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Função social da farmácia como estabelecimento de saúde

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02/11/2023 às 11:28
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5 PROFISSIONAL FARMACÊUTICO

5.1 Preceitos éticos

A globalização e a facilidade dos meios de comunicação de massa cobram um novo perfil do profissional, em todos os segmentos do saber. O exercício de qualquer atividade profissional que enseje conhecimentos técnicos e profissionais, reclamando qualificação adequada, ligada à existência de lei, nesse sentido, implica em conduta ímpar, acima da exegese da legislação.

No que concerne aos profissionais da área de farmácia, as Resoluções nº 417 e nº 418, ambas de 29 de setembro de 2004, versam, respectivamente, sobre a ética e o código de processo ético da profissão farmacêutica no país, revogando as Resoluções nº 241/1993, nº 259/1994 e nº 290/1996, que tratavam da matéria.

A Resolução nº 417/2004 preceitua as seguintes disposições:

Art. 2° - O farmacêutico atuará sempre com o maior respeito à vida humana, ao meio ambiente e à liberdade de consciência nas situações de conflito entre a ciência e os direitos fundamentais do homem.

Art. 3° - A dimensão ética da profissão farmacêutica é determinada, em todos os seus atos, pelo benefício ao ser humano, à coletividade e ao meio ambiente, sem qualquer discriminação.

Art. 4º - Os farmacêuticos respondem pelos atos que praticarem ou pelos que autorizarem no exercício da profissão.

Oportuno lembrar que também foi editada a Resolução nº 431, de 17 de fevereiro de 2005, dispondo acerca das infrações e sanções éticas e disciplinares aplicadas aos farmacêuticos, o que torna limitada a ação punitiva nos termos do artigo 30, da Lei nº 3.820/1960, não vinculando ao interesse subjetivo do aplicador da penalidade, mas definindo com clareza a previsão e a gradação da pena aplicada.

5.2 Prescrição de medicamentos

A Resolução do Conselho Federal de Farmácia - CFF nº 585, de 29 de agosto de 2013, foi editada para regulamentar as atribuições clínicas do farmacêutico, constituindo os direitos e as responsabilidades desse profissional no que concerne a sua área de atuação63.

Em seu art. 7º, foram relacionadas 28 (vinte e oito) atribuições clínicas do profissional em tela relativas ao cuidado à saúde, nos âmbitos individual e coletivo. Dentre elas, ressalta-se a que mais concerne à possibilidade de o farmacêutico emitir prescrição de determinados medicamentos, senão vejamos: XXVI - Prescrever, conforme legislação específica, no âmbito de sua competência profissional.

Ora, tendo em vista que, em princípio, a prescrição aduz a ideia de que seria um ato intrínseco à atividade médica, à primeira vista, tal normativo poderia estar exorbitando o limite da própria competência farmacêutica em relação aos profissionais que atuam no exercício da Medicina.

Tanto que o arcabouço de leis brasileiras possui várias regulamentações sobre a prescrição de medicamentos por médicos e sobre aspectos éticos a serem seguidos pelos profissionais envolvidos no processo.

As principais normas que versam a esse respeito são a Lei n.º 5.991, 1973 (art. 18, 39, 40 e 41), o Decreto n.º 3.181/1999 (art. 4º) que regulamenta a Lei n.º 9.787/1999 (art. 3º), Lei nº 6.360/1976 (§ 2º do art. 11, art. 46 e § 1º do art. 58), bem como a Resolução n.º 357/2001, do próprio Conselho Federal de Farmácia (CFF), que define as Boas Práticas em Farmácia.

Ao proceder à leitura de todas essas legislações é possível ver com clareza que a figura do agente prescritor, em sua grande maioria, concerne ao profissional legalmente habilitado para exercer a Medicina.

A propósito, aproximadamente 02 (dois) meses antes de a Resolução cff nº 585/2013 ser publicada, foi promulgada a Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, conhecida por Lei do Ato Médico. Ela dispõe sobre o exercício da Medicina. Nela, contudo, temos a seguinte disposição:

Art. 4º São atividades privativas do médico:

I - (VETADO);

II - indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios;

De antemão, nota-se que a prescrição a que alude o excerto legal acima não se refere a medicamentos, mas a procedimentos cirúrgicos. O inciso I, por sua vez, se não fosse vetado, estabeleceria como atividade privativa de médico a formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica64. A justificativa para a sua retirada foi a seguinte:

O texto inviabiliza a manutenção de ações preconizadas em protocolos e diretrizes clínicas estabelecidas no Sistema Único de Saúde e em rotinas e protocolos consagrados nos estabelecimentos privados de saúde. Da forma como foi redigido, o inciso I impediria a continuidade de inúmeros programas do Sistema Único de Saúde que funcionam a partir da atuação integrada dos profissionais de saúde, contando, inclusive, com a realização do diagnóstico nosológico por profissionais de outras áreas que não a médica. É o caso dos programas de prevenção e controle à malária, tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros. Assim, a sanção do texto poderia comprometer as políticas públicas da área de saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria65.

De igual modo, todas as outras hipóteses em que a prescrição médica estaria prevista na Lei nº 12.842/2013 receberam a chancela do veto constitucional apresentado pela presidente Dilma Rousseff.

Dentre elas, destacamos ainda os incisos vetados alusivos ao § 5º do art. 4º, que contemplariam hipóteses de exceção ao rol de atividades privativas do médico:

Incisos I, II e IV do § 5º do art. 4º

“I - aplicação de injeções subcutâneas, intradérmicas, intramusculares e intravenosas, de acordo com a prescrição médica;

II - cateterização nasofaringeana, orotraqueal, esofágica, gástrica, enteral, anal, vesical, e venosa periférica, de acordo com a prescrição médica;”

“IV - punções venosa e arterial periféricas, de acordo com a prescrição médica;”

Razões dos vetos

“Ao condicionar os procedimentos à prescrição médica, os dispositivos podem impactar significativamente o atendimento nos estabelecimentos privados de saúde e as políticas públicas do Sistema Único de Saúde, como o desenvolvimento das campanhas de vacinação. Embora esses procedimentos comumente necessitem de uma avaliação médica, há situações em que podem ser executados por outros profissionais de saúde sem a obrigatoriedade da referida prescrição médica, baseados em protocolos do Sistema Único de Saúde e dos estabelecimentos privados.”

