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A estabilização da tutela antecipada no novo Código de Processo Civil

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23/07/2019 às 14:45
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O CPC reorganizou todo o sistema das tutelas judiciais fundadas em cognição sumária, unificando, em um mesmo regime geral, sob o nome de tutela provisória, a tutela cautelar e a tutela antecipada.

INTRODUÇÃO             

O presente trabalho científico terá por finalidade examinar o procedimento de estabilização da tutela provisória de urgência satisfativa concedida em caráter antecipado, introduzida no ordenamento jurídico pátrio pelo Código de Processo Civil de 2015.

 Para tanto, o tema será abordado em 03 (três) capítulos, iniciando-se pela abordagem geral acerca da tutela provisória fundada na urgência, avançando-se para a tutela de urgência satisfativa em caráter antecedente e, por fim, traçando-se uma análise sobre a estabilização da tutela antecipada, seus pressupostos e efeitos no mundo jurídico.

Buscar-se-á, ao final, constituir uma análise sobre o novel instituto da estabilização da tutela de urgência concedida em caráter antecipado e destacar algumas das principais indagações advindas dessa inovação processual, sobretudo quanto à produção de coisa julgada material por meio da estabilização da decisão que concedeu a tutela antecipada.

A presente pesquisa será desenvolvida pelo método lógico dedutivo, partindo-se da percepção geral acerca da tutela provisória fundada na urgência para, enfim, se alcançar o objetivo proposto da análise do procedimento de estabilização da tutela antecipada, adotando-se, para isso, vasta pesquisa bibliográfica doutrinária e jurisprudencial.


1. TUTELA DE URGÊNCIA

A nova lei adjetiva civil acabou por reorganizar todo o sistema das tutelas judiciais fundadas em cognição sumária, unificando, como bem observa Talamini (2016c), em um mesmo regime geral, sob o nome de tutela provisória, a tutela cautelar e a tutela antecipada.

Assim, a tutela provisória surge no ordenamento jurídico pátrio como uma técnica processual para, como assinala Didier (2016, p. 580-581), abrandar os “efeitos perniciosos do tempo de duração normal do processo, permitindo, assim, o gozo antecipado e imediato dos efeitos próprios da tutela definitiva pretendida”.

Com efeito, o Código de Processo Civil de 2015, a partir do seu art. 294, passa a tratar das tutelas provisórias, gênero sob o qual estão duas espécies: a tutela de urgência, que pode ser satisfativa ou cautelar; e a tutela de evidência (NERY JUNIOR et al., 2015, p. 841).

A tutela provisória de evidência, que sempre será satisfativa, nunca cautelar, será concedida quando houver a demonstração de que as afirmações deduzidas na inicial estejam comprovadas, o que se presume nas hipóteses elencadas no art. 311, do CPC (DIDIER, 2016, P. 584), não se exigindo, contudo, o preenchimento cumulativo de todas as situações dispostas no texto legal, bastando a presença de apenas uma deles (NERY JUNIOR et al., 2015, p 871).

A urgência pode servir de fundamento para a concessão tanto da tutela provisória cautelar, quanto da satisfativa. Em ambos os casos é necessário, para sua concessão, a demonstração da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, conforme expressamente contido no caput do art. 300, do CPC.

Marinoni (et al., 2015, p. 199) destaca que a tutela provisória fundada na urgência serve não apenas para combater um perigo de dano como, também, um perigo de ilícito (MARINONI et al., 2015, p. 199).

Além dos pressupostos dispostos no caput do art. 300, Didier (2016, p. 608) destaca, ainda, que a tutela provisória de urgência satisfativa, também nominada na doutrina como antecipada, exige o preenchimento do pressuposto específico previsto no parágrafo 3º do artigo supramencionada, ou seja, a reversibilidade dos efeitos da decisão antecipatória.

Ademais, a tutela provisória de urgência, sobre a qual repousa o objetivo central deste estudo, pode ser pleiteada e concedida em caráter incidental ou em caráter antecedente, dependendo, exclusivamente, do momento em que o pedido de tutela provisória é formulado em comparação ao momento em que se fez, no processo, o pedido de tutela definitiva.

