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A nomeação de candidato aprovado em concurso público à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição Federal

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24/01/2019 às 09:50
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3. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE DESPESA COM PESSOAL. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. VEDAÇÃO LEGAL DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAL.

Como cediço, o art. 169 da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que “a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar”.

Desse modo, a necessidade da Administração Pública quanto ao provimento de cargos efetivos para a consecução das atribuições legais e constitucionais do ente público não é suficiente, por si só, para que se deflagre um concurso público e, por consequência, sejam providos todos os cargos ofertados no edital do certame.

Antes disso, há que se atentar para o contexto econômico-financeiro do ente público e suas perspectivas para se enquadrar dentro do limite prudencial de gastos pelos próximos dois anos, no mínimo.

Ocorre que, mesmo diante do necessário planejamento administrativo inerente ao Gestor Público, para resguardar o equilíbrio das contas públicas e assegurar a saúde fiscal do ente público, ainda assim, diante de um cenário macroeconômico negativo, a Administração Pública está sujeita às intempéries de uma economia cada vez mais globalizada[3].

Nesse particular aspecto, imagine uma situação bastante corrente: uma Unidade Federativa deflagrou concurso público para o provimento de cargos efetivos no âmbito do Poder Executivo. No decorrer do prazo de validade do certame há recessão econômica e o Poder Público tem perdas crescentes na sua arrecadação fiscal. Some-se a isso uma redução drástica nos repasses relativos ao Fundo de Participação dos Estados – FPE por parte da União. O limite prudencial de gastos com pessoal é extrapolado num determinado quadrimestre e no subsequente o limite total de gastos é superado, vindo o concurso a expirar sem que a Administração Pública dê provimento aos cargos efetivos.

A situação hipotética acima descrita reflete exatamente a realidade enfrentada pela maioria dos Chefes do Poder Executivo dos Estados da Federação. Com efeito, em meados de 2018, a Imprensa Nacional[4] noticiava que mais da metade dos Estados Brasileiros havia ultrapassado o limite de gastos com pessoal.

Afinal, diante desse quadro fático, o direito subjetivo à nomeação e posse em cargo ou emprego público deve ser assegurado ao candidato aprovado dentro do número de vagas ofertado no edital do certame?

Diante das normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, pode ser que sim ou não.

Deveras, os artigos 22 e 23 da Lei Complementar Federal nº 101/2000, estabelecem uma série de vedações à Administração Pública visando a redução de gastos e, sobretudo, recondução das contas públicas ao patamar legal. Veja-se:

Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.

Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no art. 20 que houver incorrido no excesso:

I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;

II - criação de cargo, emprego ou função;

III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;

Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4o do art. 169 da Constituição.

§ 1º No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos. (Vide ADIN 2.238-5)

 § 2º É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.  (Vide ADIN 2.238-5)

 § 3º Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá:

I - receber transferências voluntárias;

II - obter garantia, direta ou indireta, de outro ente;

III - contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.

§ 4º As restrições do § 3º aplicam-se imediatamente se a despesa total com pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20.

Como visto, ao candidato aprovado dentro do número de vagas, o direito à nomeação e posse só poderá ser exigido se o provimento do cargo público for decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança.

Por outro lado, não se tratando de reposição de pessoal para as áreas susomencionadas, a Lei proíbe expressamente o provimento do cargo, inclusive a contratação de pessoal a qualquer título.

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De se registrar, por oportuno, que o resguardo das finanças públicas decorre da própria Constituição Federal de 1988. Assim, visando a responsabilidade na gestão fiscal dos entes públicos, o legislador constituinte proibiu expressamente tais entes de exceder[5] os limites de gastos com pessoal ativo e inativo impostos na Lei Complementar Federal e ainda impôs medidas de recondução ao equilíbrio das despesas com pessoal. Veja-se:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. (...)

§ 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:                                 

I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;                                

II - exoneração dos servidores não estáveis.                           

§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. (...)

Perfilhando o mesmo entendimento, no sentido da possibilidade de relativização do direito à nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas, diante da violação aos limites legais de despesa com pessoal, Rafael Carvalho Oliveira[6] leciona que:

Todavia, é preciso reconhecer que todos os direitos são relativos, o que sugere a possibilidade de ponderação em cada caso concreto quando a nomeação confrontar com normas constitucionais. Nesse sentido, por exemplo, após a ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto, é possível reconhecer a legitimidade da ausência de nomeação de candidatos aprovados dentro das vagas previstas no edital quando a Administração comprovar que a nomeação ensejará violação aos limites de despesa de pessoal (art.169 da CRFB c/c o art.19 da LC 101/2000).

Por fim, convém destacar ainda, de acordo com o novo paradigma[7] firmado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que restou consignado expressamente que situações excepcionais eximem o dever da Administração Pública de realizar a nomeação de candidato aprovado, mesmo que dentro do número de vagas oferecido no edital do concurso público.


4. CONCLUSÃO

Como visto, uma das medidas cabíveis para a recondução dos gastos com pessoal aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal é a própria exoneração de servidores não estáveis e, em ultima ratio, dos estáveis, consoante preconiza o artigo 169 da Constituição Federal.

Logo, não se afigura constitucionalmente exigível que num cenário de extrapolação dos limites legais, superveniente ao edital do certame e imprevisível, o gestor público promova a nomeação de novos servidores públicos, excetuada a reposição de vagas nas áreas de educação, saúde e segurança, conforme assentado na própria Lei de Responsabilidade Fiscal, a fim de assegurar direitos e princípios constitucionais, dentre eles o direito à vida.

Desse modo, a ausência de nomeação de novos servidores, na hipótese de extrapolamento das despesas com pessoal, coaduna-se com as normas com as disposições constitucionais e também com as regras de responsabilidade na gestão fiscal, constantes na Lei Complementar Federal nº 101/2000.

Outrossim, conforme pontuado pelo Supremo Tribunal Federal no Acórdão proferido no Recurso Extraordinário nº 598099/MS, situações excepcionais (supervenientes e imprevisíveis) podem justificar a não nomeação de candidatos aprovados dentro do número de vagas oferecido no edital do concurso público.

Por fim, há que se registrar que, não obstante as clarividentes disposições normativas e os precedentes do Pretório Excelso, multiplicam-se no Tribunal de Justiça do Estado do Acre [8] decisões judiciais que, mesmo diante da extrapolação do limite de gastos com pessoal (fato superveniente ao edital e imprevisível quando da deflagração do mesmo), impõem ao Administrador Público a obrigação de nomear candidatos aprovados dentro do número de vagas ofertado no edital do concurso público para provimento de cargos efetivos.

Tais decisões afrontam a Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal e se contrapõem às medidas preventivas ou repressivas da eventual exaustão orçamentária[9] do ente público, cuja perversidade dos efeitos à sociedade é notória (sobretudo aos cidadãos menos favorecidos financeiramente), dispensando, inclusive, maiores digressões.

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Sobre o autor
Mayko Figale Maia

Procurador do Estado do Acre. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre. Pós-Graduado em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Procurador-Chefe do Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado do Acre. Ex-Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Acre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Mayko Figale. A nomeação de candidato aprovado em concurso público à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5685, 24 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71609. Acesso em: 23 abr. 2024.

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