Muito embora a Lei do Ato Médico não tenha abordado tópico relativo à prescrição de remédio, é oportuno observar que, em sua quase totalidade, os dispositivos vetados tiveram como justificativa o possível impacto que seria causado ao SUS, na hipótese de centralizar a prescrição de determinados temas tão-somente ao médico.

Ora, é sabido que o Sistema Único de Saúde, pela sua complexidade e características, necessita de políticas públicas que evoluam à medida que a sociedade vai passando por profundas e sensíveis transformações resultantes da demanda por serviços de saúde.

Sendo assim, a importância de se aprimorar uma política governamental repousa no fato de poder envidar esforços para executar, acompanhar e avaliar as ações pertinentes à finalidade para a qual foi criada.

Eis o razão por que foram estabelecidas as políticas farmacêuticas (Política Nacional de Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica), cujo fundamento seja garantir o acesso da população a medicamentos essenciais com qualidade e segurança, promovendo seu uso racional.

Considerando que a maioria das intervenções em saúde envolve o uso de medicamentos e que este uso pode ser determinante para a obtenção de menor ou maior resultado, o profissional farmacêutico exerce função importantíssima ao entregar o medicamento ao usuário com orientação do uso.

Sob esse prisma, a ideia de expandir para os tais profissionais maior responsabilidade perante o cidadão que vai até a farmácia, intensificando o processo de cuidado, fez com que CFF definir como atribuição do farmacêutico a possibilidade de prescrição de dados medicamentos, por meio da Resolução nº 585, de 29 de agosto de 2013, abordada no início deste tópico.

Concomitantemente, o Conselho editou na mesma data a Resolução nº 586/201366, com o fito de regular aquela que a precedeu no que tange à prescrição farmacêutica, trazendo o conceito de prescrição como ação de recomendar algo ao paciente.

A citada norma preceitua ainda que tal recomendação pode incluir a seleção de opção terapêutica, a oferta de serviços farmacêuticos ou o encaminhamento a outros profissionais ou serviços de saúde.

Adicionalmente, ela considera a prescrição como uma atribuição clínica do farmacêutico, definindo sua natureza, especificando e ampliando o seu escopo para além do produto e descrevendo seu processo na perspectiva das boas práticas, além de estabelecendo seus limites e a necessidade de documentar e avaliar as atividades de prescrição.

O artigo 3º da Resolução CFF nº 586/2013 define prescrição farmacêutica como o ato pelo qual o farmacêutico seleciona e documenta terapias farmacológicas e não farmacológicas, e outras intervenções relativas ao cuidado à saúde do paciente, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde, e à prevenção de doenças e de outros problemas de saúde.

Trata-se de uma das atribuições clínicas do farmacêutico, estabelecida no Capítulo I, art. 7º, inciso XXVI da Resolução CFF nº 585/2013.

Esta definição estabelece uma compreensão ampliada do que é prescrição farmacêutica. A prescrição é vista como um ato que está inserido no contexto do cuidado do paciente e das atribuições clínicas do profissional, e que não se restringe à escolha e recomendação documentada de medicamentos, mas também de terapêuticas não farmacológicas e outras intervenções em saúde.

Em todo caso, com vistas a não deixar margem de dúvida acerca da amplitude de competência para prescrever medicamentos, o art. 5º impôs a seguinte determinação:

Art. 5º - O farmacêutico poderá realizar a prescrição de medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica, cuja dispensação não exija prescrição médica, incluindo medicamentos industrializados e preparações magistrais - alopáticos ou dinamizados -, plantas medicinais, drogas vegetais e outras categorias ou relações de medicamentos que venham a ser aprovadas pelo órgão sanitário federal para prescrição do farmacêutico.

Vê-se, destarte, que o objetivo não era avocar competência médica sobre a demanda, mas, de outro modo, incluir maior acompanhamento e controle na dispensação de medicamentos.

Em acréscimo, vale ressaltar o disposto no artigo 6º, que detalha as condicionalidades para realizar a prescrição farmacêutica:

Art. 6º - O farmacêutico poderá prescrever medicamentos cuja dispensação exija prescrição médica, desde que condicionado à existência de diagnóstico prévio e apenas quando estiver previsto em programas, protocolos, diretrizes ou normas técnicas, aprovados para uso no âmbito de instituições de saúde ou quando da formalização de acordos de colaboração com outros prescritores ou instituições de saúde.

§ 1º - Para o exercício deste ato será exigido, pelo Conselho Regional de Farmácia de sua jurisdição, o reconhecimento de título de especialista ou de especialista profissional farmacêutico na área clínica, com comprovação de formação que inclua conhecimentos e habilidades em boas práticas de prescrição, fisiopatologia, semiologia, comunicação interpessoal, farmacologia clínica e terapêutica.

Cabe esclarecer que, como visto na transcrição normativa acima, a prescrição não é obrigatória ao profissional farmacêutico, mas facultativa. Em outras palavras, a resolução amplia a liberdade e a consequente responsabilidade do exercício profissional, devendo, logicamente, serem respeitados os princípios legais e éticos da profissão.

Ato contínuo, esse grau maior de responsabilidade sanitária pela segurança do paciente possibilita, sobretudo, a rastreabilidade das ações pelo órgão fiscalizador.

Nesse mesmo sentido, também viabiliza um controle mais efetivo sobre os riscos inerentes à utilização de medicamentos e o desenvolvimento de ações visando ao seu uso responsável.

Do ponto de vista prático, visando dar ainda mais clareza à pesquisa, apresentamos adiante ilustrações67 indicando o que o farmacêutico faz hoje e as mudanças trazidas pelas Resoluções nº 585 e nº 586/2013, do Conselho Federal de Farmácia:

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo.

5.3 Fiscalização

Toda a atividade profissional exercida por farmacêuticos, no Brasil, está sob a jurisdição do Conselho Federal de Farmácia, que regulamenta e disciplina o seu exercício, com base na Lei nº 3.820, dia 11 de novembro de 1960, a qual também criou os Conselhos Regionais.