A tutela provisória de urgência requerida em caráter incidental é aquela formulada dentro do processo, juntamente com o pedido de tutela definitiva ou, então, posteriormente a este, objetivando adiantar seus efeitos independentemente do pagamento de custas (DIDIER, 2016, p. 585), não se submetendo à preclusão temporal, podendo ser formulado a qualquer tempo, conforme orientação do Fórum Permanente de Processualistas Civis, sedimentada no Enunciado nº 496:

(art. 294, parágrafo único; art. 300, caput e §2º; art. 311) Preenchidos os pressupostos de lei, o requerimento de tutela provisória incidental pode ser formulado a qualquer tempo, não se submetendo à preclusão temporal. (Grupo: Tutela de urgência e tutela de evidência)

Já a tutela provisória de urgência requerida em caráter antecedente, sobre a qual se debruça a presente pesquisa, será tratada no tópico seguinte.


2. TUTELA DE URGÊNCIA SATISFATIVA EM CARÁTER ANTECEDENTE

A tutela de urgência satisfativa antecedente “é aquela que deflagra o processo em que se pretende, no futuro, pedir a tutela definitiva. É requerimento anterior à formulação do pedido de tutela definitiva e tem por objetivo adiantar seus efeitos” (DIDIER, 2016, p. 586).

A antecipação da tutela satisfativa urgente tem, assim, por finalidade, a satisfação de uma tutela jurisdicional que corre o risco de não ser prestada de forma plenamente eficaz caso não seja concedida antes do exaurimento da cognição (TESSER, 2014, p.99).

Para tanto, o novel código processual prevê, para sua concessão, um procedimento próprio, disciplinado no art. 303 e seguintes que, como bem observa Nery Junior (et al., 2015, p. 862), se traduz em uma petição inicial simples que, em razão da urgência, permite ao autor limitar seu pedido inicial ao requerimento da tutela antecipada, apenas indicando qual será o seu pedido de tutela final, demonstrando o perigo de demora da prestação jurisdicional.

Didier (2016, p. 586), ao comentar a possibilidade de formulação de um pedido inicial sucinto, destaca que o procedimento descrito no art. 303 fora concebido visando os casos nos quais a urgência é contemporânea à propositura da ação, de modo que a parte autora não dispõe de tempo hábil para apresentar em sua exordial todos os elementos necessários para endossar, desde já, o pedido de tutela final, de modo que a lei passa a lhe assegurar a oportunidade de aditar a petição inicial com a complementação de sua argumentação, conforme dispõe o inciso I, do parágrafo 1º, do art. 303.

Assim, justificando-se pelo fato de a urgência ter, sempre, como requisito, um perigo de demora na efetiva prestação jurisdicional, estando, portanto, diretamente ligada ao elemento “tempo”, o legislador brasileiro optou por afastar o novo procedimento da tutela antecipada do modelo tradicionalmente adotado no ordenamento pátrio (TESSER, 2014, p. 99).

É possível, portanto, afirmar que o novo Código de Processo Civil autonomizou o procedimento da tutela antecipada fundada na urgência, introdução legislativa que permitiu, ainda, trazer para o direito brasileiro a possibilidade da estabilização da decisão que concedeu a tutela antecipada, conforme expressamente previsto no art. 304, hipótese que, até então, não estava prevista na lei adjetiva pátria, uma vez que o código anterior somente permitia a antecipação da tutela em caráter interinal (MARINONI et al., 2015, p. 213).

Deste modo, qualquer tutela satisfativa do direito pode ser requerida mediante o procedimento do art. 303, do CPC, e, por conseguinte, alcançar sua estabilidade na forma do art. 304, restando afastada desse regramento qualquer espécie de tutela cautelar (MARINONI et al, 2015, 214).

Assim, pleiteada em caráter antecedente a tutela satisfativa fundada na urgência, se concedida nos termos requeridos, recairá sobre o autor o ônus de aditar a inicial, devendo ser intimado na forma do inciso I, do parágrafo primeiro do art. 303, do CPC, devendo complementar sua argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final no prazo de 15 dias ou em outro prazo maior que o magistrado venha a fixar.

Caso o autor não se desincumba do ônus que ora lhe recai de aditar a inicial, o parágrafo 2º, do art. 303, do CPC, determina a extinção do feito sem resolução do mérito.

