História do Direito Penal

28/11/2018 às 14:14
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Desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em todos os sentidos. Através do desenvolvimento da razão, dom não atribuído a nenhum outro animal, exceto à espécie humana, o homem tem sempre estado organizado em grupos ou sociedades.

Desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em todos os sentidos. Através do desenvolvimento da razão, dom não atribuído a nenhum outro animal, exceto à espécie humana, o homem tem sempre estado organizado em grupos ou sociedades. No entanto, a interação social nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela o seu lado instintivo: a agressividade.

Podemos afirmar que através dos tempos o homem tem aprendido a viver numa verdadeira "societas criminis". É aí que surge o Direito Penal, com o intuito de defender a coletividade e promover uma sociedade mais pacífica.

Se houvesse a certeza de que se respeitaria a vida, a honra, a integridade física e os demais bens jurídicos do cidadão, não seria necessário a existência de um acervo normativo punitivo, garantindo por um aparelho coerutivo capaz de pô-lo em prática. São haveria, assim, o "jus puniendi", cujo titular exclusivo é o Estado.

Por isso é que o Direito Penal tem evoluído junto com a humanidade, saindo dos primórdios até penetrar a sociedade hodierna. Diz-se, inclusive, que "ele surge como homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou" (Magalhães Noronha).

I – PERÍODOS DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL.

1. Período da Vingança

Tendo início nos tempos primitivos, nas origens da humanidade, o Período da Vingança prolonga-se até o século XVIII.

Nos tempos primitivos não se pode admitir a existência de um sistema orgânico de princípios gerais, já que grupos sociais dessa época eram envoltos em ambiente mágico e religiosos. Fenômenos naturais como a peste, a seca, e erupções vulcânicas eram considerados castigos divinos, pela prática de fatos que exigiam reparação.

Pode-se distinguir as diversas fases de evolução da vingança penal, como a seguir:

Fase da vingança privada.

Fase da vingança divina.

Fase da vingança pública.

Entretanto, essas fases não se sucedem umas às outras com precisão matemática. Uma fase convive com a outro por largo período, até constituir orientação prevalente, para, em seguida, passar a conviver com a que lhe se segue. Assim, a divisão cronológica é meramente secundária, já que a separação é feita por ideias.

2. Período Humanitário

O período conhecido por Período Humanitário transcorre durante o lapso de tempo compreendido entre 1750 e 1850.

Tendo seu início no decorrer do Humanismo, esse período foi marcado pela atuação de pensadores que contestavam os ideiais absolutistas.

Pregava-se a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII.

Os povos estavam saturados de tanto barbarismo sob pretexto de aplicação da lei. Por isso, o período humanitário surge como reação à arbitrariedade da administração da justiça penal e contra o caráter atrás das penas.

Os escritos de Montesquieu, Voltaire, Rosseau, D’Alembert e o Cristianismo foram de suma importância para o humanismo, uma vez que constituíram o próprio alicerce do mesmo.

O pensamento predominante neste período ia de encontro a qualquer crueldade e se rebelava contra qualquer arcaísmo do tipo: "Homens, resisti à dor, e sereis salvos". (Basileu Garcia).

3. Período Cientifico

Também conhecida como período criminológico, esta fase caracteriza-se por um notável entusiasmo científico. Começa a partir do século XIX, por volta do ano de 1850 e estende-se até os nossos dias.

Inicia-se, neste período, a preocupação com o homem que delínque e a razão pela qual delínque.

Puig Peña refere-se a esse período, afirmando que "caracteriza-se pela irrupção das ciências penais no âmbito do Direito punitivo, e graças a ele se abandona o velho ponto de vista de considerar o delinquente como um tipo abstrato imaginando sua personalidade".

O notável médico italiano César Lombroso, revoluciona o campo penal na época. Ferri e Garófalo também merecem destaque, além do determinismo e da Escola positivista que tiveram sua devida influência no período criminológico.

II – ABORDAGEM DOS PERÍODOS: SUAS FASES, INFLUÊNCIAS, EVOLUÇÕES.

1. Fases da Vingança Penal

a) Vingança Privada: "Olho por olho, dente por dente".

Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a ofensa, atingindo não só o ofensor, como todo o seu grupo. A inexistência de um limite (falta de proporcionalidade) no revide à agressão, bem como a vingança de sangue foi um dos períodos em que a vingança privada constituiu-se a mais frequente forma de punição, adotada pelos povos primitivos.

A vingança privado constituía uma reação natural e instintiva, por isso, foi apenas uma realidade sociológica, não uma instituição jurídica.

Duas grandes regulamentações, com o evolver dos tempos, encontrou a vingança privada: o talião e a composição.

Apesar de se dizer comumente pena de talião, não se tratava propriamente de uma pena, mas de um instrumento moderador da pena. Consistia em aplicar no delinquente ou ofensor o mal que ele causou ao ofendido, na mesma proporção.

Foi adotado no código de Hamurabi:

"Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto".

"Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele".

Também encontrado na Bíblia Sagrada:

"Levítico 24, 17 – Todo aquele que feri mortalmente um homem será morto".

Assim como na Lei das XII Tábuas.

"Tábua VII, 11 – Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo".

"Ut supra", o Talião foi adotado por vários documentos, revelando-se um grande avanço na história do Direito Penal por limitar a abrangência da ação punitiva.

Posteriormente, surge a composição, através do qual o ofensor comprava sua liberdade, com dinheiro, gado, armas, etc. Adotada, também, pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo pentateuco (Hebreus) e pelo Código de Manu (Índia), foi largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais.

b) Vingança Divina: "A repressão ao crime é satisfação dos deuses".

Aqui, a religião atinge influência decisiva na vida dos povos antigos.

A repressão ao delinquente nessa fase tinha por fim aplacar a "ira" da divindade ofendida pelo crime, bem como castigar ao infrator.

A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça.

Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas. A "vis corpolis" era usa como meio de intimidação.

No Antigo Oriente, pode-se afirmar que a religião confundia-se com o Direito, e, assim, os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis em vigor.

Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel.

c) Vingança Pública: "Crimes ao Estado, à sociedade".

Com uma maior organização social, especialmente com o desenvolvimento do poder político, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembleia.

A pena, portanto, perde sua índole sacra para transformar-se em uma sanção imposta em nome de uma autoridade pública, representativa dos interesses da comunidade.

Não era mais o ofendido ou mesmo os sacerdotes os agentes responsáveis pela punição, mas o soberano (rei, príncipe, regente). Este exercia sua autoridade em nome de Deus e cometia inúmeras arbitrariedades.

pena de morte era uma sanção largamente difundida e aplicada por motivos que hoje são considerados insignificantes. Usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e extrapolar a pena até os familiares do infrator.

Embora a criatura humana vivesse aterrorizada nessa época, devido à falta de segurança jurídica, verifica-se avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo Estado.

Tempo de desespero, noite de trevas para a humanidade, idade média do Direito Penal... Vai raiar o sol do Humanismo. Enfim!

2. Período Humanitário: "O homem deve conhecer a justiça".

2.1 – O Direito Penal e a "Filosofia das Luzes".

Os séculos XVII e XVIII foram marcados pela crescente importância da burguesia, classe social que comandava o desenvolvimento do capitalismo. Mas nem tudo era belo e tranquilo: havia um grave conflito de interesses entre os burgueses e a nobreza.

Surgiu, então, um sistema de ideias que deu origem ao liberalismo burguês. Essas ideias ganharam destaque através do movimento cultural conhecido como Iluminismo ou Filosofia das Luzes.

Os pensadores iluministas, em geral, defendiam uma ampla reforma do ensino, criticavam duramente a intervenção do Estado na economia e achincalhavam a Igreja e os poderosos.

Nem mesmo Deus escapou às discussões da época. O Deus iluminista, racional, era o "grande relojoeiro" nas palavras de Voltaire.

Deus foi encarado como expressão máxima da razão, legislador do Universo, respeitador dos direitos universais do homem, da liberdade de pensar e se exprimir. Era também o criador da "lei", e lei no sentido expresso pelo filósofo iluminista Montesquieu: "relação necessária que decorre da natureza das coisas".

Foi, evidentemente, os escritos de Montesquieu, Voltaire, Russeau e D’Alembert que prepararam o advento do humanismo e o início da radical transformação liberal e humanista do Direito Penal.

Locke, filósofo inglês, considerado o pai do iluminismo, escreveu o "Ensaio sobre o entendimento humano. Montesquieu, jurista francês, escreveu "O espirito das Leis", defendendo a separação dos três poderes do Estado. Voltaire, pensador francês, tornou-se famoso pelas críticas ao clero católico, à intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. Rousseau, filósofo francês, célebre defensor da pequena burguesia e inspirador dos ideais da revolução Francesa, foi autor de "O Contrato Social" e "Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Por fim, Diderot e D’Alembert foram os principais organizadores da "Enciclopédia", obra que resumia os principais conhecimentos artísticos, científicos e filosóficas da época.

Os pensadores iluministas, supracitados, em seus escritos, fundamentaram uma nova ideologia, o pensamento moderno, que repercutiria até mesmo na aplicação da justiça: à arbitrariedade se contrapôs a razão, à determinação caprichosa dos delitos e das penas se pôs a fixação legal das condutas delitivas e das penas.

Os povos clamavam pelo fim de tanto barbarismo disfarçado.

2.2 – Beccaria: "filho espiritual dos enciclopedistas franceses".

Em 1764, imbuído dos princípios iluministas, Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria, faz publicar a obra "Dei Delitti e Delle Pene", que, posteriormente, foi chamado de "pequeno grande livro", por Ter se tornado o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente.

Os princípios básicos pregados pelo jovem aristocrata de Milão firmaram o alicerce do Direito Penal moderno, e muitos desses princípios foram, até mesmo, adotados pela declaração dos Direitos do homem, da revolução Francesa.

Segundo ele, deveria ser vedado ao magistrado aplicar penas não previstas em lei. A lei seria obra exclusiva do legislador ordinário, que "representa toda a sociedade ligada por um contrato social".

Quanto a crueldade das penas afirmava que era de todo inútil, odiosa e contrária à justiça.

Sobre as prisões de seu tempo dizia que "eram a horrível mansão do desespero e da fome", faltando dentro delas a piedade e a humanidade.

Não foi à toa que alguns autores o chamaram apóstolo do Direito: O jovem marquês de Beccaria revolucionou o Direito Penal e sua obra significou um largo passo na evolução do regime punitivo.

2.3 – O Direito Natural e sua influência.

Entre os séculos XVI e XVIII, na chamada fase racionalista surgia a chamada Escola do Direito Natural, de Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant. Sua doutrina apresentava os seguintes pontos básicos: a natureza humana como fundamento do Direito; o estado de natureza como suposto racional para explicar a sociedade; o contrato social e os direitos naturais inatos.

De conteúdo humanitário e influenciada pela filosofia racionalista, a Escola concebeu o Direito Natural como eterno, imutável e universal.

Se por um lado a Escola do Direito Natural teve uma certa duração, a corrente que se formou, ou seja, o jusnaturalismo prolongou-se até a atualidade.

Romagnosi, já visto anteriormente como um dos iniciadores da Escola Clássica, fundamentou sua obra, "Gênesis do Direito Penal", concebendo o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às convenções humanas.

Embora ainda sob uma pseudo-compreensão de alguns juristas, o Direito Natural tem sobrevivido e mostrado que não se trata de ideia metafísica ou princípio de fundo simplesmente religioso.

O jus naturalismo atual constitui um conjunto de amplos princípios, a partir dos quais o legislador deverá compor a ordem jurídica. Os princípios mais apontados referem-se ao direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à segurança, etc.

É evidente a correlação que existiu e ainda existe entre Direito Natural e Direito Penal: os princípios abordados pelo jus naturalismo, especialmente os correspondentes aos direitos naturais inativos, estão devidamente enquadrados no roldos bens jurídicos do assegurados pelo Direito Penal.

Assim, o jus naturalismo e seus princípios não deixaram de influenciar o período Humanitário, no qual buscava-se individuais a valorização dos direitos intocáveis e dos delinquentes e a consequente dulcificação das sanções criminais.

2.4 – Escola Clássica: "A denominação pejorativa criada pelos positivistas".

Denomina-se Escola Clássica o conjunto de escritores, pensadores, filósofos e doutrinadores que adotaram as teses ideológicas básicas do iluminismo, que foram expostas magistralmente por Beccaria.

Três grandes jurisconsultos podem ser considerados como iniciadores da Escola Clássica: Gian Domenico Romagnosi, na Itália. Jeremias Bentham, na Inglaterra e Anselmo Von Feuerbach na Alemanha.

Romagnosi concebe o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às convenções humanas, que deve ser exercido mediante a punição dos delitos passados para impedir o perigo dos crimes futuros.

Jeremias Bentham considerava que a pena se justificava por sua utilidade: impedir que o réu cometa novos crimes, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo, assim a coletividade.

