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As provas produzidas por meios ilícitos e sua admissibilidade no Processo Penal

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21/08/2005 às 00:00
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5 AS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO BRASILEIRO

            5.1 TEORIAS SOBRE AS PROVAS ILÍCITAS

            Para iniciar a análise da questão das provas ilícitas no sistema jurídico brasileiro, cabe expor, ainda que de maneira sintética, as teorias formuladas pela doutrina a respeito das provas ilicitamente obtidas. Nesse ponto, Camargo Aranha apresenta cinco teorias, uma favorável e quatro contrárias à admissibilidade da prova ilícita no processo [70].

            A primeira, que admite a prova ilícita, fundamenta-se no fato de que são inadmissíveis somente as provas ilegítimas, já que para elas existe uma sanção processual prevista na lei adjetiva. Para seus seguidores [71], dentre eles Franco Cordeiro, que criou a expressão "male captum, bene retentum", o direito material e o direito processual são autônomos, cada qual com sua sanção específica. Havendo violação ao direito material na obtenção da prova, esta deve ser admitida no processo, sem prejuízo da sanção penal pela infração [72], [73].

            Pela inadmissibilidade propugnam três correntes. A primeira representa uma verdadeira critica à anterior, afirmando que o direito é um todo unitário e não dividido em ramos estanques. Portanto, a violação ao direito material na obtenção da prova afronta ao direito em seu universo, não devendo ser admitida no processo. Não se pode admitir que um fato seja, ao mesmo tempo, condenado em um momento e prestigiado em outro, só porque o direito é dividido em ramos autônomos [74].

            A segunda teoria, também contrária à prova ilícita, fundamenta-se no princípio da moralidade dos atos praticados pelo Estado [75]. Este, em função da presunção de legalidade e moralidade dos seus atos, reconhecida pelo mundo jurídico, não pode admitir que seus agentes utilizem meios ilegais, ainda que seja para combater a criminalidade [76].

            A terceira parte do princípio de que a prova ilícita lesa dispositivo constitucional, ao desrespeitar direito fundamental do cidadão, sendo, portanto, fulminada pela inconstitucionalidade [77], não podendo ser utilizada no processo [78].

            Como ponto de equilíbrio entre a admissibilidade ou não da prova ilícita no processo aparece a chamada teoria da proporcionalidade, que busca equilibrar o interesse da sociedade em descobrir a verdade e a necessidade de se defender os direitos fundamentais do cidadão. Embora reconheça a inconstitucionalidade da prova ilícita, busca sopesar os bens jurídicos envolvidos, determinando uma proporção entre a infringência da norma na coleta da prova e os valores que a sociedade busca preservar através dessa prova [79].

            A teoria da proporcionalidade será analisada com profundidade em tópico específico, por entendermos que é vital para a perfeita realização do princípio constitucional da vedação da prova ilícita.

            5.2 A QUESTÃO DAS PROVAS ILÍCITAS ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

            Antes de a Constituição de 1988 tratar expressamente da matéria no art. 5º, LVI, a doutrina dividia-se entre a admissibilidade e a inadmissibilidade da prova ilícita no processo, fundamentada nas teorias supracitadas, podendo-se afirmar que no tocante à prova cível aplicável ao direito de família predominava a tese da admissibilidade [80]. Entretanto, em outros ramos do direito já predominava a tese da inadmissibilidade, temperada pelo princípio da proporcionalidade [81].

            Como ensina Grinover [82] passava-se de uma concepção em que se admitia a prova colhida ilicitamente [83] para uma nova concepção de processo, voltado para as garantias individuais do cidadão, e não exclusivamente como instrumento de busca da verdade real e de punição do infrator [84], a qualquer custo.

            Antes da vedação constitucional, buscava-se fundamentar a inadmissibilidade das provas ilícitas no art. 332 do CPC, excluindo do processo as provas obtidas por meios ilegais ou moralmente ilegítimos, e no art. 295 do CPPM, que afastava as provas que atentassem contra a moral, a saúde e a segurança individual ou coletiva [85], aplicando-os por analogia a todos os tipos de processo.

