com que os empresários assumam riscos extraordinários, ocultos, obscuros, imprevisíveis e incalculáveis e, neste caso, não há como traçar estratégias para mitigar os riscos que poderão ser decisivos na viabilidade do empreendimento, mormente se este for de longo prazo.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) GILMAR MENDES[4] é preciso quando alega que diante da imprevisibilidade natural, ínsita a negócios de maior ou menor risco, a segurança das regras do jogo é garantia fundamental para aqueles que investem seu capital em diferentes empreendimentos.

Para os empresários que transacionarão com a administração pública, a situação é ainda pior, pois o princípio da confiança legítima que deveria orientar a relação jurídica entre Estado e particular, - e que, em síntese, significa que os atos administrativos devem se prolongar no tempo de forma a gerar no administrado uma expectativa de continuidade, necessária a estabilização das relações entre administração e os administrados -, também não vem sendo obedecido.

Com essa falta de comunicação entre direito e economia, os empresários não investem em países que não tenham estabilidade jurídica e previsibilidade nas decisões judiciais, preferindo levar seu capital para países nos quais estas condições já estejam acomodadas.

FÁBIO ULHOA COELHO[5] com maestria sintetiza que "se o grau de imprevisibilidade das decisões judiciais num certo país é mais acentuado que em outro, este último aparecerá como alternativa mais interessante para o investimento. A estabilidade do marco institucional é fator de atração de investimentos sadios. Se for considerável o risco de a norma regente do investimento não ser aplicada pelos Tribunais ou receber neles uma nova interpretação, o investidor não terá o retorno estimado e tenderá a redirecionar suas opções para outros países, em que tais distorções sejam menos frequentes."

A imprevisibilidade das decisões judiciais nos níveis hoje atingidos, mormente em matérias como redirecionamento das execuções fiscais e trabalhistas, revisão de contratos, formação de grupos econômicos, desconsideração da personalidade jurídica ordinária e inversa podem estar contribuindo para um acentuado e irreversível desequilíbrio da economia, além da queda no Produto Interno Bruto (PIB) em razão do crescimento da quebra de empresas e da falta de novos investimentos.

Porquanto, cabe exclusivamente ao Poder Judiciário evitar a imprevisibilidade das suas decisões e orientar seus juízes que o foco dos efeitos de suas decisões não é individual e sim o coletivo (social), visando o desenvolvimento econômico do país e o consequente bem-estar social.


NOTAS

[3] In Imprevisibilidade das decisões Judiciárias e seus reflexos na segurança jurídica.

[4] A Reforma do Sistema Judiciário no Brasil: Elemento Fundamental para Garantir Segurança Jurídica ao Investimento Estrangeiro. In: Doutrinas Essenciais, Direito Empresarial.Volume VIII. Arnoldo Wald (org). São Paulo. RT, 2011.p.771.

[5] IN “ A JUSTIÇA DESEQUILIBRANDO A ECONOMIA” artigo publicado no Valor Econômico de 10.11.2006.

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Sobre os autores
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Luciano Aragão

Mestre em Direito das Relações Econômicas. Professor da Graduação e Pós Graduação em Direito. Advogado, Sócio da Aragão Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis ; ARAGÃO, Luciano. A insegurança jurídica e o risco Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5610, 10 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70207. Acesso em: 23 nov. 2024.

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