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O direito sucessório na união estável:

análise civil-constitucional acerca do direito sucessório do companheiro supérstite

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28/02/2019 às 17:10
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5 DIREITO SUCESSÓRIO NA UNIÃO ESTÁVEL

Durante a vida, são adquiridos diversos bens e direitos. Porém, com o decurso do tempo a saúde se debilita e é chegada a hora reservada a todos: a morte.

Este é um momento triste para toda a família, perder um ente querido nunca é fácil. Mas esta é a hora em que todo o patrimônio (bens e direitos) adquirido pela pessoa  é dividido entre os seus herdeiros e/ou cônjuge ou companheiro meeiro. A este momento é dado o nome de sucessão, que nada mais é que a transmissão dos bens e direitos adquiridos em vida aos sobreviventes herdeiros do falecido. É a transmissão da herança.

Percebe-se que o direito sucessório decorre diretamente do direito a herança, garantido pela Carta Magna, que em seu art. 5º, XXX dispõe expressamente:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXX - é garantido o direito de herança;

O direito de sucessão é o reflexo do direito de herança, e tem previsão no Código Civil Brasileiro de 2002, tendo um Livro específico para tratar do assunto, sendo este o Livro V, o último do Código Civil.

O objeto deste trabalho é a análise do Direito Sucessório na União Estável, mais precisamente acerca da recente decisão do STF que julgou inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil, porém, para isto, primeiro deve ser entendida como se dá a sucessão no instituto do casamento, para, após, ser apresentada a sucessão entre companheiros.

5.1 Direito Sucessório no Casamento

 No momento do falecimento de uma pessoa, tudo que esta adquiriu em vida é transmitido ao seu núcleo familiar.

Se verificada a árvore genealógica do falecido, verifica-se a existência de parentes em diversos graus e de linhas diferentes. Visando limitar a sucessão para evitar qualquer problema que possa advir de uma enorme gama de sujeitos, o legislador  brasileiro criou a figura dos herdeiros necessários.

O Código Civil traz como herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge, como herdeiros necessários. Diante da nova interpretação dada pelo STF à sucessão dos companheiros, entende-se que o companheiro também é considerado herdeiro necessário.

O Código Civil também estabelece uma regra quanto à ordem de sucessão. Em seu art. 1.829, estabelece:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Sobre o assunto, Diniz (2011, p. 140) afirma que:

 (...) A lei, ao fixar essa ordem, inspirou-se na vontade presumida do finado de deixar seus bens aos descendentes ou, na falta destes, aos ascendentes, sem olvidar, em ambos os casos, a concorrência com o cônjuge sobrevivo; não havendo nenhum dos dois, ao consorte sobrevivente, e, na inexistência de todas essas pessoas, aos colaterais, pois na ordem natural das afeições familiares é sabido que o amor primeiro desce, depois sobe e em seguida dilata-se.

Como se depreende da leitura do art. 1829 do CC, o cônjuge sobrevivente pode ser encontrado em terceiro lugar na regra da sucessão legítima, ressalvada a concorrência deste com os descendentes ou com os ascendentes do falecido. Mas não foi sempre assim.

Antes de 1907, o cônjuge sobrevivente era colocado em quarto lugar na ordem de sucessão hereditária. O legislador previa a seguinte ordem de vocação hereditária: os descendentes, ascendentes, colaterais consanguíneos até o décimo grau, cônjuge sobrevivente e a Fazenda Pública.

O decreto Nº 1.839, de 31 de dezembro de 1907, alterando a ordem de sucessão hereditária, alçou o cônjuge sobrevivente ao terceiro lugar da linha sucessória. Desta forma, ficou estipulado que a ordem hereditária seria: descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente, colaterais até o sexto grau e a Fazenda Pública. Esta ordem foi mantida pelo Código Civil de 1916.

O Código Civil de 2002 constitucionalizou o Direito Civil, erigindo a família a um patamar mais importante. Com esta alteração, vislumbra-se que em caso de uma pessoa casada falecer sem deixar descendentes ou ascendentes, o cônjuge herdará totalmente o patrimônio.