De outro turno, realizado o aditamento, com a juntada de todos os documentos e elementos necessários para a devida apreciação do pedido de tutela final, deve o réu ser citado para comparecer à audiência de conciliação ou de mediação, que se desenrolará na forma do art. 334, do CPC (NERY JUNIOR et al., 2015, p. 863) e intimado, no mesmo ato, para que cumpra a providência deferida a título de tutela antecipada (DIDIER, 2016, p. 616).

Não havendo autocomposição, prescreve o inciso III, do parágrafo 1º, do art. 303, do CPC, que o prazo para contestação será contado na forma prevista no art. 335, do mesmo Codex.

Caso o réu apresente, no prazo legal, sua resposta ou, ainda, recorra da decisão que concedeu a tutela antecipada, o feito seguirá normalmente o procedimento comum, seguindo-se para as etapas de saneamento, instrução e julgamento (DIDIER, 2016, p. 616).

Segundo Marinoni (et al., 2015, p. 215), uma vez deferida a tutela antecipada, aditada a inicial e cientificado o réu da decisão, o processo só seguirá para a audiência de conciliação e mediação se o réu interpuser agravo de instrumento contra a decisão que antecipou a tutela. Se não o fizer, a decisão torna-se estável e o feito é extinto, conforme disposto no art. 304, do CPC.


3. A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA

Uma vez concedida a tutela antecipada em caráter antecedente, o réu poderá evitar as estabilização da decisão concessiva. Para tanto, o meio que lhe fora reservado na lei adjetiva civil é a interposição do agravo de instrumento, conforme disposto no caput do art. 304. Caso não ocorra a interposição do recurso, ocorrerá a estabilização da decisão e o processo será extinto (MARINONI et al., 2015, p. 216).

Ocorrendo a extinção do feito e a estabilização da tutela antecipada, a decisão antecipatória continuará produzindo efeitos enquanto não for ajuizada ação autônoma para revisá-la, reformá-la ou invalidá-la. Desse modo, resta evidente que a estabilização da decisão concessiva da tutela antecipada não implica na resolução do mérito quanto ao pedido definitivo que, até então, pode nem mesmo ter sido formulado no processo (DIDIER, 2016, p. 617).

Mesmo que o réu opte por não interpor o agravo de instrumento, mas, no mesmo prazo ofereça contestação ou se manifeste pela realização da audiência de conciliação ou de mediação, para algumas correntes doutrinárias restaria evitada a estabilização da decisão (MARINONI et al., 2015, p. 216; DIDIER, 2016, p. 621-622).

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Talamini (2016b) destaca que o principal objetivo dessa técnica processual da estabilização da tutela antecipada é a redução da carga de trabalho do Poder Judiciário, um dos grandes motivos para a recente reforma processual. Assim, a estabilização da tutela antecipada surge como instrumento destinado à racionalização da atuação judiciária, por meio do qual os processos que tenham produzido resultado prático em face do réu, em caso de inércia deste, poderão ser extintos sem o exaurimento da cognição.

Implica dizer que em alguns casos haverá, para ambas as partes processuais, interesse pela estabilização da decisão que tenha concedido a tutela antecipada, isso porque, como bem afirma Assis (2015, p. 490), existem hipóteses nas quais a entrega do bem da vida ao autor, quando da concessão da tutela antecipada, “se não encerra o litígio de uma vez por todas, reduz-lhe a intensidade e importância, tornando a disputa teórica ou abstrata”.

Oportuno trazer à lume que a técnica da estabilização não permitirá a declaração de validade ou invalidade, existência ou inexistência de um ato jurídico, assim como não se reveste da potencialidade de constituir ou desconstituir uma situação jurídica, de modo que em muitos casos não bastará para as partes – ou uma delas – uma decisão provisória acerca do direito discutido em juízo. Por conseguinte, não serão raros os casos nos quais o próprio autor da tutela antecipada estabilizada terá interesse na instauração do procedimento de cognição exauriente, conforme permissivo do parágrafo 6º, do art. 304, do CPC (TALAMINI, 2016c).

Diante de tal situação, Assis (2015, p. 491) conclui que a extinção do feito, na forma prevista no parágrafo 1º, do art. 304, do CPC, “não se fundará no desaparecimento superveniente do interesse processual, mas na aptidão, em tese, de a decisão formular regra jurídica concreta para os litigantes baseada em juízo de verossimilhança”.

