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O direito sucessório na união estável:

análise civil-constitucional acerca do direito sucessório do companheiro supérstite

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28/02/2019 às 17:10

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, que diferenciava o regime sucessório entre cônjuges e companheiros, equiparando, assim, os direitos sucessórios em ambos os casos.

  • A decisão foi baseada no princípio da igualdade e na proteção constitucional da família, considerando que a união estável e o casamento são formas de constituição de família com igual valor jurídico e social.

  • Os votos dos ministros destacaram que a diferenciação entre cônjuges e companheiros violava a dignidade da pessoa humana e a proteção à família, sendo a família a base da sociedade e merecedora da especial proteção do Estado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 AS MODALIDADES DE FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE

Como mencionado no final do capítulo anterior, a união estável é uma modalidade de entidade familiar. Atualmente, vários são os modelos de constituição de família reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência.

Nos dias atuais, como dito, vários são os modelos de família. Porém, nem sempre foi assim. A família teve seus traços alterados conforme se evoluía a humanidade e o direito.

Com o surgimento da Igreja, visando regular as relações humanas, surgiu o casamento. A ideia de casamento era que este era indissolúvel por ter sido proveniente da vontade divina. A função principal da família era o de procriar e de produzir riquezas.          

Tendo isso como parâmetro, varias legislações viam o casamento como a única forma de constituição de família, sendo este a união entre um homem e uma mulher, com o intuito de crescer e multiplicar, gerando riquezas. O homem, visto como um ser superior, tinha o total domínio sobre a mulher.        

Claramente, o Código Civil de 1916 teve grande influencia desta ideia patrimonialista de casamento, prevendo que o casamento era a única forma legitima de constituição de família, sendo indissolúvel, assim como a igreja previa.

O primeiro passo importante para que o casamento deixasse de ser visto como uma forma de produção de riquezas e de reprodução oi o surgimento da Lei do Divórcio, no ano de 1977, onde se previa a possibilidade da dissolução do casamento. Apesar de leis anteriores preverem a dissolução da sociedade conjugal, estas não previam o real vínculo do matrimônio.

Com a constituição de 1988 e a humanização da família, reflexo do foco dado aos princípios fundamentais como, por exemplo, o da dignidade da pessoa humana, o da igualdade, o da solidariedade, a ideia de família tornou-se muito mais ampla e o casamento deixou de ser a única forma de constituição de família.

O casamento não deixou de existir, o que houve foi sua flexibilização. O enfoque patrimonial, que lhe era inerente, o deixou de ser, passando o casamento representar a plena comunhão de vidas entre duas pessoas. Com isto surgiram novas modalidades de constituição de família, todos baseados no afeto.

Neste capítulo serão apresentados traços gerais sobre as modalidades de família atualmente reconhecidas, sendo elas: o casamento; a família poliafetiva; a família monoparental; a pluriparental; a anaparental; e, a reconstituída. À União Estável é reservado capítulo específico, por ser a modalidade de entidade familiar base deste trabalho.

3.1 O Casamento

 Como já dito, por muito tempo o casamento foi a única forma de constituição de família, confundindo-se com esta. Quando surgiu, ligado em laços religiosos, a principal função do casamento era a de regular a relação sexual entre duas pessoas, tendo caráter patrimonial.           

A função primeira do casamento era a de regular aquela primeira noção de família, a união entre um homem e uma mulher com o objetivo de produzir riquezas e reproduzir, criando deveres e direitos estritamente de caráter patrimonial para estas relações, além do cuidado da prole.           

O casamento só veio se flexibilizar após o advento da Constituição de 1988, deixando de ser a única forma de constituição da família e sendo adequado aos princípios constitucionais.

O casamento, como afirma Farias e Rosenvald (2008, p.92), “o casamento tem de servir às pessoas. Ele é meio [...] através do qual as pessoas desenvolvem a sua personalidade plena e almejam [...] a felicidade.”           

O casamento, então, é o instrumento pelo qual as pessoas buscam a plena comunhão de vidas, atingindo a felicidade. Alguns defendem que esta definição seria eudaimonista, sendo que a felicidade não é o fim do casamento, sendo a sobrevivência e o sexo os fins reais. Não será tratada desta discussão aqui, haja vista não ser este o foco deste trabalho.           

O casamento é regulamentado pelos arts. 1.511 à 1582 do Código Civil.           