Eles são dotados de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, destinados a zelar pela fiel observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais farmacêuticas no país (art. 1º).

Doutrinariamente, são considerados como autarquia federal especial corporativa, ou seja, fiscalizam e regulamentam o exercício da profissão farmacêutica.

Mas a doutrinadora em Direito Administrativo, Maria Sylvia Di Pietro, esse tipo de classificação carece de relevância, tendo em vista que o tipo de atividade não altera o regime jurídico68.

Aproximando-se da boa doutrina, mas omitindo a personalidade de direito público, que é essencial, o Decreto-Lei nº 200/1967, assim conceitua:

Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. (art. 5º, I)

Segundo outro administrativista, Hely Lopes Meirelles:

Essa conceituação legal, só cogente para a Administração federal, tem o mérito de impedir que a União outorgue às suas autarquias serviços impróprios do Pode Público, ou seja, atividades econômicas específicas da iniciativa privada, que só podem ser exploradas, suplementarmente, por empresas públicas e sociedade de economia mista, na forma estabelecida pela Constituição da República (art. 173 e §§).

Com essa limitação obviam-se, no âmbito federal, as frequentes distorções que se vinham observando, de atribuir-se atividades empresariais a autarquias, e serviços públicos a empresas estatais, gerando insolúveis problemas jurídicos, administrativos e tributários na sua organização e operação69.

No que tange às competências legais do CFF, em 2013, foram aprovadas resoluções que ampliaram o campo consideravelmente o campo de atuação do farmacêutico.

Dentre elas, cita-se a que regulamenta as especialidades farmacêuticas por linhas de atuação (nº 572/2013); a que dispõe sobre a saúde estética (nº 573/2013); a que regulamenta a dispensação e aplicação de vacinas em farmácias e drogarias (nº 574/2013); a que regulamenta a gestão da assistência farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (nº 578/2013); a que regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico (nº 585/2013); e a que regula a prescrição farmacêutica (nº 586/2013).

Em 2014, segundo o CFF70, há expectativa da aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 4.35/2012, que insere definitivamente o farmacêutico no SUS; do PL nº 113/2005, que aprova a jornada de trabalho para os farmacêuticos (30 horas semanais); do PL nº 5.359/2009, que define o piso salarial nacional para o farmacêutico; e do Substitutivo do Deputado Ivan Valente ao PL nº 4.385/94, que revoga a Lei nº 5.991/[73].

Cabe lembrar que ao Conselho compete também fiscalizar o exercício da profissão. Dada extensão territorial do Brasil, que possui atualmente 97.031 farmácias71, esse trabalho seria inexequível, se não a presença dos conselhos regionais nas unidades federativas.

Em âmbito local, no que pertine à fiscalização, números recentes demonstram que centenas de farmácias rondonienses funcionam com a ausência de profissional farmacêutico no Estado.

Por meio de relatório divulgado em seu sítio eletrônico72, o Conselho Regional de Farmácia em Rondônia (CRF-RO) divulgou a lista contendo o quantitativo de inspeções realizadas, em 2012, nos 52 (cinquenta e dois) municípios do Estado. A seguir, listamos os 10 (dez) onde houve o maior número de notificações:

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Tabela 3 – Municípios com farmácias inspecionadas pelo CRF-RO. Rondônia, 2012.

Ordem numérica

Município

Nº de inspeções

Nº autos firmas

irregulares

/ilegais

Nº autos farm.

Ausente

Total de autos

1

Porto Velho

1650

378

139

517

2

Ji-Paraná

609

333

51

384

3

Cacoal

453

212

32

244

4

Nova Mamoré

65

102

7

109

5

Jaru

256

81

14

95

6

Rolim de Moura

358

54

15

69

7

Candeias do Jamari

55

58

7

65

8

Machadinho do Oeste

87

52

8

60

9

Novo Horizonte do Oeste

37

44

9

53

10

Alto Alegre

38

43

9

52

Fonte: CRF-RO. Dados divulgados no site https://www.crf-ro.org.br. Acesso em 31/01/2014.

Naquele ano, 8,4% dos estabelecimentos visitados pelo CRF-RO na capital do Estado apresentaram falta de profissionais farmacêuticos. Os maiores percentuais ficaram a cargo das cidades de Novo Horizonte do Oeste e Alto Alegre, ambas com quase 25%.

Por outro lado, as farmácias dos municípios de Governador Jorge Teixeira, Ministro Andreazza, Parecis, Pimenteiras e Rio Crespo apresentaram excelente resultado. Nenhuma delas recebeu autuação por ausência do profissional em comento.

Em 2013, novas inspeções foram realizadas pelo Conselho local. Os dados adiante se referem ao período de janeiro a agosto:

Tabela 4 – Municípios com farmácias inspecionadas pelo CRF-RO. Rondônia, 2013.

Ordem numérica

Município

Nº de inspeções

Nº autos firmas

irregulares

/ilegais

Nº autos farm.

ausente

Total de autos

1

Porto Velho

1304

298

101

399

2

Ji-Paraná

260

85

14

99

3

Cacoal

256

91

6

97

4

Ouro Preto

213

59

19

78

5

Nova Mamoré

50

65

2

67

6

Rolim de Moura

207

44

11

55

7

Jaru

187

42

4

46

8

Buritis

89

39

5

44

9

Guajará Mirim

78

41

2

43

10

Machadinho do Oeste

76

28

8

36

Fonte: CRF-RO. Dados divulgados no site https://www.crf-ro.org.br. Acesso em 31/01/2014.

Desta vez, Porto Velho apresentou uma pequena redução no seu percentual, caindo para 7,7%. Pior foi a situação em Governador Jorge Teixeira. Segundo o relatório, todas as quatro inspeções realizadas no município entre 01/01/2013 e 31/08/2013 indicaram inexistência de farmacêutico.

Em contrapartida, tal fato não foi constatado nas farmácias de Candeias do Jamari, Mirante da Serra, Monte Negro, Nova Brasilândia, Nova União e Parecis.

