Resumo: Este artigo refere-se a uma análise da decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no Habeas Corpus Coletivo nº 143641/SP, em 20/02/2018, em que foi concedida a prisão domiciliar para gestantes, puérperas, mães de crianças e mães de pessoas com deficiência. A decisão considerou o grande número de mães e gestantes presas em condições degradantes, tendo em vista que o sistema prisional se mostra deficiente em prestar o devido auxílio à maternidade e aos filhos das presas, gerando uma evidente violação de direitos fundamentais. O STF foi instado a se manifestar devido à enorme insegurança jurídica gerada pelo Poder Judiciário em suas decisões sobre o tema, visto que utilizava critérios distintos para situações semelhantes. Objetiva-se analisar os dispositivos referentes à matéria, a posição da doutrina e avaliar como os tribunais estaduais e superiores vêm aplicando esse novo entendimento. Ainda, busca-se identificar quais critérios eram anteriormente utilizados e que, atualmente, não podem servir de fundamento. Para tanto, elencaram-se diversas decisões e analisaram-se os requisitos autorizadores da prisão domiciliar para essas mulheres. Destaca-se que a concessão do benefício, nos termos da decisão do STF, atinge a finalidade pretendida que é a salvaguarda de direitos fundamentais e de princípios basilares da Constituição Federal.
Palavras-chave: prisão domiciliar. mães. gestantes. direitos fundamentais. sistema prisional.
Sumário: Introdução. 1. Apresentação do caso. 2. Identificação das normas que regulamentam a matéria. 3. Solução dada pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. 4. Discussão da solução. 4.1. Discussão da solução com base em decisões convergentes. 4.2. Discussão da solução com base em decisões divergentes. 4.3. Discussão da solução com base em entendimentos doutrinários. Conclusão.
Introdução
De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, as mulheres são uma minoria da população carcerária se comparada aos homens, mas uma minoria que cresce em taxa desproporcional. Suas necessidades e, de fato, seus direitos, frequentemente não são respeitados nos regimes prisionais, que são concebidos predominantemente para presos do sexo masculino.
Em comparação aos homens, o encarceramento afeta as mulheres de forma diferente, como em problemas com acomodação, pessoal inadequado, falta de contato familiar, falta de programas de educação e trabalho, falta de cuidados de saúde adequados, alta proporção de mulheres presas com histórico de transtornos mentais, abusos físicos ou sexuais e o impacto adverso do encarceramento de mães e seus filhos.
É evidente que as necessidades das mulheres presas são frequentemente negligenciadas pelas instituições penais, pelos formuladores de políticas governamentais e pela comunidade internacional. Para garantir que seus direitos sejam cumpridos, devem ser considerados todos os aspectos dos regimes prisionais das mulheres, bem como as razões para o aumento da população carcerária feminina.
Salienta-se que grande parte das mulheres que se encontram presas são mães. O encarceramento de uma mulher que é mãe pode levar à violação não só dos seus direitos, mas também à dos direitos dos seus filhos. Quando uma mãe é presa, seus filhos são separados dela e, de alguma forma, acabam também aprisionados, uma vez que, na prática, é negado a eles o direito à convivência plena e aos cuidados maternos. Ambas as situações podem colocar a criança em risco. Para Lima et al. (2013), as prisões não são um lugar seguro para mulheres grávidas, bebês e crianças pequenas e não é aconselhável separar bebês e crianças de sua mãe. Não há soluções simples, mas a complexidade da situação não pode ser uma desculpa para não proteger os direitos dessas crianças.
Desta forma, em fevereiro do ano de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF), no Habeas Corpus 143641/SP, emitiu uma decisão declarando que mulheres grávidas, puérperas (que deram à luz há pouco tempo), mães de crianças até 12 anos incompletos e mães de pessoas com deficiência, acusadas de crimes não violentos, devem aguardar julgamento sob prisão domiciliar.
A decisão oferece algum alívio para mães que muitas vezes se envolvem no mundo do crime por suas relações afetivas com traficantes ou outros criminosos. De acordo com informações da coordenadora geral de Promoção da Cidadania, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, Mara Fregapani, aproximadamente quinze mil mulheres serão libertadas após essa decisão da Suprema Corte. A decisão lança luz sobre o uso excessivo, no Brasil, do instituto da prisão preventiva, em violação aos direitos humanos, que levou ao que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos chamou de “problema crônico” de “aplicação arbitrária e ilegal da prisão preventiva”, demonstrando existir uma verdadeira “cultura do encarceramento” no país.
A decisão da Suprema Corte também se concentrou no dano especial causado a mulheres e crianças no que se refere às condições deploráveis das prisões brasileiras. As mulheres grávidas, enquanto estão na prisão, têm necessidades específicas de saúde e nutrição. Os direitos das mães e dos bebês precisam ser considerados em relação à gravidez, ao parto, à amamentação e aos cuidados pós-natais na prisão. As crianças, como regra, deveriam permanecer com as suas mães, a menos que existam enormes razões para separá-las. A ligação inextricável entre ansiedade e estresse da mãe e o bem-estar físico e emocional do bebê precisa ser reconhecida e tratada de forma responsável.
Os passos incrementais do Brasil em relação à reforma legal e prisional ainda têm um longo caminho a percorrer, tanto para enfrentar a detenção excessiva antes do julgamento, quanto para garantir que todas as gestantes e mães detidas sejam mantidas em condições humanas e com assistência médica adequada, consoante seus direitos fundamentais previstos na legislação pátria e em normas internacionais de direitos humanos.
1. Apresentação do caso
O caso iniciou-se com a impetração, por parte do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos – CADHu e da Defensoria Pública, de um Habeas Corpus coletivo com pedido de medida liminar, perante o Supremo Tribunal Federal, em favor de todas as mulheres presas preventivamente que possuam a condição de gestante, puérperas ou mães de crianças com até doze anos incompletos ou mães de pessoas com deficiência.
O impetrante aduziu que o encarceramento de mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários era prejudicial a elas, haja vista a inexistência de programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no parto, a falta de berçários, de centros materno-infantis, fato que viola princípios constitucionais basilares como o da dignidade da pessoa humana, do respeito à integridade física e moral do preso e da vedação de penas cruéis, uma vez que o encarceramento nessas condições configura-se tratamento desumano.
Alegou, ainda, que a manutenção da prisão afeta diretamente as crianças, que têm seu desenvolvimento, sua capacidade de socialização e de aprendizado comprometidos, constituindo tal situação uma violação aos princípios da primazia dos direitos da criança e da individualização da pena.
Outrossim, informou o impetrante que apesar da alteração do Código de Processo Penal (CPP), promovida pela Lei 13.257/2016, que possibilitou a prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva de gestantes e mães de crianças, o Poder Judiciário, em geral, ao ser provocado, indeferia os pedidos em aproximadamente metade dos casos, fazendo com que a aplicação da lei fosse imperfeita e prejudicando, assim, as mulheres e crianças que poderiam ser beneficiadas por ela.
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 143641/SP de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, em 20/02/2018, concedeu a ordem em consonância com o pedido do impetrante, no sentido de determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as presas grávidas, puérperas, mães de crianças (isto é, mães de menores até 12 anos incompletos) ou de mães de pessoas com deficiência, que são acusadas de crimes não violentos ou praticados sem grave ameaça, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP. A decisão veio na sequência de protestos públicos em relação a uma mulher grávida que foi presa por porte de maconha e deu à luz na prisão enquanto aguardava julgamento.