            A Lei processual penal referia-se ao tema apenas no art. 233, o qual determina que "as cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo", configurando-se em uma vedação a esse tipo de prova ilícita. Quanto às demais formas de prova, a lei silenciava [86].

            No que concerne a interceptação telefônica, não obstante o art. 57, II, "e", da Lei 4.117, de 27/08/62 (Código de Telecomunicações) permitir que seja dado conhecimento ao juiz do conteúdo de uma conversa telefônica, esse dispositivo foi revogado tacitamente pelo § 9º do art. 153 da CF/67, com a redação dada pelo EC 01/69, que proibia, sem ressalva, tais interceptações [87].

            Na lição de Grinover [88], em matéria de prova ilícita, deve ser lembrado que a Convenção Americana de Direitos humanos, que integra o nosso ordenamento, jurídico prevê, em seu art. 11, a proteção da honra e da dignidade, determinando que:

            1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

            2. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

            3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

            ilegais ou moralmente ilegítimas ou, ainda, que atentassem contra a saúde e a segurança individual ou coletiva. Era considerada ilícita, portanto, a prova produzida através da subtração de um documento que se encontrava em poder do réu ou, como ensina Tourinho Filho, a prova obtida através do lie-detector, porque conseguida ilicitamente, infringindo-se [89] a regra do art. 146 [90] do CP.

            Também não eram admitidas as provas que atentassem contra direitos fundamentais do cidadão, como a intimidade, o sigilo das comunicações e a dignidade da pessoa humana.

            Os defensores da tese da inadmissibilidade das provas ilícitas justificavam essa vedação afirmando que o direito a prova, conquanto constitucionalmente assegurado, não pode ser exercido de maneira absoluta, comportando uma série de limitações, dentre elas a restrição a admissibilidade das provas ilícitas, conforme já demonstrado. Nesse sentido, imprescindível colher as lições de Grinover [91]:

            É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e as liberdades alheias. As grandes linhas evolutivas dos direitos fundamentais, após o liberalismo, acentuaram a transformação dos direitos individuais em direitos do homem inserido na sociedade. De tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os direitos como suas limitações.

            Não se justifica, portanto, ignorar direitos fundamentais do cidadão em favor do direito a produção de provas e da busca da verdade real, já que a atuação do Estado e a própria busca da verdade real encontram limites nos direitos e garantias do indivíduo [92]. É que, como ensina Ada Pelegrini Grinover [93] "se a finalidade do processo não é aplicar a pena ao réu de qualquer modo, a verdade deve ser obtida de acordo com uma forma moral inatacável. O método através do qual se indaga deve constituir, por si só, um valor, restringindo o campo em que se exerce a atuação do juiz e das partes" [94].

            Luis Alberto Thompson Flores Lens [95], ao tratar do tema, sintetiza muito bem o dilema que vive o julgador ao decidir se admite ou não uma prova obtida por meios ilícitos no processo, afirmando que:

            Neste momento surge um dilema muito grande para o magistrado: ou valorizar a verdade, que foi demonstrada de forma inidônea – e, assim procedendo, negar o Direito, pois fundamentar uma decisão que, a priori, deveria ser sempre justa com argumentos ou provas ilegítimas é, no mínimo, uma contradição, a qual cerceia a liberdade de defesa garantida pela Constituição Federal – ou, num segundo momento, não admitir uma prova, por ser ilegítima – e, assim procedendo, negar a verdade, pela presunção de que o que não está no processo não está no mundo jurídico, nem poderá ser apreciado. Nesse caso, negando-se a verdade, também se estaria negando o Direito, o qual, fundamentalmente, procura defender a verdade e a justiça.

            Acontece que, ao impor a pena, o Estado busca recompor a ordem violada, não podendo se valer de meios que venham a infringir a mesma ordem legal que busca restaurar, sob pena de colocar em risco a legitimação do próprio processo e da pena imposta ao infrator. É com esse objetivo que diversos ordenamentos jurídicos prevêem a exclusão do processo de provas cuja coleta tenham atentado contra a integridade física ou psíquica, a dignidade, a liberdade ou a privacidade das pessoas, a estabilidade das relações sociais e a segurança do próprio Estado, justificando o sacrifício do ideal de busca da verdade mais próxima possível da realidade [96].