5.4 Exigência de responsável técnico nos estabelecimentos de farmácia

A legislação farmacêutica preceitua que as empresas e estabelecimentos farmacêuticos estão obrigados a manter responsável técnico durante todo o período de funcionamento. É o que se depreende da norma contida no artigo 24 da Lei n° 3.820/1960:

Art. 24 - As empresas e estabelecimentos que exploram serviços para os quais são necessárias atividades de profissional farmacêutico deverão provar, perante os Conselhos Federal e Regionais que essas atividades são exercidas por profissionais habilitados e registrados.

O dispositivo legal supramencionado encontra esteio no artigo 15 da Lei nº 5.991/73, senão, vejamos:

Art. 15 - A farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.

§ 1º - A presença do técnico responsável será obrigatória durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento.

Cumpre asseverar que o legislador, visando garantir o direito adquirido daqueles que, em 1960, ocasião da publicação da Lei nº 3.820, eram proprietários de drogarias, admitiu exceção que permitia aos “oficiais e práticos de farmácia” assumir a responsabilidade técnica, o que foi sedimentado pela Súmula 120 do Superior Tribunal de Justiça.

Entretanto, não há de se confundir tal figura com os atuais “auxiliares” e/ou “técnicos” de farmácia, uma vez que à referida súmula foi assinalado claramente o entendimento de que:

SÚMULA Nº 120 (DJU 06/12/94 - pág. 33.786)

O oficial de farmácia, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, pode ser responsável técnico por drogaria.

Referência:

Lei nº 5.991, de 17/12/73, art. 15 caput. Lei nº 3. 820, de 11/11/60, art. 14, parágrafo único. Decreto nº 20.377, de 08/12/31, art. 2º, § 1º.

REsp 35.351-SP (1ª T 18/08/93 - DJ 08/11/93); REsp 32.533-SP (1ª T 29/11/93 - DJ 28/02/94); REsp 39.921-SP (2ª T 09/02/94 - DJ 07/3/94); REsp 41.782-SP (2ª T 23/03/94 - DJ 25/04/94); REsp 36.806-SP (2ª T 06/04/94 - DJ 25/04/94); REsp 37.205-SP (2ª T 16/11/94 - DJ 05/12/94).

Desse modo, pontua-se que a legislação farmacêutica não prevê a figura jurídica do “auxiliar” ou “técnico” de farmácia. Qualquer tentativa de utilizar a analogia entre os termos “auxiliares de farmácia” com a expressão “oficial de farmácia” seria equivocada.

A figura do “oficial e prático de farmácia” foi reconhecida no artigo 57 da Lei nº 5.991/73, regulamentada no artigo 59 do Decreto nº 74.170/74. Ademais, convém observar que os oficiais de farmácia são apenas aqueles que detêm um título legalmente expedido até 19/12/1973 e que eram proprietários ou co-proprietários de drogaria ou farmácia em 11/11/1960.

Logo, não há, pois, semelhança entre estes provisionados com os atuais “técnicos de farmácia” egressos de cursos de nível médio. Criou-se uma exceção para proteger o direito daqueles que, à época da edição da Lei nº 5.991/73, já exerciam a profissão farmacêutica, devendo ter alcance estrito ao texto legal.

Os “auxiliares” e “técnicos” de farmácia são técnicos de nível médio, formados em cursos profissionalizantes, cujo perfil ocupacional da referida profissão é resumido do seguinte modo:

Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, grupo 4.51.70, o auxiliar de farmácia realiza tarefas simples em farmácias, estocando e manipulando produtos já preparados, para atender os fregueses e auxiliar o farmacêutico:

Coloca etiquetas nos remédios (...) armazena os produtos, desempacotando-os ordenadamente (...) abastece as prateleiras (...) zela pela limpeza (...) limpa frascos, provetas e outros instrumentos (...) atende aos fregueses (...).

Todas estas funções em nada se assemelham à experiência dos oficiais e práticos de farmácia antes de 1973. São todas tarefas secundárias, que não exigem qualquer conhecimento técnico-científico dos insumos farmacêuticos.

Confiar a saúde pública apenas a pessoas com tal formação é subverter por completo o constitucional direito à saúde, indo de encontro à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a constitucionalidade do artigo 15 da Lei nº 5.991/[73].

Repisa-se que os “auxiliares” e “técnicos” de farmácia seguramente não se confundem com os oficiais e práticos de farmácia (os quais são apenas provisionados para resguardar direitos). Os oficiais existem como figura intermediária, para aqueles que exerciam suas profissões antes de 1973.

Nas palavras do então Procurador da República, Dr. Humberto Jacques de Medeiros:

O auxiliar de farmácia é, pois, figura completamente distinta. Passou por um treinamento singelo que não permite o exercício da responsabilidade técnica. É, sobretudo, um ajudante do farmacêutico, não podendo (e sem a menor condição de) substituí-lo.

É como permitir-se que a pessoa que faça um curso de ‘auxiliar de escritório de advocacia’ no SENAC seja equiparado aos provisionais e possa advogar.

Assim, não há possibilidade de assunção de responsabilidade técnica de “auxiliar/técnico de farmácia” por falta de previsão legal, por não encontrar respaldo na legislação farmacêutica, como podemos verificar nos artigos 13 e 14 da Lei nº 3.820/[60].

Sabe-se, contudo, que o legislador prevê uma exceção para o licenciamento de certos estabelecimentos, o que se pode concluir pelo disposto no § 3º do art. 15 da Lei nº 5.991/73, cujo excerto transcrevemos abaixo:

§3º – Em razão do interesse público, caracterizada a inexistência de farmácia e drogaria, e na falta de farmacêutico, o órgão sanitário de fiscalização local licenciará os estabelecimentos sob a responsabilidade técnica de prático de farmácia, oficial de farmácia ou outro, igualmente inscrito no conselho regional de farmácia, na forma da lei.

Dispõe ainda o Decreto nº 74.170/74:

Art. 28 - O poder público, através do órgão sanitário competente dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, poderá licenciar farmácia ou drogaria sob a responsabilidade técnica de prático de farmácia, oficial de farmácia ou outro, igualmente inscrito no CRF respectivo, na forma da lei, desde que:

i - o interesse público justifique o licenciamento, uma vez caracterizada a necessidade de instalação de farmácia ou drogaria no local; e

ii - que inexista farmacêutico na localidade, ou existindo não queira ou não possa esse profissional assumir a responsabilidade técnica pelo estabelecimento.