Anselmo Von Feuerbach opina que o fim do Estado é a convivência dos homens conforme as leis jurídicas. A pena, segundo ele, coagiria física e psicologicamente para punir e evitar o crime.

No que tange à finalmente da pena, havia no âmago da Escola Clássica, três teorias:

1. Absoluta – que entendia a pena como exigência de justiça.

2. Relativa – que assinalava a ela um fim prático, de prevenção geral e especial;

3. Mista – que, resultando da fusão de ambas, mostrava a pena como utilidade e ao mesmo tempo como exigência de justiça.

Na Escola Clássica, dois grandes períodos se distinguiram: o filósofo ou teórico e o jurídico ou prático. No primeiro destaca-se a incontestável figura de Beccaria. Já no segundo, aparece o mestre de Pisa, Francisco Carrara, que se tornou o maior vulto da Escola Clássica.

Carrara defende a concepção do delito como ente jurídico, constituído por duas forças: a física (movimento corpóreo e dano causado pelo crime) e a moral (vontade livre e consciente do delinquente).

Define o crime como sendo "a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso".

3. Período Cientifico ou Criminológico:

"A justiça deve conhecer o homem".

3.1 – O Determinismo: "Para cada fato, há razões que o determinaram".

Durante o chamado período cientifico surge uma doutrina que vai influenciar o pensamento da época, repercutindo, inclusive no âmbito criminal: a filosofia determinista.

Segundo a mesma, todos os fenômenos do universo, abrangendo a natureza, a sociedade e a história são subordinadas a leis e causas necessárias.

Coube a Laplace a formulação conceitual mais ampla do determinismo, corrente esta que, Segunda a visão "Laplaciana", corresponde ao "caráter de uma ordem de fatos na qual cada elemento depende de outros, de tal modo que se pode prevê-lo, provocá-lo ou controlá-lo segundo se conhece, provoque ou controle a ocorrência desses outros".

Assim, o delito, como fato jurídico, deveria também obedecer esta correlação determinista, já que por trás do crime haveria sempre razões suficientes que o determinaram.

Para certa corrente filosófica, a noção de determinismo é central na conceituação do conhecimento científico, tanto na esfera das ci6encias físico-naturais, quanto na das ciências do homem; para uma Segunda corrente, o determinismo é incompatível com a ideia da ação deliberada e responsável, ou seja, o determinismo nega o livre arbítrio. Foi aceito por Ferri, que afirmava ser o homem responsável, por viver ele em sociedade.

3.2 – "Os Evangelistas": Lombroso, Ferri e Garófalo.

Foi César Lombroso, autor do livro L’uomo Delinquente, quem apontou os novos rumos do Direito Penal após o período humanitário, através do estudo do delinquente e a explicação causal do delito.

O ponto nuclear de Lombroso é a consideração do delito como fenômeno biológico e o uso do método experimental para estudá-lo. Foi o criador da "Antropologia Criminal". A seu lado surgem Ferri, com a "Sociologia Criminal", e Garofalo, no campo jurídico, com sua obra "Criminologia", podendo os três ser considerados os fundadores da Escola positiva.

Lombroso afirmava a existência de um criminoso nato, caracterizado por determinados estigmas somato-psíquicos e cujo destino indeclinável era delinquir, sempre que determinadas condições ambientais se apresentassem.

Discípulo dissidente de Lombroso, Henrique Ferri, ressaltou a importância de um trinômio causal do delito: os fatores antropológicos, sociais e físicos. Dividiu os criminosos em cinco categorias: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional. Dividiu, ainda, as paixões em: sociais (amor, piedade, nacionalismo, etc.) e antissociais (ódio, inveja, avareza, etc.).

Outro vulto da tríade é Rafael Garofalo, o primeiro a usar a denominação "Criminologia" para as Ciências Penais. Fez estudos sobre o delito, o delinquente e a pena.

Afirmava essa tríade de vigorosos pensadores que a pena não tem um fim puramente retributivo, mas também uma finalidade de proteção social que se realiza através dos meios de correção, intimidação ou eliminação.

3.3 – O movimento positivista no Direito Penal.

O movimento naturalista do século XVIII, que pregava a supremacia da investigação experimental em oposição à indagação puramente racional, influenciou o Direito Penal. Numa época de franco domínio do pensamento positivista no campo da filosofia (Augusto Comte) e das teorias evolucionistas de Darwin e Lamark, das ideias de John Stuart e Spencer, surgiu a chamada Escola Positiva.

A nova Escola proclamava outra concepção do Direito. Enquanto para a Clássica ele preexistia ao Homem (era transcendental, visto que lhe fora dado pelo criador, para poder cumprir seus destinos), para os positivistas, ele é o resultado da vida em sociedade e sujeito a variações no tempo e no espaço, consoante a lei da evolução.

Seu pioneiro foi o médico psiquiatra César Lombroso, segundo o qual a criminalidade apresenta, fundamentalmente, causa biológica.

É de Lombroso a descrição do criminoso nato. Ei-la:

assimetria craniana, fronte fugida, zigomas salientes, face ampla e larga, cabelos abundantes e barba escassa.

o criminoso nato é insensível fisicamente, resistente ao traumatismo, canhoto ou ambidestro, moralmente impulsivo, insensível, vaidoso e preguiçoso.

Embora tenha cometido alguns exageros na definição do criminosos natos, a ideia de uma tendência para o crime não foi sepultada com Lombroso. Estudos feitos por geneticistas têm levado à conclusão de que elementos recebidos por herança biológica, embora possam não condicionar um "modus vivendi" no sentido de tornar o homem predestinado em qualquer direção, influem no modo ser do indivíduo.

III – O DIREITO PENAL NO BRASIL.

1. "1603": Nasce o Livro V do Rei Filipe II.

No Brasil Colonial estiveram em vigor as ordenações Afonsinas (até 1512) e Manuelinas (até 1569), substituídas estas últimas pelo código de D. Sebastião (até 1603). Passou-se, então, para as Ordenações Filipinas, que refletiam o Direito Penal dos tempos medievais.

Foi, então, o Livro V das Ordenações do Rei Filipe II (compiladas, aliás, por Filipe I, e que aquele, em 11 de janeiro de 1603, mandava que fossem observadas), o nosso primeiro Código Penal. É o Código Filipino.

Fundamentava-se largamente nos preceitos religiosos. O crime era confundido com o pecado e com a ofensa moral, punindo-se severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores.

As penas severas e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras etc.) visavam infundir o temor pelo castigo. Além da larga cominação da pena de morte, executada pela força, com torturas, pelo fogo etc., eram comuns as penas infamantes, o confisco e os galés. Aplicava-se, até mesmo, a chamada "morte para sempre", em que o corpo do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, até que a os amenta fosse recolhida pela Confraria da Misericórdia, o que se dava uma vez por ano.

Além de tudo isso, as penas eram desproporcionadas à falta praticada, não sendo fixadas antecipadamente. Eram desiguais e aplicadas com extrema perversidade.

2. "1830": É sancionado o Código Criminal do Império do Brasil.

Proclamada a independência, previa a Constituição de 1824, que se elaborasse uma nova legislação penal e, em 16 de dezembro de 1830 D. Pedro I sancionava o Código Criminal do Império.

De índole liberal, inspirava-se na doutrina utilitária de Betham, bem como no Código francês de 1810 e o Napolitano de 1819. Fixava-se na nova lei um esboço de individualização da pena, previa-se a existência de atenuantes e agravantes, e estabelecia-se um julgamento especial para os menores de 14 anos. A pena de morte, a ser executada pela força, só foi aceita após acalorados debates entre liberais e conservadores no congresso e visava coibir a prática de crimes pelos escravos.

Não separada a Igreja do Estado, continha diversas figuras delituosas, representando ofensas à religião estatal.

Apesar de suas inegáveis qualidades, tais como, indeterminação relativa e individualização da pena, previsão da menoridade como atenuante, a indenização do dano "ex delicto", apresentava defeitos que eram comuns à época: não definira a culpa, aludindo apenas ao dolo, havia desigualdade no tratamento das pessoas, mormente os escravos.

3. "1890" : A República traz seu Código Penal.

Com a República foi editado, em 11 de outubro de 1890, o Código Criminal da República, logo alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava que decorriam, evidentemente, da pressa com que fora elaborado.

Em virtude de a Constituição de 1891 haver abolido a pena de morte, a de galés e a de banimento judicial, o Código Republicano de 1890 contemplou as seguintes sanções:

prisão;

banimento ( o que a Carta Magna punia era o banimento judicial que consistia em pena perpétua, diversa, portanto, desse, que importava apenas em privação temporária);

interdição (suspensão dos direitos políticos, etc.);

suspensão e perda de emprego público e multa.

O Código era de orientação clássica, muito embora aceitasse postulados positivistas, o que gerou críticas, da mesma forma.

Apesar de Ter sido mal sistematizado, dentre outros defeitos, o Código Criminal da República, constituiu um avanço na legislação penal da época, uma vez que, além de abolir a pena de morte, instalou o regime penitenciário de caráter correcional.

4. "1932" : A Consolidação de Piragibe.

Costuma-se dizer que com o Código de 1890 nasceu a necessidade de modificá-lo. Uma vez que não poder-se-ia transformá-lo imediatamente, surgiu, assim, várias leis para remendá-lo, que pelo grande número, acabaram gerando enorme confusão e incerteza na aplicação.

Coube ao desembargador Vicente Piragibe o encargo de consolidar essas leis extravagantes. Surgia, portanto, através do Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, a denominada Consolidação das Leis Penais de Piragibe, que vigorariam até 1940.

Composta de quatro livros e quatrocentos e dez artigos, a Consolidação das Leis Penais realizada pelo Desembargador Vicente Piragibe, passou a ser, de maneira precária, o Estatuto Penal Brasileiro.

5. O Código Penal de 1940.

Embora promulgado em dezembro de 1940, o novo Código Penal somente passou a vigorar em 1º de Janeiro de 1942, não só para que se pudesse melhor conhecê-lo, como também para coincidir sua vigência com a do Código de Processo Penal.

Ainda sendo nossa legislação penal fundamental, o Código de 1940 teve origem em projeto de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta de Nelson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira.

É uma legislação eclética, que não assumiu compromisso com qualquer das escolas ou correntes que disputavam o acerto na solução dos problemas penais. Fazia uma conciliação entre os postulados das Escolas Clássicas e Positiva, aproveitando o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e Suíço.

Magalhães Noronha comenta que "é o Código obra harmônica: soube valer-se das mais modernas ideias doutrinárias e aproveitar o que de aconselhável indicavam as legislações dos últimos anos".

Apesar de suas imperfeições, ou "pecados" (como assinala o autor supra citado), o Congresso de Santiago do Chile, em 1941, declarou que ele representa "um notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e avançadas instituições que contém".

6. O Código Penal de 1969.

Várias foram as tentativas de mudança da nossa legislação penal.

Em 1963, por incumbência do governo federal, o professor – ministro Nelson Hungria, apresentou anteprojeto de sua autoria. Após submetido a várias comissões revisoras, o anteprojeto Hungria foi finalmente convertido em lei pelo Decreto-Lei Nº 1004, de 21 de outubro de 1969.

A vigência do código de 1969 foi, porém, adiada sucessivamente. Críticas acerbadas se lhe fez, tanto que foi modificado substancialmente pela Lei Nº 6.016, de 31 de Dezembro de 1973. Mesmo assim, porém, após vários adiamentos da data em que deveria viger, foi ele revogado pela Lei Nº 6.5778, de 11 de outubro de 1978.

7. "1984": Altera-se a Parte Geral.

Em 1980, o Ministro da Justiça incumbiu o professor Francisco de Assis Toledo, da Universidade de Brasília, da reforma do Código em vigor. A exemplo da Alemanha, primeiro se modificou a parte geral.

Em 1981, foi publicado o anteprojeto, para receber sugestões. Depois de discutido no Congresso, o projeto foi aprovado e promulgada a Lei Nº7.209 de 11/07/1984, que alterou substancialmente a parte geral, principalmente adotando o sistema vicariante (pena ou medida de segurança).

Com a nova Parte Geral, foi promulgada a nova Lei de execução Penal (nº 7.210 de 11/07/1984). É uma lei especifica para regular a execução das penas e das medidas de segurança, o que era súplica geral, tanto que já se fala na criação de um novo ramo jurídico: o Direito de execução Penal.

Recentemente, foi o Estatuto repressivo pátrio alterado pela Lei nº 9.714/98 no que concerne as penas restritivas de direitos. Incluídos foram mais dois tipos de penas: a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. Ademais, no que tange à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, poderá ela se dar quando, atendidos os requisitos específicos – não reincidência, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime favoráveis – a pena aplicada não for superior a quatro anos. Vale salientar que, em sendo o crime culposo, haverá a substituição, qualquer que se seja a pena aplicada.

