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O estado de coisas inconstitucional na segurança pública brasileira

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7. O Papel do Ministério Público

A Constituição Federal de 1988 conferiu um arquétipo de Ministério Público protetor e promotor dos direitos sociais, dentre os quais o direito à Segurança Pública. O membro do Ministério Público é, pois, verdadeiro agente de transformação social, devendo agir nos termos do artigo 3º do texto constitucional[20].

Na proteção e na promoção dos direitos fundamentais (sobretudo nos direitos sociais), o Ministério Público deve agir como indutor de políticas públicas, participando de todo o ciclo de formação das políticas. Exige-se, portanto, uma atuação articulada com os demais atores do Estado, discutindo estratégias, fomentando o debate e, sobretudo, monitorando e fiscalizando os resultados. Para o sucesso desse importante mister, deve ser assegurada a participação da sociedade na formulação das políticas públicas.

Com efeito, a deficiência da política pública de segurança é tema a ser enfrentado pelo Ministério Público. Para além da atribuição do controle externo da atividade policial – atribuição expressa do Parquet – o velamento pela Segurança Pública deve ser visto sob o prisma da atribuição de proteção dos direitos difusos. É dizer que, em matéria de Segurança Pública, a ação do Ministério Público não pode ser tão somente direcionada aos órgãos policiais. O tema é muito complexo e exige, portanto, uma ação mais incisiva e estrutural.

Ao passo que a Constituição de 1988 atribuiu a importante – e instigante – missão de defesa dos direitos fundamentais, também dotou a Instituição de meios e instrumentos para que pudesse cumprir a contento essa difícil tarefa. Sendo assim, o membro do Parquet possui instrumentos judiciais e extrajudiciais a sua disposição.

 Pode, portanto, ingressar com a Ação Civil Pública visando a proteção, a promoção ou o reparo dos interesses metaindividuais. E assim o órgão tem feito na área da Segurança Pública, ajuizando ações pontuais pleiteando a reposição do efetivo policial em determinados locais, visando a construção de estabelecimentos prisionais, pedindo a interdição de alguns estabelecimentos etc.

Ocorre que, conforme já explanado, o caos da segurança exige uma ação coordenada, com a fixação de uma agenda positiva e com ações harmonizadas. Tal exigência dificilmente será suprida de forma pontual por meio de uma decisão comum emanada do Poder Judiciário.

É preciso estabelecer um pacto de ações estruturais em que as partes assumam o compromisso de realizar diversas obrigações de forma coordenada. O monitoramento dos resultados e a fiscalização do cumprimento das obrigações também são essenciais para superar o quadro fático inconstitucional e devem constar do instrumento extrajudicial a ser formulado.

Como já afirmado, o Ministério Público tem o dever de induzir políticas públicas e possui os instrumentos necessários para aglutinar, coordenar e compatibilizar os interesses.

Num tema tão caro à população, cabe, primeiramente, ao órgão ministerial o fomento à participação popular. Nessa esteira, as audiências públicas são instrumentos essenciais para discutir a Segurança Pública. Além disso, a participação nos conselhos de segurança pública – cuja existência agora está expressamente prevista no Sistema Único de Segurança Pública – é necessária para discuti e controlar as políticas públicas de segurança. Inclusive, a participação e o controle social são princípios da Política Nacional de Segurança Pública, conforme o artigo 4º, inciso VII da Lei 13.675/2018.

É possível, ainda, a promoção de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com as autoridades, nos quais as autoridades de todos os Poderes assumam o compromisso - perante a sociedade -de adotar as medidas que faltam para a promoção do direito à Segurança Pública. Nada obsta que a decisão estrutural proferida no âmbito do Estado de Coisas Inconstitucional seja substituída por um acordo (TAC) promovido pelo Ministério Público cujas cláusulas obriguem as autoridades a adotar as medidas estruturais que faltam para uma política de segurança pública consistente.

Registre-se que o Termo de Ajustamento de Conduta é o instrumento ideal para propiciar a conciliação e a mediação, possibilitando o debate, o que resulta em assunção de obrigações não impostas, mas sim negociadas pelas partes e, portanto, com maior grau de legitimidade.

Cumpre salientar que as obrigações podem ser acompanhadas de um prazo para cumprimento, bem como é possível também prever no TAC a realização de audiências públicas para monitoramento e acompanhamento do cumprimento das obrigações pactuadas.


