O processo administrativo disciplinar no ordenamento jurídico brasileiro e o princípio da segurança jurídica

07/01/2019 às 12:03
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Demonstração da relevância do processo administrativo, quando devidamente instruído e baseado nos princípios previstos na legislação brasileira, quando da instauração, desenvolvimento, e conclusão do PAD.

O presente trabalho tem por finalidade elucidar questões referentes ao Processo Administrativo Disciplinar, inserindo-o dentre os princípios administrativos e constitucionais, principalmente acerca do princípio da segurança jurídica, previstos na Constituição Federal. Por meio de um estudo de conceitos, analisaremos como se deu a origem e como é utilizado esse instituto no dia a dia dos servidores públicos. A pesquisa feita foi bibliográfica, em obras de grandes doutrinadores. Através dessas análises ficou demonstrada a relevância do processo administrativo, quando devidamente instruído e baseado nos princípios previstos na legislação brasileira, quando da instauração, desenvolvimento, e conclusão do Processo Administrativo Disciplinar.

Palavras-Chave: Direito administrativo; direito constitucional; princípios administrativos, segurança jurídica.

ABSTRACT

            The purpose of this paper is to elucidate questions related to the Administrative Disciplinary Process, inserting it among the administrative and constitutional principles, mainly about the principle of legal certainty, foreseen in the Federal Constitution. Through a study of concepts, we will analyze how the origin and how it is used in the day to day of public servants. The research done was bibliographical, in works of great indoctrinators. Through these analyzes, it was demonstrated the relevance of the administrative process, when duly instructed and based on the principles established in Brazilian law, upon the establishment, development, and conclusion of the Administrative Disciplinary Process.

Keywords: Administrative law; constitutional right; administrative principles, legal certainty.

INTRODUÇÃO

            Temos, em nosso ordenamento jurídico, o princípio da segurança jurídica, como uma das vigas mestras mais importantes não apenas na constituição de normas, mas nos relacionamentos e condutas da administração pública. 

            Esse estudo tem como objetivo, ser uma ferramenta de consulta aspirando um maior entendimento dos momentos corriqueiros em um Processo Administrativo Disciplinar – PAD - em relação ao funcionalismo público federal, demonstrando o imensurável valor do princípio da segurança jurídica que confere estabilidade em tais relações tendo assim, sido elevado à categoria de direito fundamental, na qual sua função é tutelar os direitos assegurados ao pretenso infrator, no caso, o servidor público federal, e conferir a ele um processo pautado dentro dos parâmetros da razoabilidade e da justiça, sempre se norteando pelo contraditório e na ampla defesa.

            Partindo do pressuposto de que todos os processos administrativos se pautam em princípios e na vinculada aplicação da lei, constaremos assim a manifesta relevância da segurança jurídica, em qual princípio, em seu aspecto objetivo, deverá sempre observar e terá seus limites no direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, que conferem estabilidade às relações jurídicas. Já no aspecto subjetivo, menciona-se, para a manutenção de tal postulado, com relação ao processo administrativo disciplinar: a interpretação restritiva da norma administrativa, a decadência, a prescrição e a reformatio in pejus, que atribuem confiança jurídica em tais processos.

            Para que possa ter uma visão ampliada à questão em pauta, faz-se necessário organizar algumas perguntas, tais como: o controle judicial dos processos administrativos disciplinares ofende ao princípio da separação dos Poderes? Como aplicar o princípio da inafastabilidade da jurisdição no controle judicial dos processos disciplinares? Cabe ao Poder Judiciário analisar o mérito das decisões proferidas pela Administração em tais processos? O que se faz necessário observar num processo administrativo disciplinar para que a segurança jurídica esteja presente? As respostas para estas questões trazem, em sua envergadura, a busca da mitigação de violações de garantias básicas do servidor, que, muitas vezes, sofre toda sorte de injustiças por conta de procedimentos equivocados adotados em um Processo Administrativo Disciplinar – PAD, abrindo portas para possíveis declarações de nulidades pelo Poder Judiciário.