Destarte, é de se vislumbrar que, cada vez mais, o aprisionamento deixa de ser regra para se tornar exceção. É que o cárcere, comprovado está, ao invés de proporcionar a ressocialização, não raro tem se transformado em verdadeira "Universidade da delinquência".

CONCLUSÃO

Após esta verdadeira jornada através da História, observando-se a evolução do Direito Penal, desde os primórdios da humanidade, chegou-se, enfim, a 1999.

Se houve épocas de pouca evolução, por outro lado, houve circunstâncias em que o Direito Penal deu amplos saltos rumo à modernidade.

Por mais evoluído que seja o ser humano hodierno, seu comportamento será sempre controlado pelo Estado, no exercício do "jus puniendi". É que, na sociedade, o homem continuará expressando sua "spinta criminosa", havendo a necessidade da pena, como "controspinta".

Portanto, não cessará aqui a evolução do Direito Penal: ela acompanhará o homem enquanto o mesmo existir. Fica, assim, a reticência no tempo...

Evolução histórica do Direito Penal e Escolas Penais

Introdução

Parece existir uma relevante importância do processo histórico na compreensão da filosofia e dos princípios do Direito Penal Contemporâneo. Crimes e castigos existiram na sociedade humana desde os primórdios. Com a conquista da escrita, os governantes puderam lavrar suas leis em tábuas de barro e estelas que ainda hoje podem ser lidas e se tornaram documentos preciosos para o entendimento da evolução do pensamento sobre as regras de conduta, as proibições e as penas impostas aos violadores da lei.

O objetivo deste trabalho é discorrer brevemente sobre os principais códigos que nortearam o comportamento e a vida dos homens através dos tempos e a relevância que tiveram para o estabelecimento do Direito Penal vigente na atualidade.

“A aplicação das leis é mais importante que a sua elaboração”.

Thomas Jefferson

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL

“Importância do conhecimento histórico para desfazer preconceitos e alargar horizontes” J. Leal

O estudo da evolução histórico-penal é de suma importância para uma avaliação correta da mentalidade e dos princípios que nortearam o sistema punitivo contemporâneo.

A história humana não pode ser desvinculada do direito penal, pois desde o princípio o crime vem acontecendo. Era necessário um ordenamento coercitivo que garantisse a paz e a tranquilidade para a convivência harmoniosa nas sociedades.

“A história do Direito Penal é a história da humanidade. Ela surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou”.

Os estudiosos subdividem a história do direito penal em algumas fases, fases estas que não se sucederam de forma linear ou totalmente rígida (os princípios e características de um período penetravam em outro). São elas:

Vingança Privada

“A pena em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça” Noronha

Quando ocorria um crime a reação a ele era imediata por parte da própria vítima, por seus familiares ou por sua tribo. Comumente esta reação era superior à agressão, não havia qualquer ideia de proporcionalidade.

Esta ligação foi definida por Eric Fromm[1] como sendo um vínculo de sangue, ou seja, era “um dever sagrado que recai num membro de determinada família, de um clã ou de uma tribo, que tem de matar um membro de uma unidade correspondente, se um de seus companheiros tiver sido morto”.

Foi um período marcado por lutas acirradas entre famílias e tribos, acarretando um enfraquecimento e até a extinção das mesmas. Deu-se então o surgimento de regras para evitar o aniquilamento total e assim foi obtida a primeira conquista no âmbito repressivo: a Lei de Talião (jus talionis).

O termo talião de origem latina tálio + onis, significa castigo na mesma medida da culpa. Foi a primeira delimitação do castigo: o crime deveria atingir o seu infrator da mesma forma e intensidade do mal causado por ele.

O famoso ditado “olho por olho, dente por dente” foi acolhido como princípio de diversos códigos como o de Hamurabi[2] e pela Lei das XII Tábuas (Lex XII Tabularum).

Com o passar do tempo a própria Lei de Talião evoluiu, surgindo a possibilidade do agressor satisfazer a ofensa mediante indenização em moeda ou espécie (gado, vestes e etc). Era a chamada Composição (compositio).

“A composição é, assim, uma forma alternativa de repressão aplicável aos casos em que a morte do delinqüen delinqüente fosse desaconselhável, seja porque o interesse do ofendido ou dos membros de seu grupo fosse favorável à reparação do dano causado pela ação delituosa”.J. Leal

Vingança Divina

É o direito penal imposto pelos sacerdotes, fundamentalmente teocrático; o Direito se confundindo com a religião.

O crime era visto como um pecado e cada pecado atingiam a um certo deus. A pena era um castigo divino para a purificação e salvação da alma do infrator.

Era comum neste período o uso de penas cruéis e bastante severas.

Seus princípios podem ser verificados no Código de Manu (Índia) [ e no Código de Hamurábi, assim como nas regiões do Egito, Assíria, Fenícia, Israel e Grécia.

“Se alguém furta bens do Deus ou da Corte deverá ser morto; e mais quem recebeu dele a coisa furtada também deverá ser morto”.

(Código de Hamurábi – art.6º.)

Vingança Pública

Período[4] marcado pelas penas cruéis (morte na fogueira, roda, esquartejamento, sepultamento em vida) para se alcançar o objetivo maior que era a segurança do monarca.Com o poder do Estado cada vez mais fortalecido, o caráter religioso foi sendo dissipado e as penas passaram a ter o intuito de intimidar para que os crimes fossem prevenidos e reprimidos.

Os processos eram sigilosos, o réu não sabia qual era a imputação feita contra ele, o entendimento era de que, sendo inocente, o acusado não precisava de defesa; se fosse culpado, a ela não teria direito. Isso favorecia o arbítrio dos governantes.

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Direito Penal Romano

De início, em Roma, a religião e o direito estavam intimamente ligados, o Pater Famílias consistia no poder de exercitar o direito de vida e de morte (jus vitae et necis) sobre todos os seus dependentes, inclusive mulheres e escravos.

Com a chegada da Republica Romana ocorreu uma ruptura e desmembramento destes dois alicerces, a vingança privada foi abolida passando ao Estado o magistério penal.

“Roma foi o marco inicial do direito moderno principalmente no âmbito civil. No penal, embora tímido, conseguiram destacar o dolo e a culpa e o fim da correção da pena (...)” César Dário

Os romanos contribuíram para a evolução do direito penal fazendo a distinção do crime, do propósito, do ímpeto, do acaso, do erro, da culpa leve, do simples dolo e dolo mau (dolus malus), além do fim de correção da pena.

Direito Penal Germânico

O Direito era visto como uma ordem da paz; desta forma o crime seria a quebra, a ruptura com este estado.

Inicialmente eram utilizadas a vingança e da composição, porém, com a invasão de Roma, o poder Estatal foi consideravelmente aumentado, desaparecendo a vingança.

As leis bárbaras caracterizavam-se pela composição, onde as tarifas eram estabelecidas conforme a qualidade da pessoa, o sexo, idade, local e espécie da ofensa. Para aqueles que não pudessem pagar eram atribuídas as penas corporais.

Também adotaram a Lei de Talião e, conforme o delito cometido, utilizavam a força para resolver questões criminais.

Eram admitidas também as ordálias ou juízos de Deus (provas de água fervendo, ferro em brasa...), assim como os duelos judiciários, onde o vencedor era proclamado inocente.

Direito Canônico

É o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana.

O vocábulo canônico é derivado da palavra kánon, que significava regra e norma, com a qual originariamente se indicava qualquer prescrição relativa à fé ou à ação cristã.

Inicialmente o Direito Canônico tinha o caráter meramente disciplinar, porém com o fortalecimento do poder papal, este direito passou atingir a todos da sociedade (religiosos e leigos).

Tinha o objetivo de recuperação dos criminosos através do arrependimento, mesmo que fosse necessária a utilização de penas e métodos severos.

Os delitos eram classificados em:

*delicta eclesiástica: ofendido o direito divino, o julgamento era de competência dos tribunais eclesiásticos. A punição do infrator era dada em forma de penitências.

*delicta mere secularia: quando a ordem jurídica laica fosse lesionada a competência era dos tribunais do Estado. O infrator era punido com penas comuns.

*delicta mixta: delitos que violavam a ordem laica e a religiosa; a competência do julgamento era do primeiro tribunal que tomasse conhecimento do delito.

Esse direito deu uma atenção ao aspecto subjetivo do crime, combateu a vingança privada com o direito de asilo e as tréguas de Deus, humanizou as penas, reprimiu o uso das ordálias e introduziu as penas privativas de liberdade (ocorriam nos monastérios em celas) em substituição às patrimoniais.

A penitenciária foi criada por este Direito: seria um local onde o condenado não cometeria crimes, se arrependeria dos seus erros e por fim se redimiria podendo voltar ao convívio social.

Os tribunais eclesiásticos não costumavam aplicar as penas capitais até o período conhecido como a Inquisição[5]. Neste período passou-se a empregar a tortura, o processo inquisitório dispensava prévia acusação e as autoridades eclesiásticas agiam conforme os seus valores e entendimentos. Foi um período marcado por muitas atrocidades...

Período Humanitário

Em fins do século XVII,I com a propagação dos ideais iluministas, ocorreu uma conscientização quanto às barbaridades que vinham acontecendo, era preciso romper com os convencionalismos e tradições vigentes. Houve um imperativo para a proteção da liberdade individual em face do arbítrio judiciário e para o banimento das torturas, com fundamento em sentimentos de piedade, compaixão e respeito à pessoa humana.

Almejava-se  uma lei penal que fosse simples, clara, precisa e escrita em língua pátria, deveria ser também severa o mínimo necessário para combater a criminalidade, tornado assim o processo penal rápido e eficaz.

César de Bonesana, o Marques de Beccaria, saiu em defesa dos desafortunados e dos desfavorecidos em sua obra “Dos delitos e das penas” (Dei Delitti e Delle Pene). Opôs-se às técnicas utilizadas até então pela justiça, era contra a prática da tortura como meio de produção de prova e por fim combateu o sistema presidiário das masmorras. Foi um verdadeiro grito contra o individualismo.

Baseou-se na Teoria do Contrato Social, investiu contra a pena capital, com o argumento de que, apesar  do homem ceder parte de sua liberdade ao Bem Comum, não poderia ser privado de todos os seus direitos e a ninguém seria conferido o poder de matá-lo.

“A lei que autoriza a tortura é uma lei que diz: homens, resisti à dor” Beccaria

Beccaria dividiu o crime em duas espécies:

* Crimes horrendos são aquelas que são fruto da violação das convenções sociais e ligados ao bem-estar comum como o direito de propriedade e também os homicídios.

*Admitia que havia crimes menos graves que o homicídio e ainda os delitos, como o adultério.

Beccaria foi um marco decisivo para a modificação do Direito Penal, veja algumas de suas citações mais importantes:

Sobre a Impunidade:

“É, porém, em vão que procuro abafar os remorsos que me afligem, quando autorizo as santas leis, fiadoras sagradas da confiança pública, base respeitável dos costumes, a proteger a perfídia, a legitimar a traição. E que opróbrio para uma nação, se os seus magistrados tornados infiéis, faltassem à promessa que fizeram e se apoiassem vergonhosamente em vãs sutilezas, para levar ao suplício aquele que respondeu ao convite das leis”.

Sobre a moderação das penas: estas deveriam ser preventivas e não retributivas.

"Toda severidade que ultrapasse os limites se torna supérflua e, por conseguinte, tirânica".

“O que pretendeu Beccaria não foi certamente fazer obra de ciência, mas de humanidade e justiça, e, assim, ela resultou num gesto eloquente de revolta contra a iniquidade, que teve, na época, o poder de sedução suficiente para conquistar a consciência universal. (...) falou claro diante dos poderosos, em um tempo de absolutismo, de soberania de origem divina, de confusão das normas penais com religião, moral, superstições, ousando construir um Direito Penal sobre bases humanas, traçar fronteiras à autoridade do príncipe e limitar a pena à necessidade da segurança social. Defendeu, assim, o homem contra a tirania, e com isso encerrou um período de nefanda (perversa) memória na história do Direito Penal”.Aníbal Bruno

Outras figuras importantes também surgiram neste período, tais como:

John Howard, em seu livro The State of Prision in England, relatou a situação das prisões europeias, propondo um tratamento mais digno aos presos (direito ao trabalho, a uma alimentação sadia, assistência religiosa...). John Howard considerado por muitos como o pai da Ciência Penitenciária.

Jeremias Bentham, postulou que o castigo era um mal necessário para se prevenir maiores danos à sociedade, embora admitisse o seu fim correcional.

Sua obra mais significativa foi a Teoria das Penas e das Recompensas.

A sua maior contribuição foi o pan-óptico[6], em que descrevia a arquitetura e os problemas de uma penitenciária.

Além destes citem-se também os reformadores Servan (Discurso sobre a administração da justiça criminal); Marat (Plano de legislação criminal) e Lardizábal (Discurso sobre las penas).