Como bem observa Dias (2013, p.58),

Em qualquer regime de bens – até no da separação convencional, como no regime da separação obrigatória -, falecendo um dos cônjuges, o sobrevivente adquire a qualidade de herdeiro exclusivo se não existirem herdeiros antecedentes. Seria absurdo condicionar a sucessão ao regime de bens. Haveria a possibilidade de a herança ser reconhecida como jacente, isto é, herança sem dono, mesmo que o falecido fosse casado. Mas não há tal risco, pois só é admitida a devolução da herança na inexistência de cônjuge sobrevivente. (CC 1.844).

Além de herdeiro, o cônjuge sobrevivente pode ser meeiro, a depender do regime de bens adotados quando da celebração do casamento.

É importante não confundir o instituto da sucessão com o da meação. Enquanto o Direito Sucessório, que é o conjunto de regras que regulam a sucessão, a meação é regulada pelo Direito de Família. A sucessão se dá no momento do falecimento do cônjuge e a meação consiste na proteção do patrimônio comum adquirido pelo casal antes do falecimento.

Como saber, em um caso concreto, se se está diante de um caso de meação ou de sucessão? Na verdade, é bem simples, basta observar o regime de bens adotados no momento do casamento.

Quando o casamento é celebrado sem qualquer manifestação das partes quanto ao regime de bens adotado, é aplicado o regime legal que, por força do art. 1.640 do Código Civil, é o da comunhão parcial de bens.

Quando o casamento se dá na comunhão parcial de bens, os bens adquiridos na constância do casamento, excetuando-se os arrolados no art. 1.659 do CC, são objetos de meação, o que quer dizer que a metade ideal destes bens são pertencentes ao cônjuge sobrevivente antes mesmo do falecimento, e devem ser preservados.

Neste caso, se o cônjuge falecido não tinha bens exclusivos, o sobrevivente recebera a metade de todo o patrimônio, e o restante será transmitido aos herdeiros necessários restantes.

Se além de adquirir bens em comum com o sobrevivente, o falecido já tivesse patrimônio exclusivo, além de meeiro dos bens adquiridos em comum, o sobrevivente será herdeiro, em concorrência com os demais herdeiros necessários.

Além do regime legal da comunhão parcial de bens, existem diversos outros regimes que podem ser convencionados pelos cônjuges mediante pacto antenupcial ou que a lei pré-estabelece em determinados casos.

O regime da comunhão universal de bens, regime que era considerado o regime legal pelo Código Civil de 1916, é um dos regimes que podem ser convencionados livremente entre os cônjuges. Neste regime, todos os bens adquiridos antes do casamento e durante, pertence a ambos os cônjuges em condomínio.

Desta forma, ressalvadas as hipóteses do art. 1.668 do CC, o cônjuge sobrevivente será meeiro da totalidade dos bens, sejam eles adquiridos antes ou após o casamento.

Outro regime, que pode ser livremente convencionado entre os cônjuges, é o regime da participação final nos aquestos. Este regime é dotado de grande complexidade, razão pela qual não se vislumbra, pelo menos não se tem conhecimento de casamentos celebrados sob este regime. Neste caso, a meação também deve ser observada para todos os fins.

No que tange ao regime da separação de bens, verifica-se a existência de duas espécies, a separação convencional de bens e o regime da separação obrigatória, ou legal, de bens. A primeira espécie, como o próprio nome pressupõe, decorre da convenção entre o casal.

Neste caso, pressupõe-se que os cônjuges queiram comungar suas vidas mas não os seus patrimônios, razão pela qual são considerados exclusivos os patrimônios de ambos. Desta forma, o cônjuge sobrevivente se torna herdeiro do patrimônio do cônjuge falecido, concorrendo com os demais herdeiros necessários.

Assim entendeu o STJ, no julgamento do REsp 1.472.945, que julgou equivocado o entendimento anterior firmado no REsp 992.749, e é como tem entendido atualmente.[3]

Já o regime da separação obrigatória de bens é aplicado quando se verifica alguma das hipóteses mencionadas no art. 1.641 do Código Civil, que dispõe:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Pela simples leitura do art. 1.829, I, do Código Civil, poderíamos dizer que não há sucessão entre os cônjuges casados sob o regime da separação legal de bens, porém, o entendimento firmado pela súmula 377 do STF é no sentido de que há comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento, o que gera o direito ao cônjuge sobrevivente na meação destes bens.