§ 1º - A medida excepcional de que trata este artigo poderá inclusive, ser adotada se determinada zona ou região, urbana, subúrbio rural, de elevada densidade demográfica, não contar com estabelecimento farmacêutico, tornando obrigatório o deslocamento do público para zonas ou regiões mais distantes, com dificuldades para seu atendimento.

[...]

Art. 29 – Ocorrendo a hipótese de que trata o artigo anterior, itens I, II e § 1º, os órgãos sanitários competentes dos estados, do Distrito Federal e dos Territórios, farão publicar edital na imprensa diária e na oficial, por oito dias consecutivos, dando conhecimento do interesse público e necessidade de instalação de farmácia ou drogaria em localidades de sua respectiva jurisdição.

Por certo, é mais do que evidente que a situação do aludido técnico de farmácia e de sua empresa não se enquadra nos casos excepcionais em que lei permite a assunção de responsabilidade técnica delegada a outro profissional que não o farmacêutico.

Não se caracteriza o interesse público na existência do estabelecimento, posto que existam outros suficientes para atender a população de maneira satisfatória.

Na realidade, da década de 70 até o corrente ano, com o significativo aumento dos cursos de farmácia nas faculdades nacionais, o quadro atual não mais possibilita o preenchimento dos requisitos da supracitada excepcionalidade, tanto que o Superior Tribunal de Justiça já sedimentou entendimento, sumulando a matéria.

A propósito, cumpre anotar que, nos termos da Súmula 275 do STJ, o auxiliar de farmácia não pode ser responsável técnico.

Logo, a atuação do profissional farmacêutico não se restringe ao ato de simplesmente comercializar medicamentos, drogas e insumos farmacológicos, mas constitui condição primordial à proteção e à recuperação da saúde individual e coletiva.

No julgado da Representação de Inconstitucionalidade nº 1.507-6/DF – STF, do voto do Ministro Relator se extrai a absoluta convicção de que a imposição da presença de um farmacêutico é constitucional, nos termos do artigo 15 da Lei 5.991/73, que é uma lei da vigilância sanitária, e não uma lei para a simples disciplina do exercício profissional ou comercial; ou seja, é uma lei que visa assegurar o direito à saúde.

A opção legislativa tende a assegurar o direito coletivo à saúde mediante uma restrição razoável do direito de exercício profissional e da atividade mercantil. A própria Constituição Federal assegura a possibilidade de limitar o exercício profissional.

Todavia, o texto constitucional não relativiza nem abre qualquer exceção ao direito à saúde. Ante o direito à vida e o direito à saúde, inúmeros outros se apequenam e cedem. Entre esses estão o direito à livre atividade profissional e a liberdade de comércio.

Assim, o farmacêutico, pela sua preparação científica e profissional, exerce papel fundamental na racionalização da automedicação, não só no que concerne na informação de medicamentos como no conselho e assistência ao enfermo (paciente) sobre o uso de um ou outro medicamento de venda livre ou na utilização do mesmo.

Cumpre frisar que há flagrante ilegalidade quando ocorre a atuação de leigos na manipulação ou dispensação de medicamentos, cujo ato é privativo farmacêutico, não admitindo sequer delegação, nos termos do artigo 1º do Decreto nº 85.878/[81].

Em complemento, cita-se que a Constituição Federal é clara quando enseja, no princípio esculpido no inciso II do artigo 5º, a determinação que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, bem como é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII).

Além disso, a Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, em seu artigo 4º, estabelece os conceitos fundamentais que serão observados em sua interpretação e na interpretação de toda legislação que trata da regulamentação da profissão farmacêutica.

No intuito de dirimir quaisquer questionamentos acerca do termo “técnico responsável” ou das atribuições exclusivas do profissional farmacêutico, o Decreto nº 85.878, de 07 de abril de 1981, define que:

Art. 1º - São atribuições privativas dos profissionais farmacêuticos:

I – desempenho de funções de dispensação ou manipulação de fórmulas magistrais e farmacopéicas, quando a serviço do público ou mesmo de natureza privada;

II – assessoramento e responsabilidade técnica em:

[...]

d) depósitos de produtos farmacêuticos de qualquer natureza;

Sopesando os dispositivos legais citados, pode-se afirmar que a farmácia que manipule, manuseie ou armazene, para qualquer fim, produtos farmacêuticos, deve contar com um responsável técnico, devidamente inscrito no CRF – Conselho Regional de Farmácia.

Continuando o raciocínio, observa-se nas disposições legais que só poderá exercer a função de responsável técnico em tais estabelecimentos o profissional farmacêutico, assim entendido como o profissional com formação em nível superior e devidamente habilitado pelo órgão que regulamenta sua classe profissional, neste caso, o CRF.

Ao exigir qualificação técnica superior e estabelecer que durante todo o tempo de seu funcionamento a farmácia conte com um profissional farmacêutico, estas normas deixam nítido seu intuito de proteger a saúde pública e garantir aos consumidores atendimento tecnicamente capaz de reduzir os riscos desta atividade.

Como bem assevera o Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Paulo Sepúlveda Pertence:

Ora, a exigência legal de assistência de técnico responsável, no Conselho Regional de Farmácia, constitui condição de capacidade para o funcionamento de farmácia e drogaria, com o objetivo de resguardar a saúde pública.

A legislação específica sempre incluiu no âmbito da atividade profissional do farmacêutico o comércio de drogas, medicamentos e outras especialidades farmacêuticas.

[...]

A Lei 5.991 de 1973, no art. 5º, torna privativo das empresas e estabelecimentos definidos no mesmo diploma o comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos e, no art. 15, impõe a assistência de técnico responsável para o funcionamento de farmácia e drogaria.

[...]

É inegável, portanto, que a exigência de técnico responsável para o funcionamento de drogarias, constitui condição voltada inteiramente para a defesa da saúde pública73.

Por derradeiro, anota-se que a Anvisa editou a Resolução nº 44, de 17 de agosto de 2009, exigindo das farmácias e drogarias, obrigatoriamente, a assistência de farmacêutico responsável técnico ou de seu substituto, durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento, nos termos da legislação.