            Diante dessas indagações, é imprescindível ressaltar que o tema se cobre de imenso valor para a sociedade, e principalmente, para o mundo acadêmico e para a Administração Pública. Atualmente milhares de brasileiros almejam ingressar no serviço público, tendo em vista a estabilidade do emprego, como a necessidade prévia de processo administrativo disciplinar para a imposição de sanções ao servidor. Contudo, veremos que o processo administrativo, quando instaurados sem a devida observação das normas previstas na ordem jurídica vigente, transformam em risco as garantias fundamentais do servidor que é a trave mestra da Pública Administração. Daí, demonstrada está a importância e imprescindibilidade do controle judicial que limita a imposição arbitrária de medidas punitivas ao servidor público e lhe garante seus direitos.

Administração pública e o dever de garantir à segurança jurídica

            Na visão de ALMIRO DO COUTO E SILVA[2] um “dos temas mais fascinantes do Direito Público neste século é o crescimento da importância da segurança jurídica”, que se liga umbilicalmente à moderna exigência de maior estabilidade das situações jurídicas, aí incluídas aquelas, ainda que na origem, apresentem vícios de ilegalidade. Para o referido jurista, “a segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito”.

            Ocupa lugar elevado no ordenamento jurídico atual, espécie do gênero direito fundamental tido como segurança jurídica, tanto que o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito são premissas máximas de cumprimento, devendo ser respeitadas, inclusive pela legislação infraconstitucional.

            Corroborando com a lição, LUIS ROBERTO BARROSO[3], a segurança encerra valores e bens jurídicos que não se esgotam na mera preservação da integridade física do Estado e das pessoas: açambarca em seu conteúdo conceitos fundamentais para a vida civilizada, como a continuidade das normas jurídicas, a estabilidade das situações constituídas e a certeza jurídica que se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas.

            A Lei Federal nº 9.874/99 que regulamenta o Processo Administrativo no âmbito da Administração Federal, é pautada dos princípios que norteiam a estabilidade das relações entre administração, administradores e administrados, garantindo assim, a eficiência na prestação dos serviços públicos.

            Aliás, tal diploma legal é, no dizer do ínclito Min. do STJ, HUMBERTO GOMES DE BARROS[4]“certamente um dos mais importantes instrumentos de controle do relacionamento entre Administração e Cidadania. Seus dispositivos trouxeram para nosso Direito Administrativo o devido processo legal. Não é exagero dizer que a Lei nº 9.784/99 instaurou, no Brasil, o verdadeiro Estado de Direito”.

            EDUARDO COUTURE[5]  debate com maestria a dimensão ampla em fundamental da segurança nas relações sociais “Em sendo indissociável da ordem jurídica a garantia da coisa julgada, a corrente doutrinária tradicional sempre ensinou que se tratava de um instituto de direito natural, imposto pela essência mesma do direito e sem o qual este seria ilusório; sem ele a incerteza reinaria nas relações sociais e o caos e a desordem seriam o habitual nos fenômenos jurídicos”.

            Por certo, a incerteza nas relações jurídicas é o que se tem pretendido evitar, sendo assim, mesmo com a evolução do pensamento e da ciência jurídica sempre se procurou afastar a insegurança e o caos nas relações sociais e jurídicas, ora firmados nos institutos como a prescrição, decadência e coisa julgada, ora desenvolvendo conceitos como o da segurança jurídica e inserindo na legislação ordinária o imperativo de seu atendimento. Bem dito assim o comando insculpido no art. 1º da Lei nº 9.784/99, que aduz a obediência ao princípio da segurança jurídica.

            Ao investir de caráter objetivo a ocorrência dos institutos da prescrição e da decadência no processo administrativo o que se está assegurando, em verdade, por meio dessas garantias processuais, é a faustosa elevação dos direitos fundamentais indispensáveis à eficácia concreta do direito à segurança, inscrito como valor e como direito no preâmbulo e no caput do artigo 5º da Constituição de 1988, tal qual a definitividade da coisa julgada material.