Mesmo com este entendimento ainda há controvérsias na doutrina e jurisprudência acerca deste tema, considerado um paradoxo por muitos. Controvérsia esta que não será aqui levantada por não ser objeto desta pesquisa.

Sobre a questão da meação, vale destacar o entendimento de Maria Berenice Dias (2013, p. 55):

No regime da comunhão universal a meação se calcula sobre todo o patrimônio. Nos demais compreende a metade dos bens adquiridos durante o convívio. Esta divisão só não tem cabimento no regime da separação convencional, pois não há bens comuns.

No que se refere ao regime da separação convencional de bens, tem-se a Súmula 377 do STF, a qual garante a comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento. Logo, tem-se a meação do viúvo.

5.1.1 Direito real de habitação

Outro direito que decorre diretamente do direito sucessório é o direito real de habitação. Sobre este direito, dispõe o artigo 1.831 do Código Civil de 2002:

Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Verifica-se que o Código Civil de 2002 garantiu ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação independente do regime de bens do matrimônio. O direito de habitação concede ao cônjuge sobrevivente a posse direta do bem.

Vale frisar também que o imóvel deve ser destinado à residência da família e o único imóvel inventariado. Esta última regra, como observa Paulo Lôbo, pode ser relativizada a depender do caso concreto.

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Nesse sentido, Lôbo (2014, p. 127):

Se tiver deixado mais de um imóvel residencial, a lei presume que não haverá prejuízo para o cônjuge sobrevivente, pois disporá de outra opção equivalente de moradia. Evidentemente, que cada caso é um caso. Se, como frequentemente ocorre, o imóvel habitado pela família é o mais valorizado, inclusive afetivamente, tendo o outro imóvel residencial reduzido valor ou localização desvantajosa para o cônjuge sobrevivente, essa circunstância não impede a incidência do direito real de habitação sobre o primeiro. O fim social da norma legal é assegurar ao cônjuge sobrevivente a permanência no local onde conviveu com o de cujus, que é o espaço físico de suas referências afetivas e de relacionamento com as outras pessoas.

5.1.2 Concorrência do cônjuge sobrevivente com os demais herdeiros

 O Código Civil reconhece o cônjuge como herdeiro necessário. Além disto, inclui o cônjuge em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, prevendo, porém, a hipótese d o cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes e ascendentes na sucessão.

Como já dito anteriormente, a depender do regime de bens adotado quando do casamento, o cônjuge sobrevivente se torna meeiro do patrimônio deixado pelo falecido. Porém, é mister ressaltar que além de meeiro, o cônjuge viúvo pode ser herdeiro em concorrência com os demais herdeiros necessários.

Nos casos em que o bem for exclusivo do falecido, o viúvo pode vir a ser meeiro e herdeiro juntamente com os descendentes e ascendentes daquele, ou simplesmente herdeiro.

Em um primeiro momento, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes do falecido, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens, ou, se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. Controvérsia gira em torno do reconhecimento do cônjuge casado em regime de separação convencional de bens como herdeiro necessário.

Para Francisco Cahali, o viúvo é herdeiro nestes casos (2014, p.129). Para Maria Helena Diniz, no regime da separação convencional, não há o que se falar em meação, herança ou direito de concorrência sucessória ou em direito a exercer inventariança, pois os bens de cada um, quaisquer que sejam e adquiridos a qualquer tempo, são exclusivos (2013, p.57). Era assim que entendia o STJ com o julgamento do REsp 992.749, onde afirmou-se que "se o casamento foi celebrado pelo regime da separação convencional, significa que o casal escolheu conjuntamente a separação do patrimônio. Não há como violentar a vontade do cônjuge após sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente”.

