Capa da publicação A alteridade na mediação
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O eu que me vê ou o espelho de mim: um ensaio sobre a alteridade na mediação

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22/07/2020 às 17:55
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A falta de diálogo esclarecido transforma a coexistência pacífica em conflito. A técnica da mediação dessas disputas opera como técnica de engenharia social reversa e reanálise de convicções, pacificando e capacitando o cidadão à vida justa.

El ojo que ves no es ojo porque tú lo veas,

es ojo porque te ve.

(CLXI – Poemas y cantares – Antonio Machado)


Introdução

O relacionamento social exige uma técnica adequada de compreensão de discursos, fundamentada em certos filtros que evitam extrapolar o cerne das mensagens, de forma a evitar que estas possam ser desprezadas ou enaltecidas sem razões para tanto. É óbvio que as circunstâncias pessoais de vida que formam as visões de mundo de cada pessoa envolvida em um diálogo interferem no discurso tanto em sua emissão como recepção, de forma que usualmente “Narciso acha feio o que não é espelho”, ou seja, se não há identidade na consideração dos assuntos, a mensagem é desimportante ou infundada.

Tão necessárias ao longo da evolução humana, o companheirismo e a convivência amorosa mostraram-se como fontes de suporte material e psicológico em momentos em que as condições de sobrevivência eram inclementes. Em tempos pós-modernos, porém, plenos em volatilidade social e individualismo concreto, o diálogo esclarecido e o afeto convivencial cederam lugar a interferências interpessoais implausíveis, nos quais o gasto de tempo e energia para convencer e dominar são maiores do que as tentativas de estabelecer uma comunicação instruída e cordata. Nessa condição, a busca por decisões em conflitos de interesse foi levada ao estado que, sobrecarregado, terminou por indicar outras maneiras de acolher e solucionar pretensões resistidas de maneira mais rápida e economicamente acessível.

Entre outras, foi reconhecida a técnica de mediação de conflitos como modalidade que tenta ir mais além de uma dicção de direitos, fazendo com que os interessados possam compor seus interesses pela reconstrução da convivência perdida. Na celeridade e economicidade da atividade de mediação, os discursos costumam ser objetivos, importantes e fundados, visando não somente uma concordância de interesses, mas reconstruindo o relacionamento mediante respeito às diferenças. Tal modalidade de conduta é exercício de alteridade e, consequentemente, de direitos humanos quando capacita para o diálogo e evita a discriminação.

2. As relações e interferências humanas

Há grandes ilusões na formação social humana a começar pelas concepções de certeza, eternidade, fraternidade, felicidade e liberdade (Ferreira, 2004), fatos que ocorrem quando os laços sociais da amizade, das relações familiares, do amor e do trabalho são desfeitos pelas divergências de opinião, pela ditadura das regras sociais, pela transcendência intelectual, pelo envelhecimento e pela morte. Entre tantas possibilidades imprevistas, estão as interferências sociais que os seres, em seu quotidiano, provocam entre si. Essa concepção jurídico-filosófica dos conflitos humanos pode ser analisada segundo o estudo da fenomenologia jurídica de Carlos Cossio (1967), segundo a qual a conduta enquanto exercício de liberdade é disposta no centro da análise da norma jurídica, mas sem que haja sua desconsideração na regulação no universo jurídico.

A compreensão de Cossio dispõe que as normas devem existir em decorrência do agir do ser, conjugando-se na universalidade do comportamento que lhes é própria, para regular o atuar humano. Essa concepção contrapõe-se a Hans Kelsen que considera a norma como núcleo gestor da conduta, tal como um esquema de sua interpretação, fazendo que esta deva ser decidida pela norma, tal como um “dever-ser” (Smith, 1999). O jusfilósofo argentino preocupava-se com o “ser”, de maneira que não importaria a influência das normas sobre a conduta, mas o que elas hermeneuticamente informam da conduta em liberdade (Smith, 1999). Dessa maneira, na Teoria Egológica de Cossio, o Direito é conduta humana livre e em relações intersubjetivas, no qual a regulação normatizada é representação idealizada do agir humano.

Fixada a ideia de choques de conduta por diferentes interesses, não buscaremos o estudo da norma como transposição gráfica do agir do ser, mas a proposição de que os conflitos decorrem de interesses convergentes a um mesmo objeto, porém com possíveis posições contrapostas quanto à razão do conflito. Assim considerado, viver em constantes embates de interesses faz com que o ser humano coexista em um estado de angustiante autodefesa, muitas vezes resultado de premissas pessoais imaginárias e repetidas, por vezes construindo uma ilusão que pacifica intimamente, mas em desacordo com o mundo dos fatos. Então, a ilusão age como um amortecedor de emoções que, quando renitente, impede o desfazimento de conflitos de interesses e conduz ao acionamento da máquina jurisdicional estatal, sobrecarregando-a.