Salienta-se, por meio do julgado, que as prisões brasileiras carecem de atendimento adequado para gestantes e recém-nascidos. Há um agravamento das condições das prisões no Brasil, sendo a prisão preventiva em massa e a precariedade estrutural dos presídios dois dos principais fatores. Com isso, a Suprema Corte reconhece que não há condições de garantir cuidados mínimos relativos à maternidade e à infância com a manutenção prisional.
2. Identificação das normas que regulamentam a matéria
A dignidade humana é inviolável, devendo ser respeitada e protegida. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana trata-se de um macroprincípio e, devido a sua relevância, constitui a base dos direitos fundamentais tanto no direito pátrio quanto no direito internacional.
No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, consagrou este princípio em seu preâmbulo:
“(...) o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo(...)”
Ainda, as Regras de Bangkok (Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras) estabelecem que deve haver prioridade para as soluções judiciais que adotem medidas alternativas ao encarceramento, principalmente em situações em que não há o cumprimento definitivo da pena. Portanto, observa-se que a dignidade da pessoa humana é parte da substância de qualquer direito tutelado pelos direitos humanos no campo internacional.
No âmbito nacional, a Constituição Federal (CF) alçou a dignidade da pessoa humana à categoria de princípio fundamental da República Federativa do Brasil, previsto em seu art. 1º, inciso III, devendo tal condição, desse modo, ser respeitada mesmo quando o direito à liberdade é restringido, como no caso de mães e grávidas presas.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, traz diversos incisos em que se pode observar com clareza o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana:
“III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
(...)
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
(...)
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.”
Cumpre destacar os incisos L e XLV supracitados, haja vista que ambos trazem normatização que pode ser aplicada de forma direta na decisão sob análise. O primeiro, direcionado às mães, salienta que devem ser asseguradas condições dignas às presidiárias para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. O segundo, por seu turno, direcionado aos filhos das presas, menciona que a pena não poderá ir além da pessoa do condenado, não podendo, assim, atingi-los, ainda que indiretamente.
O art. 227, caput, da CF, do mesmo modo, visando a proteção da criança, elencou múltiplos direitos que devem ser proporcionados pela família, sociedade e estado, tendo adotado o Princípio da Primazia do Interesse da Criança, conforme se pode observar:
“Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
No mesmo sentido, a Lei de Execução Penal (LEP) apresenta os direitos dos presos, presando pelo respeito ao Princípio da Dignidade Da Pessoa Humana e buscando assegurar às internas saúde, assistência e condições humanas para o cumprimento da pena. No que tange às normas de aplicação exclusiva para as mães presas ou gestantes, a LEP reforça o acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e pós-parto, extensivo ao recém-nascido (art. 14, §3º, da LEP); garante que os estabelecimentos penais destinados às mulheres possuirão berçários para que as condenadas possam dar tratamento adequado a seus filhos e amamentá-los, no mínimo até seis meses de idade (art. 83, §2º, da LEP); assegura, ainda, que as penitenciárias femininas serão dotadas de espaço para a gestante e a parturiente, além de creche para crianças maiores de seis meses e menores de sete anos (art. 89, caput, da LEP), objetivando, desta forma, prestar assistência também à criança desamparada cuja responsável estiver presa.
A Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016, também conhecida como Estatuto da Primeira Infância, que visa a formulação e implementação de políticas públicas direcionadas a crianças que estão na “primeira infância”, período que abrange os seis primeiros anos completos ou setenta e dois primeiros meses de vida, alterou dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com o objetivo de proporcionar tanto à criança, quanto à mãe e à gestante, assistência em relação à saúde, à gestação e à infância, conforme se observa:
“Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde.
§1º O atendimento pré-natal será realizado por profissionais da atenção primária.
§2º Os profissionais de saúde de referência da gestante garantirão sua vinculação, no último trimestre da gestação, ao estabelecimento em que será realizado o parto, garantido o direito de opção da mulher.
§3º Os serviços de saúde onde o parto for realizado assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-nascidos alta hospitalar responsável e contrarreferência na atenção primária, bem como o acesso a outros serviços e a grupos de apoio à amamentação.
§4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal.
§5º A assistência referida no §4º deste artigo deverá ser prestada também a gestantes e mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção, bem como a gestantes e mães que se encontrem em situação de privação de liberdade.
§6º A gestante e a parturiente têm direito a 1 (um) acompanhante de sua preferência durante o período do pré-natal, do trabalho de parto e do pós-parto imediato.
§7º A gestante deverá receber orientação sobre aleitamento materno, alimentação complementar saudável e crescimento e desenvolvimento infantil, bem como sobre formas de favorecer a criação de vínculos afetivos e de estimular o desenvolvimento integral da criança.
§8º A gestante tem direito a acompanhamento saudável durante toda a gestação e a parto natural cuidadoso, estabelecendo-se a aplicação de cesariana e outras intervenções cirúrgicas por motivos médicos.
§9º A atenção primária à saúde fará a busca ativa da gestante que não iniciar ou que abandonar as consultas de pré-natal, bem como da puérpera que não comparecer às consultas pós-parto.
§10. Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança.
Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.
§1º Os profissionais das unidades primárias de saúde desenvolverão ações sistemáticas, individuais ou coletivas, visando ao planejamento, à implementação e à avaliação de ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e à alimentação complementar saudável, de forma contínua.
§2º Os serviços de unidades de terapia intensiva neonatal deverão dispor de banco de leite humano ou unidade de coleta de leite humano.”
Em relação, especificamente, à possibilidade de prisão domiciliar, tema central em questão, ressalta-se que o CPP, em seu art. 318, prevê as hipóteses de cabimento. Contudo, é importante destacar que o Estatuto da Primeira infância alterou esse rol, modificando o inciso IV e incluindo dois novos incisos.
Antes da referida alteração, o inciso IV do art. 318 do CPP previa que a gestante somente poderia usufruir do benefício da prisão domiciliar a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo essa de alto risco. Atualmente, basta que a investigada ou ré esteja grávida para fazer jus a esse direito, não necessitando mais de tempo mínimo de gravidez ou risco a sua saúde gestacional. Além disso, os incisos acrescidos ao artigo 318 do CPP, possibilitaram que o benefício da prisão domiciliar fosse concedido a mulheres com filhos de até doze anos de idade incompletos (inciso V) e a homens, caso sejam os únicos responsáveis pelos cuidados dos filhos também de até doze anos de idade incompletos (inciso VI).
Por fim, apesar de não estar prevista no rol do artigo 319 do CPP, que prevê as medidas cautelares diversas da prisão, a prisão domiciliar pode ser utilizada a fim de evitar a constrição da liberdade durante a instrução processual. Ela é um instrumento substitutivo da prisão preventiva, isto é, para sua existência é necessário que, anteriormente, a prisão preventiva tenha sido decretada. Neste sentido, sobre a prisão domiciliar, menciona Dezem (2016, p. 777):
“Medida substitutiva uma vez que pressupõe o decreto de prisão preventiva. Para todos os efeitos o indiciado ou acusado está em cumprimento da prisão preventiva. O que é substituído é o local de seu cumprimento, ou seja, em vez do cárcere o cumprimento será em seu domicílio.”