8. Conclusão

O problema da Segurança Pública é complexo, ocasionado por uma falha estrutural proveniente de uma omissão que perdura há décadas, o que configura verdadeiro Estado de Coisa Inconstitucional.

A solução não vai ocorrer de forma repentina, por meio de atos isolados, mas sim através de uma ação conjunta e harmoniosa. É imperioso que todos os Poderes, de todos os entes, se conscientizem da necessidade de um trabalho conjunto, contínuo e com múltiplas frentes.

De início, faz-se necessário incluir o tema na Lei Maior, colocando a Segurança Pública como atribuição de todos os entes federativos, elencando as atribuições de cada ente por meio de Lei Complementar.

Além disso, é preciso maior investimento na área, aparelhando as polícias com equipamentos e tecnologias para o enfrentamento da criminalidade. A investigação e a inteligência policial também precisam ser aprimoradas para o enfrentamento do crime organizado. Pode-se, inclusive, na esteira das decisões estruturais, fixar um percentual mínimo de gasto em segurança pública para os próximos 05 (cinco) anos.

É bem verdade que a gênese do Estado de Coisas Inconstitucional como instituto jurídico nasceu no âmbito das cortes constitucionais, por meio da produção de sentenças estruturais. No entanto, nada impede que a construção de um pacto de metas seja capitaneada pelo Ministério Público por meio de Termo de Ajustamento de Conduta, garantindo-se a participação popular através de audiências públicas, discussões nos conselhos de segurança pública etc.

Várias ações podem – e devem – ser efetivadas. Não se pode admitir a continuidade da omissão dos Poderes diante do grave problema que afeta a sociedade.


9.  Referências Bibliográficas

AMORIM, Sílvia. Número de PMs nas ruas teve queda em cinco estados nos últimos três anos. Publicado: 19/02/2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/numero-de-pms-nas-ruas-teve-queda-em-cinco-estados-nos-ultimos-tres-anos-20948836>.Acesso em:15 de ago de 2018.                       

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BONAVIDES, Paulo, A Quinta Geração de Direitos Fundamentais, 2008, disponível em: <http://www.ufjf.br/siddharta_legale/files/2014/07/Paulo-Bonavides-A-quinta-gera%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-fundamentais.pdf. Acesso em: 20 set. 2018

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______. Decreto Federal 1.973 de 1º de Agosto de 1996, Promulga a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará em 9 de junho de 1994. Diário Oficial da União, Brasília, DF, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1973.htm>. Acesso em 20 de set. 2018

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______. CONGRESSO NACIONAL. Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 33/2014. Altera os art. 23 e art. 24 da Constituição Federal para inserir a segurança pública entre as competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/118712. Acesso em: 01 set. 2018.

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MANSO, Bruno Paes. Núcleo de Estudos da Violência da USP. Fragilidade na investigação e na punição do homicida provoca multiplicação de assassinatos. Publicado: 05/09/2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2018/09/05/fragilidade-na-investigacao-e-na-punicao-do-homicida-provoca-multiplicacao-de-assassinatos.ghtml> Acesso em 20 de set de 2018.

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Sobre os autores
Robledo Moraes Peres de Almeida

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Piauí. Foi Oficial da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) por 15 anos, ocupando atualmente o Posto de Capitão PM da Reserva Não Remunerada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduado pela Escola de Formação de Oficiais da PMES. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduado em Gestão, Educação e Segurança de Trânsito pela Faculdade Cândido Mendes. Membro Titular da Associação Colombiana de Direito Processual Constitucional. Finalista da categoria Obra Técnica do X Prêmio Denatran de Educação no Trânsito, promovido pelo Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) no ano 2010. Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Aprovado nos concursos públicos para os cargos de: a) Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Piauí; b) Promotor de Justiça do Ministério Público do Tocantins; c) Defensor Público da Defensoria Pública do Espírito Santo; d) Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2)

Felipe Lyra da Cunha

Capitão da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo (PMES). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Estado do Espírito Santo. Graduado em Segurança Pública pela Escola de Formação Oficiais da PMES. Já atuou em diversas áreas da segurança pública, como a área de inteligência e na área operacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Robledo Moraes Peres ; CUNHA, Felipe Lyra. O estado de coisas inconstitucional na segurança pública brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5719, 27 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71184. Acesso em: 22 dez. 2024.

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