3.1 Pressupostos para a estabilização da tutela antecipada

Ao tratar da estabilização da decisão que concedeu a tutela antecipada, Didier (2016, p. 616-617) afirma se tratar de uma técnica de monitorização do processo civil brasileiro, por meio da qual ocorre uma generalização da técnica monitória para situações de urgência e para a tutela satisfativa, se viabilizando a obtenção de resultado prático em razão da inércia do réu.

Neste mesmo sentido, Talamini (2016a) indica as características essenciais da técnica monitória presentes no procedimento da estabilização da tutela antecipada:

A estabilização da tutela antecipada antecedente reúne as características essenciais da técnica monitória: (a) há o emprego da cognição sumária com o escopo de rápida produção de resultados concretos em prol do autor; (b) a falta de recurso do réu contra a decisão antecipatória acarreta-lhe imediata e intensa consequência desfavorável; (c) nessa hipótese, a tutela antecipada permanecerá em vigor por tempo indeterminado – de modo que, para subtrair-se de seus efeitos, o réu terá o ônus de promover ação de cognição exauriente (ainda que ambas as partes detenham interesse e legitimidade para a propositura dessa demanda – art. 304, § 2º). Ou seja, sob essa perspectiva, inverte-se o ônus da instauração do processo de cognição exauriente; e (d) não haverá coisa julgada material.

Com efeito, é possível se antever alguns óbices impeditivos do procedimento de estabilização, tomando-se por base controvérsias já aventadas quanto à ação monitória, como bem aventado por Talamini (2016c):

(i) quando o réu do processo urgente preparatório for citado por edital ou hora certa (modalidades de citação ficta).

Não se poderá imputar a consequência da estabilização, em caso de não comparecimento do réu ao processo. Haverá de lhe ser designado um curador especial, que não apenas estará autorizado mas terá o dever funcional de adotar as medidas cabíveis em defesa do réu – inclusive impugnar a medida urgente. A mesma constatação será aplicável aos casos em que o réu for incapaz sem representante legal (ou com interesses colidentes com o do representante) ou estiver preso (art. 72);

(ii) causas que envolvam direitos indisponíveis.

Como visto em texto anterior, a estabilização da tutela antecipada consiste numa modalidade de técnica monitória (como a usada na procedimento especial da ação monitória). A técnica monitória tem por função estabilizar a produção de resultados concretos em prol do autor naqueles casos em que o réu, podendo dispor de seu direito de defesa, abre mão de impugnar a medida concedida. Há íntima relação entre o mecanismo monitório e o princípio da disponibilidade. E esse pressuposto de disponibilidade da defesa não está presente quando o objeto do litígio é um direito propriamente indisponível. Por exemplo, seria apta a estabilizar-se uma medida de antecipação de tutela de exoneração de alimentos, concedida em caráter antecedente?

(iii) processos urgentes preparatórios em face da Fazenda Pública.

A questão sobre o cabimento de tal mecanismo em face da Fazenda Pública já se pôs no âmbito da ação monitória. O STJ editou o enunciado sumular n.º 339, no sentido de que “é cabível ação monitória contra a Fazenda Pública”. A súmula ainda não resolvia definitivamente a questão, pois, entre os precedentes que a formaram, alguns afirmavam peremptoriamente a incidência do efeito principal da ação monitória (formação imediata de título executivo judicial, em caso de ausência de embargos ao mandado), ao passo que outros admitiam formalmente a ação monitória contra a Fazenda Pública, mas adicionando, ao menos em tese, a necessidade de observância de mecanismos incidentes no processo comum de conhecimento (notadamente, o reexame necessário) – o que eliminaria o efeito principal monitório.

Há ainda, segundo Talamini (2016c), um óbice de caráter objetivo para a técnica da estabilização que seria o caráter indisponível da posição jurídico-material atingida pela tutela antecipada, o que exigiria a cognição exauriente dos seus fundamentos.

Superados os óbices, há que se observar os pressupostos da estabilização, previstos nos artigos 303 e 304, do CPC.