5.5 Jurisprudência do TJ/RO que tratam da interdição de farmácias por ausência de farmacêutico

Mediante consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJ/RO), extraíram-se alguns julgados que consolidam a entendimento da corte de justiça estadual acerca do tema em epígrafe:

Apelação

Origem : 00139824620108220001

Porto Velho/RO (2ª Vara da Fazenda Pública)

Apelante : Drogaria Embratel Ltda.

Advogado : Breno Azevedo Lima (OAB/RO 2.039)

Apelado : Município de Porto Velho/RO

Procuradora : Shirley Conesuque Gurgel do Amaral (OAB/RO 705)

Relator : Desembargador Renato Mimessi

Revisor : Desembargador Rowilson Teixeira

Apelação. Mandado de segurança. Estabelecimento comercial. Contratação de farmacêutico. Insuficiência de profissionais. Ausência de provas. Dilação probatória. Via inadequada. O direito líquido e certo amparável pelo mandado de segurança deve vir demonstrado de plano, bem como a demonstração plena da situação fática que motiva a impetração, por meio de prova pré-constituída apta e bastante para evidenciá-la com clareza e certeza. Lícito é o ato da Vigilância Sanitária consistente em impor à farmácia, a obrigação de dispor de um farmacêutico, na forma prevista na legislação própria.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 2ª Câmaras Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas em, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Porto Velho, 7 de junho de 2011

DESEMBARGADOR(A) Renato Martins Mimessi (PRESIDENTE)

VOTO

DESEMBARGADOR RENATO MIMESSI

Em que pesem os pedidos trazidos pelo apelante em seu recurso, conclui-se que a sentença de primeiro grau não merece nenhum retoque. Primeiro, extrai-se dos autos que a inicial do mandado de segurança impetrado em primeiro grau trazia pedido um pouco distinto do contido no presente apelo, porquanto pretendia o impetrante, além da suspensão da ordem de fechamento do estabelecimento comercial, a determinação de que a Vigilância Sanitária se abstivesse de fiscalizar a farmácia pelo prazo de 60 dias.

A sentença entendeu ser poder-dever do impetrado a fiscalização dos estabelecimentos comerciais segundo as normas de vigilância sanitária, estando obrigado a conferir o cumprimento de todos os requisitos necessários ao regular atendimento da população, não havendo que se falar em ato arbitrário ou ilegal a ser sanado pela via do mandado de segurança.

O próprio apelante assume não estar cumprindo a exigência de ter em seu estabelecimento comercial um profissional farmacêutico durante oito horas diárias, fato que demonstra ser legítima a autuação.

No que se refere a inexistência de profissionais suficientes para atuarem na jornada diária exigida, ainda que tenha vindo nos autos editorial publicado em revista farmacêutica, onde constam algumas declarações no sentido de haver poucos farmacêuticos para atender à demanda local, tal fato não tem o condão de ensejar a procedência do pleito, uma vez que seria necessária a dilação probatória a respeito, a fim de saber, ao menos, o número de farmacêuticos registrados neste Estado, o que é vedado em sede de mandado de segurança. Percebe-se nitidamente que o objetivo da apelante é manter seu estabelecimento comercial aberto e em funcionamento, ainda que em desacordo com as condições impostas por lei.

Como frisado pelo Parquet, para cancelar o termo do interdição legitimamente lavrado, deveria o apelante valer-se de ação própria, que comporte a necessária instrução para fazer prova de suas alegações. Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.

É como voto.

Apelação

Origem : 00141842320108220001

Porto Velho/RO (2ª Vara da Fazenda Pública)

Apelante : Drogaria Megafarma Estrela Comercial Farmacêutica Ltda. – Me

Advogado : Breno Azevedo Lima (OAB/RO 2.039)

Apelado : Município de Porto Velho – RO

Procurador : Ricardo Amaral Alves do Vale (OAB/RO 2.130)

Apelado : Secretário Municipal de Saúde de Porto Velho/RO

Procuradora : Shirley Conesuque Gurgel do Amaral (OAB/RO 705)

Relator : Desembargador Rowilson Teixeira

Revisor : Desembargador Walter Waltenberg Silva Junior

Processo Civil e Administrativo. Farmácia. Interdição. Ausência de profissionais para contratação. Não comprovação da alegação. Mandado de segurança. Ausência de direito líquido e certo.

No mandado de segurança a prova deve ser pré-constituída a ponto de se comprovar, de plano, a existência de direito, assim, inexiste direito líquido e certo de proprietário de farmácia em desconstituir interdição pública do estabelecimento, ao argumento de inexistência de profissionais - farmacêuticos - no mercado para contratação, quando o impetrante não trouxe prova inequívoca e absoluta de sua alegação.

ACÓRDAO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas em, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Porto Velho, 26 de abril de 2011

DESEMBARGADOR(A) Renato Martins Mimessi (PRESIDENTE)

VOTO

DESEMBARGADOR ROWILSON TEIXEIRA

O recurso é próprio e tempestivo, portanto dele conheço. Em síntese, o argumento da recorrente é de que o fechamento da farmácia é ilegal (ausência de razoabilidade), porquanto não há farmacêuticos no mercado para contratação. Pois bem, no mandado de segurança, a prova deve vir préconstituída, de tal modo que se comprove, de plano, o direito violado. Nesse sentido cito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO INATIVO. GRATIFICAÇÃO. EXTENSÃO. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. INEXISTÊNCIA.

1. A via do mandado de segurança exige a prova pré-constituída do direito alegado, sendo inadmissível a dilação probatória, razão pela qual o direito vindicado deve emergir líquido e certo, o que não ocorreu na espécie.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – Sexta Turma - AgRg. no RMS 15.461/GO, Rel. Ministro OG FERNANDES, julgado em 1º/3/2011)

No presente caso, alega-se a inexistência de farmacêuticos no mercado a ponto de que não se possa contratá-los, e consequentemente, cumprir a lei que obriga as farmácias a terem farmacêuticos em seus quadros funcionais. Porém, nos autos, tal alegação não ficou comprovada, uma vez que não há prova que ateste inequívoca e absolutamente a inexistência de profissionais aptos a serem contratados. Ora, estabelece o Decreto n. 74.170/74 (revigorado e alterado pelo Medida Provisória n. 2.190-34/2001) o seguinte: Art. 28 - O poder público, através do órgão sanitário competente dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, poderá licenciar farmácia ou drogaria sob a responsabilidade técnica de prático de farmácia, oficial de farmácia ou outro, igualmente inscrito no Conselho Regional de Farmácia respectivo, na forma da lei, desde que:

I - o interesse público justifique o licenciamento, uma vez caracterizada a necessidade de instalação de farmácia ou drogaria no local; e

II - que inexista farmacêutico na localidade ou, existindo, não queira ou não possa esse profissional assumir a responsabilidade técnica pelo estabelecimento.