            Importante destacar que a segurança a que nos referimos não se trata apenas daquela destinada a proteção da vida, da incolumidade física ou do patrimônio, mas também e principalmente a segurança jurídica. Eis que, no dizer do culto magistrado MAURO NICOLAU JUNIOR[6]“A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes”.

            A descrição tática deste ressaltado princípio, que abarca vários institutos jurídicos,  um dos princípios gerais do direito situando-se na base das normas sobre prescrição e decadência, e das que fixam prazos para a Administração rever os próprios atos.

            Nessa mesma esteira, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PRIETO[7] assim propugna: “O princípio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a consequente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera insegurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será passível de contestação pela própria Administração Pública” .

            Dessa maneira, o fundamento para o princípio da segurança jurídica é, no douto dizer de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[8] “O fundamento jurídico mais evidente para a existência da ‘coisa julgada administrativa’ reside nos princípios da segurança jurídica e da lealdade e boa fé na esfera administrativa. Sergio Ferraz e Adílson Dallari aduzem estes e mais outros fundamentos, observando que: ‘A Administração não pode ser volúvel, errática em suas opiniões. La donna è móbile -- canta a ópera; à Administração não se confere, porém, o atributo da leviandade. A estabilidade da decisão administrativa é uma qualidade do agir administrativo, que os princípios da Administração Pública impõem’”.

            Com o devido respeito legal ao direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por decorrência da aplicação cogente do princípio da segurança jurídica, não se afigura admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo, muitas vezes deflagradas por interesses pretensamente jurídicos, mas que são, em análise mais aprofundada, plenamente escusos. Esta instabilidade institucional não se coaduna com o Estado Democrático de Direito e a necessidade de se preservar a dignidade da pessoa humana, por decorrência direta da norma constitucional.

            É que restaria seriamente prejudicada a dignidade humana se por ventura fosse cabível extemporânea revisão mesmo ex officio de atos administrativos que deitaram raízes no mundo jurídico, quando praticados de boa-fé e houve produção de efeitos favoráveis ao administrado.

            Faz-se mister ressaltar a função garantidora do processo administrativo, independente do âmbito de aplicação da Lei nº 9784/99, sendo vislumbrada por ODETE MEDAUAR[9] no seguinte sentido: “O processo administrativo vem finalizado à garantia jurídica dos administrados (particulares e servidores), pois tutela direitos que o ato administrativo pode afetar. Isso porque a atividade administrativa tem de canalizar-se por parâmetros determinados, como requisito mínimo para ser qualificada como legítima. No esquema processual o cidadão não encontra ante si uma Administração livre, e sim uma Administração disciplinada na sua atuação”.

            Concluímos assim, se por um lado a Administração, para o devido atendimento a suas finalidades precípuas, é revestida de poderes e prerrogativas próprias e se relaciona com o administrado em posição de exercer seu ius imperium, por outro lado é igualmente verdade que tal acromegalia de poderes é mitigada pelos direitos fundamentais dos indivíduos, que ela não pode desrespeitar, sob pena de eivar de nulidade insanável sua atuação.

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            Dentre os princípios garantidores do Estado Democrático de Direito que necessariamente informam a conduta estatal, o princípio da segurança jurídica ocupa lugar destacado como consectário da dignidade da pessoa humana e da secular necessidade de estabilidade nas relações sociais. Assim, a decadência, que no seio do processo administrativo atua como freio do poder de autotutela da Administração, é de aplicação cogente mormente se conjugada à boa-fé do administrado.

Violações que podem ocorrer no PAD

            A segurança jurídica deve ser observada como um sustentáculo do Estado de Direito, visto que, depois do advento da norma positivada o cidadão passou a gozar dessa garantia legal contra o abuso e arbítrio dos governantes, tornando um processo mais justo e eficaz.