O primeiro deles é o requerimento, pelo autor, quando da petição inicial, de tutela provisória satisfativa antecedente que, a rigor do parágrafo 5º, do art. 303, do CPC, deve ser formulado de forma expressa, uma vez que somente essa espécie de tutela é apta para a estabilização conforme previsão do art. 304 do CPC (DIDIER, 2016, p. 618).

Além disso, Didier (2016, p. 619) entende como pressuposto negativo essencial a ausência de manifestação do autor, na petição inicial, pelo prosseguimento do processo para a tutela definitiva.

Contudo, esse pressuposto negativo é mero desdobramento da exigência do parágrafo 5º, do art. 303, do CPC, uma vez que, ao indicar na inicial que pretende valer-se do benefício do caput do art. 303, o autor deixa clara a sua manifestação no sentido de que estará satisfeito com a eventual estabilização da tutela antecipada.

Por fim, é essencial, para a estabilização da decisão que concedeu a tutela antecipada, a falta de interposição do recurso adequado. Ao analisar este pressuposto, Assis (2015, p. 492) observa que, diante da não interposição de recurso pelo réu, a vontade das partes em prosseguir com o feito para o exaurimento da cognição será irrelevante, devendo, para tanto, ser ajuizada ação própria.

Há que se observar que caso o réu, no prazo para o recurso de agravo de instrumento, apresente qualquer outro meio de impugnação da decisão concessiva da tutela antecipada, ou, ainda, antecipe a sua defesa, restará afastada a sua inércia (MARINONI et al., 2015, p. 216; DIDIER, 2016, p. 621-622).

Ademais, nas hipóteses do art. 72, do CPC, não será possível a estabilização da decisão antecipatória (DIDIER, 2016, p. 622).

3.2. Efeitos da estabilização da tutela antecipada

Uma vez operacionalizada no processo a estabilização dos efeitos da decisão que concedeu a tutela antecipada, na forma do art. 304, do CPC, abre-se a oportunidade para qualquer das partes intentar ação para rever, reformar ou invalidar tal decisão.

Diante disso, pode-se afirmar que, não obstante a decisão tenha se tornado estável, ainda é possível desconstituir o direito por defeito no suporte fático da decisão, ou emitir um juízo de mérito que a reforme, ou, ainda, promover uma revisão da decisão por fato superveniente. Há, portanto, discutibilidade, que resulta em evidente mutabilidade das tutelas antecipadas por decisões estabilizadas (GOUVEIA FILHO et al., 2015).

Com isso, estabilizada a decisão que concedeu a tutela antecipada, o feito será extinto com julgamento do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, e projetará seus efeitos para fora do processo, a rigor do §3º, do art. 304, da lei adjetiva civil (MARINONI, 2015, p. 216). Há, portanto, trânsito em julgado que obsta a litispendência, porém, sem gerar a indiscutibilidade da matéria (GOUVEIA FILHO et al., 2015).

Qualquer das partes poderá, no prazo de dois anos contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, propor ação autônoma no intuito de rever, reformar ou invalidar a decisão, tudo conforme previsto nos parágrafos 2º e 5º, do art. 304, do CPC.

Como bem assevera Didier (2016, p. 625), “até que esta ação seja proposta, a tutela satisfativa antecedente continuará produzindo seus efeitos, já que a decisão que a concedeu encontra-se estabilizada (art. 304, §3º, CPC)”.

A grande controvérsia doutrinária quanto à estabilização dos efeitos da decisão concessiva da tutela antecipada repousa, justamente, no efeito por ela produzida após o transcurso do prazo de dois anos sem que as partes tenham ajuizado a ação autônoma.

Majoritariamente, a posição adotada é aquela que afirma que, mesmo após o decurso do prazo previsto no parágrafo 5º, do art. 304, do CPC, o procedimento de estabilização da tutela antecipada não produz coisa julgada, de modo que a decisão continuará meramente estabilizada.

Neste sentido, afirma Didier (2016, p. 625):

A estabilização da tutela satisfativa antecedente não se confunde com a coisa julgada.

Em primeiro lugar, não se pode dizer que houve julgamento ou declaração suficiente para a coisa julgada. O juiz concedeu a tutela provisória e, diante da inércia do réu, o legislador houve por bem determinar a extinção do processo sem resolução do mérito, preservando os efeitos da decisão provisória.