Muito distante das intensas relações sociais predominantes nos primórdios da convivência humana, a necessidade da sociabilidade na pós-modernidade diluiu-se em um individualismo (Bauman, 2001) que impede o convívio pessoal com “outros” seres, o que faz surgir um comportamento ensimesmado e circunscrito ao simples ciclo da vida. A necessidade de apoio para compreender e aceitar a natural finitude humana, das cavernas ao homem moderno, incentivou uma convivência saudável com seus pares, permitindo negociar composição de condutas mediante ganho e renúncia de interesses, mas que, ao termo, permitiam apoio psicológico, satisfação pessoal e pacificação do grupo social.

Sobre o tema, Aristóteles (2001a) orientava que a felicidade é um estado de bem-estar, é um bem supremo obtido pelo exercício de virtudes como a justiça e é formado no compartilhamento da vida pelas amizades e amor. As concepções filosóficas de Leibniz e Kierkegaard (Soares, 2018) corroboram, respectivamente, a convivência saudável como base de bem-estar posto que a própria felicidade é resultado da felicidade do outro, além do que a felicidade é uma porta que somente pode abrir em direção de outrem. Portanto, a justiça brilha quando os envolvidos em um conflito de interesses abrem seus anseios e angústias, um ao outro, quando em busca de acordo e de paz.

2.1. Convivência e finitude

A ideia paradisíaca da natureza é uma invenção cultural, criada e melhorada desde o período do Renascimento segundo necessidades e sonhos humanos. Até então sob o domínio de um pensamento religioso no qual o eterno e a perfeição eram características divinas transpostas ao mundo existente, aquele feito em seis dias, um imaginário social de uma natureza santa e imaculada foi idealizado em verdes, bucólicas e estéticas paisagens que ainda persiste. Dessa maneira, por detrás daquela poesia pastoral conviviam, e ainda convivem, forças contrapostas que criam e destroem sem nenhum sentimento de piedade. Vidas e formas geradas pela evolução alimentam-se de outras vidas para manterem-se vivas, ainda que momentaneamente. Nessa realidade de constante embate de vida e morte, Gaia, natureza mãe de todas as coisas, em verdade sempre agiu como Saturno, o pai que devorava os próprios filhos.

O ser humano é animal pertencente ao ambiente natural e que desenvolveu um pensamento analítico, comparativo e crítico que produziu tecnologia com base em princípios de utilidade dos recursos naturais para que fossem úteis à própria espécie, a serem explorados mesmo à base de tortura, pelo machado e pelo tição (Pádua, 2002). Sempre experimentando dúvidas e comparando situações, o jovem ser humano começou a povoar o planeta mediante uma existência brutal em um ambiente inóspito. Com isso, formou-se como o único ser vivo a considerar razões de sua existência mediante consciência de si, do mundo e das circunstâncias nas quais está imerso. Dessa maneira, matou para poder viver e integrou-se à teia da vida em clara produção e destino de finitude.

A morte é considerada o fim de todas as possibilidades e o tempo é o fundamento de sua ocorrência. Assim, a vida somente possui sentido durante o curto espaço de tempo no qual o ser possa existir, oscilando entre o seu nascimento e o seu fim como um desígnio imutável, sempre presente no quotidiano, em qualquer momento do dia. Identificou, portanto, o ser humano como um “ser para a morte”, um animal que perambula dentro de uma vida-jaula que não lhe permite transcender para um infinito imortal.

Consideram Heidegger (2005) e Fromm (2006) que o ser-para-a-morte porta uma angústia agravada de pânico, sentimentos tais que jamais lançariam o ser na fantástica evolução que tem percorrido há milhares de anos se não tivesse encontrado uma solução para a questão trágica. Tem-se que ao tomar a decisão de considerar que a finitude e suas consequências são ínsitas à existência humana, então devem ser administradas da forma mais prazerosa e com as melhores metas. Com essa visão, Dastur (2009) produz um giro hermenêutico na concepção da finitude humana para não mais considerar o ser como um ser-para-a-morte, mas um ser-para-a-vida mediante a prática do melhor em valor social, pleno em relações cordatas de amizade e de afeto.

Há termos difíceis de conceituar porque estes já foram impregnados de ideias específicas e uma delas, segundo Buela (1993), é a palavra "afeto" que acumula sentidos de paixão, emoção e sentimento. De maneira mais complexa, o termo ainda sofre a influencia de uma realidade circunstancial de impulsos, desejos, visões de mundo e estados subjetivos em decorrência da experiência humana de sobrevivência, de desespero, de solidão e de ansiedade. Nessa realidade, nada melhor que estimular a coexistência para viver o afeto na forma de amizade, de amor, de transcendência geracional e da alteridade para com o "outro", tudo em doação e liberdade (Buela, 1993).