            Nessa laboriosa corrida pela segurança jurídica e com a chegada da Carta Magna de 1988, foram impostas aos administradores públicos várias restrições, notando-se, posto que, imensa vantagem na persecução administrativa, ajustando-se que a segurança jurídica constitui-se ora numa expectativa positiva, quando o indivíduo recebe uma prestação do Estado, ora numa negativa, quando o Administrador Público se contém de exercer algum ato que prejudique direitos civis ou de cidadania, de forma voluntária (autotutela) ou compulsoriamente (decorrente de ação judicial).

            Nessa perspectiva, a desprazer do Estado Moderno vivenciar todas essas restrições, sempre em homenagem à proteção dos direitos e garantias fundamentais, não se revelando incomum nas reportagens de televisão o constante desrespeito aos preceitos mais simples dos cidadãos. É clara a debilidade da segurança jurídica, principalmente no que se refere ao direito disciplinar administrativo, sobretudo quando se observa a falta de cuidado e conhecimento da persecução administrativa. Podem-se ordenar, num rol meramente exemplificativo, as seguidas violações do devido processo legal; a ausência de tecnicismo das comissões administrativas, sob a alegação do formalismo moderado intrínseco às sindicâncias e da simplificação no que se referente ao tempo gasto com seus procedimentos; a falta de comprometimento com a verdade real; pois não há qualquer punição para as testemunhas, que, geralmente são parciais no processo, a inoportuna, na maioria das vezes, supremacia do interesse público etc. Tudo isso vulnerabiliza a segurança jurídica.

            Uma das maiores dificuldades enfrentadas pela Administração Pública é a ausência de especialização e tecnicismo das comissões e sindicâncias, visto que, por sua prática ingenuidade (e muitas vezes ignorância) jurídica – não sendo empecilho o empenho destas – corriqueiramente acontecem violações à segurança jurídica, inclusive pela persecução administrativa quase nunca ser composta por profissionais do direito. Sendo assim, a vulnerabilidade da segurança jurídica começa quando instaurada uma comissão desprovida do devido conhecimento técnico, peculiaridade necessária para exercer atividade persecutória; dificuldade maior se dá ainda quando se lhe é dispensada a defesa técnica do investigado e, por fim; aumenta-se relevantemente quando, se lhe desobriga o esgotamento da ampla defesa e do contraditório, restando apenas a aparência ou indícios de sua existência.

            Nesta intenção é que, não incomum, o investigado passa a ter medo mais de uma sanção administrativa que de uma eventual cominação judicial, visto que é, repita-se, nítido que, às vezes, a técnica da persecução administrativa é menosprezada pelas comissões disciplinares e sindicâncias, sob a tola afirmação de que o processo administrativo é pautado no princípio do informalismo/formalismo moderado, levando a muitos casos de injustiça com os servidores que sofrem essa persecução.

            Posto isso, importante destacar que, se este pensamento é tido como comum a todos quando o Poder Judiciário, precipitadamente, firmou a condição de ser possível a correção dos atos administrativos, sob o frágil argumento de que os atos administrativos, ao menos formalmente, de igual maneira poderão ser passíveis de ação judicial. Nesses casos, porém a reparação da violação praticada em nada colabora a segurança jurídica, sendo que tal engajamento com a segurança jurídica deveria ser anterior à ação judicial proposta contra o arbítrio realizado, ausentando-se, assim, como razoável o argumento de que o informalismo/formalismo moderado tem que predominar no processo disciplinar, sendo que, o princípio do formalismo moderado se apresenta de forma limitada aos processos administrativos disciplinares, logo quanto mais punitiva for a natureza do processo, mais elevada deverá ser sua formalidade.