Assim, a excludente imposta pela norma deve ser comprovada, no caso do mandado de segurança, de forma incontinente, o que não aconteceu nos autos, pois não há nenhuma declaração do Conselho Regional de Farmácia atestando a inexistência de profissionais. Assim, com acerto a sentença de primeiro grau que denegou a segurança, uma vez que não há direito líquido e certo a ser tutelado. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

Apelação

Origem : 00139833120108220001

Porto Velho/RO (2ª Vara da Fazenda Pública)

Apelante : Angelves Ltda. – ME

Advogado : Breno Azevedo Lima (OAB/RO 2.039)

Apelado : Município de Porto Velho – RO

Procurador : Ricardo Amaral Alves do Vale (OAB/RO 2.130)

Procuradora : Shirley Conesuque Gurgel do Amaral (OAB/RO 705)

Relator : Desembargador Eliseu Fernandes

Revisor : Juiz Francisco Prestello de Vasconcellos

Estabelecimento Comercial. Pequena empresa. Farmácia. Vigilância sanitária. Interdição. Ausência de técnico farmacêutico. Violação a lei.

O fato de ser de pequeno porte, com mínimo faturamento, não autoriza o estabelecimento farmacêutico a descumprir a lei de vigilância sanitária, deixando de manter a assistência de técnico farmacêutico.

ACÓRDAO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 1ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas em, POR UNANIMIDADE, NEGAR AO RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Porto Velho, 27 de janeiro de 2011

DESEMBARGADOR(A) Eurico Montenegro (PRESIDENTE)

VOTO

DESEMBAGADOR ELISEU FERNANDES

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, por isso dele conheço. A recorrente, empresa do ramo de venda de medicamentos, foi autuada pela fiscalização da vigilância sanitária do Município de Porto Velho, por não apresentar Alvará de Funcionamento, condicionado à apresentação de Certificado de Regularidade Técnica – CRT, cuja expedição pelo Conselho Regional de Farmácia de Rondônia depende do cumprimento da exigência de manter um farmacêutico contratado, durante o horário comercial de funcionamento. Postula a reforma da sentença que lhe denegou mandado de segurança, por reconhecendo regularidade ao ato dito ilegal, consistente no Termo de Interdição n. 01661, de 20/07/2010.

A Lei n. 5.991/73 dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, impondo às empresas que desenvolvem a atividade a obrigatoriedade de manter assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, com jornada de trabalho de 8 horas diárias, durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento o comercial (art. 15, § 1º).

O Município editou a Lei n. 1.562/2003, dispondo no parágrafo único do art. 25 que: Os estabelecimentos que desenvolvam atividades relacionadas aos produtos medicamentos, produtos químicos, agropecuários, veterinários, bioterápicos e correlatos, só poderão funcionar depois de autorizados pelo órgão sanitário municipal, sob a direção e responsabilidade de profissional habilitado na forma da lei em número suficiente às atividades desenvolvidas e ao horário de funcionamento dos referidos estabelecimentos.

A Anvisa editou a Resolução n. 44 de 17 de agosto de 2009, exigindo das Farmácias e Drogarias, os seguintes documentos: As farmácias e as drogarias devem ter, obrigatoriamente, a assistência de farmacêutico responsável técnico ou de seu substituto, durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento, nos termos da legislação vigente.

Pois bem, o apelante não nega o descumprimento do comando legal, atribuindo-o, contudo, à insuficiência de profissionais habilitados na região, além de que o piso salarial de R$4.000,00 estaria a inviabilizar a contratação de farmacêutico, por ser farmácia de pequeno porte. Fls. 5 Documento assinado digitalmente em 01/02/2011 10:26:01 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001.

A bem de ver-se, os fundamentos expostos pelo apelante não são eficazes a descaracterizar a ilegalidade de sua atuação no ramo de farmácia, tampouco tornam ilegal o ato da vigilância sanitária que interditou seu estabelecimento comercial, em razão do descumprimento da lei. O Termo de Interdição n. 01661 de 20/07/2010 atesta que o estabelecimento comercial a apelante está funcionando sem o respectivo Alvará de Saúde Municipal para o exercício 2010, fato que reflete a atuação do poder de polícia do Município, em salvaguarda do interesse público.

O STJ possui farta jurisprudência ratificando a exigência de atuação do profissional técnico em farmácia, como condição de funcionamento dos estabelecimentos comerciais do ramo, referendando também a atuação dos órgão de vigilância sanitária a fins de controle.

A propósito, cito a posição manifestada no AgRg no REsp 975172/SP/2007, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/11/2008 e publicado no DJe 17/12/2008: ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. FISCALIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO, NO ESTABELECIMENTO, DURANTE TODO O PERÍODO DE FUNCIONAMENTO. MULTA. VALOR. INDEXAÇÃO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

1. O Conselho Regional de Farmácia é o órgão competente para fiscalização das farmácias e drogarias quanto à verificação da manutenção, durante todo o período de funcionamento dos estabelecimentos, de profissional legalmente habilitado, sob pena de incorrerem em infração passível de multa, consoante dispõe o art. 24, da Lei n.º 3.820/60 c/c art. 15, da Lei n.º 5.991/73. 2. O órgão de vigilância sanitária tem como atribuição licenciar e fiscalizar as condições de funcionamento das drogarias e farmácias, no que se refere a observância dos padrões sanitários relativos ao comércio exercido, notadamente, o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Precedentes: REsp 929.565/SP, DJe 11/04/2008;Resp nº 776.682/SC, DJ de 14.11.2005; REsp nº 776.669/PR, DJ de 07.11.2005; REsp nº 610.514/PR, DJ de 02/08/2004; AgRg no REsp 952.006/SP, Rel. DJ 22/10/2007; AgRg no Ag 812.286/SP, DJ 19/12/2007; AgRg no Ag 813.122/SP, DJ 07/03/2007; REsp 860.724/SP, DJ 01/03/2007; AgRg no Ag 805.918/SP, DJ