2.2. O outro como o “eu que vê”

Pela importância em si mesmo e pelo valor da socialidade, o ser humano não deve ser percebido como objeto, em um processo de coisificação. Relacionar-se com outro ser, de maneira desejada ou não, também não pode ser considerado um problema apesar da dificuldade de nivelamento de discursos pela diversidade das visões de mundo e valores envolvidos na relação. A tensão do encontro de dois seres, com diferentes formações, pode iniciar-se como curioso mistério e finalizar-se como dúvida complexa, de forma que lidar com o desconhecido exige, no mínimo, o respeito que cada qual exigiria para si mesmo, tendo sempre em mente a ideia da própria dignidade transposta ao outro. No momento do encontro de desconhecidos deve haver uma considerável cautela psicológica e dialética, respeitosamente investigativa, para que ocorra um necessário nivelamento dialógico.

A identificação do “outro” é um processo que vem sendo construído há um longo tempo. Em Aristóteles (2001b), haveremos de perceber que o outro será um cidadão da polis, pois em um momento de plena importância cidadã, não há razão de ir além da cidadania para apenas exercer uma respeitosa convivência política entre cidadãos posto que, principalmente, o homem é ser político. Sob o método de Descartes (2002), percebe-se que há elementos cujo conhecimento não pode ser obtido pela convicção de um conhecimento prévio, devendo quem investiga agir mediante comparação entre aquilo que é conhecido, no caso o “eu”, e o que é buscado conhecer, ou seja, “o outro”. Aquela comparação é um caminho metódico e uma forma de confrontar, na qual o ser como objeto de análise é identificado conforme quem analisa, de maneira que o parâmetro-resultado de “verdade exata e adequada” é concluído segundo o cogito do “eu”, pois se o mundo do “eu” não for encontrado no “outros” e vice-versa, não haverá identidade positiva que possa ser revelada.

Dentro do mesmo corte histórico, Hobbes (1993) comparava como Descartes que o ser humano é um lobo para o outro homem quando, em busca de segurança, recorre às virtudes da guerra com violência e intrigas. Agregado a essa condição, ainda havia um estado de disputa entre cidadãos, pois o sentimento de inimizade na guerra perdura mesmo na paz quando os homens, por medo da morte, vivem apenas da segurança de seus próprios braços, em uma vida solitária, pobre, bruta e breve (Hobbes, 2012). Eis que aquelas características de angústia e pânico frente à finitude da vida, como em Heidegger e Fromm, reaparecem e justificam o controle estatal forte e impositivo para promoção de paz social.

Em Fichte (1994), a análise sobre a percepção do outro começa a experimentar uma nova consideração hermenêutica pela Tópica Jurídica, na qual o filósofo alemão registra no tópico 353.I que a exigência de ser reconhecido como animal racional somente será possível na medida em que, quem exige, também reconheça o outro como tal. É um comportamento de equiparação pela via da razão que, no mínimo, aplica uma relação igualitária entre partes, de forma que compreender e ser compreendido é condição recíproca. Então, as percepções de “meu e teu” e “eu e outro” devem ter compreensão unificada capaz de confirmar que são duas consciências unidas, de maneira que o ser só pode ser homem entre humanos reciprocamente considerados.

Com Bakhtin (1997), a percepção do outro avança para o convívio respeitoso como qualidade nas relações humanas quando este propõe uma “teoria do espelho”, ou seja, que os seres devam estabelecer um convívio sustentado numa autorrelação, algo como estivessem tratando consigo mesmos, merecendo dignidades recíprocas. Com essa índole, os valores e visões de mundo de cada interveniente no diálogo não serão comparadas e desvalorizadas tal como naquela confrontação descartiana, mas deverão ser fortalecidos como iguais mediante vontade afetuosa, impossível de ser vivida na individualidade egocêntrica.

Nessa relação respeitosa entre os seres, Bobbio (1998) refere-se sobre o ser diferente e atinge o conceito de tolerância não discriminativa para que esta não seja retórica e indiferente, mas sincera e proativa, tal qual um autêntico método universal equitativo de convivência civil. De maneira sintética, o norte da aceitação do outro abandona a coerção pessoal ou a vontade de poder da administração pública para praticar um método racional de identificação mútua e persuasiva.  Tem-se que o exercício de convivência respeitosa como administração articuladora de diferenças ou alteridade, que deve ser ação eficaz de confiança na razoabilidade e no esclarecimento do outro e que, quando aplicada em relações pacificadoras, equilibre os interesses para rechaçar a violência e o interesse de poder como meio de prevalência das ideias.

Pelo visto, há de compreender-se que alteridade é o reconhecimento do estado ou da qualidade do outro e que exprime comportamentos que, pelo Direito, podem estar vinculados pela polaridade das relações, porém mantendo suas especificidades (Diniz, 1998). Quando observada pelo aspecto do ser individual, essa qualidade está relacionada às imbricações dos comportamentos dos sujeitos, das quais poderão resultar conflitos ou cooperações segundo a manutenção de vontades de poder ou de verdade. A alteridade é diferente da empatia entre os seres porquanto esta reside em um processo de identificação psicológica para compreender o outro com base em suas próprias suposições ou impressões (Houaiss, 2009) e a alteridade não deixa envolver-se com as visões de mundo individuais ou suas comparações, atuando nos relacionamentos de maneira respeitosa e compreensiva como uma articulação neutra entre diferenças.