            Importante destacar também há outro item que auxilia à vulnerabilização da segurança jurídica nos procedimentos administrativos disciplinares ou sindicâncias, que é a amotinação dos ônus procedimentais, até mesmo em se tratando da falta de regulamentação específicas. Sendo assim, é sabido que subsiste no sistema jurídico o princípio da presunção da inocência, exaustivamente utilizado nos procedimentos penais, todavia no microssistema administrativo a persecutio ocorre de forma autoritária e, na maioria das vezes, o servidor investigado é antecipadamente tido como culpado, antes mesmo da abertura da sindicância da investigação.

            Um exemplo do dito acima é que na atual legislação apenas se avista, habitualmente, as suposições de condutas sujeitas a sanções, não se vislumbrando os casos de excludente de ilicitude, como podemos observar no âmbito do direito penal, em que se contempla, por mandamento de matriz constitucional, a presunção de inocência, como se vê do art. 5º, LVII.[10]

            Sendo que a própria legislação administrativa, simultaneamente se utiliza de normas processuais penais para disciplinar os procedimentos administrativos, presume-se que a Administração Pública também se lembra de ofertar ao servidor investigado as mesmas garantias do direito penal.

            O que ocorre é que tal conclusão não poderia se realizar com a devida precisão, quer pela ausência de tecnicismo dos agentes julgadores, quer pela carga de parcialidade que trazem consigo, e também pela maneira discricionário adotada pela administração. Mesmo assim, como dito alhures, o Poder Judiciário não se exclui de apreciar, ao menos formalmente, o procedimento levado a cabo pela Administração Pública, vez que a Teoria da Separação dos Poderes inviabiliza, acertadamente, o exame do mérito administrativo, sendo assim, os poderes além de distintos, também são autônomos em seus procedimentos e julgamentos.

            Dessa maneira, a segurança jurídica se dá restringir a ação do Estado ao tornar impossível que o jurisdicionado fique entregue à própria sorte e esteja subjugado à álea estatal. No ensinamento de Couto e Silva[11], “é uma garantia do funcionário naquilo que concerne à proteção da confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação”.

            Importante se faz, mencionar quatro fatos jurídicos imprescindíveis para a garantia de tal princípio, com relação ao processo administrativo disciplinar, como: a interpretação da norma administrativa, a decadência, a prescrição e a reformatio in pejus, que serão detalhados a seguir.

            Explicando a influência do instituto da reformatio in pejus, item obrigatório para a garantia dos direitos e garantias fundamentais, ele obsta a mudança para pior de um status jurídico previamente estabelecido, o que deve obedecer ao ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. A Lei nº 9.784/99 prevê a possibilidade de existir a reformatio in pejus, a teor de seu art. 64[12].

            Apesar de disposição expressa na Lei nº 9.784/99 a doutrina e a jurisprudência ainda se mantêm oscilantes em relação da possibilidade de existência da reformatio in pejus administrativa. Existe uma corrente majoritária que defende a impossibilidade da reformatio in pejus, quanto seu sentido tal fato suavizaria prioridades de princípios e normas constitucionais [13]. Ao contrário, a corrente minoritária aduz a possibilidade de reformatio in pejus, sendo necessário estar presentes os princípios da legalidade, indisponibilidade do interesse público e a verdade material, convergindo, ainda, para tal possibilidade da reformatio in pejus, que venham à tona fatos novos ou ainda que sejam verificadas a presença de circunstâncias excepcionais que possam demonstrar a impropriedade do ato administrativo vergastado. Neste particular, a Lei nº 9.784/99 estipulou, expressamente, por intermédio de seu art. 65[14].

            Em relação a terminologia acerca do uso de decadência ou prescrição na Administração Pública, a doutrina ainda não chegou a um consenso, vez que a Lei nº 9.784/99, deduz sobre decadência, in verbis:

 “Art. 54 - O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

            Alguns doutrinadores recolhidos na ideia de para que aconteça uma sanção disciplinar não há necessidade de ação, já que esta faculdade pertence ao poder de autotutela do Estado. Assim, não há necessidade do Poder Judiciário para que tal punição seja imposta, visto a autonomia da instancia administrativa. Não existindo prescrição, pois, o correto seria falar em decadência disciplinar, seria mais prático se falar em prescrição, seja porque a legislação remete a este instituto, seja por conta das questões inerentes à interrupção, o que descaracterizaria a decadência.