3. Solução dada pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal
Primeiramente, a Suprema Corte conheceu do Habeas Corpus Coletivo e informou que esse era cabível no caso concreto, mesmo que não houvesse uma previsão expressa na lei, uma vez que se pode extrair, ainda que indiretamente, do art. 654, §2º do CPP, a possibilidade de impetração do referido remédio constitucional, o qual confere competência a juízes e tribunais para expedir, de ofício, a ordem de Habeas Corpus, quando, no curso do processo, se possa observar que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, conceder a ordem do Habeas Corpus Coletivo e determinar a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no artigo 319 do CPP, de todas as mulheres presas que estejam gestantes, puérperas, sejam mães de crianças de até doze anos incompletos ou mães de pessoas com deficiência, relacionadas no processo pelo Departamento Penitenciário e por outras autoridades estaduais, enquanto perdurassem tais condições.
A ordem de Habeas Corpus foi estendida, com fundamento no art. 580 do CPP, a todas as demais mulheres presas que estejam gestantes, puérperas, sejam mães de crianças, mães de pessoas com deficiência e, também, às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas, desde que essas mulheres estejam em idêntica situação e sejam observados os parâmetros para a aplicação da decisão.
A decisão estabeleceu, ainda, restrições para a sua aplicação no sentido de que não deve ser concedida a prisão domiciliar no caso de o crime ter sido praticado mediante violência ou grave ameaça ou ter sido praticado contra seus descendentes. Aduziu, também, que o benefício poderá não ser concedido em outras situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que o denegarem.
Foi ressaltado que o fato de haver reincidência não impede a concessão do benefício, devendo o juiz examinar o caso concreto considerando as restrições impostas para a aplicação da prisão domiciliar definidas na decisão, podendo o juiz, sempre que verifique ser inviável o benefício, substituí-lo por medidas alternativas à prisão previstas no art. 319 do CPP.
A decisão determina que os juízes deverão adotar, desde já, nas audiências de custódia, o entendimento supramencionado, concedendo, como regra, a prisão domiciliar, sempre com a observância dos parâmetros estabelecidos.
Mencionou-se, ainda, que há uma falha estrutural em que as mulheres grávidas, puérperas e mães de crianças cumprem a prisão preventiva de forma degradante, sem o mínimo de cuidados médicos necessários para a sua saúde e dos seus filhos. Ressaltou-se que a saúde pública no Brasil, especificamente em relação à maternidade, é deficiente até mesmo para as mulheres que não estão em situação prisional.
O Princípio da Primazia do Interesse da Criança, previsto no art. 227 da CF, também foi fundamento da decisão, em que se declarou que não somente as mães sofrem as consequências da prisão, mas também os seus filhos, violando, assim, diretamente, o referido postulado constitucional.
Foi feita referência a normas internacionais, especificamente às Regras de Bangkok, no tocante à priorização de decisões que visem medidas alternativas ao cárcere, principalmente quando não há o trânsito em julgado da decisão.
Por fim, foi reconhecida uma verdadeira “cultura do encarceramento” pela excessiva decretação de prisões preventivas a mulheres pobres e vulneráveis, ocasionando uma superlotação dos presídios, mesmo diante de outras soluções de caráter humanitário previstas na legislação vigente.
4. Discussão da solução
4.1 Discussão da solução com base em decisões convergentes
Em decisão convergente com o atual posicionamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Habeas Corpus 431309/SC decidiu conceder a ordem, de ofício, a uma paciente presa que possuía duas filhas de três anos de idade, conforme se observa:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. MULHER PRESA. FILHAS DA PACIENTE COM 2 ANOS DE IDADE. HC COLETIVO Nº 143.641/SP (STF). PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA. PRIORIDADE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de Habeas Corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. III - No caso, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, aptos a demonstrar a indispensabilidade da prisão para a garantia da ordem pública, notadamente se considerada a periculosidade da agente, tendo em vista, em tese, pertencer à organização criminosa destinada, dentre outros crimes, ao tráfico de drogas. IV - Sobre o tema, já se pronunciou o col. Supremo Tribunal Federal no sentido de que "A necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva" (HC n. 95.024/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJe de 20/2/2009). V - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143.641, determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes. VI - Na hipótese, depreende-se que as condutas em tese perpetradas não foram cometidas mediante grave ameaça ou violência, tampouco contra seus descendentes, sendo que a paciente possui duas filhas menores (gêmeas de 3 anos de idade), preenchendo portanto os requisitos elencados no Habeas Corpus coletivo, n. 143.641, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus não conhecido. Contudo, concedo a ordem de ofício para determinar a substituição da prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, salvo se por outro motivo estiver presa, e sem prejuízo da análise da necessidade de imposição de outras medidas cautelares alternativas, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, bem como das demais diretrizes contidas no referido HC 143.641/SP, devendo, ainda, o d. juízo de primeiro grau orientar a paciente quanto às condições da prisão domiciliar, de forma a evitar seu descumprimento ou a reiteração criminosa, haja vista que tais circunstâncias poderão ocasionar a revogação do benefício. (STJ - HC: 431309 SC 2017/0334973-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 17/04/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/04/2018)”
Na mesma esteira, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no Habeas Corpus nº 40034389320188240000 concedeu o benefício da prisão domiciliar a uma paciente que possuía filho menor de um ano de idade:
“HABEAS CORPUS. ARTIGOS 2º, §§ 2º, 3º E 4º, I E IV, DA LEI N. 12.850/2013, E 35, CAPUT, COMBINADO COM 40, IV E VI, ESSES DA LEI N. 11.343/2006. PRISÃO PREVENTIVA. SUBSTITUIÇÃO POR SEGREGAÇÃO DOMICILIAR. ARTIGO 318, V, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS COLETIVO. CONCESSÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC N. 143.641/SP. PRESAS COM FILHOS MENORES DE 12 (DOZE) ANOS. INTERESSES DA CRIANÇA, GESTANTES, PUÉRPERAS E DEFICIENTES. PREVALÊNCIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REGRAS DE BANGKOK. PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. QUESTÃO PRELIMINAR. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO DOMICILIAR. REQUERIMENTO NA ORIGEM. AUSÊNCIA. AVALIAÇÃO DIRETA POR ESTA CORTE. VIABILIDADE. DETERMINAÇÃO DO PRETÓRIO EXCELSO. PLENA EFETIVIDADE. ORDEM DA MAIS ALTA INSTÂNCIA BRASILEIRA. CUMPRIMENTO IMEDIATO. NECESSIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. Não se pode opor alegação de supressão de instância a cumprimento de Habeas Corpus coletivo concedida pela mais alta Corte deste País. Na realidade, diferencia-se essa situação de mera avaliação de adequação de situação fática a precedente jurisprudencial emanado do Supremo Tribunal Federal. Na concessão de Habeas Corpus coletivo há ordem direta para adoção imediata de providências para preservação de status libertatis de indivíduos que estejam em mesma situação dos pacientes na ordem julgada pela Corte Suprema. Esse comando certamente afeta todas as esferas do Poder Judiciário, já que sujeitos à jurisdição do Pretório Excelso. MÉRITO. FATOS EM APURAÇÃO. CRIMINALIDADE ORGANIZADA. PECULIARIDADES. ARTIGO 319 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MEDIDAS CAUTELARES. INSUFICIÊNCIA NESTA HIPÓTESE. PRISÃO DOMICILIAR. PACIENTE COM FILHO MENOR DE 1 (UM) ANO DE IDADE. IMPUTAÇÕES FEITAS NA ORIGEM. DELITOS SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. AUSÊNCIA DE ACUSAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS CONTRA OS PRÓPRIOS DESCENDENTES. SEGREGAÇÃO DOMICILIAR. CONCESSÃO A OUTRAS ACUSADAS NO JUÍZO DE PISO. EQUIDADE. ORDEM CONCEDIDA PARA CONFIRMAR A LIMINAR. A negativa de cumprimento da ordem concedida no Habeas Corpus n. 143.641/SP, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, somente pode ser admitida em situações excepcionalíssimas. Sem que se verifique óbice intransponível à prisão domiciliar, impõe-se imediato cumprimento de referida deliberação, sobretudo, se idêntica benesse foi concedida, na origem, a outras acusadas em situação semelhante. (TJ-SC - HC: 40034389320188240000 Blumenau 4003438-93.2018.8.24.0000, Relator: Jorge Schaefer Martins, Data de Julgamento: 19/04/2018, Quinta Câmara Criminal)”
Em outro caso, O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no Habeas Corpus 40030621020188240000, denegou o benefício da prisão domiciliar a uma paciente que, apesar de estar gestante, possuía a vida voltada a prática de ilícitos patrimoniais, demonstrando oferecer um risco concreto para ordem pública, situação que, de acordo com o Tribunal, se enquadra como hipótese excepcionalíssima de denegação do benefício, conforme a decisão parâmetro do STF, consoante se verifica:
“HABEAS CORPUS - FURTO QUALIFICADO (ART. 155,§ 4º, I E IV, DO CP)- SUPOSTA CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - INEXISTÊNCIA - DECISÃO QUE EXPÔS TODOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À JUSTIFICAÇÃO DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR - TESE AFASTADA. Mostra-se plenamente fundamentada a decisão de decretação de prisão preventiva quando alicerçada na existência de materialidade delitiva e indícios de autoria, e presentes elementos que indiquem a necessidade de garantir a ordem pública. CONVERSÃO DE OFÍCIO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA - POSSIBILIDADE - EXEGESE DO ART. 310, II, DO CPP - PRECEDENTES. Detém o juiz condutor do processo criminal o PODER/DEVER de decretar a prisão preventiva do acusado, desde que sendo inviável, por inadequação ou insuficiência, as medidas cautelares diversas da segregação e quando presentes situações fáticas que venham atender às disposições objetivas contidas no art 313 do CPP, com a finalidade de acautelar a ordem pública, a ordem econômica, para conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, uma vez presentes provas da existência do crime e indícios de sua autoria. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR - ALEGAÇÃO DE QUE A PACIENTE É GESTANTE - TEMÁTICA RECENTEMENTE ABORDADA PELA SUPREMA CORTE EM SEDE DE HABEAS CORPUS COLETIVO - ORDEM CONCEDIDA POR POR MAIORIA DE VOTOS, EXCETUADOS CASOS EXCEPCIONALÍSSIMOS - HIPÓTESE PRESENTE QUE NÃO COMPORTA O BENEFÍCIO. I - O Supremo Tribunal Federal, em julgamento lavrado em 20.02.2018, pela Segunda Turma da Corte, decidiu, por maioria, conceder a ordem do pedido de Habeas Corpus impetrado, para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas nesse processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício", estendendo, por conseguinte, ainda,"a ordem, de ofício, às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas acima"(STF, HC n. 143.641/SP, j. em 20.02.2018) II - Verificando-se que a paciente, embora gestante, tem vida voltada ao cometimento de ilícitos patrimoniais, sem qualquer vínculo com o distrito da culpa e ostentando outras ações penais suspensas nos termos do art. 366 do CPP, autorizado está o reconhecimento da situação excepcionalíssima apta a autorizar a manutenção da segregação. ORDEM DENEGADA. (TJ-SC - HC: 40030621020188240000 Capital 4003062-10.2018.8.24.0000, Relator: Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Data de Julgamento: 15/03/2018, Quarta Câmara Criminal)”
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, corroborando com o entendimento atual do STF, concedeu, no Habeas Corpus 21118093420188260000, o benefício da prisão domiciliar a uma paciente lactante, com filha de dois meses de idade e dois filhos menores de doze anos, conforme se vê:
“HABEAS CORPUS – Tráfico de drogas – Substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar – Possibilidade – Paciente lactante com filha de 02 meses de idade e 02 filhos menores de 12 anos – Observância à determinação promanada pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, que concedeu a ordem para substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, mães de crianças deficientes e puérperas – Ordem concedida, substituindo-se a prisão preventiva por prisão domiciliar. (TJ-SP 21118093420188260000 SP 2111809-34.2018.8.26.0000, Relator: Ricardo Sale Júnior, Data de Julgamento: 21/06/2018, 15ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 25/06/2018)”
Assim, observa-se que os tribunais estaduais e os superiores vêm aplicando os parâmetros e restrições estabelecidos na decisão do STF e a tendência, daqui para frente, é que um número cada vez maior de mulheres seja beneficiado com a prisão domiciliar em substituição à preventiva.