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Ao cabo, confirma-se que o “outro” é sempre visto e compreendido a partir do olhar do “eu” que, por sua vez, sofre influências das visões de mundo adquiridas pelo “outro”. Essa condição exige respeito aos valores diversos para evitar que haja sopesamento axiológico pelos intervenientes, para estabelecer uma relação de consideração que signifique que o outro indivíduo deva ser compreendido como um eu-que-me-vê e que também espera o melhor, em tudo reciprocamente. Ser parte em uma relação é promover o acolhimento o outro como espelho, mediante o interesse de conhecer e respeitar o que ali há. Finalmente ao analisar Buber (1995), havemos de concluir que a essência da existência do ser é o necessário entrosamento comum entre eles. É, portanto, a própria humanidade em sua identidade pessoal e social com respeito às suas visões de mundo, aos seus direitos e deveres, em tudo que lhe é próprio e lhe designa como elemento humano.

3. Os conflitos humanos como negação do justo

A promoção do justo no curso das relações sociais pode ser analisada inicialmente em Platão (2000) e Aristóteles (2001a). Platão concebia a justiça como uma virtude intrínseca do ser, fomentando sua excelência em uma concepção de completude e tornando suas relações sociais perfeitas e felizes. Aristóteles por sua vez, identificava a justiça como um sentimento positivo que envolvia terceiros mediante uma prática virtuosa que visava a dignidade do outro, ou seja, a justiça era concebida como um exercício de alteridade. Com isso, a concepção de justiça era deslocada sua condição platônica de virtude moral e passava à condição de importância específica de conduta social, ou seja, estabelecida entre todos e de maneira bilateral.

Ao agir dessa maneira coexistencial e que permitia alcançar aquela totalidade do ser idealizada por Platão, Aristóteles concebia que o ser, ao agir a favor do semelhante, materializava uma vida feliz, de bem estar. Nessa conjunção, a justiça passava à consideração de supremacia existencial quando envolvia relações sociais. Esse germe de exercício de outridade já incorporava noções justapostas de justiça, no qual Aristóteles acolhia a noção de Platão para formar um sistema jurídico no qual, o agir com alteridade, seria exercício virtuoso da justiça, realização de felicidade e formação equitativa de bilateralidade das relações jurídicas (Rúa, 1981).

Eis, então, que a ciência do Direito surge como regramento do convívio humano mediante a aplicação de normas específicas aos tipos de condutas e sendo criação humana, é criatura que deve obedecer ao seu criador. Então, tratando-se da questão da essência do ser em suas relações sociais, a Teoria Egológica de Carlos Cossio, entre tantas teorias do Direito, remete as questões do conflito e do sentimento do justo. Então, se a convivência é tão necessária à coexistência e a importância do outro formou-se e consolidou-se ao longo do tempo histórico, por quais razões os elementos componentes de grupos sociais haveriam de entrar em choque entre si? É notório que a vida comum estabelece vínculos e interesses compartilhados o que, pelos aspectos individuais de cada ser, podem terminar por produzir desentendimentos sobre objetos havidos em comuns como, no início, comentara Nadiá Ferreira. Em havendo divergência sobre interesses e objetivos relativos ao bem conjunto, ocorrerão interferências entre os sujeitos que desestabilizarão a vida dos envolvidos porquanto os atinjam as incertezas quanto ao resultado da disputa, o que confirma que tal estado rejeita a vida feliz preconizada por aqueles filósofos gregos.

Usualmente as disputas são demarcadas pela fala que é a emissão de fonemas organizados segundo um padrão vigente capaz de ser identificada como uma mensagem e destinada à comunicação entre seus emissores e receptores. A fala pode ser compreendida como um discurso quando expressa um conjunto de ideias organizadas que, pela emissão verbal, é levado ao conhecimento de pessoas ouvintes ou receptoras. Nos discursos há argumentos que operam como balizamentos lógicos interconectados e destinados a promover a convicção do receptor sobre as ideias expostas. Tais condutores do sentido geral do discurso são compreendidos como idéias-fundamento que agem como premissas de credibilidade, ou validade, para a totalidade do discurso, fazendo que este possa ser identificado como transmissão eficaz de verdade.

Com isso, discurso é fala organizada como conjunto lógico de ideias mediante argumentos capazes de produzir validade à conclusão e convencimento nos atores receptores, ou seja, o discurso de convencimento é razão da fala (Heidegger, 2005). Tem-se aí o exercício de uma dialética na qual o emissor produz um discurso que, apesar de não assumir identidade de certeza, o faz com aspectos de ser veraz mediante articulações de síntese mesmo quando utiliza ideias contrapostas, como tese e antítese. Dessa maneira, frente às interferências que ocorrem entre sujeitos sociais, quase sempre o debate entre eles ocorre como tentativa de convencimento para nivelamento de importâncias ou de balanceamento de versões. No choque de interesses, cada parte discorre sobre uma idealização própria incontestável, tal qual o ditado de um dogma destinado a ser aceito inconteste pela outra parte receptora que, como um pêndulo, voltará do receptor como emissão de outro discurso dogmático que, sem aceitação, podem ecoar como convicções personalíssimas sem limites e sem solução aos interesses das partes.