            Dessa maneira, tanto CF/88 quanto a legislação infraconstitucional, falam de suspensão e interrupção do direito de agir do Estado em face do funcionário faltoso. Em regra, somente na prescrição existem motivos de suspensão ou interrupção e os efeitos práticos são iguais tanto para a ocorrência de prescrição quanto decadência, lembrando que o art. 1º da Lei nº 9.873/99, prevê em cinco anos o prazo prescricional da pretensão punitiva administrativa do Estado.

            Nesse sentido, o fundamento do Estado Democrático de Direito, a segurança jurídica, requer dos institutos da prescrição ou da decadência, como, o status de ser um da das suas molas mestras, assim dá ao agente público a imutabilidade de sua situação funcional em virtude da inércia administrativa. Encontrando o Estado uma limitação temporal, para que possa exercer o seu poder de autotutela. Restrição esta, nos termos do § 1º, do art. 142 da Lei nº 8.112/90, se inicia no dia em que a conduta supostamente ilegal tornou-se conhecida pela autoridade competente para apuração da conduta tida como irregular.  Tal lacunosa redação nos levanta algumas dúvidas, como quem deve ter conhecimento do fato para que se inicie o prazo.

            Segundo o art. 143 da Lei nº 8.112/90, a autoridade administrativa, tão breve tome conhecimento de qualquer infração à legislação, deverá instaurar o procedimento disciplinar cabível para apuração da situação e aplicação do que for de direito. Entretanto, o princípio da segurança jurídica determina prazo para que o suposto infrator seja processado, julgado e punido, em vista de não ocorrer a prescrição. E a pessoa que deve ter o conhecimento dos fatos é aquela que possui atribuição para a tomada de medida para a apuração da falta (instauração de processo administrativo disciplinar). Isso se justifica por tal autoridade ter a obrigação de determinar a imediata apuração do ilícito administrativo (artigo 143 da Lei 8.112/90), sob pena de, não o fazendo, incorrer em improbidade administrativa (artigo, 11, II da Lei 8.429/92) e no crime de condescendência criminosa (artigo 320 do Código Penal). Na área da Administração Pública, a prescrição decorre do momento em que acaba o prazo legal com a inércia do titular do poder punitivo sem que este tome as devidas providências.

            Assim sendo, a legislação assegura prazos extintivos, que após extrapolados, retira da Pública Administração a possibilidade de punir os suspeitos. Não se pode admitir que em um Estado Democrático de Direito, os seus cidadãos passem por toda sua trajetória de vida, submetidos à dubiez em se cientificar se será processado, aguardando sem um prazo determinado apenas dependendo da vontade do Poder Público. Assinala-se, assim, a suma importância da segurança jurídica para impedir tamanha incerteza. Sobre o tema, Bacellar Filho[15] afirma que: “O instituto da prescrição está destinado a tutelar a segurança jurídica e, por essa razão, encontra-se intimamente ligado ao estado democrático de direito“.

            A perspectiva da legislação administrativa é outra “mola mestra” da segurança jurídica por permitir a apropriada aplicação das normais legais ao fato em concreto. E decifrar, diz Larenz[16]  é “a mediação pela qual o intérprete compreende o sentido de um texto, que se lhe tinha deparado como problemático [...] interroga o contexto textual e o seu próprio conhecimento do objeto de que no texto se trata”. O método utilizado nesse tipo de interpretação tem proporcionado parcialmente um acontecimento de constitucionalização do Direito, sobretudo na sua interpretação contextual e sistemática, exatamente a que o STF utiliza para fazer vigentes e eficazes os atos normativos criados pelo legislador. Como consequência desse fenômeno, obtemos o engajamento do ato normativo com a Constituição. Essa concepção norteia ainda mais a segurança jurídica, pois submete o intérprete a ponderar as extensões e limites impostos pela leitura da Constituição, que não ocorregia num raciocínio puramente abstrato e artificial.