            As Mesas de Processo Penal, ligadas ao Departamento de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, atuando sob a coordenação de Ada Pellegrini Grinover [97], tomaram posição sobre a matéria nas súmulas:

            nº 48 "Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material";

            nº 49 "São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda que forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa"; e

            nº 50 "Podem ser utilizadas no processo as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa".

            E a jurisprudência passou a adotar essa tendência evolutiva, passando da admissibilidade para a inadmissibilidade das provas ilícitas [98]. Abandonou-se, gradativamente, a orientação fundamentada na tese de que o ilícito ocorrido na esfera material não pode trazer conseqüências não previstas na esfera processual, levando, por conseqüência, à inadmissibilidade das provas ilícitas.

            Afora inúmeras decisões dos tribunais pátrios, três decisões do Supremo Tribunal Federal, anteriores a Constituição de 1988, apontavam para a consolidação da tese da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, tanto civil quanto penal. Essas decisões encontram-se assim ementadas:

            "EMENTA: Prova civil. Gravação magnética, feita clandestinamente pelo marido, de ligação telefônica da mulher. Inadmissibilidade de sua utilização no processo judicial, por não ser meio legal nem moralmente legítimo (art. 332 do CPC)".

            "Recurso extraordinário conhecido e provido".

            (RE 85.439-RJ, 2ª. Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque. J. 30/02/77. DJ. 02/02/77).

            "EMENTA: Direito ao recato ou à intimidade. Garantia constitucional. Interceptação de comunicação telefônica. Captação ilegítima de meio de prova. Art. 153, § 9º da Constituição. Art. 332 do Código de Processo Civil.

            Infringente da garantia constitucional do direito da personalidade e moralmente ilegítimo é o processo de captação de prova, mediante a interceptação de telefonema, à revelia do comunicante, sendo, portanto, inadmissível venha a ser divulgada em audiência de processo judicial, de que sequer é parte. Lesivo a direito individual, cabe mandado de segurança para determinar o trancamento da prova e o desentranhamento, dos autos, da gravação respectiva. Recurso extraordinário conhecido e provido". (RE 100-094-Pr, 1ª. Turma, Rel. Min. Rafael Mayer. J. 28/06/84. DJ. 24/08/04.).

            EMENTA: "HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PROVA ILÍCITA. CONSTITUCIONAL. GARANTIAS DO §§ 9º E 15 DO ART. 153 DA LEI MAIOR. (INOBSERVÂNCIA). TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL".

            "1 – Os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou à ação penal.

            2 - As provas produzidas no inquérito ora em exame – gravações clandestinas – além de afrontarem o princípio da inviolabilidade do sigilo de comunicações (§ 9º, art. 153, CF), cerceiam a defesa e inibem o contraditório, em ofensa, igualmente, à garantia do § 15, art. 153, da Lei Magna.

            3 – Inexistência, nos autos, de outros elementos, que, por si, justifiquem a continuidade da investigação criminal.

            4 – Trancamento do inquérito, o qual poderá ser renovado, fundando-se em novos indícios, na linha de previsão do estatuto processual penal.

            5 – Voto vencido que concedia a ordem em menor extensão.

            RHC provido para determinar o trancamento do inquérito policial".

            (RHC 63.834-1-SP, 2ª. Turma. Rel. Min. Celio Borja. J. 18/12/86. DJ. 05/06/87.).

            Desta forma, a tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos foi sendo solidificada, mesmo antes da vedação expressa na Constituição de 1988 que, conquanto tenha tratado da matéria de forma aparentemente taxativa no art. 5º, LVI, vedando a admissão no processo de provas obtidas por meios ilícitos, deixou ao encargo da doutrina e da jurisprudência a resolução de certos pontos controvertidos que subsistem até os dias atuais.

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            Embora doutrina e jurisprudência orientem-se no sentido de não admitir no processo as provas produzidas por meios ilícitos, outras questões ainda reclamam um exame mais aprofundado, como a flexibilização da vedação constitucional, sob o enfoque do princípio da proporcionalidade e da concordância prática na convivência dos direitos fundamentais, bem como a questão das provas ilícitas por derivação.