Contudo, de modo diverso entendeu o Ministro Ricardo Villas Boas Cuêva ao julgar o REsp 1.472.945, entendendo que

O artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002, utilizado como fundamento central do recurso especial, versa sobre a concorrência do cônjuge com os descendentes na sucessão hereditária, nos seguintes termos:  "Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente , salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (...)" (grifou- se).   A qualidade de herdeira necessária ostentada pela viúva restou reconhecida pelo acórdão recorrido à luz da supramencionada legislação e com base na seguinte fundamentação, que merece ser mantida incólume:   "(...) Nos casos de falecimento ab intestato (sem deixar testamento), ante a ausência de disposição final, feita pelo autor da herança, a sucessão se dá pela ordem legítima, ou seja, a vocação hereditária segue as disposições do Código Civil, consoante o art. 1829 e seguintes. Nesse sentido, dispõe o inciso I do art. 1829:  Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte : I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;   Como se vê, o dispositivo legal deixa expresso que, como regra geral na sucessão legítima, o cônjuge sobrevivente concorre com os herdeiros, ressalvados, tão somente, os casos expressamente referidos - casamento pelo regime da comunhão universal, da separação obrigatória ou da comunhão parcial quando o autor da herança não houver deixado bens particulares. Neste caso, a viúva foi casada pelo regime da separação convencional, hipótese que, portanto, não se enquadra entre as exceções da parte fmal do artigo supracitado . Outrossim, não há que se falar em subsunção da separação convencional como eventual espécie da separação obrigatória, pois os próprios conceitos são antagônicos, ou seja: aquilo que é obrigatório não possui abertura para convenção, pois é uma imposição legal .Ademais, por se tratar de norma excepcional, não se admite a interpretação extensiva de dispositivo que limita direitos sob pena de afronta à segurança jurídica. De fato, como a literalidade do texto legal não afasta a condição de herdeiro do cônjuge sobrevivente, casado pela separação convencional, não pode o intérprete fazê-lo, sob pena de surpresa indevida aos particulares, gerando insegurança às relações civis . Nesse ponto, cumpre afastar a alegação da agravante quanto à suposta pacificação da matéria pelo Egrégio STJ, por ocasião do REsp n° 992.749⁄MS, onde houve a exclusão da viúva em sucessão hereditária, haja vista que se trata de julgamento sem efeito vinculante além das partes do próprio processo.

Desta forma, o STJ entende que, atualmente, o cônjuge sobrevivente que era casado sob o regime da separação convencional de bens pode ser considerado herdeiro necessário. É neste sentido também que é fixada no enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil, do CJF, como afirma Fachardo:

O Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em dezembro de 2004 dispõe que o inciso I do artigo 1.829 do Código Civil, assegura ao cônjuge sobrevivente direito de concorrência com os descendentes do de cujus se foram casados sob o regime da separação convencional de bens ou, sob os regimes da comunhão parcial de bens ou participação final nos aquestos, desde que o falecido possuísse bens particulares, caso em que a concorrência se dá somente em relação a estes bens, e a meação do falecido ser partilhada em caráter exclusivo entre os descendentes.

Sobre a concorrência, é de suma importância mencionar o disposto no art. 1.832 do CC, que dispõe:

Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Se o viúvo concorrer com os descendentes do falecido na sucessão, ele deverá sempre herdar uma quota igual aos demais descendentes. Na hipótese de uma família numerosa, o viúvo que tiver filhos em comum com o falecido não poderá receber quota inferior a um quarto da herança.

Neste sentido, afirmam Cahali e Hironaka (2012, p. 201):

E assim nos posicionamos pela interpretação objetiva do texto: sendo a prole só do falecido, a participação é uma; mas se o sobrevivente for ascendente dos herdeiros com quem concorrer, está abrangida a situação híbrida, devendo, pois, ser reservada sua parcela mínima de ¼ na herança, pois não fala a lei em ascendente de todos os herdeiros com quem disputar, ou único ascendente dos sucessores.

Sendo herdeiro necessário, o cônjuge sobrevivente pode sofrer determinadas restrições, como afirma Lôbo (2014, p. 122):

Por ser herdeiro necessário, o cônjuge pode sofrer restrições decorrentes de disposições testamentárias deixadas pelo de cujus, que estabeleçam inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade sobre os bens que correspondam à legítima do cônjuge sobrevivente. Tais restrições, no entanto, apenas são válidas e eficazes se houver justa causa, que o testador tenha declarado no testamento. Havendo impugnação da justa causa, cabe ao juiz decidir se ela é razoável.