            Também de suma importância lembrar que, durante a realização do controle judicial dos processos disciplinares, como nos demais processos, a nossa Carta Magna determina, para que não haja a ocorrência de nulidade, a motivação de todas as decisões do Poder Judiciário, conforme o texto do seu art. 93, inciso IX[17]:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

             Dessa forma, se faz necessária a motivação devidamente fundamentada de suas decisões para que o Poder Judiciário declarar a nulidade de processo judicial, não sendo autorizado fazer de outra maneira. Assim também deverá respaldar suas decisões quando julgar improcedente a pretensão do autor, cujo processo na seara administrativa foi invalidado por vício formal.

            Importante destacar que a aplicabilidade do inciso IX do art. 93, conjuntamente com o inciso X[18] esclarece que, além das decisões de primeira instância, todas as decisões administrativas dos Tribunais devem ser postas à disposição, para apreciação coletividade, ainda que seu cunho seja disciplinar, sem distinção qualquer, posto que a Emenda Constitucional n.º 45 não o fez, sendo, assim, impedido ao interprete fazê-lo. No que se refere à preservação do sigilo frente ao direito à intimidade, é necessário esclarecer que o princípio basilar do processo judicial é o mesmo do administrativo, apesar de esferas diferentes, de sorte que a finalidade normativa é evitar arbitrariedade, visto que tudo na administração pública é público, salvo quando há  interesse público o resguardo da informação.

            Mesmo que venha a ocorrer vício insanável, faz-se necessário observar se tal vício causou prejuízo efetivo ao servidor público, pois caso não haja lesão, não se deve anular o processo, violando assim, princípios como o da instrumentalidade das formas, da celeridade e da economia processual. Da mesma maneira, os atos válidos que tenham sido praticados antes da nulidade ou, mesmo que após a prática do ato, não mantenham com esta relação de causalidade, poderão ser aproveitados.

            Assim entende o Supremo Tribunal Federal – STF, MS 22755, da lavra do Min. Ilmar Galvão, 1998, não implica o processo o fato de nele existirem atos convalidados de importância secundária mesmo que praticados em processo anteriormente instaurado, desde quando sejam renovados procedimentos considerados como essenciais, a exemplo da citação, da inquirição das testemunhas, do indiciamento, do interrogatório, da defesa e do relatório. Soma-se que, para o Excelso Pretório, a posterior absolvição criminal do processado administrativamente é fato irrelevante para o prosseguimento do feito administrativo, eis que vigora o entendimento de que está estampado no princípio da independência das instâncias, cuja responsabilidade administrativa será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria, nos moldes do art. 126 da lei 8.112/90[19].

            Por fim, referente ao Processo Disciplinar Administrativo, bem como no tange ao controle judicial de todos os atos administrativos, o mérito administrativo não pode passar pela análise do Judiciário, por tratar-se do juízo de conveniência e oportunidade das decisões e por serem esferas autônomas, eis que a apreciação da conveniência e da oportunidade devem ser examinadas apenas pelo órgão responsável pelo ato, devido à discricionariedade que lhe é conferida pela própria lei. Por esse motivo, apenas a Administração Pública poderá revogar seus próprios atos com fundamento na conveniência e na oportunidade. Di Pietro[20] ressalta que o tema encontra desavenças na doutrina e acredita ser possível o controle judicial dos atos discricionários sendo respeitados os limites da discricionariedade. Ainda segundo a autora, a discricionariedade legitimada pelo legislador não pode ser objeto de apreciação do Poder Judiciário, posto ser um espaço reservado pela lei ao administrador, sob pena de substituí-lo no seu mister de escolher a legítima opção que a lei deixou para a autoridade competente, com base nas sua convicções de administrador, em relação ao que seja conveniente e oportuno, diante da situação fática que se propõe.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez demonstrado que o Processo Administrativo Disciplinar, bem como seus princípios é justo e seguro ele apresenta dentro do nosso ordenamento jurídico, em relação as suas consequências e efeitos aos servidores por ele tem suas condutas avaliadas, e por esses motivos, é valido e eficaz.