ESCOLAS PENAIS

“ As escolas penais são corpos de doutrinas mais ou menos coerentes sobre os problemas em relação com o fenômeno do crime e, em particular, sobre os fundamentos e objetos do sistema penal. ” Aníbal Bruno

São chamadas “escolas penais” as diversas correntes filosófico-jurídico em matéria penal que surgiram nos Tempos Modernos.

Elas se formaram e se distinguiram umas das outras. Lidam com problemas que abordam o fenômeno do crime e os fundamentos e objetivos do sistema penal.

“O Direito Penal é o produto da civilização dos povos, através da longa evolução histórica” Antônio Moniz Sodré de Aragão

“As escolas penais são um sistema de ideias e teorias políticas-jurídicas e filosóficas que, num determinado momento histórico, expressaram o pensamento dos juristas sobre as questões criminais fundamentais”. José Leal

ESCOLA CLÁSSICA

Também chamada de Idealista, Filosófico-jurídica, Crítico Forense, nasceu sob os ideais iluministas.

Para a Escola Clássica[7] a pena é um mal imposto ao indivíduo merecedor de um castigo por motivo de uma falta considerada crime, cometida voluntária e conscientemente.

A finalidade da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade.

Esta doutrina possui princípios básicos e comuns, de linha filosófica, de cunho humanitário e liberal (defende os direitos individuais e o princípio da reserva legal, sendo contra o absolutismo, a tortura e o processo inquisitório). Foi uma escola importantíssima para a evolução do direito penal na medida em que defendeu o indivíduo contra o arbítrio do Estado.

A Escola Clássica dividiu-se em dois grandes períodos:

*Filosófico/teórico: no qual a figura de maior destaque foi Beccaria. Ele desenvolveu sua tese com base nas ideias de Rousseau[8] e de Montesquieu[9], construindo um sistema baseado na legalidade, onde o Estado deveria punir os delinquentes mas tinha de se submeter às limitações da lei.

O pacto social define que o indivíduo se comprometa a viver conforme as leis estipuladas pela sociedade e deverá ser punido pelo Estado quando transgredi-las, para que a ordem social seja restabelecida.

*Jurídico ou prático: em que o grande nome foi Franchesco Carrara, sumo mestre de Pisa. Ele estudou o crime em si mesmo, sem se preocupar com a figura do criminoso. Defendia que o crime era uma infração da lei do Estado (promulgada pra proteger os cidadãos); é impelido por duas forças: a física, movimento corpóreo que produzirá o resultado, e a moral, a vontade consciente e livre de praticar um delito.

Carrara é considerado o maior penalista de todos os tempos.

“Três fatos constituem a essência de nossa ciência: o homem, que viola a lei; a lei, que exige que seja castigado esse homem; o juiz, que comprova a violação e dá o castigo.” Carrara

A pena é um conteúdo necessário do direito. É o mal que a autoridade pública inflige a um culpado por causa de seu delito.

“A pena não é simples necessidade de justiça que exija a expiação do mal moral, pois só Deus tem a medida e a potestade de exigir a expiação devida, tampouco é uma mera defesa que procura o interesse dos homens às expensas dos demais; nem é fruto de um sentimento dos homens, que procuram tranquilizar seus ânimos frente ao perigo de ofensas futuras. A pena não é senão a sanção do preceito ditado pela lei eterna, que sempre tende à conservação da humanidade e a proteção de seus direitos, que sempre procede com observância às normas de Justiça, e sempre responde ao sentimento da consciência universal”. Carrara

A pena é meio de tutela jurídica, desta forma, se o crime é uma violação do direito, a defesa contra este crime deverá se encontrar no seu próprio seio. A pena não pode ser arbitrária, desproporcional; deverá ser do tamanho exato do dano sofrido, deve se também retributiva, porém a figura do delinquente não é importante, este é talvez um dos pontos fracos desta escola.

Outros representantes do classicismo italiano:

Filangieri ( 1752/1788): jus naturalista que via o direito de punir como uma necessidade política do Estado para se preservar a ordem. Obra: Scienza della legis lazione

Carmignani (1768/1847): Obras: Juris criminalis elementa (1831) e Teoria delle leggi della sicurezza sociale (1831)

Gian Romagnosi (1761-1835): foi um dos maiores pensadores italianos, considerava a pena como uma arma de defesa social. Obra: Scienza delle costituzioni, Che cosa é l´eguaglianza?

Pellegrino Rossi ( 1768-1847): Com base numa justiça moral deu ênfase ao jusnaturalismo. Obras: Trouté du droit penal e Cours d´économie politique

No classicismo alemão temos a figura de Paulo Anselm Ritter Von Feuerbach (1775-1833), que se dedicou a filosofia e não aceitava a pena como um imperativo categórico, limitada pelo talião.Esta deveria ser preventiva a fim de deter o delinqüente em potencial, antes dele iniciar o inter criminis. É interessante notar que em um filme[10] muito atual retratou-se uma sociedade na qual a tecnologia permitia que a polícia soubesse quando e onde um crime ocorreria; os guardas lá chegavam antes do evento e o frustrado criminoso era preso.

Feuerbach defendeu o princípio da legalidade sendo dele a fórmula nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege[11], ou seja  qualquer ameaça de sanção deve estar anteriormente prevista em lei;

Com a promulgação do Código da Alemanha (1871) surgiu através de Karl Binding uma visão que considerava a pena como uma retribuição e satisfação, um direito e dever do Estado.

Princípios fundamentais:

1) O crime é um ente jurídico, ou seja, é a infração do direito.

2) Livre arbítrio no qual o homem nasce livre e pode tomar qualquer caminho, escolhendo pelo caminho do crime, responderá pela sua opção.

3) A pena é uma retribuição ao crime (Pena retributiva)

4) Método dedutivo[12], uma vez que é ciência jurídica.

ESCOLA POSITIVISTA

Esta nova corrente filosófica teve como precursor Augusto Comte, que representou a ascensão da burguesia emergente após a Revolução de 1789. Foi a fase em que as ciências fundamentais adquiriram posição como a biologia e a sociologia. O crime começou a ser examinado sob o ângulo sociológico, e o criminoso passou também a ser estudado, se tornando o centro das investigações bi psicológicas.

Este movimento foi iniciado pelo médico Cesare Lombroso (1835-1909) com sua obra L´uomo delinqüente (1875). Na concepção deste médico existia a ideia de um criminoso nato, que seria aquele que já nascia com esta predisposição orgânica, era um ser atávico[13] uma regressão ao homem primitivo.

Lombroso estudou o cadáver de diversos criminosos procurando encontrar elementos que os distinguissem dos homens normais. Após anos de pesquisa declarou que os criminosos já nasciam delinquentes e que apresentam deformações e anomalias anatômicas físicas e psicológicas.

* Físicos: assimetria craniada, orelhas de abano, zigomas[14] salientes, arcada superior predominante, face ampla e larga, cabelos abundantes, além de aspectos como a estatura, peso, braçada, insensibilidade física, mancinismo[15] e distúrbio dos sentidos.

*Psicológicos: insensibilidade moral, impulsividade, vaidade, preguiça e imprevidência.

Contudo esta concepção ainda não explicava a etiologia do delito, então Lombroso tentou achar a causa desta degeneração na epilepsia. As ideias deste médico não se sustentaram; eram inconsistentes perante qualquer análise científica. Isto nos remete ao nazismo e seus parâmetros que visavam provar a superioridade da raça ariana, como o ângulo do nariz em relação à orelha, a proporcionalidade entre os tamanhos da testa, nariz e queixo etc. Mas foi em Berlim e sob os olhares de Hitler e seus colaboradores que um negro americano, Jesse Owens[16], ganhou diversas medalhas de ouro.

“Para os positivistas, o criminoso é um ser atávico, com fundo epiléptico e semelhante ao louco penal”  Cuello Calón

Enrico Ferri (1856-1929) - podemos dizer dele que foi o discípulo de Lombroso; era um brilhante advogado criminalista que fundou a Sociologia Criminal[17]. Nesta nova concepção o crime era determinado por fatores antropológicos, físicos e sociais.

Também classificou os criminosos em:

*Natos: são aqueles indivíduos com atrofia do senso moral;

*Loucos: também se incluíam os mastoides, que são aqueles indivíduos que estão na linha entre a sanidade e a insanidade, atualmente a psicologia utiliza  o termo “Border line” para classificar esse tipo de disfunção.

*Habitual: é aquele indivíduo que sofreu a influência de aspectos externos, de meio social inadequado. Ex: ao cometer um pequeno delito, o jovem vai cumprir pena em local inadequado, entrando em contato com delinquentes que acabam por o corromper.

*Ocasional: é aquele ser fraco de espírito, sem nenhuma firmeza de caráter.

* Passional ( sob o efeito da paixão): ser de bom caráter mas de temperamento nervoso e com sensibilidade exagerada.  Normalmente o crime acontece na juventude, vindo o indivíduo a confessar e arrepender-se depois. Frequentemente ocorrem suicídios.

Outro expoente foi Rafael Garafalo (1851-1934). Em sua obra Criminologia (1891) insiste que o crime está no indivíduo, pois é um ser temível, um degenerado. O delinqüente é um ser anormal portador de anomalia de sentido moral.

O termo temiblididade gerou alguns princípios utilizados nos estatutos penais, como a periculosidade.

Garafalo defendeu a pena capital.

Verifica-se então que esta escola nega o livre-arbítrio, abomina a ideia da Escola Clássica que afirmava que o crime era o resultado da vontade livre do homem.

A responsabilidade criminal é social por fatores endógenos e a pena não poderia ser retributiva, uma vez que o indivíduo age sem liberdade, o que leva ao desaparecimento da culpa voluntária. Propõem-se então a medida de segurança, uma sanção criminal que defende o grupo e ao mesmo tempo recupera o delinquente, e que viria em substituição à pena criminal. Esta medida deveria ser indeterminada até a periculosidade do indivíduo desaparecer por completo.

“É a lei expressando os interesses sociais, que atribui responsabilidade criminal aos indivíduos.”

“Os positivistas procuraram elaborar um conceito de delito natural que resistisse às transformações impostas pelos costumes, pela moral e pela própria realidade socioeconômica e política” J. Leal

Princípios Fundamentais:

a) método indutivo[18]

b) o crime é visto como um fenômeno social e natural oriundo de causas biológicas físicas e sociais

c) responsabilidade social em decorrência do determinismo e da periculosidade.

d) a pena era vista como um fim a defesa social e a tutela jurídica.

ESCOLA TÉCNICO-JURÍDICA

Esta escola inicia-se em 1905 e é uma reação à corrente positivista. Procura restaurar o critério propriamente jurídico da ciência do Direito Penal.

O seu primeiro expoente é Arturo Rocco, com sua famosa aula magna na Universidade de Sassari[19].

O maior objetivo é desenvolver a ideia que a ciência penal é autônoma, com objeto e métodos próprios, ou seja ela é única não se misturando com outras ciências (antropologia, sociologia, filosofia, estatística, psicologia e política) numa verdadeira desorganização. O Direito Penal continha de tudo, menos Direito. Rocco propõe uma reorganização onde o estudo do Direito Criminal se restringiria apenas ao Direito Positivo vigente.

"único que la experiencia nos señala y en el cual solamente puede encontrarse el objeto de una ciência jurídica como lo es la del derecho penal (...)". Rocco

"Lo que se quiere es tan solo que la ciencia del derecho penal, en armonia con su naturaleza de ciencia jurídica especial, limite el objeto de sus investigaciones directas al estudio exclusivo del derecho penal y, de acordo con sus medios, del único derecho penal que existe como dato de la experiencia, o sea, el derecho penal positivo". Rocco

O Direito penal seria aquele expresso na lei, e o jurista deve-se ater apenas a ela. O Direito Penal é o que está na lei. O seu estudo compõe-se de três partes:

*exegese: irá dar sentido as disposições do ordenamento jurídico

*dogmática: investigação dos princípios que irão nortear o direito penal fixando assim os seus elementos

*crítica: que irá orientar na consideração do direito vigente demonstrando assim o seu acerto ou a sua conveniência de reforma.

Outros importantes defensores dessa escola são: Manzini, Massari, Delitala, Cicala, Vannini, Conti.

Princípios Fundamentais:

a) o delito é pura relação jurídica, de conteúdo individual e social;

b) a pena constitui uma reação e uma consequência do crime (tutela jurídica), com função preventiva geral e especial, é aplicável aos imputáveis;

c) a medida de segurança - preventiva -, é aplicável aos inimputáveis;

d) a responsabilidade é moral (vontade livre);

e) o método utilizado é técnico-jurídico;

f) refuta o emprego da filosofia no campo penal.

CONCLUSÃO

Para que se possa compreender a filosofia e os princípios que regem o direito penal contemporâneo é preciso que se tenha uma visão do processo histórico que os precedeu.