            5.3 VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PROVAS ILÍCITAS – ART 5º, LVI

            Conforme já demonstrado, a Constituição de 1988 foi taxativa ao dispor em seu art. 5º, LVI, que "são inadmissíveis, em processo judicial ou administrativo, as provas produzidas por meios ilícitos".

            Na atual ordem jurídica, não obstante discordar-se quanto a forma peremptória com que a Carta Magna vedou as provas ilícitas no processo, predomina o entendimento que, conquanto seja necessário algum grau de flexibilização da vedação constitucional, não se admite, no direito brasileiro, a utilização, em qualquer tipo processo, de provas obtidas ilicitamente, por mais verdadeiro e relevante que seja seu conteúdo [99].

            Inscrita no título da Constituição que trata sobre os direitos e garantias fundamentais, a vedação a prova ilícita constitui um dos pilares da proteção constitucional à honra, à intimidade e à integridade física do cidadão, impondo a total observância dos seus preceitos. O que se discute, na atualidade, é se essa vedação deve ser interpretada de forma taxativa ou se comporta alguma sorte de flexibilização, a fim de evitar injustiças.

            5.3.1 Princípio da proporcionalidade

            Como nenhum direito fundamental tem caráter absoluto, em decorrência da necessidade de conviverem no mesmo sistema jurídico, torna-se necessário, portanto, no atual contexto, extrair o real significado do dispositivo constitucional,

            já que, em determinadas hipóteses, deve haver algum grau de abrandamento da vedação constitucional. Imagine-se a hipótese em que uma correspondência furtada pelo réu é a única prova que pode evitar que ele seja condenado a anos de prisão. Neste caso, também há um direito constitucionalmente protegido [100].

            Dar ao juiz a possibilidade de, analisando o caso concreto, admitir a prova, ainda que produzida por meio ilícito, seria a melhor saída. Analisando a gravidade do caso, a índole da relação jurídica controvertida, a dificuldade para o envolvido de demonstrar a veracidade de suas alegações mediante procedimentos perfeitamente ortodoxos, o vulto do dano causado e demais circunstâncias relevantes, o julgador, sopesando os bens jurídicos envolvidos, determinaria qual deveria ser sacrificado e em que medida [101].

            Esse abrandamento da vedação constitucional às provas ilícitas encontra suas raízes na chamada teoria da proporcionalidade, desenvolvida pelo direito alemão e que permeia diversos dispositivos constitucionais.

            Na lição de Hely Lopes Meirelles [102], o princípio da proporcionalidade "...pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da administração pública, com lesão aos direitos fundamentais".

            Maria Sylvia Zanella Di Pietro [103] aduz que, embora muitas vezes fale-se separadamente de razoabilidade e proporcionalidade, este está contido naquele "isto porque o princípio da razoabilidade exige, entre outras coisas, proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a administração e os fins que ela tem que alcançar".

            Nascendo no âmbito do direito administrativo como forma de prevenir arbitrariedades do Estado no uso de seu poder de polícia, a idéia de proporcionalidade foi, gradativamente, sendo incorporada pelos demais ramos da atividade estatal, inclusive no órgão judicial, proibindo excessos que comprometessem direitos fundamentais do cidadão.

            A idéia de proporcionalidade confunde-se com o próprio ideário de Estado democrático de direito, nascido sob a égide de uma lei fundamental, que busca manter um equilíbrio entre a atividade dos diversos poderes que formam o Estado e os cidadãos que o compõem [104].

            Transportado para o processo, mas especificamente para a questão das provas ilícitas, o princípio da proporcionalidade impõe que o julgador, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, ao apreciar a admissibilidade de uma prova ilícita no processo, o faça sopesando os bens jurídicos envolvidos no caso em análise, de forma a corrigir as possíveis injustiças que possam advir da observância pura da vedação constitucional.

            Celso Ribeiro Bastos, numa clara aceitação do princípio da proporcionalidade, traz algumas regras de imposição obrigatória ao julgador a serem observadas no momento da avaliação da admissibilidade das provas ilícitas.