4.2 Discussão da solução com base em decisões divergentes
Antes da atual decisão que esclareceu o posicionamento do STF acerca da prisão de gestantes e mães presas preventivamente, a aplicação da lei pelos tribunais era divergente, pois utiliza-se diversos critérios para justificar a manutenção da prisão e, mesmo em casos semelhantes, eram tomadas decisões diferentes.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no Habeas Corpus 00092170920168190000, decidiu pela denegação da ordem e consequente manutenção da prisão de uma paciente que possuía filho menor e em fase de amamentação, justificando sua decisão na garantia da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal e na desnecessidade da prisão domiciliar pois a unidade prisional permitia que a presa amamentasse seu filho. Este último argumento, atualmente, não poderia ser utilizado, pois o STF, em sua atual decisão, reconheceu que os presídios brasileiros não possuem condições de oferecer assistência médica adequada, creches, berçários, fazendo com que as presas e seus filhos sejam tratados de forma desumana e degradante. Segue abaixo a decisão do tribunal estadual:
“Habeas Corpus. Artigo 33 c/c o artigo 40, inciso V, todos da Lei n.º 11.343/06, na forma do artigo 69 do Código Penal. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Pleito de concessão de liberdade provisória, acompanhada de medidas cautelares diversas da prisão. E, de modo alternativo, a concessão de prisão domiciliar, na forma descrita no artigo 318, III, do Código de Processo Penal. Constrangimento não verificado. Paciente que se encontra custodiada em Unidade Materno Infantil, amamentando seu filho menor. Sendo desnecessária a prisão domiciliar. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. Manutenção da prisão preventiva. Necessidade de garantia da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. Acusada presa com outra comparsa com grande quantidade de material entorpecente - maconha (cerca de 55 kg). Decisão que restou suficientemente fundamentada, presentes os requisitos ensejadores da decretação da prisão cautelar. Ordem denegada. (TJ-RJ - HC: 00092170920168190000 RIO DE JANEIRO TRES RIOS 2 VARA, Relator: KATYA MARIA DE PAULA MENEZES MONNERAT, Data de Julgamento: 19/04/2016, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 26/04/2016)”
No mesmo sentido, seguem decisões do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, nos Habeas Corpus Nº 14121096120178120000 e Nº 14047708520168120000, conforme colacionados abaixo:
“HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM BASE EM FUNDAMENTO IDÔNEO – GRAVIDADE CONCRETA – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA EM RAZÃO DE POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DELITIVA – PRISÃO DOMICILIAR. GESTANTE – ORDEM DENEGADA Sendo a decisão que decretou a preventiva fundamentada por estar caracterizado a necessidade de garantir a ordem pública restam evidentemente preenchido os fundamentos do art. 312, do Código de Processo Penal. A existência de processo em andamento pelo mesmo delito é indicativo seguro acerca da possibilidade de reiteração delitiva. A prisão domiciliar à gestante somente pode ser deferida se houver comprovado que o estabelecimento penal ao qual ela está recolhida não tenha condições de proporcionar-lhe a assistência médica necessária ao caso. (TJ-MS 14121096120178120000 MS 1412109-61.2017.8.12.0000, Relator: Des. Geraldo de Almeida Santiago, Data de Julgamento: 05/12/2017, 1ª Câmara Criminal)”
“HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA DE ESTABELECIMENTO PENAL – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA – QUANTIDADE CONSIDERÁVEL E DIVERSIDADE DE DROGAS – PRISÃO DOMICILIAR – INVIABILIDADE – ORDEM DENEGADA. I - Em consulta ao sistema SAJ, autos de ação penal originária, verifica-se que o pedido de transferência de estabelecimento penal não foi submetido ao Juízo de primeiro grau; sendo inviável sua análise por este Tribunal, sob pena de supressão de instância. II - Imperativa a manutenção da medida constritiva para garantia da ordem pública em razão das circunstâncias próprias do caso concreto, uma vez que a paciente foi presa pela prática, em tese, do delito de tráfico de drogas, com a apreensão de grande quantidade e naturezas diversas de entorpecentes - 1,316 kg (um quilo e trezentos e dezesseis gramas) de maconha, 125 g (cento e vinte e cinco gramas) de cocaína e 80 g de (oitenta gramas) de pasta-base. III - Quanto ao pedido de cumprimento da prisão preventiva em domicílio, é possível que assim seja, desde que o agente, por meio de provas idôneas, comprove ser indispensável aos cuidados especiais sobre filhos menores de 06 (seis) anos. Considere-se ainda, que, no presídio feminino, há local adequado para que, mesmo segregada, continue a paciente a amamentar, conforme informou o juiz singular. Conheço parcialmente o writ e, na parte conhecida, denego a ordem, em parte com o parecer. (TJ-MS - HC: 14047708520168120000 MS 1404770-85.2016.8.12.0000, Relator: Des. Dorival Moreira dos Santos, Data de Julgamento: 02/06/2016, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 06/06/2016)”
Em muitas decisões se verificava o critério da imprescindibilidade dos cuidados da mãe para a concessão do benefício da prisão domiciliar. Com o novo inciso V do art. 318 do CPP, que acrescentou nova hipótese de prisão domiciliar (mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos), a inovação foi silente sobre essa imprescindibilidade.
Apesar de o Ministro Relator Ricardo Lewandowski ter explicitado em seu voto que para a concessão do benefício deve-se apurar a condição de guardiã dos seus filhos ou se há a suspensão ou destituição do poder familiar, nada foi relatado de forma específica sobre a imprescindibilidade dos cuidados maternos ou como ela se configuraria.
Portanto, tendo em vista que a decisão do STF estabeleceu claros critérios e restrições para a aplicação da prisão domiciliar a presas grávidas ou mães de crianças e nada informou acerca da imprescindibilidade, conclui-se que ou não há tal critério ou este já se presume pelo fato de ser mãe. Em vista disso, não se poderia mais denegar o benefício por considerar que a mãe não se faz necessária para os cuidados do filho. Assim, seguem decisões de tribunais estaduais, anteriores ao posicionamento atual da Suprema Corte, que utilizaram o referido critério de forma complementar, mas que, levando em consideração o entendimento recente do STF, não poderia mais ser utilizado:
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO QUE INDEFERIU O PLEITO LIMINAR. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO DOMICILIAR. CUIDADOS ESPECIAIS COM PESSOA MENOR DE 6 ANOS POSSUIDOR DE DEFICIÊNCIA. GESTANTE. FILHO MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. ART. 318, III, IV, V, DO CPP. IMPRESCINDIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA. DECISÃO LIMINAR MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública, agravante fora presa em flagrante pela prática do crime de tráfico de drogas, em posse de razoável quantidade de droga e grande quantia em dinheiro. 2. Decisão indeferiu pleito liminar por não ter observado hipótese de flagrante ilegalidade no caso em espécie. 3. A Lei nº 13.257/16 acrescentou ao art. 318, do CPP, os incisos III, IV e V, os quais prevêem que o magistrado poderá converter a prisão preventiva em domiciliar, não estando obrigado a realizar essa substituição. 4. Ademais, não restando comprovada a imprescindibilidade da genitora para os cuidados dos menores, não há que se falar em prisão domiciliar. 5. Recurso conhecido e improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de embargos de declaração nº 0620358-65.2018.8.06.0000/50000, em que são partes as que estão acima indicadas, em que são partes as que estão acima indicadas, acorda a 3ª Câmara Criminal, por unanimidade, em conhecer do recurso, para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 20 de fevereiro de 2018. PRESIDENTE E RELATOR (TJ-CE 06203586520188060000 CE 0620358-65.2018.8.06.0000, Relator: FRANCISCO LINCOLN ARAÚJO E SILVA, Data de Julgamento: 20/02/2018, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 20/02/2018)”