Quanto à concorrência do cônjuge sobrevivente com os ascendentes do falecido, não há divergências. O legislador não impôs qualquer condição para esta concorrência, podendo dizer que independentemente do regime de bens haverá concorrência entre ascendentes e descendentes.

Neste sentido, é fácil estabelecer as quotas cabíveis a cada um. Se o cônjuge concorrer com o pai e a mãe do falecido, cada um herdará 1/3 da herança. Se concorrer com um dos dois, caberá metade para cada um.

Inexistindo concorrentes, o cônjuge sobrevivente herdará a totalidade da herança.

5.2 Direito Sucessório dos Companheiros Supérstites no Código Civil de 2002

O Código Civil de 2002, apesar de ter sido publicado em 2002, é decorrente de um projeto de lei anterior ao vigor da Constituição Federal de 1988, o que fez com que diversos pontos presentes no projeto fossem alterados.

Nas aulas de Direito Civil, não é raro ouvir que o Novo Código Civil já nasceu com ideias ultrapassadas, principalmente no que tange ao instituto da União Estável.

O ponto principal desta pesquisa é o Direito Sucessório na União Estável, tema controvertido, que recebeu nova roupagem após a Suprema Corte julgar o art. 1.790 do Código Civil inconstitucional.

Não é atual a afirmativa na doutrina de inconstitucionalidade do art. 1.790, que regula o Direito Sucessório na União Estável. Contudo, apenas em maio de 2017, o STF julgou inconstitucional o dispositivo mencionado.

Para análise dos motivos que ensejaram a declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, é necessário dispor como se da a sucessão na união estável regulada por este.

5.2.1 O artigo 1.790 do Código Civil

 O Código Civil de 1916, em seu texto original, nada previa acerca do direito sucessório do companheiro, isso porque não tinha o instituto da união estável o cunho de entidade familiar.

O antigo código tinha um cunho extremamente religioso, reconhecendo como única forma de constituição de família o casamento, não sendo reconhecidos nem o companheiro e nem a união estável.

Muitas vezes, aqueles que tinham objetivo de constituir família, mas optavam por não casar, eram tratados com desprezo. Estes eram considerados concubinos, e no sentido pejorativo da palavra, principalmente a mulher, que era a mais descriminada.

A Constituição Federal de 1988, atendendo os anseios populares e a realidade da época, reconheceu a União Estável como entidade familiar, o que mudou totalmente a visão que se tinha acerca da união estável no ordenamento jurídico.

Apesar de o Código Civil de 1916, que continuava em vigor, em nada ter sido alterado, decisões judiciais reconheciam as uniões estáveis e os direitos dela provenientes.

O grande problema da época é que o companheiro não era considerado herdeiro necessário e muito menos meeiro. Visando regulamentar os direitos sucessórios do companheiro, em 29 de dezembro de 1994, entrou em vigor a lei 8.971, que visava regulamentar o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.

O art. 1º da referida lei previa:

Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.                                                                                   

Já o art. 2º dispõe da sucessão. Se tivessem filhos em comum, a companheira teria direito ao usufruto de quarta parte dos bens do falecido. Na hipótese de a companheira concorrer com os ascendentes do falecido, esta teria direito a usufruto da metade dos bens do falecido. Se não existissem descendentes ou ascendentes do falecido, o companheiro poderia herdar toda a herança.

A companheira, como se pode ver, não herdava os bens mas sim o usufruto a estes bens. Contudo, esse usufruto só perduraria até o momento em que ela não adquirisse nova união estável.

Em 1996, mais precisamente em 10 de maio daquele ano, entrou em vigor a lei 9.278, que regulamentava o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição da República de 1988. Esta lei regulamentava os direitos sucessórios dos companheiros em seus artigos 5º e 7º. In verbis: 

Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

§ 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.

§ 2° A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRASCO, Erick Gonçalves. O direito sucessório na união estável:: análise civil-constitucional acerca do direito sucessório do companheiro supérstite. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5720, 28 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71209. Acesso em: 25 abr. 2024.

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