5. CONCLUSÃO
Por fim, abordaremos agora as conclusões do presente trabalho. A decisão do STF, em placar mínimo, reconhecendo a primazia do julgamento dos gestores ordenadores de despesas pelo Legislativo é controversa. Numa análise de interpretação literal do texto constitucional, os ministros demonstraram coerência em suas fundamentações, todavia, é imperioso reconhecer que a decisão segue na contramão do atual momento político do país e do sentimento de revolta com a corrupção, manifestado pela maioria da população. Em tempos de Lava-Jato, de condenações e prisões de políticos, de ressarcimentos de bilhões de reais em recursos desviados de órgãos e empresas públicas, advindos de esquema de corrupção em superfaturamento de obras e contratos públicos, ou até mesmo de tráfico de influência, se esperava uma decisão que trouxesse efeito prático e pedagógico para estimular as boas práticas de gestão na administração pública em todos os seus níveis.
Não se questiona a competência dos Tribunais de Contas para julgamento das contas de gestão, inclusive para aplicação de multas e sanções de inelegibilidade, mas o mesmo não prevalece em relação aos gestores que assumem a função de ordenadores de despesas, sendo que a estes os Tribunais de Contas emitem mero parecer opinativo, cabendo o julgamento de forma exclusiva e definitiva ao Poder Legislativo.
Ora, nessa toada, bastaria ao prefeito avocar todas as responsabilidades e funções como ordenador de despesas, acumulando, por exemplo, o cargo de prefeito com o de gestor dos fundos municipais de Saúde, Fundeb e tantos outros, para ficar submetido apenas ao julgamento político. É cediço que na grande maioria dos 5.570 municípios brasileiros, os prefeitos exercem grande influência sobre o Poder Legislativo, utilizando práticas nada republicanas, como oferta de cargos, vantagens e benefícios diretos e indiretos para construir uma ampla maioria na Câmara e governar com tranquilidade e sem maiores percalços.
Assim, arregimentando apoio de dois terços da Casa, o prefeito afastaria qualquer possibilidade de ver suas contas rejeitadas, o que acarretaria a inelegibilidade prevista na LC 135/2010. Ainda que o julgamento político não afaste a possibilidade de o mau gestor ser responsabilizado– seja nas esferas cível, penal e administrativa-, é forçoso reconhecer que se trata de um retrocesso e até mesmo de jogar na vala todo o trabalho técnico realizado por auditores, promotores de contas e todo o quadro técnico do Tribunal de Contas, que ressalte-se, no mais das vezes, é altamente qualificado, excetuando o caráter eminentemente político que predominanas indicações para conselheiros.
O enfraquecimento dos Tribunais de Contas a partir da decisão do STF privilegia o jogo político em detrimento do controle técnico.É preciso avançar na mudança de composição e indicação dos conselheiros, evitando que os Tribunais se tornem um prêmio de consolação para políticos em fim de carreira, mas não podemos aceitar o enfraquecimento desse órgão de controle externo, sendo reduzido a mero órgão auxiliar do Legislativo, emitindo parecer que pode ser ignorado por dois terços de uma Casa legislativa, sem exigir nenhuma fundamentação ou explicação e de forma obscura, já que essa votação é secreta.
Ainda nesta seara, é preciso dar ênfase ao controle social, que talvez seja a forma mais efetiva de controle externo da administração pública. O cidadão, que é quem financia a administração pública e o destinatário final de seus serviços, deve participar ativamente e acompanhar todos os atos de uma gestão, atuando na manutenção e reconstrução desse sistema. No Brasil, está expresso logo no 1º artigo da Constituição que o titular do poder político é o povo e esse povo não pode delegar de forma absoluta sua função de fiscalizar e acompanhar os atos da administração. Reduzir esse controle à atuação do Ministério Público, do Legislativo, dos Tribunais de Contas e de algumas ONGs e poucos cidadãos conscientes, é abdicar de uma prerrogativa basilar e estruturante do nosso regime democrático de direito, que contribui para a manutenção do status quo dominante em nosso país, infelizmente.
A despeito de ser recente a decisão do STF no tocante ao tocante do julgamento de contas, considerando a mutabilidade na aplicação e interpretação do direito enquanto instrumento de controle social, necessário se faz que a máxima Corte do país comece a ser provocada no sentido de rever o precedente criado com o julgamento dos Recursos Extraordinários citados nesse trabalho. O fenômeno conhecido como overruling significa que o tribunal poderá modificar seu entendimento anterior, em razão de uma nova realidade política, justificando a mudança de posicionamento. Trata-se da superação de precedentes, fugindo à regra de estabilidade das decisões[30]. Dificilmente isso ocorrerá se não houver mudança na composição na Corte, mas apesar nada impede que novos argumentos levados à Corte façam algum ministro mudar seu posicionamento, pois o placar da votação foi mínimo, com seis votos a cinco. Essa superação pode ser parcial, através da transformação ou reescrita (overriding), sendo nesta uma modificação que condiciona a aplicação a determinadas situações, como no caso citado dos prefeitos que avocam as funções de ordenadores de despesas.
De forma paralela e concomitante, resta torcer para que a sociedade tome as rédeas no controle do bom uso dos recursos públicos, efetivando o controle social, conforme já exposto. Portanto, o interesse público deve prevalecer, garantindo maior eficácia no uso de bens e dinheiros públicos e qualquer forma que possa contribuir para aprimorar o controle de tais recursos deve ser estimulada. Que em cada cidadão desperte o interesse em compreender como funciona a máquina pública e todas as etapas do ciclo orçamentário, desde a previsão da despesa, arrecadação, aplicação do recurso, fiscalização e aprovação das contas. O cidadão preparado, politizado e cônscio do seu direito-dever com a coisa pública, é a ferramenta mais eficiente no controle da administração.