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA E DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DA IMPRESCINDIBILIDADE PARA OS CUIDADOS DO MENOR. INAPLICABILIDADE DO ART. 318, V. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA SUPERVENIENTE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Diante da hipótese de Habeas Corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício. 2. Ante a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos do previsto no art. 319 do CPP. Na hipótese dos autos, verifica-se que a prisão preventiva foi adequadamente fundamentada, tendo as instâncias ordinárias demonstrado, com base em elementos concretos, a gravidade concreta do delito, evidenciada a partir da quantidade e grau de nocividade da droga apreendida - 116 gramas de cocaína, aliadas às circunstâncias em que se deu o flagrante, tendo em vista a apreensão de elevada quantia em dinheiro - R$ 6.017,65 (seis mil e dezessete reais e sessenta e cinco centavos) - , em notas diversas, uma balança de precisão e uma motocicleta adquirida com o dinheiro do tráfico, segundo se apurou das interceptações telefônicas realizadas. Assim, não há falar em existência de evidente flagrante ilegalidade capaz de justificar a revogação da preventiva, tampouco em aplicação de medida cautelar alternativa. É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que as condições pessoais favoráveis da paciente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada. Ademais, verifica-se que o Tribunal de origem afirmou que a paciente não preenchia o requisito objetivo exigido pela lei para a concessão da prisão domiciliar, qual seja, ser mãe de criança menor de 6 anos. Do mesmo modo, não ficou demonstrada nos autos a imprescindibilidade da paciente para os cuidados do filho menor. Em que pese o superveniente advento da Lei n. 13.257, de 8 de março de 2016, DOU de 9.3.2016, incluindo o inciso V ao artigo 318 do Código de Processo Penal, inviável se faz a concessão da prisão domiciliar à paciente com base no referido dispositivo legal, sob pena de indevida supressão de instância, uma vez que sequer foi objeto de debate nas instâncias ordinárias. Ademais, somente foi juntada aos autos a certidão de nascimento do menor, não se podendo afirmar as condições em que vive e se vive sob a guarda da paciente. Habeas Corpus não conhecido. (STJ - HC: 355626 SP 2016/0118788-6, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 28/06/2016, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/08/2016)”
“HABEAS CORPUS - ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO E TRÁFICO DE DROGAS- PRISÃO PREVENTIVA - REVOGAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - PRISÃO DOMICILIAR - IMPOSSIBILIDADE - NÃO COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS. 1. A prisão preventiva deve ser decretada em casos excepcionais, pois, até o trânsito em julgado da condenação, vigora o princípio constitucional da presunção da inocência, devendo a prisão cautelar ser delegada a casos em que a medida realmente seja necessária. Do contrário, teríamos uma antecipação da pena, o que é inadmissível num Estado Democrático de Direito. 2. Estando presentes os motivos da prisão preventiva, consubstanciados na garantia da ordem pública, levando-se em consideração que a paciente estava, em tese, envolvida com organização criminosa, e que estaria levando drogas para dentro do sistema prisional, a sua prisão é medida que se impõe. 3. A substituição da prisão preventiva pelo recolhimento domiciliar, nos casos de paciente com filho menor de 6 anos, somente será concedida se restar cabalmente demonstrado nos autos a sua necessidade. Assim, não havendo comprovação de que a criança dependa de cuidados especiais de sua mãe, não há como substituir a prisão preventiva por prisão domiciliar. (TJ-MG - HC: 10000140017427000 MG, Relator: Denise Pinho da Costa Val, Data de Julgamento: 25/02/2014, Câmaras Criminais / 6ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 06/03/2014)”
“EMENTA HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE DROGAS - PEDIDO DE REGIME DOMICILIAR PARA CUIDAR DAS FILHAS MENORES DE 05 ANOS E DE NOVE MESES - SOB A GUARDA DA AVÓ E DA TIA MATERNA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS E DE TEMPO PARA CUIDAR DA CRIANÇA - FALTA DE PROVA DE QUE AS CRIANÇAS PRECISAM DE CUIDADOS QUE SÓ A PACIENTE PODERIA PRESTAR -ORDEM DENEGADA. Não se concede regime domiciliar para cuidar das filhas menores de 05 e de 09 meses de idade, nos termos do parágrafo único e do inciso III do art. 318 do CPP, se não restou comprovado nos autos que a avó e a tia materna, que detém a guarda das crianças, passam por dificuldades financeiras e de tempo que a impeçam de cuidar das crianças. Além disso, conforme as investigações a imposição de prisão domiciliar à ré vulneraria sobremaneira a garantia da ordem pública, permitindo a continuidade das ações que se pretendeu estancar com a prisão, já que de acordo com os elementos até o momento coletados, lhe competia na organização criminosa toda a movimentação financeira referente ao tráfico de drogas. COM O PARECER DA PGJ. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos, por unanimidade, com o parecer, denegar a ordem, nos termos do voto do relator. (TJ-MS HC: 40100384220138120000 MS - Relator Des. Francisco Gerardo de Sousa - Data de Julgamento: 14/10/2013, Câmaras Criminais / 1ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 17/10/2013)”
É importante salientar que, grande parte dos Habeas Corpus impetrados nos tribunais estaduais e no STJ, se devidamente fundamentados e de acordo com os critérios estabelecidos na atual decisão do STF, estão sendo deferidos. Portanto, o direcionamento dado pela Suprema Corte tem reduzido a insegurança jurídica em relação às antigas decisões que não possuíam um entendimento consolidado.
4.3 Discussão da solução com base em entendimentos doutrinários
Quando se discute sobre o cerceamento da liberdade de mulheres grávidas, puérperas, mães de crianças e mães de pessoas com deficiência, a precariedade do sistema prisional em oferecer condições dignas para os presos e seus filhos e, ainda, sobre a influência negativa de tal cenário em relação ao desenvolvimento e saúde dessas crianças, a doutrina considera que são questões indissociáveis do princípio da dignidade da pessoa humana. O referido princípio consta no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, mostrando-se, assim, um dos princípios basilares e mais importantes de todo ordenamento jurídico pátrio. Assim, ensina Afonso da Silva (2010, p. 40):
“Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda vida nacional.”
No mesmo diapasão, Santos (1999, p. 92) ensina:
“E se o texto constitucional diz que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, importa concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Não só o Estado, mas, consectário lógico, o próprio Direito. A dignidade é o fim. A juridicidade da norma positiva consiste em se poder reconhecer que, tendencialmente, ela se põe para esse fim. E se não se põe, não é legítima. A razão jurídica se resolve em uma determinada condição humana em que cada indivíduo é, para a humanidade, o que uma hora é para o tempo: parte universal e concreta de todo possível. Aliás, de maneira pioneira, o legislador constituinte, para reforçar a ideia anterior, colocou, topograficamente, o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado. Assim, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de ser inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos.”
Cumpre destacar que, para Agra (2018, p.156), a dignidade da pessoa humana possui natureza inata, inalienável e absoluta, conforme se vê:
“A concepção empregada na Constituição de 1988 parte do pressuposto de que todos os homens possuem a mesma natureza, sendo dotados, assim, de idêntico valor, independente de sua posição social, econômica, cultural ou racial, devendo, portanto, ter sua dignidade assegurada.
Dessa relevância advêm suas características: inata, inalienável e absoluta. Inata porque não depende de qualquer tipo de condição para sua realização, seja jurídica ou metajurídica. Inalienável em razão de que não pode ser cedida, nem mesmo por meio de contrato ou por livre vontade. Absoluta, pois não pode ser objeto de mitigação, a não ser em casos específicos em que haja necessidade de compatibilização, adequando-se ao princípio da proporcionalidade.”
Portanto, constata-se que o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana é dever do estado a ser reclamado pela sociedade, competindo ao direito e seus operadores, por meio das estruturas e ferramentas que lhes são próprias, prezar pela efetivação desse princípio maior, no trabalho de interpretação e fundamentação de decisões que estabeleçam a inconstitucionalidade de preceitos que venham a afrontar estes direitos.
Outro princípio indissociável ao caso em análise, citado pela doutrina, é o da Intranscendência da Pena ou da Responsabilidade Pessoal, uma vez que a pena imposta à mãe atinge, ainda que indiretamente, os seus filhos. De acordo com Nucci (2017):
“Significa que a punição, em matéria penal, não deve ultrapassar a pessoa do delinquente. Trata-se de outra conquista do direito penal moderno, impedindo que terceiros inocentes e totalmente alheios ao crime possam pagar pelo que não fizeram, nem contribuíram para que fosse realizado. A família do condenado, por exemplo, não deve ser afetada pelo crime cometido.