É inconteste que, com o aparecimento do homem sobre a terra, surgiu também o crime. Um dos mais antigos livros que se tem acesso, a Bíblia, já relata o assassinato de Abel por seu irmão Caim e a consequente pena de banimento que lhe foi aplicada por Deus. A invenção da escrita, que é o marco divisório entre a pré-história e a história, trouxe a possibilidade de gravação das leis, como o famoso Código de Hamurabi. Temos então, na gênese das civilizações, a preocupação, desde os povos antigos, com as regras que definem o crime e as penas a serem aplicadas aos infratores.

A história do Direito Penal é descrita em fases nas quais os princípios e aspectos distintivos não se sucedem de forma estritamente linear.

As mais antigas são “ A Vingança Privada” com a famosa Lei de Talião, “ A Vingança Divina” onde direito e religião se confundiam e a “Vingança Pública” cuja principal finalidade era a segurança do monarca que detinha o poder absoluto.

Depois veio o “Direito Romano” que foi o grande antepassado das leis atuais e introduziu conceitos inovadores como graus de culpa. Também o “Direito Germânico” inovou com a definição de uma “ordem de paz” que poderia se rompida pelo crime. O “Direito Canônico” substituiu as penas patrimoniais pelo encarceramento.

O Iluminismo propiciou a conscientização de uma visão ética sobre o homem e o tratamento que a ele deveria ser dado. Surgiu, juntamente com a Teoria do Contrato Social, o “Período Humanitário” com a contribuição importante do Marquês de Beccaria, que teve um papel decisivo na elaboração de um novo Direito Penal mais compassivo e respeitador do indivíduo.

As escolas penais são as diversas correntes filosófico-jurídicas sobre crimes e punições que apareceram nos Tempos Modernos.

A Escola Clássica, de inspiração Iluminista, visa propiciar ao homem uma defesa contra o arbítrio do Estado. A Escola Positivista encara o crime sob a ótica sociológica e o criminoso torna-se o alvo de investigações bi psicológicas com fundamentos que não resistem a uma análise mais minuciosa e negam o livre-arbítrio, base da responsabilidade inalienável que cabe ao homem por seus atos. A Escola Técnico-Jurídica iniciada em 1905 reage contra a positivista e objetiva a restauração do critério propriamente jurídico do Direito Penal como ciência.

A observação dessa abordagem cronológica propicia o entendimento da evolução do pensamento humano sobre o conceito e o significado de crime e sobre as penas que ao infrator devem ser imputadas. A construção da ciência do Direito Penal foi um processo lento, cheio de ensaios e erros, que passou por todas as gradações do profundo desrespeito à pessoa até à moderna proposta da valorização dos direitos humanos. Graças ao árduo trabalho de juristas competentes, cuja visão muitas vezes foi deturpada pelo chamado “espírito da época”[20], mas cujo intento sempre foi melhorar a vida dos homens, foram sendo elaborados os parâmetros do legalmente certo e errado e das punições permitidas ao Estado. É pertinente ressaltar que nenhum Estado pode se sobrepor à justiça e que todos os atos de genocídios e expurgos são imorais, mesmo quando previstos por leis ditatoriais como o nazismo e fascismo.

Não se pode perder de vista que ao ser humano deve ser outorgada toda a dignidade a ele inerente e que tudo que se contrapõe a isso seja repudiado com toda a força da lei. Como muito bem falou Thomas Jefferson[21] “Nós abraçamos essas verdades por serem evidentes por si próprias: que todos os homens são criados iguais; que eles são investidos por seu Criador com alguns direitos inalienáveis entre os quais se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”[22].

Somente dentro de uma ética humanística poderemos edificar uma sociedade melhor e mais justa.

A HISTÓRIA E AS IDÉIAS DO DIREITO PENAL

Introdução:

O surgimento do Direito Penal se conjuga com o surgimento da própria sociedade. Ele nasce em meio ao sentimento de vingança e não de justiça, como veremos neste trabalho.

Seu trajeto também acompanha os passos da evolução do Estado. As inferências da igreja são de grande importância em suas conceituações.

O presente trabalho busca retratar de forma sucinta os primórdios do Direito Penal. Optamos em não sobrecarregar o leitor com especificadas que não incorporarão beneficamente seu conhecimento. Pensamos que, no momento atual, extremamente dinâmico, são utópicos trabalhos gigantescos apregoados a detalhes sem relevância no contexto de formação geral do discente.

Nos inúmeros livros os quais consultamos, procuramos extrair o que de mais importante cada autor expôs sobre o assunto. Uma observação interessante é que são os autores mais antigos os que melhor abordam o assunto. Os mais recentes os fazem de forma plagiada (muitas vezes explícita) e os mais didáticos (como Damásio de Jesus, na nossa concepção) dão ao tema uma importância secundária.

Conhecer a historicidade de todos os ramos do Direito, sem dúvida, é importante. Mas conhecer com clareza e objetividade. É essa a nossa pretensão frente ao presente trabalho.

PARTE PRIMEIRA

Evolução Histórica do Direito Penal

O que conhecemos como o Direito Penal atual não deve ser encarado como sua forma concreta, final, acabada. Ainda há muito o que evoluir e à nós cabe apenas um ponto na história penalista.

Período Primitivo

O homem sempre viveu em grupo e precisou de regras para reger sua vida social. As normas iniciais não mais eram que tradições, superstições e costumes misticamente observados pelos membros do grupo. O respeito a estas normas era de natureza essencialmente sacral. Tudo era mistério, misticismo, divino. Vem daí a idéia de proteção totêmica e das leis do tabu, que funcionava como norma de comportamento. Já o totem era representação da entidade protetora do grupo, a representação do Deus que os protegia.

A reação desse grupo primitivo contra o infrator visava restabelecer a proteção sacral, perdida com a ofensa causada pela infração às normas do tabu. Punindo o infrator o grupo estava se reconciliando com seu Deus. Em síntese, o crime é um atentado contra os deuses e a pena um meio de aplacar a cólera divina. A pena, em sua origem remota, nada mais significava senão a vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem preocupação de justiça.

Numa fase seguinte a pena deixa de ter função de restabelecimento da proteção sacral para expressar o interesse coletivo. Era o grupo que tinha interesse na punição e não ofendido ou seus próximos. A vida naquele tempo era essencialmente comunitária. A individualidade não tinha lugar perante o coletivo.

João José Leal discorda que o Direito Penal tenha numa das fases primeiras da evolução se caracterizado pela vingança privada (exercida isoladamente e com base no interesse individual, ela somente se manifestaria quando a vida coletiva adquirisse um grau mínimo de organização). Buscando outros autores, ele afirma que não há fundamento para se afirmar que a pena tem sua origem no instituto de conservação individual. Ao contrário, as normas de conduta sempre constituíram "uma ofensa aos interesses comuns do grupo, uma perturbação da paz coletiva". Sintetizando, o crime é agressão violenta de uma tribo contra outra e a pena a vingança de sangue de tribo a tribo.

Numa terceira etapa encontramos as penas de perda da paz e de vingança de sangue. A primeira consistia na expulsão do infrator do meio em que vivia. Para o indivíduo isso significava a morte, uma vez que era impossível sobreviver isolado em meio à natureza hostil.

Já a vingança de sangue era aplicada aos infratores estranhos ao grupo, por violações ao tabu. É provável que a guerra entre as tribos primitivas fossem motivadas pela represália de indivíduos do mesmo clã sanguíneo contra membros de outros grupos, dando origem à convencionada 'vingança do sangue'.

Em todas estas etapas o cunho religioso e consuetudinário imperava sobre as ideias do direito penal. As superstições e crenças constituíam-se em fundamentos de todas as atitudes do homem primitivo. O caráter, portanto, era muito mais religioso que jurídico. O poder coercitivo atuava com base no temor religioso ou mágico. O crime é a transgressão da ordem jurídica estabelecida pelo poder do Estado e a pena a reação do Estado contra a vontade individual oposta à sua.

Juarez Tavares comenta que o Direito Penal se origina no período superior da barbárie, com a divisão social do trabalho e da sociedade em classes.

Porto Carreiro é um autor que admite a existência do Direito Penal como fenômeno jurídico apenas em fases posteriores, e não nas já descritas. Ele parte do princípio que para haver juridicidade é necessário um grau de desenvolvimento sócio-político dos grupos humanos. "O Direito pressupõe a existência de um grupo organizado, de uma fonte emanadora do preceito jurídico e de um órgão capaz de torná-lo obrigatório e de aplicar ao infrator uma sanção".

Passamos agora à fase da composição (sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra da sua liberdade) e da vingança privada. Nesta, presenciamos a reação do indivíduo ou seu grupo contra membros de outros aglomerados. A reação tem natureza social e coletiva, mesmo porque se considerava uma ofensa à comunidade a que pertencia o indivíduo, e a própria vingança se dirigia a qualquer membro do grupo e não somente ao agressor, como cita Aníbal Bruno.

A comunidade primitiva se desdobra e surge o poder central. A ele cabe conciliar interesses divergentes e estabelecer o equilíbrio necessário à convivência de diversos grupos. Neste tempo surge a composição. Ela nasce do interesse do ofendido e do grupo a que pertencia, de verem o autor do dano, causado pela infração, sujeito a uma obrigação indenizatória, consistente no pagamento em espécie ou na sua submissão às condições que satisfizessem aos interesses da vítima ou de sua tribo. É uma forma alternativa de repressão aplicável aos casos em que a morte do delinquente fosse desaconselhável ou porque o interesse do ofendido fosse favorável à reparação do dano causado pela ação delituosa. Ocorria na composição a intervenção do poder público.

Período Antigo

Iniciado por volta de 4.000 a.C., é marcado pelo aparecimento das primeiras civilizações, com organização sócio-política-econômica e a figura do soberano representando o poder absoluto do Estado nascente. São ingredientes que permitirão a repressão criminal de caráter público, com reação penal proporcional à gravidade do delito.

É o tempo do Talião. Mesmo aí o Direito Penal ainda tem caráter místico, menos que no período primitivo. Na Lei do Talião o castigo tem mesma proporção da culpa. Significa limitar, restringir, retribuir na mesma proporção de suas gravidades as consequências do crime praticado, na mesma forma e intensidade do mal por ele causado. É o popular 'olho por olho, dente por dente'. É uma forma de acabar com a punição ilimitada e desregrada. Embora suas penas pareçam cruéis, coube à Lei de Talião um abrandamento do sistema punitivo então vigente.

A maioria dos povos antigos recorreu a esta prática. Encontramos citações a respeito no Código de Hamurabi. Os hebreus também utilizaram o recurso, constatável tal fato na própria Bíblia. Na Lei das XII Tábuas o termo 'talião' é citado explicitamente e no século IX a.C. é a vez do Código de Manu recorrer a tal artefato.

Direito Penal Romano

Antes de entrarmos na esfera romana, citaremos o trabalho grego. Nesta sociedade o direito teve caráter sacral à resposta punitiva, além da vingança privada e da composição. Os gregos tem importância por agregar ao Direito Penal o caráter público.

Dividiam as infrações penais em duas categorias: crimes públicos, em relação aos quais poderiam ser aplicadas penas coletivas e crimes privados, que somente admitiam a punição do autor.

Reconhecidos mais pela avançada filosofia que pelos passos no mundo do Direito, os gregos num dado tempo de sua evolução fazem com que a filosofia envolva o Direito e aí sim é possível ver focos de seu progresso. Nomes como Platão e Aristóteles especularam sobre o fenômeno criminal, acentuando a idéia de expiação e retribuição da pena, salientando mais tarde a importância da função preventiva da pena criminal.

Lembremos ainda do Direito Penal do povo hebreu com o Talmud. Substitui-se a pena de Talião pela multa, prisão e imposição de gravames físicos. Praticamente extinguiu-se a pena de morte. Os crimes eram divididos em delitos contra a divindade e crimes contra o semelhante. Houveram garantias em favor do réu contra denúncia caluniosa e falso testemunho.

Chegamos aos romanos. Não bastava apenas a força física dos seus exércitos para manter as conquistas territoriais do império. Fazia-se necessário um avançado sistema jurídico, que mantivesse a ordem, a chamada pax romana, nas mais distantes regiões dominadas. Daí decorre o motivo de serem tão extraordinários no início da história da juridicidade, com seus institutos, práticas e entendimentos doutrinários perdurando até hoje.

Os romanos não sistematizaram os institutos penais. Cada caso era julgado em sua particularidade. O processo penal teve relevante importância.

No campo específico do Direito Penal, após o período primitivo de caráter essencialmente religioso, houve uma preocupação de laicizar o sistema repressivo, punindo o infrator com fundamento no interesse individual ou público. As infrações passam a ser divididas em crimes públicos (crimina pública) e privados (delicta privata).

Os primeiros constituíam-se em atos atentatórios à segurança interna ou externa do Estado Romano e, por isso, cabia a este exercer a repressão contra o delinquente. Com o transcorrer dos tempos outros atos passaram à categoria de crimes públicos, como é o caso do homicídio, originariamente sancionado pelos familiares da vítima sob a denominação. As penas eram severas, como de morte ou deportação. Os crimes privados ficavam sujeitos à repressão do ofendido ou de seus familiares e eram julgados pela justiça civil que, na maioria dos casos, impunha às partes a composição.