01/12/2006. 3. É cediço nesta Corte que: "Sendo as multas sanções pecuniárias, a vedação contida na Lei n.º 6.205/75, de considerar 'valores monetários em salários mínimos', não as atingiu. Somente o Decreto-lei n.º 2.351/78 submeteu as penalidades estabelecidas em lei à vinculação ao salário mínimo de referência, situação que permaneceu até a edição da Lei n.º 7.789/89, que extinguiu o salário mínimo de referência, voltando à antiga denominação, ou seja, pelo art. 1º, da Lei n.º 5.724/71, que anteriormente tinha dado nova redação ao parágrafo único, do art. 24, da Lei n.º 3.820/60 [...] Inocorrência de ilegalidade nas multas aplicadas, visto que não ultrapassam o limite legal estabelecido pelo art. 1º, da Lei n. 5.724/71 [...] O Colendo Supremo Tribunal Federal, mesmo apreciando demandas penais, pronunciou-se sobre a matéria jurídica de fundo aqui discutida (aplicação de multa com sanção pecuniária e não como valor monetário) (RESP 316718/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ de 03.09.2001) 4. Agravo Regimental desprovido. Assim, malgrado a relevância das razões do apelante acerca de ser estabelecimento comercial de pequeno porte, por isso não disporia de faturamento suficiente a fazer frente às despesas com a contratação de técnico habilitado a lhe dar assistência, o fato não justifica o descumprimento da lei de proteção da saúde pública. Posto isso nego provimento ao recurso.

É como voto.

5.6 Projeto de Lei n° 4.385/94 (projetos apensos e atualizações)

Em 1994, a senadora Marluce Pinto apresentou projeto de lei (PL nº 4385/94) para alterar a Lei nº 5991/73, que dispõe sobre controle de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos.

O objetivo do projeto era eliminar a obrigatoriedade da presença do farmacêutico nos estabelecimentos que fazem a dispensação de medicamentos, segundo o SINDFAR74.

Nos casos de drogarias e ervanários, a responsabilidade técnica poderia ser do farmacêutico, do oficial de farmácia ou, ainda, do auxiliar de farmácia portador de diploma de curso profissionalizante de nível médio75.

Passados 20 anos do referido PL, ele continua em trâmite no Congresso Nacional. Nesse ínterim, dada a importância da matéria, exatos 20 (vinte) outros projetos de lei foram-lhe apensados76.

Em todo caso, o deputado Ivan Valente apresentou ao Congresso Nacional Substitutivo ao PL nº 4.385, pelo qual reafirma o farmacêutico como agente fundamental para prestação da assistência farmacêutica.

Vários requerimentos já foram apresentados à Mesa da citada Casa Legislativa para inclusão do Substitutivo ao PL nº 4.385 na Ordem do Dia do Plenário. O último deles (nº 9161/2013) foi requerido pelo deputado Assis Melo, em 03/12/2013, não havendo, até o momento, nova previsão para que seja incluso em pauta77.

5.7 Projeto de Lei de Conversão nº 21 de 2013 (MP nº 615/13)

Recentemente, o Projeto de Lei de Conversão nº 21/ 2013 (Medida Provisória nº 615/13), visava, por meio de seu art. 19, alterar a Lei nº 5.991/1973, nos seguintes termos:

Art. 19. Os arts. 15 e 36 da Lei no 5.991, de 17 de dezembro de 1973, passam a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 15. A farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de farmacêutico responsável técnico, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.

...............................................................................’ (NR)

‘Art. 36. ......................................…………………........

§ 1º São vedadas a intermediação e a captação de receitas contendo prescrições magistrais e oficinais entre diferentes empresas, ainda que sejam estas farmácias, drogarias, ervanárias e postos de medicamentos.

§ 2º É permitida a centralização total da manipulação em apenas um dos estabelecimentos de uma mesma empresa, inclusive a captação de receitas contendo prescrições magistrais e oficinais entre farmácias e drogarias, desde que em filiais pertencentes a uma mesma empresa.’ (NR)”

Todavia, por meio da Mensagem 421, de 09 de outubro de 201378, a presidente Dilma Rousseff vetou essa modificação normativa, justificando:

Razões do veto

“As alterações propostas impactam duplamente o setor farmacêutico, em particular as micro e pequenas farmácias e drogarias. De um lado, a exigência da presença de farmacêutico não leva em conta a realidade do setor, onerando-as excessivamente. Além disso, a norma vigente já assegura a presença de um técnico responsável inscrito no Conselho Regional de Farmácia. Por outro lado, as possibilidades de captação de receitas entre farmácias e drogarias de uma mesma empresa e de centralização da manipulação de medicamentos em um único estabelecimento deveriam ser acompanhadas de medidas que garantam a qualidade e a eficácia dos medicamentos, evitando riscos à saúde da população. A manipulação magistral de medicamentos tem como característica sanitária básica a individualização do preparo do medicamento, o que permite o adequado controle do processo, não sendo recomendada sua aproximação com práticas de produção industrial.” (grifos e aspas no original)

Levou-se em consideração o direito à livre atividade mercantil em detrimento ao direito à saúde. A ausência ou carência de assistência farmacêutica pelo profissional da área pode ocasionar a tomada de decisões de tratamento, pela população, por conta própria, selecionando terapias que em muitos casos não são efetivas, seguras e, portanto, contraindicadas, implicando desfechos negativos na saúde e elevando os custos para os sistemas de saúde, o que pode favorecer o agravamento da condição clínica, gerar novos problemas de saúde e até mesmo retardar o diagnóstico precoce e o início de terapia efetiva e segura.

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Sobre o autor
Lucas Calvi Akl

Advogado, com atuação especializada em concurso público e processo disciplinar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AKL, Lucas Calvi. Função social da farmácia como estabelecimento de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7428, 2 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70385. Acesso em: 26 abr. 2024.

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