Apesar de a constituição ter dado uma visão humanizada ao casamento, o que pode ser percebido é que sua realização ainda trás muitas formalidades, o que faz com que doutrinadores como Paulo Lins e Maria Berenice Dias afirmem que o casamento trata-se de um contrato de adesão. Esta ideia é reforçada pela solenidade exigida na realização do casamento onde se faz necessário que os nubentes digam “sim” à autoridade competente, e, só assim, consideram-se casados.           

Não cabe neste trabalho a análise da natureza jurídica do casamento. Esse assunto é de grande extensão e objeto de discussões acaloradas na doutrina, podendo ser objeto até mesmo de um trabalho completo.           

O certo é que o Código Civil, apesar de posterior à Constituição Federal de 1988, ainda trouxe diversos deveres de caráter meramente patrimonial para a regulamentação do instituto do casamento, além de diversas regras complexas acerca do regime de bens entre os cônjuges e até mesmo as próprias solenidades excessivas para a realização do casamento, o que faz com que as pessoas, querendo estabelecer comunhão de vidas, mas buscando evitar as excessivas formalidades para realização do casamento, busquem constituir alguma das outras modalidades de família, e principalmente a união estável.

3.2 União Estável

 O casamento era indissolúvel, mas o afeto entre os cônjuges não. Dessa forma, ao acabar o afeto, as pessoas, buscando a felicidade, acabavam por constituir novas famílias. Porém, estas novas famílias não tinham qualquer amparo legal.

Apesar da evidente existência da uma entidade familiar, nem a lei e nem as pessoas reconheciam estas uniões como legítimas, tendo em vista que o casamento era considerado a única forma legitima de constituição de família, e dessa forma, não era reconhecido nenhum direito a estas uniões.           

Com o passar dos tempos e com o surgimento de várias demandas judiciais no sentido de reconhecer estas uniões como família, estas uniões foram cada vez mais ganhando força e passaram a ser aceitas pela sociedade, porém, com resistência legal.           

Com a força que foram ganhando estas uniões, a Constituição acabou por incluí-las como espécie de entidade familiar, dando o nome de união estável.

Este modelo de entidade familiar será tratado com mais afinco em capítulo específico, tendo em vista ser o principal ponto para o desenvolvimento do tema-problema deste trabalho. 

3.3 Poliafetiva 

Como demonstrado anteriormente, o afeto e a solidariedade são bases de toda e qualquer entidade familiar. Daí surgiu uma grande polêmica quando um Cartório de Notas no Rio de Janeiro registrou uma união estável entre dois homens e uma mulher.       

Neste trabalho não será analisada sobre a validade ou não dessas uniões uma vez que este não é o foco central, porém cabe registrar algumas opiniões sobre o tema.

Dias afirma:

Desde que o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família evidenciou ser o afeto o elemento identificador da entidade familiar, passou-se a reconhecer que o conceito de família não pode ser engessada no modelo sacralizado do matrimônio. Apesar dos avanços, resistências ainda existem. Assim, há que se reconhecer como transparente e honesta a instrumentalização levada a efeito, que traz a livre manifestação de vontade de todos, quanto aos efeitos da relação mantida a três. Lealdade não lhes faltou ao formalizarem o desejo de ver partilhado, de forma igualitária, direitos e deveres mútuos, aos moldes da união estável, a evidenciar a postura ética dos firmatários. Não há como deixar de reconhecer a validade da escritura.  (DIAS, 2012)

Depreende-se que para Dias, o afeto deve ser sempre o que orienta a família. Se há afeto em uma relação entre três pessoas, não há que se falar em impedimento para registro de tal relação, uma vez que isto seria interferir na livre manifestação de vontade de todos os envolvidos na relação, não havendo quebra de lealdade, pois, ambos tem o desejo em partilhar direitos e deveres, devendo ser reconhecida a validade deste tipo de escritura.          

Outros autores, que tratam a monogamia como um princípio basilar do direito de família, afirmam que chamar este tipo de união de união estável, seria apenas uma forma de estelionato jurídico, procurando-se validar relacionamentos poligâmicos, inclusive, afirma-se que este tipo de união é contrária a própria dignidade dos envolvidos, destruindo a família. É o que afirma Silva:

[...], deve ser notada a sedução que reside na utilização de expressões como "poliamor" ou "poliafeto". [...], a expressão poliafeto é um engodo, um estelionato jurídico, na medida em que, por meio de sua utilização, procura-se validar relacionamentos com formação poligâmica.

[...]

Com efeito, não há como se admitir, observados os contornos sociais e jurídicos brasileiros, que o casamento e a união estável deixaram de ser monogâmicos. Em países africanos, como na Tanzânia e em Guiné, ou, ainda, em países de religião muçulmana, há a aceitação da poligamia, mas seus costumes são muito diversos dos brasileiros.