As penas eram:

supplicium (executava-se o delinquente)

damnum (pagamento em dinheiro)

poena (pagamento em dinheiro quando o delito era de lesões)

Outro aspecto interessante verifica-se no poder concedido ao pater famílias, que atua não só no direito de família, mas também no criminal. Houve tempo em que dispunha até mesmo de direito de vida e morte sobre todos os seus familiares.

Para os romanos a pena criminal, passado o período primitivo, revestia-se de uma função retributiva, de exemplaridade e, também, de prevenção. Também cabe assinalar que o Direito Penal romano atingiu um grau técnico-jurídico de elaboração suficiente para distinguir o elemento subjetivo da infração (dolo ou culpa) do fato puramente material. Surgem daí as noções de crimes dolosos (intencional) e culposos (não intencional).

No caráter da imputabilidade, os juristas romanos souberam compreender que os menores e os doentes mentais não podiam ser capazes de agir com culpabilidade.

Aníbal Bruno afirma que os romanos construíram um grandioso sistema jurídico, sem que tenham manifestado uma preocupação maior com a sistematização doutrinária de princípios e conceitos. Construíram o Direito através da prática do justo, aplicado aos casos cotidianos.

A Lei das XII Tábuas, de origem romana, tem grande significado na história das instituição penais. Jiménez de Asúa pontua que "nelas se estabelece uma prévia determinação dos delitos privados, fora dos quais não se admite a vingança privada; afirma-se o talião, delimitador, ademais, da citada vingança e como meio de evitá-la se regula a composição. Ainda que a Lei das XII Tábuas seja uma legislação rude e primitiva, é relevante o fato de que se inspira na igualdade social e política, excluindo toda a distinção de classes sociais ante o Direito Penal".

O Direito Romano contribuiu decisivamente para evolução do Direito Penal com a criação de princípios penais sobre o erro, a culpa (leve e lata), dolo (bonus e malus), imputabilidade, coação irresistível, agravantes, atenuantes, legítima defesa e estado de necessidade.

Direito Penal Germânico

É um direito composto apenas pelo caráter consuetudinário e não por leis escritas. Os bárbaros que compuseram os povos germânicos trouxeram para Europa ocidental seus costumes, tradições, religiões e também o sistema jurídico. Seu período inicial foi marcado por um sistema punitivo de caráter religioso. A perda da paz, representada pela expulsão do infrator do seu meio social e sua consequente morte, marcou seguramente a prática punitiva das primeiras épocas do povo germânico. Também a vingança, já citada, marcou presença.

Com o fim das invasões e consolidação das regiões ocupadas, a vingança de sangue dá lugar à composição voluntária ou compulsória. A pena de paz admite um preço a ser pago pelo infrator. O Direito Penal Germânico, a partir de então, se transforma num sistema de sanções de características acentuadamente patrimoniais, "num minucioso tabelamento de taxas penais, variáveis segundo a gravidade das lesões e também a categoria do ofendido", como trabalha Aníbal Bruno.

Surgiram, assim, três tipos de penas baseadas na composição:

Wehrgeld, que consistia no pagamento de uma indenização, mas principalmente na submissão do infrator, obrigado a dar o seu trabalho em favor da vítima ou de seu grupo;

2. Busse, uma verdadeira pena de multa, paga ao ofendido, para se livrar da vingança privada (uns a entendem como pena aplicável ao caso de pequenas infrações; outros, como espécie dos quais as penas do item 3 são gênero);

3. Friedensgeld ou Fredum, consistente no pagamento ao soberano de uma soma em dinheiro pela violação da paz.

As três penas evidenciam o caráter pecuniário das penas criminais, que constituíram o sistema repressivo dos povos germânicos. Mesmo assim eles não deixaram de praticar a pena de morte e as demais penas em geral, como as mutilações. A composição, com suas penas patrimoniais bem definidas, constituía-se num Direito Penal de homens livres, da nobreza proprietária das terras. Aos servos se aplicavam as penas corporais mais severas. Não distinguia dolo, culpa e caso fortuito, determinando punição do autor sempre em relação ao dano por ele causado e não de acordo com o aspecto subjetivo do seu ato.

Contemplava o direito penal germânico o que é considerado inadmissível nos dias de hoje: a responsabilidade sem culpabilidade o que, equivale dizer, acarretava ao indivíduo punição pelo simples resultado que causava, sem que a pena variasse quando da involuntariedade ou não do ato.

Houveram penas extremamente severas. As adúlteras eram sepultadas vivas em pântanos e os covardes eram lançados a animais para serem devorados. Se o condenado morresse antes de cumprir toda pena, um dos membros da família devia substitui-lo pelo resto do tempo que faltava.

Direito Penal Canônico

A influência do Cristianismo na legislação penal foi extensa e importante. Essa influência começou com a proclamação da liberdade de culto, pelo imperador Constantino e, mais propriamente, quando Constantino foi declarado a única religião do Estado, sob o imperador Teodósio I. O Direito Canônico tem origem disciplinar, sendo sua fonte mais antiga os Libri penitenciasses. Em face da crescente influência da igreja sob o governo civil, o Direito Canônico foi aos poucos estendendo-se a pessoas não sujeitas à disciplina religiosa, desde que se tratasse de fatos da natureza espiritual.

Com a conversão de Clodoveu, penetra o Cristianismo na monarquia franca, aí surgindo então a repressão penal de vários crimes religiosos e a jurisdição eclesiástica. Desde o século IX inicia-se a luta metódica e triunfadora do Papado para obter o predomínio sobre o poder temporal, pretendendo impor leis ao Estado, como representante de Deus. Assim, o poder punitivo da igreja protege os interesses religiosos de dominação. Surge daí o Corpus Juris Canonici, que se compõe do Decretum Gratiani, das Decretais de Gregório IX, do Liber Sextus, de Bonifácio VIII e as chamadas Clementinas, Constituições do Papa Clemente V. As disposições legislativas estabelecidas pelos papas são Decretais; as que se originam dos Concílios, chamam-se Canons. É dessa última expressão que deriva o Direito Canônico, também chamado de Direito Penal da Igreja.

O Direito Canônico dividia os crimes em delicta eclesiastica (de exclusiva competência dos tribunais eclesiásticos); delicta mere secularia (julgados pelos tribunais leigos) e delicta mixta, os quais atentavam ao mesmo tempo contra a ordem divina e a humana e poderiam ser julgados pelo tribunal que primeiro deles conhecesse. As penas distinguem-se em espirituales (penitências, excomunhão, etc) e temporales, conforme a natureza do bem a que atingem. As penas eram, em princípio, justa retribuição, mas dirigiam-se também ao arrependimento e à emenda do réu.

A influência do direito canônico foi benéfica segundo Heleno Cláudio Fragoso. Trouxe a humanização, embora politicamente a sua luta metódica visasse obter o predomínio do papado sobre o poder temporal para proteger os interesses religiosos de dominação. Proclamou a igualdade de todos os homens, acentuando o aspecto subjetivo do crime, opondo-se, assim ao sentido puramente objetivo da ofensa, que prevalecia no direito germânico. Favorecendo o fortalecimento da justiça pública, opôs-se à vingança privada decisivamente, através do direito de asilo e da trégua de Deus. Por força desta última, da tarde de Quarta-feira de manhã a manhã de Segunda-feira nenhuma reação privada era admissível, sob pena de excomunhão. Opôs-se também o Direito Canônico às ordálias e duelo judiciários e procurou introduzir as penas privativas de liberdade, substituindo as penas patrimoniais, para possibilitar o arrependimento e a emenda do réu.

A penitenciária é de inspiração nitidamente eclesiástica. Pregava cumprimento da pena em claustro ou cubículos. Defendeu a igreja a mitigação das penas. Os tribunais eclesiásticos nunca aplicavam a pena de morte, entregando o réu que deveria sofrê-la aos tribunais seculares. Parece certo que em seu ulterior desenvolvimento, afirmou-se a maior severidade dos tribunais eclesiásticos, especialmente com a Inquisição, que fez largo emprego da tortura, escrevendo negra página na história do Direito Penal. O processo inquisitório surgiu com o Concílio de Latrão e possibilitava o procedimento de ofício, sem necessidade de prévia acusação, pública ou privada.

Está em vigor hoje o Codex Juris Canonici, promulgado pelo Papa Bento XV, em 1917.

Direito Penal Comum

Com a fragmentação do poder político que surgiu com o término da dinastia carolíngia, observou-se um retrocesso no desenvolvimento do Direito Penal, pois ressurge o direito consuetudinário da época anterior, deixando de ser observadas as leis escritas da época franca. Penetramos no regime feudal. Em consequência, reaparece a concepção privada da justiça punitiva, com a vingança privada e o pagamento do preço da expiação tomando o posto das penas públicas. É nessa época que se inicia a luta da Igreja, a princípio pela independência e logo pelo predomínio do poder espiritual.

O Direito Penal dessa época resulta de uma combinação entre o direito romano, o germânico e o canônico, com prevalência do primeiro, que é a fonte a ser consultada nos casos omissos.

Com o fortalecimento do poder político entre os povos germânicos, a partir do século XII, readquire relevo o sentido público do crime e da pena, recrudescendo a luta contra a Faida e a vingança privada. Aparecem então as leis de paz territorial, nas quais são previstos crimes e penas. São muito numerosas tais leis, que resultam da estipulação feita entre o imperador dos diversos Estados.

A violação dessas leis, ora é considerada uma infração penal em si, ora é circunstância agravante. Entre as mais importantes estão a Constitutio Moguntina, de Frederico II e a paz territorial perpétua de Worms, na qual se descreve definitivamente o direito da Faida. Na Alemanha esta evolução terminou com o aparecimento da legislação criminal de Carlos V, a Constitutio Criminalis Carolina que sucedeu à Constitutio Criminalis Bamberguensis. A importância da Carolina reside no fato de atribuir definitivamente ao Estado o poder punitivo, dando firmeza ao Direito. Apesar da fragmentação do império, na época posterior, a Carolina permanece por longo tempo como fonte do direito comum na Alemanha, praticamente até o século passado.

PARTE SEGUNDA 
Período Humanitário e Movimento Codificador

É no decorrer do Iluminismo que se inicia o denominado período humanitário do direito penal, movimento que pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII. O Iluminismo significa a auto emancipação do homem da simples autoridade, preconceito convenção e tradição, com insistência no livre pensamento sobre problemas que tais instâncias consideravam incriticáveis.

As ideias políticas dominantes começaram a serem revistas com a obra de Hugo Grotis sobre o direito natural (de iuri belli ac pacis, 1625), como diz Von Liszt, deu início à luta sobre os fundamentos do direito penal do Estado dando à pena um fundamento racional. A evolução prossegue com as obras de Puffendorf, Thomasius e Cristhian Wolff, jusnaturalistas que fundaram o direito do Estado na razão, combatendo o direito romano e o canônico, bem como opondo-se ao princípio da retribuição reconhecendo o fim da pena na utilidade comum.

Com a obra dos filósofos Hobbes, Espinosa, e sobretudo Locke que prescindiam da ideia de justiça absoluta e afirmaram ser o fim da pena a manutenção a obediência dos súditos ou da segurança comum. Visando impedir que novos crimes sejam praticados pelo culpado ou pelos demais cidadãos.

Destaca-se os enciclopedistas francês como Montesquieu, autor das Lettres Persanes, de 1721 e do Espirit des lais, de 1748, obras que exerceram extraordinária influencia e de independência do poder judiciário; Rosseau, dando com o seu Contract Social, de 1762, os fundamentos da liberdade política e da igualdade dos cidadãos e, ainda Voltaire que em vários de seus escritos reclamava a completa renovação dos costumes judiciários e da prática dos Tribunais, especialmente com a famosa defesa de Jean Calas, protestante morto injustamente em 1762.

Nesta época César Beccaria publica em Milão em 1764, com a colaboração dos irmãos Verri em seu famoso opúsculo Dei delliti delle e pene. Um pequeno livro que se tornou o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente.

A obra de Beccaria, cuja a 1ª foi anônima, reflete a influência notável que sobre eles os enciclopedistas, Montesquieu e Rosseau cujas idéias ele acolhe, reproduz e desenvolve muitas vezes sem qualquer originalidade. Beccaria parte da ideia do contrato social, afirmando o fim da pena é apenas o de evitar que o criminoso cause novos males e que os demais cidadãos o emitem sendo tirânica toda punição que não se funde na absoluta necessidade. Defendia a conveniência de leis claras e precisas, não permitindo se quer o juiz o poder de interpretá-las, opondo-se; dessa forma, ao arbítrio que prevalia na justiça penal. Combateu a pena de morte, a tortura, o processo inquisitório, defendendo a aplicação de penas certas, moderadas e proporcionadas ao dano causado à sociedade. Opunha-se Beccaria à justiça medieval que ainda vigorava em seu tempo.