Foucault (1996) lembra que o diálogo é exercício de discursos que exigem emissão e recepção verbal alternadas e contínuas e que contém balizamentos de proibição, recusa e contraposição. Dessa maneira, ao longo da verbalização serão indicados temas que não serão aceitos pouco importando se por uma ou ambas as partes; outros assuntos poderão ser tocados por uma parte, mas poderá ser rechaçado pela outra e, também, deverá haver um equilíbrio entre discursos percebidos como verdade e falsidade. É importante lembrar que o discurso despido de interesses, assim como sem desejo de sobrepujar a parte contraposta, é tido como vontade de verdade (Foucault, 1996), mas que é quase inexistente no mundo das interferências humanas que são resultado da produção de vontades de poder.

Finalmente, na compreensão de Nietzsche (2006), a vontade de poder é uma forma originária de fascínio, de paixão, que inebria a conduta de tal forma que todos os outros apegos humanos são decorrentes daquele ânimo. Assim ocorre quando a felicidade individual é tradução daquela vontade de poder e que faz com que o ser o deseje sempre mais até que este seja destruído em sua vontade. O prazer gerado pela consecução do poder é o sintoma da dissimetria positiva entre o estado do desejo e o da realização fática gozosa. Com uma análise sistemática, compreende-se que disputa é vontade de poder e satisfação em vencer.

Com aquele tipo de comportamento, as partes envolvidas em disputas gastam mais energia e tempo para tentar fazer prevalecer suas próprias opiniões do que para encontrar uma solução conjunta aos próprios problemas. Esse aspecto foi identificado em uma pesquisa na qual os envolvidos demonstraram estar duas vezes mais propensos a confirmar suas crenças do que considerarem evidências que as desacreditariam (Hart, 2009). Dessa forma, compreende-se a dificuldade que pode existir para estabelecer um diálogo racional entre convicções diferentes, especialmente quando as partes não abdicam de suas crenças autoconstruídas para pelo menos ouvir um apelo diferente. Tem-se então, que é necessário haver um estímulo ao diálogo das partes em conflito para encontrar pontos comuns que ajam como diálogo precursor e que precisa agir como técnica específica.

Com essas compreensões, a vulnerabilidade de um diálogo, se para mero poder ou à verdade, estará nos núcleos de coerência dos discursos das partes, cujas premissas serão capazes de exprimir coesão ou dissociação das ideias trazidas ao debate. Centrar contraposições de discordância ou anuência sobre tais núcleos provocará a reafirmação ou a reconstrução dos discursos das partes opostas, de maneira a demonstrar se ali há vontade de verdade ou vontade de poder. Compreendido de outra forma, o método de análise do discurso não poderá estar focado em mera releitura das proposições individuais, mas no rompimento de possíveis propostas (Bastardi, 2018) dogmáticas capazes de provocar uma atualização das convicções intervenientes. Dessa maneira, quando não demonstrem vontade de poder, mas vontade de verdade, os discursos ao cruzarem-se poderão justapor-se.

Esperanças, medos, necessidades e/ou outros fatores motivacionais podem misturar-se com aspectos prioritários ao ajuste do conflito ou então, sobrepujar a estes. Quando o desejo de que uma convicção exclusivamente pessoal possa ser verdade e sobrepujar o que é factualmente verdadeiro, o conflito torna-se mais intenso. Nesse sentido, o conflito agrega o aspecto nocivo de uma convicção esperançosa ou mesmo obstinada, denominada confirmation bias ou wishful thinking (Bastardi; Uhlmann; Ross, 2018) ou viés de confirmação, o qual forma uma convicção segundo um pensamento útil, agradável à próprias crenças, porém em desacordo com fatos racionais ou a verdade factual. É, portanto, tentativa reiterada e pessoal de amortecer conflitos psicológicos internos, contrapondo uma crença satisfatória a uma realidade desagradável.

A palavra é uma das manifestações humanas que revela com mais clareza a estrutura interpessoal da existência (Buela, 1993). Essa capacidade vocal é menos ajustada do que a escrita (Bilac, 1998) e desvela ao mundo de maneira mais imediata, o arcabouço pessoal do ser em seus valores e suas circunstâncias. Como percebido anteriormente, nem sempre no diálogo ocorre em uma linearidade capaz de estabelecer uma comunicação clara, pacífica e esclarecida, especialmente naqueles onde posições contrapostas são aplicadas a um mesmo objeto. Em certos casos, a insistência em convicções pessoais tornam-se ideias fixas que travam o diálogo ou o tornam monólogos de exposição de vontades de poder. Nesse sentido, a completude do discurso entre emissor e receptor exige uma normalização identificadora reflexa, tal como Souza Santos (1997) expõe como uma “hermenêutica diatópica”, cuja prática reduziria a importância dos universos individuais dos envolvidos, posto que fixados exclusivamente em suas diferenças, para ampliar a percepção dos seus pontos comuns para passarem a considerar a realidade de cada qual.