            A primeira, é que a prova seja indispensável para proteger um direito mais encarecido e valorizado pela Lei Maior do que aquele afetado pela sua produção. A segunda regra é que a prova seja produzida em favor do réu e não do Estado como titular da ação penal. Finalmente, não deve ter havido participação direta ou indireta do réu no evento inconstitucional que resultou na coleta da prova [105].

            José Carlos Barbosa Moreira afirma que "...é irrealístico pensar que se logre evitar totalmente a convivência (ou melhor, a necessidade) de temperar a aparente rigidez da norma". Expõe que deve ser verificado se a ilicitude cometida na coleta da prova se afigurava como necessária, a ponto de tornar escusável a transgressão cometida, ou se havia possibilidade de se obter a prova por meios regulares e a infração gerou dano superior àquele trazido para a instrução processual [106].

            Camargo Aranha, propondo renomear a teoria da proporcionalidade para teoria do interesse preponderante, afirma que:

            Em determinadas situações, a sociedade, representada pelo Estado, é posta diante de dois interesses relevantes, antagônicos e que a ela cabe tutelar: a defesa de um princípio constitucional e a necessidade de perseguir e punir o criminoso. A solução deve consultar o interesse que preponderar e que, como tal, deve ser preservado".

            Mas adverte, dentre outros [107] que o emprego do princípio da proporcionalidade, com o objetivo de atenuar a vedação constitucional às provas ilícitas, tem como ponto negativo a possibilidade de gerar abusos e insegurança, face à subjetividade na avaliação da admissibilidade da prova [108].

            Barbosa Moreira rebate a crítica formulada ao princípio da proporcionalidade, argumentando que "...freqüentes são as situações em que a lei confia na valoração (inclusive ética) do juiz para possibilitar a aplicação das normas redigidas com conceitos jurídicos indeterminados, como o de "bons costumes", o de "mulher honesta" [109] ou o de "interesse público"..." e adverte que a estrita e inflexível observância da vedação constitucional poderia levar a aberrações muito maiores do que aquelas que possam advir do subjetivismo do juiz no momento da valoração da admissibilidade da prova ilícita [110].

            Em posição diametralmente oposta e criticando especialmente a flexibilização proposta por Celso Ribeiro Bastos, inclusive as regras de imposição obrigatória ao juiz por ele apresentadas, Rogério Lauria Tucci argumenta que as exceções à inadmissibilidade das provas ilícitas devem estar contidas no próprio texto constitucional e são, necessariamente, taxativas, como é o caso dos incisos XI e XII do art. 5º, não comportando qualquer espécie de alargamento de seu conteúdo pela doutrina [111].

            E conclui o [112] afirmando que:

            Assim sendo – deve ser aduzido, - não coonestando, a Carta Magna da República, qualquer temperamento à preceituação determinante da inadmissibilidade de "provas obtidas por meios ilícitos", uma vez conseguidas ou produzidas por outros meios que não os estabelecidos em lei, e, ainda, moralmente legítimos, por maior que seja a importância do direito individual a ser preservado, não têm elas como ser levadas em conta pelo órgão jurisdicional incumbido de definir a relação jurídica penal submetida à sua apreciação.

            Entretanto, a tese da flexibilização da vedação constitucioonal às provas ilícitas tem recebido a adesão de parte considerável da doutrinam, conforme já demonstrado, bem como dos tribunais pátrios, sobretudo nos casos de provas ilícitas que venham a beneficiar a defesa e, em casos mais raros, em benefício da acusação, conforme será demosntrado a seguir.

            5.3.1.1 Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro reo

            Em que pesem todas as discussões doutrinárias a respeito da flexibilização da vedação constitucional às provas ilícitas, uma coisa já parece estar consolidada: a aplicação do princípio da proporcionalidade no exercício do direito de defesa abre a possibilidade de se admitir a prova ilícita em favor do réu, sobretudo no processo penal e quando for a única forma de prova da inocência [113].

            É que os direitos fundamentais, como ensina Grinover [114], "...não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio de sua convivência, que exige a interpretação harmônica e global das liberdades constitucionais".