REFERÊNCIAS
BARRETO, Wagner da Silva. Tribunais de Contas: conceito, funções, competências, histórico, natureza jurídica e acórdão do TCU. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17384. Acesso em 29 out.2017
BRASIL, Constituição (1891). Constituição da República Federativa do Brasil de 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em 29 out.2017
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 29 out.2017
CONGRESSO EM FOCO. TCU reage a declarações de Joaquim Barbosa: “destempero e desequilíbrio”. Disponível em: <https://www.congressoemfoco.uol.com.br/noticias/tcu-reage-a-declaracoes-de-joaquim-barbosa-%E2%80%98destempero%E2%80%99-e-%E2%80%98desequilibrio%E2%80%99/>. Acesso em 30 out.2017
CRETELLA JUNIOR, J.;Natureza das decisões do Tribunal de Contas.Revista de Informação Legislativa, v. 24, n. 94, p. 183-198, abr./jun. 1987 | Revista de direito administrativo, n. 166, p. 1-16, out./dez. 1986Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/181721>.
FURTADO, José de Ribamar Caldas. Os regimes de contas públicas: contas de governo e contas de gestão. Disponível em: <http://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/viewFile/438/488>. Acesso em: 15 de maio de 2017.
GOIAS, Constituição (1989). Constituição do Estado de Goiás. Disponível em: <http://www.gabinetecivil.goias.gov.br/constituicoes/constituicao_1988.htm>. Acesso em 30 out.2017
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
GOMES, Emerson Cesar da Silva. Tribunais de Contas dos Brasil: Composição, Organização e Competências. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.24213&seo=1>. Acesso em: 31 out. 2017
LAGO, Rodrigo Pires Ferreira. A Lei Ficha Limpa e as contas dos chefes do Poder Executivo. 2010. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/a-ficha-limpa-e-as-contas-dos-chefes-do-poder-executiv>. Acesso em: 17 ago. 2010.
MARANHÃO, Jarbas. Origem dos Tribunais de Contas. Evolução do Tribunal de Contas no Brasil. Revista de Informação Legislativa, v. 29, n. 113, p.327-330, jan./mar. 1992. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/175976>. Acesso em 29 out.2017
MELO, Verônica Vaz de. Tribunal de Contas: história, principais características e importância na proteção do patrimônio público brasileiro. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11198>. Acesso em 29 out.2017
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS. “Promotora questiona nomeação de Helder Valin para conselheiro do TCE.”Disponível em: <http://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/promotora-questiona-nomeacao-de-helder-valin-para-conselheiro-do-tce#.Wf-EX9xhnIU>. Acesso em 05 nov.2017
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS. “Promotora quer anular nomeação de Nilo Resende para conselheiro do TCM.”Disponível em: <http://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/promotora-quer-anular-nomeacao-de-nilo-resende-para-conselheiro-do-tcm#.Wf-FVtxhnIU>. Acesso em 05 nov.2017
MOVIMENTO DE COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL (MCCE). Projetos de iniciativa popular. Brasília, 2018. Disponível em: <http://www.mcce.org.br/leis/lei-complementar-1352010-lei-da-ficha-limpa/>. Acesso em 27fev.2018
Nota pública da Atricon. Disponível em <http://www.atricon.org.br/wp-content/uploads/2016/08/nota-pu%CC%81blica-conjunta.pdf>
______. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp64.htm>. Acesso em: 16 set. 2014.
______. Orçamento Geral do Estado de Goiás 2017. Lei 19.588, de 12/01/2017. Disponível em: <http://www.transparencia.go.gov.br/portaldatransparencia/planejamento-e-orcamento/pecas-do-orcamento>. Acesso em 30 out.2017
PANUTTO, Peter.; A tutela constitucional da moralidade administrativa e a minirreforma eleitoral objeto do projeto de lei 5.735/2013 da Câmara dos Deputados.Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 91, p. 523-540, abr-jun, 2015.
PINTO JUNIOR, Paulo Roberto Fernandes; A inelegibilidade por rejeição de contas e as alterações promovidas pela Lei da Ficha Limpa. Disponível emhttp://www.jus.com.br/947802-paulo-roberto-fernandes-pinto-junior/publicacoes. Acesso em 01/03/2018.
PEIXOTO, Ravi. A superação de precedentes (overruling) no Código de Processo Civil de 2015.Revista de Processo Civil Comparado, v. 03, p.3, jun./nov. 2016. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RProComp_n.3.07.PDF>. Acesso em 14 abr.2018
PONTES DE MIRANDA, 1969. Comentários à constituição de 1967. Tomo III (arts. 34-112). Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 245.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constititucional Positivo. 34 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010.
______.Supremo Tribunal Federal. RE nº 848.826/DF, rel. Min. LUIS ROBERTO BARROSO. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 10/03/2018
______.Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 11060/GO, rel. Min. PAULO MEDINA, pub. No DJ de 16.09.2002, p.159
______.Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 13499/CE, 2ª Turma, rel. Min. ELIANA CALMON, pub. No DJ de 14.10.2002, p.198
______.Supremo Tribunal Federal. RE nº 132747/DF, rel. Min. MARCO AURELIO DE MELLO, DJU 07.12.1995, p. 42610
______.Supremo Tribunal Federal. RE nº 848.826/DF, rel. Min. LUIS ROBERTO BARROSO. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 10/03/2018
TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE GOIÁS (TCM-GO). Informações institucionais. Histórico. Goiás, 2017. Disponível em: <https://www.tcm.go.gov.br/site/o-tcm/historico/>. Acesso em 30 out.2017
ZAVASCKI, TeoriAlbino.Direitos políticos – perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 977, p. 27-39, mar, 2017.