É fato que o conflito advém de uma interferência entre vontades que, quando medidas em uma escala do justo, registra a dissimetria entre os interesses de partes. A identificação da diferença de intensidade entre interesses numa mediação faz caracterizar os pontos divergentes e comuns, de maneira que retira o véu dos discursos das partes, indo do fato explícito às circunstâncias íntimas, num sentido de imersão pessoal nas camadas de verdade ou de vontade do ser. Instada a se manifestar pela sequência e bilateralidade do diálogo, a parte volta, emerge de si, com convicções agora ajustadas na reciprocidade dos sentimentos ponderados para novas posições. Esse rearranjo de premissas decorrente da introspecção promovida pela mutualidade da conversação opera como uma espécie de reconstrução pessoal de convicções, capaz de esfacelar ideias fixas tornando-as autocompostas. É um processo de desvelamento ou unveiling que produz uma construção polimorfa idealizada com as premissas reavaliadas pelos intervenientes e que são constantemente reexaminadas como verdade.

O procedimento de retirar o véu que encobre o sentimento verdadeiro da parte é técnica que deve ser aplicada quando o interesse trava a posição e inviabiliza a autocomposição. A fixação insistente exige reconstruir o diálogo mediante reformulações do pensamento, da lógica e do objetivo do participante em um procedimento de desmistificação ou debunking (Cook; Lewandowsky, 2018) como ato de imersão esclarecedora, necessário para ultrapassar pontuações ilusórias, repetitivas ou impeditivas criadas pelos antagonistas como um amortecedor de frustrações quando tentam afastar responsabilidades pelos fatos havidos.

4. A mediação como técnica de engenharia reversa e reanálise de convicções

A técnica, ao longo das análises de sua identidade, foi compreendida como nova maneira de agir em procedimentos usuais da vida humana, de maneira a torná-la mais fácil. Investigando sua ontologia, Ortega y Gasset (1964) concluiu que esta deveria proporcionar a efetivação de necessidades imprescindíveis, na mesma intensidade que promoveria aspectos insuspeitos ao dia-a-dia humano. Agindo dessa maneira, a técnica não faria outra coisa que não fosse “re-velar”, expondo à luz novas maneiras de relação com o universo no qual o ser humano está inserto, de maneira que ela iluminasse um novo aspecto da evolução humana em seu eterno proceder. Dessa forma, além da ontologia do ser da técnica como promoção de esclarecimento e eliminação de autoconvencimento ilusório, Heidegger (2007) apresenta uma teleologia na qual o ato de desvelamento propiciaria a identificação da relação do indivíduo com seus ambientes naturais e sociais, de forma que ela, portanto, além de ser um ato revelador, seria instrumento-vetor para identificar as relações socioambientais em suas condições estáticas e dinâmicas.

Daquela maneira, a técnica é instrumento de expressão de ciência que envolve menor esforço e menor dispêndio econômico e maior possibilidade de habilitação pessoal. Com essas características, a técnica também pode ser traduzida como promoção de maior liberdade ao espírito humano, em seu afã de eterno vir-a-ser. A técnica permitindo um contínuo capacitar humano, evita demoras e dificuldades que mais desestimulam do que impelem, de maneira que atende a demandas sociais, usualmente reprimidas por maiores complicações. Então, posto que a técnica também esteja relacionada às demandas sociais, torna-se óbvio que esta deve ser observada como um viés social capaz de proporcionar liberdade, equilíbrio e justiça social, como o que corrobora Winner (2008) ao afirmar que a técnica incorpora além do aspecto material, o componente social relativo a políticas específicas à capacitação humana entre seus pares.

Eis, então, que analisar a técnica além de seu aspecto de praticidade e economicidade, exige agregar a socialidade, o instinto humano de convivência, capaz que trazer um aspecto libertário mediante a capacitação do indivíduo quando lida com procedimentos até então insuspeitos e capazes de habilitar o ser a novos e melhores progressos. Temos, portanto, que a compreensão da técnica, assim como o estímulo do seu uso agregado ao aspecto social, promove a capacidade intelectiva do indivíduo, anima seu agir, fortalece a sua autoestima, promove um sentimento crescente de igualdade entre seus próprios pares e consolida sua dignidade perante a vida coletiva não somente como ser-em-si, mas como ser-para-si.

Como apresentado, pode-se afirmar que a essência e a missão da técnica são compreendidas como meio de alcance a condições inovadoras ao ser humano para promover uma autoconsciência promotora de liberdade esclarecida e instigadora para obter seus próprios interesses de maneira justa e esclarecida. Ao aplicar simplicidade, economicidade, agilidade e capacitação, a técnica fortalece a ação do sujeito e habilita suas competências mediante o avanço do seu próprio conhecimento. Eis que a técnica torna-se o elo entre a ação mecânica – o agir – e a decorrência intelectiva – o livre arbítrio esclarecido – destinado a promover a igualdade social nas interferências intersubjetivas, sendo ainda capaz de impulsionar o ator social ao questionamento e ao exercício de seus direitos e deveres fundamentais.