(...)
A medida exata e justa da punição somente pode concentrar-se na pessoa do autor do ilícito, sem se expandir para outros indivíduos, por mais próximos que sejam ou estejam do criminoso. A pessoalidade do abono ao direito individual é contraposta à justeza da punição é contraposta à justeza da punição do infrator.”
Apesar da previsão do princípio da intranscendência da pena no ordenamento jurídico, Greco (2017) reconhece que, na prática, a família e filhos dos condenados também sofrem os efeitos adversos da prisão de seus pais, portanto, nesse aspecto o resguardo da primazia do melhor interesse da criança é comprometido, conforme se observa:
“Embora em sentido formal, a pena, com exceção daquelas de caráter pecuniário, não possa ultrapassar, transcender a pessoa do condenado, sabemos que, informalmente, não somente aquele que praticou a infração sofre os rigores da lei penal, como também todos aqueles que o cercam. A família do condenado, geralmente, perde aquele que trazia o sustento para casa; os filhos deixam de ter contato com os pais; seus parentes sofrem o efeito estigmatizante da condenação criminal e passam a ser tratados, também, como criminosos etc.”
Dezem (2016), por sua vez, aduz que tal princípio limita a punição estritamente ao autor do fato, mas que é aplicável somente na esfera processual, não tendo incidência interpessoal, apesar de gerar graves consequências à família do acusado:
“Pelo princípio da intranscendência, o processo nunca pode passar da pessoa do acusado. Vale dizer, os limites do processo penal e de sua sanção ficam circunscritos à pessoa que dele fez parte.
Este princípio, contudo, tem aplicação restrita ao campo processual. Não se aplica para as relações interpessoais. Isto porque, não raro, filhos de pessoas condenadas ou simplesmente processadas sofrem as consequências da conduta imputada a seus pais na vida em sociedade. Infelizmente, este princípio não tem incidência nas relações interpessoais e a família toda do acusado acaba sendo arrastada para as nefastas consequências do processo penal.”
No tocante à precariedade do sistema prisional em oferecer condições dignas de cumprimento de pena para gestantes, puérperas, mães de crianças e mães de pessoas com deficiência, Abreu e Pacheco (2017, p. 1519), citam como exemplo o Presídio Feminino do Distrito Federal, que não dispunha de assistência médica regular e não realizava devidamente os procedimentos de pré-natal, violando direitos pessoais básicos das detentas e de seus filhos.
“[...] é de conhecimento público (temos um paradigma) de que as detentas em situação de gravidez ou com filhos de idade até 12 anos não dispõem de assistência médica regular oferecida pelo Estado, ferindo seus direitos pessoais básicos. A precariedade do sistema de saúde pública no Distrito Federal repercute sobremaneira também no Presídio Feminino do Distrito Federal, onde detentas em estado gestacional não realizam procedimentos de pré-natal, além de serem discriminadas socialmente, enquanto que mães aprisionadas também ficam alijadas do convívio maternal, cabendo ao Estado provir e intervir na busca de condições da reversão da pena de prisão preventiva para prisão domiciliar, respeitados os tramites descritos em lei, e também, o Estado deve respeitar o lado mais delicado da situação: a mulher.”
Outrossim, Oliveira (2016) argumenta que o tratamento recebido por essas mulheres nas prisões é desumano, cruel e degradante, uma vez que as prisões brasileiras não são adaptadas às necessidades das mulheres. O autor também afirma que a política criminal, responsável pela expressiva prisão feminina, seria discriminatória e seletiva, afetando desproporcionalmente as mulheres pobres e suas famílias.
Por seu turno, Barbosa (2017) analisou, antes da decisão do STF em questão, como se dava a aplicação da Lei da Primeira Infância no que tange a alteração do artigo 318 do Código de Processo Penal e verificou que, como ficava a critério do juiz a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, havia a aplicação do referido dispositivo por parte de alguns juízes e por outros não, considerando casos idênticos. Dessa forma, foram analisados julgados acerca do assunto e colocadas em questão as hipóteses em que o artigo deveria ser aplicado, seja analisando a situação da gestante, o melhor interesse da criança, seja garantindo a segurança à ordem pública, tendo concluído que a melhor forma de solucionar a questão é por meio da concessão da prisão domiciliar, uma vez que o convívio familiar, especialmente em relação as crianças, não poderia ser prejudicado.
Ainda, nesse sentido, Stella (2016) destaca que o problema foi a interpretação do art. 318, caput do CPP. Como a lei diz “poderá” muitos juízes escolhiam não conceder essa possibilidade. Em sua opinião, a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar por mães de crianças deveria ser a regra, estando, portanto, sua posição, em convergência com a atual decisão da 2ª Turma do STF. Ela também ressaltou que, para que seja possível a prisão preventiva, é necessário que o suspeito represente um risco concreto, caso contrário, nem mesmo deveria ser decretada.
Assevera Maciel (2016) que é cada vez mais comum mães serem presas preventivamente com seus filhos pequenos e destacou que as pessoas lidam com isso com naturalidade, justificando o fato por meio de um discurso de segurança pública.
Reis e Gonçalves (2018), afirmam, acerca da possibilidade de concessão da prisão domiciliar para gestantes e mães de crianças, que a defesa da coletividade deve sempre prevalecer em detrimento de pretensões particulares, e ressaltou que o benefício não pode ser concedido de forma automática, devendo a interpretação da lei ser realizada com cautela, uma vez que é difícil a fiscalização e mais fácil a reiteração delitiva. Por fim, recomendam que, em caso de concessão do benefício, seja adotada a monitoração eletrônica.
“Note-se que nas hipóteses a, b, e d, a razão da decretação da prisão domiciliar é o fato de o autor da infração estar consideravelmente debilitado (idade avançada, doença grave) ou em estado gestacional. Nessas hipóteses, se o juiz verificar que a condição dessas pessoas faz com que não coloquem em risco a coletividade ou a instrução criminal, sequer deve decretar a prisão, o que certamente ocorrerá em grande número de casos. Se, ao contrário, o juiz concluir que, apesar das condições etárias, de saúde ou gestacional, o agente coloca em risco a ordem pública, a instrução criminal etc., deverá decretar a prisão, porém na modalidade domiciliar. Esta forma de cumprimento da prisão cautelar merece, todavia, severas críticas, pois é evidente a dificuldade de fiscalização. Se do interior dos presídios os infratores têm continuado a delinquir, muito maior a facilidade se estiverem em casa, onde a fiscalização é inexistente. É também muito mais fácil para o agente fugir do país quando está em sua própria casa, e não na cadeia. Ademais, ao contrário do que ocorre quando o réu está encarcerado, na prisão domiciliar não existe restrição quanto ao recebimento de visitas, uso de telefone celular, uso de internet etc.
