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Inelegibilidade de gestores públicos com a Lei da Ficha Limpa e competência para julgamento de contas

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31/01/2019 às 13:45
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5. CONCLUSÃO

Por fim, abordaremos agora as conclusões do presente trabalho. A decisão do STF, em placar mínimo, reconhecendo a primazia do julgamento dos gestores ordenadores de despesas pelo Legislativo é controversa. Numa análise de interpretação literal do texto constitucional, os ministros demonstraram coerência em suas fundamentações, todavia, é imperioso reconhecer que a decisão segue na contramão do atual momento político do país e do sentimento de revolta com a corrupção, manifestado pela maioria da população. Em tempos de Lava-Jato, de condenações e prisões de políticos, de ressarcimentos de bilhões de reais em recursos desviados de órgãos e empresas públicas, advindos de esquema de corrupção em superfaturamento de obras e contratos públicos, ou até mesmo de tráfico de influência, se esperava uma decisão que trouxesse efeito prático e pedagógico para estimular as boas práticas de gestão na administração pública em todos os seus níveis.

Não se questiona a competência dos Tribunais de Contas para julgamento das contas de gestão, inclusive para aplicação de multas e sanções de inelegibilidade, mas o mesmo não prevalece em relação aos gestores que assumem a função de ordenadores de despesas, sendo que a estes os Tribunais de Contas emitem mero parecer opinativo, cabendo o julgamento de forma exclusiva e definitiva ao Poder Legislativo.

Ora, nessa toada, bastaria ao prefeito avocar todas as responsabilidades e funções como ordenador de despesas, acumulando, por exemplo, o cargo de prefeito com o de gestor dos fundos municipais de Saúde, Fundeb e tantos outros, para ficar submetido apenas ao julgamento político. É cediço que na grande maioria dos 5.570 municípios brasileiros, os prefeitos exercem grande influência sobre o Poder Legislativo, utilizando práticas nada republicanas, como oferta de cargos, vantagens e benefícios diretos e indiretos para construir uma ampla maioria na Câmara e governar com tranquilidade e sem maiores percalços.

Assim, arregimentando apoio de dois terços da Casa, o prefeito afastaria qualquer possibilidade de ver suas contas rejeitadas, o que acarretaria a inelegibilidade prevista na LC 135/2010. Ainda que o julgamento político não afaste a possibilidade de o mau gestor ser responsabilizado– seja nas esferas cível, penal e administrativa-, é forçoso reconhecer que se trata de um retrocesso e até mesmo de jogar na vala todo o trabalho técnico realizado por auditores, promotores de contas e todo o quadro técnico do Tribunal de Contas, que ressalte-se, no mais das vezes, é altamente qualificado, excetuando o caráter eminentemente político que predominanas indicações para conselheiros.

O enfraquecimento dos Tribunais de Contas a partir da decisão do STF privilegia o jogo político em detrimento do controle técnico.É preciso avançar na mudança de composição e indicação dos conselheiros, evitando que os Tribunais se tornem um prêmio de consolação para políticos em fim de carreira, mas não podemos aceitar o enfraquecimento desse órgão de controle externo, sendo reduzido a mero órgão auxiliar do Legislativo, emitindo parecer que pode ser ignorado por dois terços de uma Casa legislativa, sem exigir nenhuma fundamentação ou explicação e de forma obscura, já que essa votação é secreta.

Ainda nesta seara, é preciso dar ênfase ao controle social, que talvez seja a forma mais efetiva de controle externo da administração pública. O cidadão, que é quem financia a administração pública e o destinatário final de seus serviços, deve participar ativamente e acompanhar todos os atos de uma gestão, atuando na manutenção e reconstrução desse sistema. No Brasil, está expresso logo no 1º artigo da Constituição que o titular do poder político é o povo e esse povo não pode delegar de forma absoluta sua função de fiscalizar e acompanhar os atos da administração. Reduzir esse controle à atuação do Ministério Público, do Legislativo, dos Tribunais de Contas e de algumas ONGs e poucos cidadãos conscientes, é abdicar de uma prerrogativa basilar e estruturante do nosso regime democrático de direito, que contribui para a manutenção do status quo dominante em nosso país, infelizmente.

A despeito de ser recente a decisão do STF no tocante ao tocante do julgamento de contas, considerando a mutabilidade na aplicação e interpretação do direito enquanto instrumento de controle social, necessário se faz que a máxima Corte do país comece a ser provocada no sentido de rever o precedente criado com o julgamento dos Recursos Extraordinários citados nesse trabalho. O fenômeno conhecido como overruling significa que o tribunal poderá modificar seu entendimento anterior, em razão de uma nova realidade política, justificando a mudança de posicionamento. Trata-se da superação de precedentes, fugindo à regra de estabilidade das decisões[30]. Dificilmente isso ocorrerá se não houver mudança na composição na Corte, mas apesar nada impede que novos argumentos levados à Corte façam algum ministro mudar seu posicionamento, pois o placar da votação foi mínimo, com seis votos a cinco. Essa superação pode ser parcial, através da transformação ou reescrita (overriding), sendo nesta uma modificação que condiciona a aplicação a determinadas situações, como no caso citado dos prefeitos que avocam as funções de ordenadores de despesas.

De forma paralela e concomitante, resta torcer para que a sociedade tome as rédeas no controle do bom uso dos recursos públicos, efetivando o controle social, conforme já exposto. Portanto, o interesse público deve prevalecer, garantindo maior eficácia no uso de bens e dinheiros públicos e qualquer forma que possa contribuir para aprimorar o controle de tais recursos deve ser estimulada. Que em cada cidadão desperte o interesse em compreender como funciona a máquina pública e todas as etapas do ciclo orçamentário, desde a previsão da despesa, arrecadação, aplicação do recurso, fiscalização e aprovação das contas. O cidadão preparado, politizado e cônscio do seu direito-dever com a coisa pública, é a ferramenta mais eficiente no controle da administração.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAXIMINO, Erivaldo. Inelegibilidade de gestores públicos com a Lei da Ficha Limpa e competência para julgamento de contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5692, 31 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70247. Acesso em: 22 nov. 2024.

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