A legislação brasileira, como conjunto de normas recolhidas e escritas, baseada na experiências das relações entre os indivíduos, serve para ligar os fatos ou acontecimentos ao direito e isso não se dá de forma estanques, mas através da inter-relação, de forma harmônica. Por esse motivo, fez-se necessário esse estudo do instituto do processo administrativo, para analisarmos conceitos advindos de outros ramos, tais como o direito constitucional, e o direito processual civil.

No ordenamento jurídico brasileiro, o Processo Administrativo, e em especial o Disciplinar é uma equipagem essencial segurança entre a Administração, seus servidores e os Administrados. Sendo uma atitude que tem por objetivo apurar desvios de conduta por parte dos servidores da administração, e tendo em vista que, para que esses servidores passam por concurso público com diversas fases e, além disso, um tempo destinado ao estágio probatório para terem estabilidade em sua profissão, para que o servidor responda ao processo administrativo, deverá ser levado em conta o princípio da segurança jurídica, bem como o processo deve ser realizado com a máxima de cautela e respeito tanto aos direitos individuais do investigado, quanto aos princípios coletivos, e de supremacia do interesse público.

Por fim, é de se ressaltar que a tudo estará atento o Poder Judiciário, posto ser inafastável a jurisdição. Contudo, essa inafastabilidade encontra barreira no mérito do ato administrativo. Liame que não deve ser ultrapassado, eis que é o espaço reservado para a exclusiva apreciação da Administração Pública, que pode revogar seus próprios atos de acordo com juízo de conveniência e oportunidade, no exercício da autotutela. Não respeitar essa barreira, esse liame, é invadir a competência constitucionalmente destinada a cada um dos Poderes, o que não se afigura consentâneo com o Estado de Direito.

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[1] 

[2] COUTO E SILVA, ALMIRO DO, RDA 204/24.

[3] BARROSO, LUÍS ROBERTO , Temas de Direito Constitucional, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.49

[4] DI PRIETO, MARIA SYLVIA ZANELLA, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2001, p.85.

[5] COUTURE, EDUARDO, Fundamentos del Derecho Processal Civil, Buenos Aires: Depalma, 1974, nº 263, p.405, apud MAURO NICOLAU JUNIOR, op.cit., p.21.

[6] MAURO NICOLAU JUNIOR, op.cit., p.21.

[7] DI PRIETO, MARIA SYLVIA ZANELLA, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2001, p.85.

[8] MELLO, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE, Curso de Direito Administrativo, 18ª ed, São Paulo: Malheiros, 2005, p.427.

[9] MEDAUAR, ODETE, Direito Administrativo Moderno, 9ª ed., São Paulo: RT, 2005, p.190

[10] “Art. 5º - [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

[11] COUTO e SILVA, Almiro do. Princípio da segurança jurídica. Revista de Direito Público, 2009, pag. 07.

[12] Art. 64 - O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único - Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.

[13]Silveira (2005, p. 69) “especialmente o do devido processo legal, sem contar que a possibilidade de agravamento da sanção poderia impor dificuldade no manejo dos recursos administrativos, inviabilizando, destarte, a ampla defesa.”

[14] Art. 65 - Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.

Parágrafo único - Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.

[15] Op. Cit., p. 451.

[16] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência jurídica. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Caloustre Gulberkian, 1997. Pag 441.

[17] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

[18] X. as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

[19] Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

[20] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. Pag 217.

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Sobre a autora
Marizete Corteze Romio

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.

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