Em Minnesota no ano de 1976, nos EUA, ocorreu uma conferência nacional denominada National Conference on the Causes of Popular Dissatisfaction que buscava analisar a efetividade das decisões judiciais quanto à pacificação social nos momentos pós-sentença judicial. Naquele evento, o professor Frank Sander sugeriu a criação de um sistema de solução de conflitos jurídicos mediante procedimentos informais dotados de maior efetividade e rapidez (Kruse, 2018), mediante a criação de uma corte específica que promoveria procedimentos ágeis para solução de conflitos e pacificação de ânimos. Com isso, produziria justiça, agilizaria procedimentos, descarregaria o fluxo de busca aos tribunais, reduziria custos e incentivaria o diálogo rompido a quando da demanda judicial. Haveria, portanto, um modo de solução para cada tipo de litígio, criando os chamados até então, meios alternativos à justiça tradicional.

Michael Moffit (2018) observou que a proposta de Sander sobre um sistema adequado de resolução de disputas era pura crítica às cortes norte-americanas e seu “sistema padronizado de fazer justiça” operava sem considerar o objeto tratado. Ficou exposto, então, que os tribunais norte-americanos eram exímios para solucionar disputas tributárias, mas falhavam em efetividade, pacificação e reintegração social quando necessitavam dar solução a conflitos de relações continuadas, ou seja, o sistema legal tradicional gerava efetividades diferentes sobre o que poderia ser compreendido como produção de justiça. Ao final, a proposta inovadora de criar “multiportas” de acesso ao judiciário demonstrou a necessidade de segmentar especificamente a atuação judicial para devolver à sociedade, em grande parte, a possibilidade de uma autogestão dos conflitos gerados por ela mesma, visando promover cidadania, capacitação social e incentivo ao reconhecimento de direitos humanos.

No Brasil, a Lei 13.140/15, em interpretação sistemática com a Resolução CNJ 125/10, regulou a atividade de mediação como modo autocompositivo de conflitos, visando não somente reduzir a carga de demandas judiciais, mas como possibilidade de capacitar o exercício cidadão da alteridade na solução de conflitos, inclusive promovendo a não discriminação no seio social. Com esse raciocínio, o procedimento da mediação no campo das Ciências Sociais e na atividade do Direito, é compreendido como técnica em toda sua essência e objetivos, destinada a capacitar e promover a igualdade e a dignidade humana. A técnica da mediação também deve ser percebida como técnica sócio-jurídica adequada à aceleração de processos judiciais, capaz de simplificar procedimentos e economizar recursos privados e públicos.

Compreende-se que a capacitação e a conduta respeitosa e não discriminadora são efeitos do exercício de alteridade no trato social, comportamentos que permitem, pelos discursos com vontade de verdade, retirar o véu das posições das partes, de forma a permitir transparecer os interesses em jogo. Mais do que simples diálogos, a reconsideração das próprias convicções mediante a recepção de premissas mútuas como procedimento de debunking, permite uma introspecção nas camadas mais íntimas do ser para reavaliar posições e, de lá, retornar reconstruído em considerações ajustadas. Como em um procedimento de engenharia reversa, trata-se de um momento de reconstrução (Briquet, 2016) e de liberdade para assumir novas condições de autoaprendizagem, de refazimento autonômico e de efetividade de relações jurídicas de expressão responsável.

O sentimento de liberdade como escolha e decorrente do autoajuste de interesses, assim como a angústia de decidir como alerta Kierkegaard (1984), são sensações que devem ser compreendidas como aceitação de deveres e assunção de responsabilidades. É preciso entender e aceitar que a tensão da angústia é a vertigem da liberdade obtida pela capacitação de negociar e decidir o próprio destino (Valdés, 2018), pois além da conduta de exigência de direitos, o cidadão deve reconhecer e aceitar o exercício de deveres (neves, 2002) como forma de reconhecer sua parcela de responsabilidade na formação de uma sociedade ativamente responsável e cidadã, descarregando o estado de um fardo de paternalismo limitador e controlador (Brasil – STF, 2018).

Kierkegaard (1984) afirma que “a inquietação é a seriedade por excelência”, ao mesmo tempo em que a responsabilidade incomoda e desassossega. Conjugando-se essas considerações ao Direito, tem-se que o acesso à justiça está aderido ao dever de assumir responsabilidades e consequências, as quais são sérias exigências do convívio social. É interessante observar essa questão da assunção de responsabilidade como resultado de uma fusão entre a realização de um direito e suas consequências, o que poderia ser expresso como a possibilidade de concretização de um direito – a aquisição de justiça pelo próprio sentimento do justo – contraposta à obrigação de suas decorrências no mundo social e legal. Eis que conquistar o justo não é somente comemoração, mas consciência responsável de seus resultados (Kierkegaard, 1984), os quais mais do que síntese, são decorrências naturais das interferências intersubjetivas no mundo social e que são provocadas por pessoas ansiosas de liberdade que, ao final será relativa, pois o ser social nunca será liberto de seus próprios anseios (Kierkegaard, 1984), a não ser na medida do respeito à liberdade relativa dos outros.