Ao movimento de reforma que se inicia com a enorme repercussão que obteve a obra de Beccaria, tem-se chamado de Humanitária, pois lança a ideia do respeito à personalidade humana e se funda em sentimentos de piedade e compaixão pela sorte das pessoas submetidas ao terrível processo penal e ao regime carcerário que então existia.

As ideias básicas do Iluminismo em matéria de justiça penal são a da proteção da liberdade individual contra o arbítrio judiciário; a abolição da tortura; a abolição ou imitação da pena de morte e a acentuação do fim estatal da pena, com afastamento das exigências formuladas pela igreja ou devidas puramente a moral, fundadas no principio da retribuição ( Liszt-Schimit).

Tais idéias produziram resultados para o desenvolvimento de uma ampla mudança legislativa - movimento codificador - começa ainda no final do século XVIII. Na Rússia em 1767, Catarina II em suas Instruções dirigidas à comissão encarregada da elaboração de um novo Código Penal, as acolhes integralmente; o Código de Toscana de Leopoldo II de 1786; o Allgimeines Landrecht de Frederico, o Grande da Prússia 1794; o Código Penal Francês de Bavieira de 1813. A codificação alem de dar certeza ao direito, exprime uma necessidade lógica, por meio da qual são sistematizados princípios esparsos, facilitando a pesquisa, a interpretação e aplicação das normas jurídicas.

Na França, com a Revolução Francesa, surgem a Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, bem como os Códigos Penais de 1791 e 1810. São os seguintes princípios básicos pregados pelo filosofo Beccaria, não sendo totalmente original, firmou em sua obra os postulados básicos do direito penal moderno:

1. os cidadãos, por viverem em sociedade cedem apenas uma parcela de sua liberdade e direitos. Por esta razão, não se podem aplicar penas que atinjam direitos não cedidos, como acontecem nos casos da pena de morte e das sanções cruéis.

2. só as leis podem fixar as penas, não se permitindo ao juiz interpretá-las ou aplicar sanções arbitrariamente.

3. as leis devem ser conhecidas pelo povo, redigida com clareza para que possam ser compreendidas e obedecidas por todos os cidadãos.

4. a prisão preventiva só se justifica diante de prova da existência do crime e da sua autoria.

5. devem ser admitidas em juízo todas as provas, inclusive a palavra dos condenados (mortos civis ).

6. não se justifica as penas de confisco, que atingem os herdeiros do condenado, e as infamantes, que recaem sobre toda a família do criminoso.

7. não se deve permitir o testemunho secreto, a tortura para interrogatório e aos juízos de Deus, que não levam a descoberta da verdade.

8. a pena deve ser utilizada como profilaxia social, não só para intimidar o cidadão, mas também para recuperar o delinquente.

PARTE TERCEIRA 
Escolas e Tendências Penais

Escola Clássica

Encontra a semente na filosofia racionalista do século XVIII e nas ideias políticas que proclamavam os direitos do homem e do cidadão contra a prepotência do Estado absolutista.

A Escola Clássica foi um nome criado pelos positivistas com sentido pejorativo, mas que atualmente serve para reunir os doutrinadores da época em que as ideias fundamentais do Iluminismo foram expostas magistralmente por Beccaria e que estão na obra de vários autores que escreveram na primeira metade do século XIX. Este século marca o surgimento de inúmeras correntes de pensamento estruturadas de forma sistemática, conforme determinados princípios fundamentais. São as escolas penais, definidas como “o corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a matéria do delito e sobre o fim das sanções”.

Elas contêm tendências diversas, apresentam nuanças e matrizes próprios, advindos da natural influência da personalidade de quem as defendia, do país que eram expostas.... Essa doutrina de conteúdo heterogêneo, se caracterizava por sua linha filosófica, de cunho liberal e humanitário.

Tem origem na filosofia grega antiga, que sustentava ser o Direito afirmação da justiça, no contratualíssimo e, contudo, no jus naturalismo. Os sistemas contratual e natural “estão acordes na necessidade de considerar o Direito Penal não tento em função do Estado, quanto em função do indivíduo, que deve ser garantido contra toda intervenção estatal não predisposta em lei e, consequentemente, contra toda limitação arbitrária da liberdade, exigência que hoje dispensa maiores comentários e explicações, mas que se apresentam como uma conquista capital em relação ao Estado absoluto até então dominante.

Nesta escola, podemos distinguir dois grandes períodos:

a) filosófico ou teórico: destaca-se como figura de incontestável realce, bastando para isso ter sido o iniciador, Cesare e Beccaria. Beccaria proclama a necessidade de se atribuir um novo fundamento à justiça penal, um fundamento essencialmente utilitário, político, que deve, sem embargo, ser modificado e limitado pela lei moral.

O contrato social é a posição de sua inspiração: a sociedade é o fruto de um pacto livre estabelecido pelos cidadãos que abdicam de uma parcela da sua liberdade e a depositam na mão do soberano, cedendo este o direito de punir os atos atentatórios ao interesse geral, mas somente na medida em que as restrições à liberdade sejam necessárias à mantença do pacto. Segundo o pensamento beccariano, a pena é tanto mais justa quanto menos exceda os limites do estritamente necessário e quanto mais se concilie com a máxima liberdade dos cidadãos.

Proclama como princípios limitadores da função de punir do Estado: só a lei pode fixar legitimamente a pena para cada delito; a lei não deve considerar nenhum caso especial, mas somente estabelecer as penas para as várias espécies de delitos; as penas excessivas e cruéis devem ser abolidas, como inumanas e inúteis; ao juiz corresponde unicamente ajustar o caso à letra da lei, sem interromper o espírito da lei que poderá conduzir ao arbítrio e ao personalismo; abolição da tortura aplicada para obter a confissão do indiciado; abolição da pena de morte.

b) Jurídico ou prático: seu maior expoente foi Francesco Carrara, autor do monumental Programa Del corso di diretto criminale (1859). É a sua maior obra, onde expõe seu pensamento e que remarcada influência logrou, a ponto de, ainda hoje, diversos de seus ensinamentos constituírem ponto de partida obrigatório para o estudo e a compreensão de institutos jurídicos penais.

Também temos que lembrar o nome de J. A. Carmignami, antecessor de Carrara na cátedra da Piza, seu professor e que sobre ele exerceu grande influência. Para Carrara (mestre de Piza), o delito é um "ente jurídico" impelido por duas forças: a física, que é o movimento corpóreo e o dano do crime, e a moral, constituída da vontade consciente do criminoso. A essência do delito reside na violação de um direito, cumpre que este se defenda contra o delito e para isso é necessário que, no seu próprio conteúdo, se encontre a faculdade da sua defesa, pois, ao contrário, não seria um direito, mas sim uma irrisão. O criminoso é portador de direitos e, portanto, submetido ao juízo penal, ele só pode ser condenado quando se reconhece a sua culpa e não pode sofrer um mal maior que o exigido pela necessidade da tutela jurídica, calculada sobre a exata verificação do fato criminoso.

O eixo do sistema carriano é o livre arbítrio como pressuposto de afirmação da responsabilidade da aplicação da pena. Entre suas obras, podemos ainda citar Opuscoli, heminiscenge di catedra e foro.

Carrara define o crime como "a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso". Agora iremos explicar os termos usados: com a "infração da lei do Estado" consagra o princípio da reserva legal ou da legalidade, segundo o qual, só é crime o fato que infringe a lei penal. Mas esta há de ser 'promulgada', porque se refere o autor apenas à regra legal, à norma judiciária e não às leis morais e/ou religiosas. Tem a finalidade de 'proteger a segurança dos cidadãos' (a sociedade) porque a lei deve tutelar os bens jurídicos.

O crime é um fato em que se viola a tutela do Estado, infringindo-se a lei e, portanto, passa a ser ele um 'ente jurídico'. Devia a violação "resultar de um ato humano externo, positivo ou negativo", onde só o homem podia praticar esse ato; externo, porque a mera intenção ou cogitação criminosa, não era punível; positivo, quando se refere à ação (fazer) ou negativo, quando se relaciona com a omissão (não fazer o devido). O criminoso é "moralmente imputável" já que a sanção se fundamente no livre arbítrio (fundamento indeclinável das escolas clássicas) de que dispõe o ser humano são, e o ilícito é "politicamente danoso", elemento que, embora implicitamente contido na segurança dos cidadãos, é repetido para esclarecer que o ato deve perturbar a tranquilidade do cidadão (vítima) e a própria sociedade, provocando um dano imediato, isto é, o causado ao ofendido, e o mediato, ou seja, alarma ou repercussão social que provoca. Esta forma quase todos os fundamentos da Escola Clássica.

Para a Escola Clássica, o método que deve ser utilizado no Direito Penal é o dedutivo ou lógico-abstrato. Assentam os clássicos suas concepções sobre o raciocínio. Como escreve Asúa: "El derecho penal es para el clasicismo un sistema dogmático, baseados sobre conceptos essencialmente racionalistas". É uma ciência jurídica, nada tendo que ver com o método experimental, próprio das ciências naturais.

Para eles, o crime não é uma ação, mas infração. É a violação de um direito. Tal princípio é básico e fundamental na escola. Carrara acreditou ter achado a fórmula sacramental (de que deveriam dinamar todas as verdades do direito penal), e lhe pareceu que dela emanaram, uma a uma, todas as verdades que o direito penal dos povos cultas já reconheceu e proclamou na cátedra, nas academias e no foro. Expressou-se dizendo que, o delito não é um ente de fato, mas um ente jurídico. Com tal proposição, teve a impressão de que se abriam as portas à espontânea evolução de todo o direito criminal, em virtude de uma ordem lógica e impreterível.

Outra característica da Escola Clássica, é o relativo à pena, que é tida como tutela jurídica, ou seja, como proteção aos bens jurídicos tutelados penalmente. O crime é a violação de um direito e, portanto, a defesa contra ele deve encontrar-se no próprio direito, sem o que ele não seria tal. Consequentemente, ela não pode ser arbitrária (sanção), mas há de regular-se pelo dano sofrido pelo direito e, embora retributiva, tem também finalidade de defesa social. Não é exato que, na escola Clássica, a pena não tenha a finalidade de defesa. Tem-na, embora em sentido exclusivamente especulativo.

Outro postulado da escola é a imputabilidade moral. É o pressuposto da responsabilidade penal, funda-se no livre arbítrio, elevado por ela à altura de dogma. Quem nega a liberdade de querer, nega o direito penal. O homem está submetido às leis criminais em virtude de sua natureza moral, como consequência, não poderia ser politicamente responsável por um ato do qual não fosse antes responsável moralmente. A imputabilidade moral é o precedente indispensável da imputabilidade política.

A Escola Clássica foi de grande importância e de um valor extraordinário na elaboração do Direito Penal, dando-lhe dignidade científica. Por outro lado, menor não foi sua ascendência sobre as legislações, já que a quase totalidade dos códigos e das leis penais, elaborados no século passado, inspiram-se totalmente em suas diretrizes, a que também permanecem fiéis códigos de recente promulgação. Ela foi intrépida defensora de Direito contra o arbítrio e a prepotência daqueles tempos. Coube à Escola Clássica imprimir ao Direito Penal o cunho sistemático da ciência jurídica, cujo objeto, no plano teórico, foi o estudo do delito e da pena, do ponto de vista jurídico e, no plano prático, a extinção do arbítrio judicial e mitigação geral das penas.

A seguir explicitaremos as linhas basilares dessa escola, segundo Regis Prado:

a) o Direito tem uma natureza transcendente, segue a ordem imutável da lei natural: O Direito é congênito ao homem porque foi dado por Deus à humanidade desde o primeiro momento de sua criação, para que ela pudesse cumprir seus deveres na vida terrena. O Direito é a liberdade. Portanto, a ciência criminal é o supremo código da liberdade, que tem por objeto subtrair o homem da tirania e dos demais, e ajudá-lo a livrar-se da tirania de si mesmo e de suas próprias paixões. O Direito Penal tem sua gênese e fundamento na lei eterna da harmonia universal.

b) o delito é um ente jurídico, já que constitui a violação de um direito. O delito é definido como infração. Nada mais é que a relação de contradição entre o fato humano e a lei.

c) a responsabilidade penal é lastreada na imputabilidade moral e no livre-arbítrio humano

d) a pena é vista como meio de tutela jurídica e como retribuição de culpa moral comprovada pelo crime. O fim primeiro da pena é o restabelecimento da ordem exata na sociedade, alterada pelo delito. Em consequência, a sanção penal deve ser aflitiva, exemplar, publica, certa, proporcional ao crime, célere e justa.

e) o método utilizado é o dedutivo ou lógico-abstrato.

f) o delinquente é, em regra, um homem normal que se sente livre para optar entre o bem e o mal, e preferiu o último.

g) os objetos de estudo do Direito Penal são o delito, a pena e o processo.