Nas demais hipóteses (pessoa imprescindível aos cuidados de menor de 6 anos ou deficiente ou de filho menor de 12 anos), a situação é mais preocupante, já que o motivo da decretação da prisão domiciliar não é o estado do autor do delito, mas o fato de ser responsável por criança ou pessoa deficiente. De ver-se, entretanto, que a substituição da prisão preventiva pela domiciliar constitui mera faculdade do juiz, não sendo obrigatória. Com efeito, deve sempre prevalecer a defesa da coletividade em detrimento das pretensões particulares, de modo que não é aceitável que o indiciado ou réu de considerável periculosidade possa usufruir, automaticamente, do benefício em questão, durante o tramitar das investigações ou da ação, apenas pelo fato de ser responsável por menor de 6 anos, filho menor de 12 anos ou pessoa deficiente. (...) Se a prisão domiciliar fosse obrigatória em tais casos, o agente teria uma espécie de imunidade. É claro, portanto, que os juízes devem interpretar tal dispositivo com cautela, recordando-se sempre que é dever do Estado proteger a sociedade, uma vez que o constituinte consagrou no art. 5º, caput, da Carta Magna o direito à vida, à segurança, à liberdade etc. Dessa forma, conclui-se que o criminoso responsável por criança ou por pessoa deficiente não tem direito subjetivo a cumprir prisão preventiva em domicílio, podendo o juiz determinar que o indiciado ou réu permaneça no cárcere quando entender que sua periculosidade extremada justifica o indeferimento da prisão domiciliar ou quando entender que há grande risco às testemunhas ou de fuga etc.
(...)
De qualquer modo, aconselha -se aos juízes que decretem a prisão domiciliar, que imponham, concomitantemente, conforme permite o art. 282, § 1º, do CPP, a medida cautelar de monitoração eletrônica, para inibir que o acusado deixe as dependências de sua residência. Embora esta providência não seja capaz de evitar eventuais fugas, poderá inibi-las, pois o acusado saberá que as autoridades terão ciência imediata de seu comportamento e revogarão a prisão domiciliar.
É de ressaltar que é ônus do acusado fazer prova de que está em uma das situações para as quais se mostra cabível a prisão domiciliar (art. 313, parágrafo único, do CPP).”
A respeito da decisão sub examine, Cunha (2018) aduz que a concessão da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva não poderá ser aplicada somente para atender um viés pretensamente humanitário e sim pela análise do caso concreto, sob pena de ineficácia do sistema penal:
“É evidentemente irrazoável avaliar a substituição da prisão preventiva somente pela condição pessoal de quem está preso. O fato de uma mulher presa preventivamente ser gestante ou ter filhos é sem dúvida um fator que agrega alguns cuidados à análise de sua condição processual, mas isso não pode ser o bastante para determinar se ela deve ou não permanecer presa.
(...)
Como se nota, portanto, são situações concretas que justificam o encarceramento prévio à formação da culpa. Essas situações não podem ser simplesmente desconsideradas somente pela condição pessoal de quem deve ser preso. Uma vez constatada a necessidade da prisão imediata, as condições pessoais do sujeito devem ser cotejadas com o interesse geral na manutenção da paz social.”
Portanto, é possível observar que os supracitados doutrinadores, em consonância com a decisão do STF no HC 143.641/SP, reconhecem a falha estrutural do estado em prestar condições humanas para o cumprimento da prisão preventiva à gestantes, puérperas, mães de crianças e mães de pessoas com deficiência, principalmente em relação a cuidados médicos pré-natais e pós parto, inexistência de estrutura física para o desenvolvimento de crianças pela ausência de berçários e creches, dentre uma centena de outros motivos que violam o princípio da dignidade da pessoa humana, da intranscendência da pena e da primazia do interesse da criança.
Contudo, os autores deixam claro que a concessão da prisão domiciliar para elas, mesmo passando a ser regra, não pode se dar de forma automática somente pelo fato de ser gestante ou mãe de criança por não se tratar de um direito absoluto e irrestrito, devendo ser analisado o caso concreto e a possível existência de outros motivos que possam justificar a manutenção da prisão preventiva, como, por exemplo, a periculosidade real e extrema da indiciada ou ré, devendo tais circunstâncias pessoais que impeçam a concessão do benefício serem devidamente fundamentadas.
Conclusão
O direito à liberdade não é absoluto e pessoas condenadas por crimes ou presas provisoriamente podem ser privadas de sua liberdade. Mas isso deve acontecer por meio de um processo justo e consagrado por princípios fundamentais de um estado constitucional de direito.
Todas as pessoas privadas de sua liberdade pelo estado têm direito a um tratamento humano, digno e respeitoso, porém, o que se vê na realidade é uma violação de direitos fundamentais em larga escala. A prisão, por si só, já é um evento traumático, ainda mais quando direitos básicos como saúde, educação, dignidade e o respeito à integridade física e moral são desconsiderados.
Apesar de existir uma evidência esmagadora em sentido contrário, ainda há uma percepção pública de que a prisão é um mecanismo eficaz, seja para punir seja para assegurar a ordem. Em vista disso, o Brasil continua a prender criminosos em vez de resolver as causas subjacentes de seu comportamento ofensivo.
Não se pode negar o fato de que, atualmente, há mais mulheres atrás das grades do que em qualquer outro ponto da história do Brasil. As mulheres têm suportado um fardo desproporcional da guerra às drogas, resultando em um grande aumento no número de mulheres que estão enfrentando o encarceramento, pela primeira vez, por crimes não violentos. Este encarceramento desenfreado tem um impacto devastador nas famílias. A maioria dessas mulheres, invisíveis e em grande parte esquecidas, são mães.
Infelizmente, mulheres grávidas encarceradas e seus filhos estão sujeitos a políticas correcionais que falham em reconhecer suas verdadeiras necessidades e de tomar medidas para preservá-las. O sistema não tem dado uma resposta no sentido de oferecer o suporte necessário para atender as particularidades que uma mulher grávida e crianças possuem.
Com a prisão preventiva, que confina mulheres grávidas em sistemas prisionais precários, suprime-se o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, que lhes são garantidos por lei, e ainda priva as crianças de condições apropriadas ao seu desenvolvimento e socialização, caracterizando, assim, um tratamento cruel, desumano e degradante, que contraria e descumpre os aforismos constitucionais em relação à individualização da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à dignidade da pessoa humana, à integridade física e moral da presa e a primazia do melhor interesse da criança. A propósito, o próprio STF já reconheceu que esse Estado de Coisas Inconstitucional referente ao sistema prisional proporciona um cenário de permanente violação de direitos fundamentais a exigir imediata intervenção do Poder Judiciário.
A questão prisional no país, onde são destaques a superlotação e as condições de saúde oferecidas, gera um debate acalorado sobre como tal situação deve ser tratada à luz da justiça. A superlotação não é gerada somente por uma política criminal imprudente, mas também pelo chamado "populismo punitivo" ou ainda, “cultura do encarceramento”.
A decisão do STF em que foi concedido o benefício da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva para gestantes, puérperas, mães de crianças e mães de pessoas com deficiência e ainda, para adolescentes que estejam cumprindo medidas socioeducativas foi extremamente acertada do ponto de vista humanitário e um marco para o direito brasileiro, pois o descaso com esse grupo vulnerável de pessoas era visível, e o STF, de forma brilhante, enxergou que tal conjuntura não poderia permanecer.
No entanto, deve-se ressaltar que os critérios e restrições contidos na decisão devem ser aplicados de forma rígida, visando a consecução dos princípios basilares de nossa Constituição Federal, uma vez que a aplicação descomedida e genérica desses critérios, ao invés de estar proporcionando uma evolução para o sistema atual, estará prejudicando o próprio processo penal e a sua efetividade.