Considerações finais

As relações humanas estabeleceram-se em decorrência de necessidades de apoio psicológico e logístico frente às dificuldades de sobrevivência em um ambiente competitivo cujo preço, muitas vezes, pagava-se com a vida. Confrontado com sua finitude, o ente humano viu-se análogo a um ser-para-a-morte, exigindo-lhe rever seu sentimento perante a vida para fazê-la melhor com o auxílio da convivência social. Frente a isso, relações de amizade, de afeto ou apenas de interesse sobre objetos partilhados foram de suma importância na formação de sólidos grupos de convivência. Ocorre que a imposição de valores grupais e visões de mundo individuais durante interferências intersubjetivas exacerbaram conflitos, eliminaram convivências e dispuseram os seres a conflitos de interesses, fazendo surgir um ser estranho aos sentimentos dominantes, designado de “outro”.

Figura de um ser desconsiderado pelo padrão social, “o outro” atravessou séculos acumulando aspectos de estrangeiro, de diferente, de discordante, de ameaça, todos advindo de comparações com um paradigma ideal de ser, criado pelo grupo social ou pela imaginação individual. A aferição entre seres, portanto, tornou-se a régua social cuja medida determinava haver empatia ou não com o “outro”, tornando-o próximo ou distante. Essa base de relacionamento que ainda existe, promove uma comparação axiológica entre o “eu-sou” e o “outro-será?” e estabelece uma relação de acolhimento na qual o “eu” e o “outro” devam ser iguais em suas essências. Esse entendimento reforça a recusa de consideração porquanto nega o devido afeto em razão das naturais diferenças entre os seres.

São as características pessoais e grupais do indivíduo que formam sua essência e dignidade, de maneira que para conviver, as considerações necessitam ser reflexas, como num espelho. O “eu” e o “outro” sendo entes naturalmente diversos, exigem apenas a condição de humanos para serem acolhidos em coexistência, considerando e respeitando o outro ser, em uma atitude de interação e interdependência social como exercício de alteridade. Não há que aceitar alguém só porque há mesmas opiniões, assim como não é possível rejeitar outrem porque as opiniões são diferentes. Seres humanos hão de ser considerados pela essência do que são ao invés de serem interpretados como resultado de análise de uma métrica individual. Coexistência é exercício de alteridade por meio de um relacionamento respeitoso em igualdade e esclarecimento.

Para tanto e no curso de conflitos, a manifestação de posições deve ser materializada verbalmente, não apenas para um desvelamento imagético do outro, mas para tentar propor e obter a revelação dos interesses de cada postulante. A comunicação na técnica da mediação deve ser interpretada como um chamamento à instauração de um diálogo desejoso de respostas entre partes para que estas emerjam de seus escapismos. O contato verbal deve agir como uma indagação-convite à socialidade para a composição de interesses, de forma que com essas premissas, a técnica de mediação de conflitos possa restabelecer diálogo respeitoso e capacitação à coexistência.

Portanto, a alteridade, diferentemente da empatia, é elemento de eficácia no procedimento de mediação ao proporcionar um convívio identificador entre partes,  respeitando suas essências, sem que haja avaliação de visões de mundo, sem haver estabelecimento de preferências ou rejeições. Esse exercício de respeito à distinção alheia também é empoderamento social, tal como previsto no art. 1º e art 1º, VII, da Resolução 125/10 CNJ, a ser traduzido como capacitação pessoal e reengenharia social mútua, ambas operando como habilitação para a convivência pacífica. Tais condições conduzem à compreensão da técnica da mediação de conflitos como aplicação de engenharia social reversa, a qual abre espaço para a autorreconstrução dos seres, dispondo-os a uma convivência dialogada.

Finalmente, percebe-se que os juristas lidam com uma justiça ideal, densa e valorosa; os juízes operam a lei em sua hermenêutica sistemática e jurisprudencial e os seres humanos titulares de direitos resistidos clamam pela efetividade do justo a ser obtido da forma mais simples, de acordo com a lei e com seus próprios sentimentos. Será com essas diretrizes que os olhares dos intervenientes mediados, na condição de "eu" e "outro", deverão traduzir reciprocamente que "eu estou aqui e eu importo" como promoção de alteridade na busca de autocomposição de direitos e realização de direitos humanos como direitos emancipatórios, capazes de fortalecer a essência de humanidade que há em nós.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Eduardo Turiel. O eu que me vê ou o espelho de mim: um ensaio sobre a alteridade na mediação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6230, 22 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71363. Acesso em: 18 abr. 2024.

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