Como curiosidade devemos mencionar a Escola Correcionalista de Carlos Cristian, Frederico Krause e Carlos David Augusto Roeder, visto que alguns autores afirmam que a sua inspiração é clássica, que considera o Direito como necessário a que se cumpra o destino do homem, como uma missão moral da descoberta da liberdade. Deve-se estudar o criminoso para corrigi-lo e recuperá-lo, através de pena indeterminada. Não se pode, segundo tais ideias, determinar a priori a duração da pena, devendo ela existir apenas enquanto necessária à recuperação do delinqüente. Participam destas idéias, Dorado Montero Concepción Arenal e Luiz Jiménez de Asúa.

Escola Positiva

A Escola Positiva se dizia socialista e se ergueu contra o Iluminismo da Escola Clássica. Ela proclamava outra concepção de direito. Enquanto para a clássica, ela preexistia ao homem, para os positivistas, ele é o resultado da vida em sociedade e sujeito variações no tempo e no espaço, consoante a lei da evolução. A moral e o direito são produtos da cultura social do homem, sujeitos a variações no espaço e tempo, sob a lei inexorável da evolução.

Foi um movimento naturalista do séc. XVIII, que pregava a supremacia da investigação experimental em oposição à indagação puramente racional, influenciando no direito penal. A Escola Positivista surgiu na época do predomínio do pensamento positivista no campo da filosofia (Augusto Conte; da sociologia surgiria a sociologia criminal ), das teorias evolucionistas de Darwin e Lamark e das idéias de John Stuwart Mill e Spencer. De Darwin, Lombroso tiraria sua concepção do atavismo no crime e, Spencer forneceria elementos aplicáveis à psicologia, à sociologia e à ética.

O movimento criminológico do direito penal teve como seu pioneiro o médico psiquiatra, italiano, e professor de Turim César Lombroso, que publicou o livro L’Womo delinqüente studiato in rapporto, all’antropologia, allamedicina legale e alle discipline carcerarie, onde expôs suas teorias e possibilitou a evolução das idéias penais.

A sua concepção básica é do fenômeno biológico do crime e a do método experimental em seu estudo, ele estuda o delinquente do ponto de vista biológico e consideram o crime como uma manifestação da personalidade e produto de várias causas. Conseguiu, com seus estudos, criar a Antropologia Criminal e, nela, a figura do criminoso nato. Firmou conceitos básicos alguns ampliados, outros retificados por seus seguidores, que deram novas diretrizes e abriram novos caminhos no estudo do crime e do criminoso como uma semente para uma árvore hoje conhecida como Criminologia. A teoria Lombrosiana cometeu alguns exageros, mas seus estudos abriram nova estrada na luta contra o crime. As ideias de Lombroso serão expostas nos tópicos a seguir.

Os crime é um fenômeno biológico, não um ente jurídico, como afirmava Carrara. O método que deve ser utilizado no seu estudo é o experimental, e não o lógico-dedutivo dos clássicos.

Pretendeu explicar o delito pelo atavismo. O criminoso é um ser atávico e representa um regresso ao do homem ao primitivismo (selvagem). Ele já nasce delinquente, como outros nascem sábios ou enfermos. A causa dessa regressão é o processo, conhecido em biologia como degeneração, com parada de desenvolvimento.

O dito criminoso apresenta sinais físicos e morfológicos específicos como deformações e anomalias anatômicas: assimetria craniana, fronte fugidia, zigomas salientes, face ampla e larga, cabelos abundantes, barba escassa, orelhas em asa, arcada superciliar proeminente, prognatismo maxilar. A estatura, o peso, a braçada seriam outros caracteres anatômicos.

O criminoso nato e insensível fisicamente, resistente ao traumatismo canhoto, ou ambidestro, moralmente insensível, impulsivo, vaidoso e preguiçoso. Ele advertia, entretanto, que só a presença de diversos estigmas é que denunciaria o tipo criminoso, pois pessoas honesta e de boa conduta poderiam apresentar um ou outro sinal. Os criminosos, passionais, e ocasionais, podiam não apresentar anomalias.

A causa de degeneração que conduz ao nascimento do criminoso é a epilepsia (evidente ou larvada), que atacavam os centros nervosos, deturpava o desenvolvimento do organismo e produz regressões atávicas.

Existe a “loucura moral”, que aparentemente deixava integra a inteligência, porém suprime o senso moral, ao lado daquelas outras causas, explicação biológica do crime.

Como consequência, o criminoso para o iniciador da escola positiva é um ser atávico, com fundos epilépticos e semelhantes ao louco mora, doente antes que culpado e que deve ser tratado e não punido.

Contudo, Lombroso ainda admite outras espécies ao lado do delinquente. A ideia de uma tend6encia para o crime em certos homens não foi enterrada com Lombroso, já que desde os tempos de Mendel se sabe que os cromossomos podem intervir na transmissão de traços hereditários e nas deficiências genéticas. Alguns estudos recentes levam à conclusão de que os elementos recebidos pela herança biológica, embora possam não condicionar um estilo de vida, no sentido de tornar um homem predestinado em qualquer direção, influindo no modo de ser do indivíduo.

A Escola Positiva tem a sua maior figura em Henrique Ferri, criador da Sociologia Criminal ao publicar o livro que leva esse nome. Foi discípulo discente de Lombroso, ressaltando a importância de um trinômio causal do delito (fatores antropológicos, sociais e físicos). Aceitou o determinismo, afirmando ser o homem "responsável" por viver em sociedade. Distinguiu os criminosos em cinco categorias:

Nato: é o já considerado conforme Lombroso e cujo traço característico, para ele, é a atrofia do senso moral.

Louco: portador de doença mental, contrariou postulados clássicos, pois o louco não pode ser delinquente, mas compreensível na Escola Positivista, para a qual a responsabilidade é social.

Habitual: é um produto do meio social mais do que os fatores endógenos, influem nele os exógenos. Sua vida criminosa começa cedo com pequenos delitos, cumpre pena em local impróprio e sofrendo influência, que o levará a cometer delitos mais graves.

Ocasional: é fraco de espírito, sem firmeza de caráter e versátil na prática do crime.

Passional: e honesto, mas de temperamento nervoso e sensibilidade exagerada.

Conseguiu dividir as paixões em: sociais (amor, piedade; devem ser amparadas e incentivadas) e, antissociais (ódio, inveja; devem ser reprimidas severamente).

Procurou consagrar em leis as suas concepções. Seu último trabalho foi os "Princípios de Direito Criminal" que é uma exposição doutrinária de um sistema jurídico-penal.

O iniciador da fase do positivismo italiano foi Rafael Garófalo. Sustentava que existe no homem dois sentimentos básicos, a piedade e a justiça. E que o delito é uma lesão desses sentimentos. Sua principal obra, "Criminologia", dividiu-a em três partes: o delito, o delinquente a repressão penal.

Procurou um conceito uniforme de crime. Buscou criar o delito natural, que é a "ofensa feita" à parte do senso moral formada pelos sentimentos altruístas de piedade e justiça. Para ele, delinquente não é um ser normal, mas portador de anomalia no sentido moral (porém, aceita, limitadamente, a influência do ambiente social na gênese da criminalidade).

Há, ainda, outros grandes nomes dessa corrente: Fioretti, Puglia, Berini, Magno, Altavilla, Florian, Grispigni...

As características seguintes referem-se à Escola Positiva:

Método indutivo: o crime e o criminoso devem ser expostos à observação e à análise experimental. O delito não é um ente jurídico, mas um fato humano, resultante de fatores endógenos e exógenos. A pena tem por escopo a defesa social, não havendo correspondência entre ela e o crime. A sanção pode ser aplicada antes da prática delituosa.

O crime é fenômeno natural e social, oriundo de causas biológicas, físicas e sociais: o crime é um fenômeno sujeito às influências do meio e de múltiplos fatores, exigindo o estudo pelo método experimental.

A responsabilidade social como decorrência do determinismo e da periculosidade: a responsabilidade penal é responsabilidade social, por viver o criminoso em sociedade, e tem por base a sua periculosidade.

A pena tendo por fim a defesa social e não a tutela jurídica: a pena é medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou a sua neutralização.

Escola Crítica

Pode ser chamada de 3ª escola, Escola Crítica ou Eclética, que procuraram conciliar os princípios da Escola Clássica e o tecnicismo jurídico com a positiva.

Ela procura conciliar as posições extremadas da escola Clássica e do Positivismo Naturalista, surgem correntes ecléticas em diversos europeus. Na Itália com Alimena, Carnevale e Impallomeni, aparece a Terza Scuola, também denominada Positivismo Crítico.

Situando-se entre a Escola Clássica e o Positivismo Naturalista aceita os dados da antropologia e da sociologia criminal, ocupando-se do delinquente; mas, dando a mão ao classicismo, distingue o imputável e o inimputável.

Os pontos básicos dessa corrente segundo Roberto Lyra são: o respeito à personalidade do direito penal, que não podem ser absorvidos pela sociologia criminal; inadmissibilidade do tipo criminal antropológico, fundando-se na causalidade e não-fatalidade do delito; reforma social com imperativo do Estado, na luta contra a criminalidade.

Do positivismo aceita a negação do livre arbítrio, concepção do delito como fato individual e social, o princípio da defesa da sociedade, que é o fim da pena, a qual, entretanto, não perde o caráter aflitivo.

Concorda com a clássica, admitindo a responsabilidade moral, embora não a fundamentando no livre arbítrio. Distingue o imputável do inimputável, como já se disse, pois, consoante Alimeno, a imputabilidade surge da vontade dos motivos que as determinam, tendo por fase a dirigibilidade do indivíduo, ou seja, a capacidade para sentir a coação psicológica. Somente é imputável o que é capaz de sentir ameaça da pena. Advoga, entretanto, para o inimputável, medidas de cunho notoriamente positivista.

A escola teve como preocupação evitar, as discussões metafísicas do livre arbítrio e do determinismo, que frequentemente olvidavam as exigências reais e impostergáveis do direito penal.

As mais importantes características dessa corrente, segundo Regis Prado, serão explicitadas a seguir:

a) a responsabilidade penal tem por base a imputabilidade moral, sem o livre-arbítrio, que é substituído pelo determinismo psicológico: o homem está determinado pelo motivo mais forte, sendo imputável aquele que é capaz de se deixar levar pelos motivos. Aos que não possuem tal capacidade, deve ser aplicada medida de segurança. A imputabilidade funda-se na dirigibilidade do ato humano e na intimidabilidade.

b) o delito é contemplado no aspecto real – fenômeno real e social.

c) a pena tem uma função defensiva ou preservadora da sociedade.

Dentre os seguidores da escola crítica, citam-se Manuel Carnevale, Bernardinho Alimena (Principii di diritto penale; Naturalismo crítico e diritto penale), João B. Impallomeni (Institucion di diritto penale), Adolfo Merkel (Vergelhuungsidee und Zweckgedanke im Strafrecht), Liepmann, Detker e Stern.

Escola Moderna Alemã

No contexto do positivismo crítico se enquadra a escola sociológica alemã ou escola política criminal. A Escola Moderna Alemã surgiu na Alemanha por iniciativa de Franz von Liszt, o maior político-criminológico alemão. Liszt deu à ciência do Direito Penal uma nova e mais complexa estrutura. Ela vem a ser uma disciplina completa, resultante da fusão de outras disciplinas jurídica e criminológicas heterogêneas – dogmática, criminologia, política-criminal: a gesamte Strafrechtswissenschaft (ciência total do Direito Penal).

Para conhecê-la, fazem-se necessárias: a formação do penalista deve ser jurídica e criminalística; a explicação causal do delito e da pena há de ser entendida como criminológica, penológica e de pesquisa histórica sobre o desenvolvimento da delinquência e dos sistemas penais; e, finalmente, é necessário a elaboração de uma política criminal, como sistemas de princípios, em bases experimentais, para a crítica e reforma da legislação penal. A política criminal encontra seu limite na lei penal, na qual o princípio da legalidade representa um baluarte de defesa social. Daí as afirmações gráficas de que “o código penal é a Magna Carta do delinquente” e de que “o Direito Penal á s insuperável barreira da política criminal”.

A Escola Moderna Alemã e a terceira Escola são escolas ecléticas que procuraram conciliar os princípios da Escola Clássica e o tecnicismo jurídico com a positiva.

O ponto de partida é a neutralidade entre livre-arbítrio e determinismo, com a proposta de imposição da pena, com caráter intimidativo, para os delinquentes normais e de medida de segurança, para os perigosos (anormais e reincidentes), sendo esta última com o objetivo de assegurar a ordem social, com fim único de justiça.

Aproveitando as ideais de clássicos e positivistas, separava-se o Direito penal das demais ciências penais, contribuindo de certa forma para a evolução dos dois estudos. Referiam-se os estudiosos à causalidade do crime e não à sua fatalidade, excluindo, portanto, o tipo criminal antropológico, e pregavam reforma social como dever do Estado no combate ao crime. Da Escola Moderna Alemã resultou grande influência no terreno das realizações práticas, como 

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