A escritura lavrada em Tupã de nada servirá a essas três pessoas. É inútil porque não produz os efeitos almejados, uma vez que a Constituição Federal, a Lei Maior do ordenamento jurídico nacional, atribui à união estável a natureza monogâmica, formada por um homem ou uma mulher e uma segunda pessoa (CF, art. 226, § 3º).

O reconhecimento notarial afronta a dignidade das três pessoas envolvidas (CF, art. 1º, III), servindo como elemento de destruição da família, que é considerada elemento basilar da sociedade brasileira (CF, art. 226, caput).

A bigamia constitui crime, tipificada como o novo casamento realizado por pessoa casada (Código Penal, art. 235). Logo, se o direito brasileiro não tolera o casamento bígamo, por semelhante razão — embora sem a tipificação criminal porque o diploma penal é anterior à consideração constitucional da união estável — não se admite entidade familiar formada por três ou mais pessoas.

A escritura do trio não tem eficácia jurídica, viola os mais básicos princípios familiares, as regras constitucionais sobre família, a dignidade da pessoa humana e as leis civis, assim como contraria a moral e os costumes da nação brasileira. (SILVA, 2012)

O ponto principal da discussão gira em torno da monogamia, que é tida por alguns como princípio basilar do direito de família e por outros como uma orientação a ser seguida.

A discussão sobre o tema é muito acalorada tanto na doutrina quanto na jurisprudência, o que ensejaria um trabalho inteiro para discussão do tema, porém, como este não é o foco deste trabalho, não será feita uma análise aprofundada sobre este. O certo é que se a monogamia for tida como princípio, ou não, influenciará na conclusão final sobre o assunto.

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3.4 Monoparental           

Família monoparental é aquela formada por qualquer dos pais com seus filhos.

Esta espécie de modelo familiar vem se tornando cada vez mais comum na realidade diária da sociedade.           

Mister ressaltar que o filho pode ser biológico ou não. Neste caso, o filho pode ser advindo de uma gestação ou ser adotado, ou, até mesmo gerado por inseminação artificial. A origem da filiação pouco importa para a proteção deste modelo familiar que é reconhecido pela Constituição da República, em seu artigo 226, parágrafo 4º (quarto).

3.5 Pluriparental 

Família Pluriparental, conforme Dias, é a formada entre parentes colaterais, não havendo diferença do grau de parentesco entre eles. Um exemplo colocado é o dos tios que vivem com seus sobrinhos. (DIAS, 2008, p. 90 e 91)

3.6 Anaparental

 Este é um modelo de família que demonstra claramente que o afeto nos dias atuais é uma base muito concreta para a constituição de qualquer família.           

Pode-se afirmar que família anaparental é:

[...] a família sem pai e sem mãe. Pais morreram e os filhos têm por tutores os avós. Estes novos arranjos são as denominadas famílias sócio-afetivas, que se fundam no afeto, dedicação, carinho e ajuda mútua, transformando estas convivências em verdadeiras entidades familiares. Essa realidade é crescente no Brasil, mas não ganhou a devida atenção dos estudiosos do direito e nem do próprio Estado. Muitos irmãos passam a conviver juntos após o falecimento de seus pais, um cuidando do outro, formando por esforço mútuo patrimônio comum.

[...]

A família anaparental não se restringe somente aos parentes.  Há o exemplo de amigas aposentadas e até viúvas que decidem compartilhar a velhice juntas, convivência que se caracteriza pela ajuda material, emocional e pelo sentimento sincero de amizade sem conotação sexual. (MAGALHÃES, 2017)

Dessa forma, para que haja família anaparental, vê-se que não há necessidade de existência de vínculo consanguíneo. O vínculo afetivo, por si só, já dá sentido a esta modalidade de família. Nem mesmo a conotação sexual é necessária. Basta simplesmente o sentimento de solidariedade mútua, auxílio material e, frisa-se, o afeto.

3.7 Reconstituidas

 A família reconstituída é aquela formada por um dos ascendentes com seu descendente e outra pessoa que também já tinha família constituída anteriormente.           

É o caso de uma mulher que foi casada, e tem um filho advindo do casamento, que se relaciona com outro homem também divorciado e que tem filhos.           

O principal efeito deste modelo familiar é o parentesco por afinidade, e decorre do art. 1.595 do Código Civil.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRASCO, Erick Gonçalves. O direito sucessório na união estável:: análise civil-constitucional acerca do direito sucessório do companheiro supérstite. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5720, 28 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71209. Acesso em: 22 dez. 2024.

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