Não obstante, alguns juristas, a exemplo de Mitidiero (apud DIDIER, 2016, p. 626) lecionam, de forma diversa, que passado o prazo de dois anos, há coisa julgada material, sustentando, inclusive a inconstitucionalidade da regra, dada a ausência da cognição exauriente.

Mesmo para aqueles que sustentam a impossibilidade da transformação da estabilidade em coisa julgada material, os fundamentos que os conduzem a essa conclusão são divergentes.

Há quem afirme que a discussão acerca da produção, ou não, de coisa julgada material pela estabilização da decisão concessiva da tutela antecipada não deve passar pela inexistência de cognição exauriente, uma vez que a técnica monitória, também de cognição sumária, tem aptidão para, na hipótese de não oposição de embargos, produzir coisa julgada material, conforme redação do art. 701, do CPC. Dessa forma, o óbice existente para a produção de coisa julgada pelo procedimento do art. 304, do CPC, seria legislativo, em razão da expressa previsão no parágrafo 6º, desse mesmo artigo (GOUVEIA FILHO et al, 2015).

De outro lado, há quem sustente que o instituto da coisa julgada encontraria incompatibilidade constitucional com a decisão que concedeu a tutela provisória antecipada com base em cognição superficial. Para essa corrente doutrinária, o exaurimento da cognição para a produção de coisa julgada material decorre dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, insertos na cláusula do devido processo, expressa no art. 5º, LIV, da Constituição Federal (TALAMINI, 2016c).

Não por acaso, MARINONI (et al., 2015, p. 217) ao analisar o texto da lei, destaca que exaurido o prazo de dois anos para o ajuizamento da ação autônoma, a estabilidade torna-se inafastável, ou seja, imutável e indiscutível, exatamente os mesmos reflexos da coisa julgada, conforme redação do art. 502, do CPC. Lança, portanto, dúvida quanto à legitimidade constitucional dessa tentativa de se equiparar os efeitos do procedimento comum com os efeitos de um procedimento de acentuada sumariedade formal e material.

O fato é que, assim como inaugurou a técnica da estabilização no direito processual brasileiro, o legislador acabou por criar um instituto intermediário entre a ampla mutabilidade das decisões antecipatórias incidentais e a coisa julgada material. Nessa direção conclui Gouveia Filho (et al., 2015):

Trata-se de um meio caminho entre a ampla mutabilidade das decisões antecipatórias incidentais e a coisa julgada material. Ele impede que, pela impossibilidade relativa de se discutir o dictum da decisão antecipatória, se alterem, de modo forçado a seu beneficiário, as eficácias antecipadas: a derrubada de um muro, a devolução de um determinado bem. No entanto, não existirão óbices que o dictum seja rediscutido em ação própria para quaisquer outros fins.

Neste ponto, vale ressaltar que o prazo estabelecido no parágrafo 5º, do art. 304, é de natureza decadencial, limitando temporalmente o exercício do direito de desconstituir (rever, reformar ou invalidar) a tutela provisória que acabou sendo estabilizada.

Contudo, esse prazo é aplicável especificamente para a ação autônoma prevista no parágrafo 2º, do art. 304, do CPC, de maneira que eventual ação própria ajuizada no intuito de se discutir o mérito do pedido de tutela final – que acabou não analisado em razão da estabilização da decisão concessiva da tutela antecipada – não se submeterá àquele prazo (TALAMINI, 2016c).

Nessa mesma toada, conclui Marinoni (et al., 2015, p. 218) que, após o transcurso do prazo de dois anos, previsto no art. 304, § 5º, do CPC, “continua sendo possível o exaurimento da cognição até que os prazos previstos no direito material para a estabilização das situações jurídicas atuem sobre a esfera jurídica das partes (por exemplo, a prescrição, a decadência e a supressio)”.

Há que se observar, ainda, que diante da não produção da coisa julgada matéria, não tendo ocorrido o reconhecimento judicial do direito do autor, não cabe, mesmo em se tratando de tutela estabilizada, ação rescisória em face da decisão concessiva. Nesse sentido é o Enunciado nº 33 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.             

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GHELLERE, Lucas. A estabilização da tutela antecipada no novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5865, 23 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71233. Acesso em: 22 dez. 2024.

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