            No confronto entre a vedação constitucional às provas ilícitas, que representa uma proteção a direitos fundamentais do cidadão, e o direito de provar a própria inocência [115], é claro que este deve prevalecer, porque a liberdade e a dignidade da pessoa humana são valores insuperáveis na sociedade moderna, bem como pelo fato de que não interessa ao Estado punir um inocente e, como conseqüência, deixar impune o verdadeiro culpado [116].

            Avólio [117] argumenta que "até mesmo quando se trata de prova ilícita colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas de justificação legais da anti-juridicidade, como a legítima defesa".

            A jurisprudência do Pretório Excelso tem seguido nesse sentido, como pode ser verificado no seguinte julgado [118]:

            "EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido" (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.). ( (sem grifo no original).

            Barbosa Moreira concorda que a defesa fique isenta do veto à utilização de provas ilícitas, mas argumentando que, em situações normais, esse benefício é uma forma de equilibrar a relação processual, favorecendo a igualdade substancial, já que a acusação, na maioria das vezes, dispõe de melhores recursos que o réu, mas adverte que "pode suceder, no entanto, que ela deixe de refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada, como tantas que enfrentam a sociedade contemporânea". Segundo o autor, esse é mais um dos motivos para não se adotar uma solução apriorística e radical a respeito da vedação constitucional [119].

            5.3.1.2 Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro societate

            A possibilidade de flexibilizar a vedação constitucional às provas obtidas por meios ilícitos quando forem em benefício da sociedade e, como conseqüência, em desfavor do réu, é questão que ainda merece tratamento mais aprofundado, face à necessidade de se proteger a sociedade contra a ameaça gerada pela expansão da criminalidade organizada [120], que se infiltra cada vez mais em todas as esferas do poder, criando uma verdadeira "sociedade do crime", organizada e aparelhada para desenvolver a atividade criminosa, além de outras formas de criminalidade violenta e habitual, como o terrorismo, e a delinqüência sexual violenta.

            Predomina na doutrina a posição de que a prova ilícita somente poderia ser admitida em favor do réu, conforme demonstrado no item anterior, e nunca como instrumento de acusação, vez que a vedação às provas ilícitas, por tratar-se de uma garantia constitucional que visa proteger direitos fundamentais do cidadão contra arbítrios do Estado, somente poderia ceder naqueles casos em que estivesse em confronto com outro direito fundamental do acusado.

            Na lição de Barbosa Moreira, é extremamente difícil, talvez impossível achar o verdadeiro ponto de equilíbrio entre a necessidade de se coibir o uso de expediente antijurídico na instrução probatória e a necessidade imposta pelo interesse público de assegurar ao processo um resultado justo, sem desprezar qualquer elemento que contribua para o descobrimento da verdade [121].

            E argumenta o doutrinador, explicando que o rigor adotado pela Constituição, no tocante a vedação às provas ilícitas, deveu-se, em grande parte, à recente extinção de um regime autoritário, no qual era freqüente o desrespeito a direitos fundamentais. Lembrando os exemplos da Itália e da Espanha que, conquanto tenham saído de regimes autoritários, adotaram posição mais flexível, aduz que "não escandaliza o mundo jurídico espanhol ouvir dizer ao Tribunal Constitucional que os próprios direitos fundamentais não devem erguer obstáculo instransponível à busca da verdade material que não se pode obter de outro modo. Nem por isso alguém se animará a afirmar que a sociedade espanhola não seja democrática. E conclui afirmando que "a melhor forma de coibir um excesso e de impedir que se repita não consiste em santificar o excesso oposto" [122].

            No mesmo sentido é a posição de Camargo Aranha [123], pontuando que:

            Em nome de um exagerado dogmatismo, grandes crimes e poderosos e perigosos criminosos podem ficar impunes. Não devemos esquecer que o crime organizado é, quanto à sua execução, quase perfeito, porque planejado cientificamente, o que exige investigações mais apuradas.

            Paulo Lúcio Nogueira [124], posicionando-se sobre o assunto, e delimitando o alcance da teoria da proporcionalidade, afirma que:

            A teoria da proporcionalidade é perfeitamente defensável, pois tendo em vista o interesse social ou público, deve este prevalecer sobre o particular ou privado, que de modo algum merece ser resguardado pela tutela legal, quando o particular faz mau uso do seu direito.

            A regra é que todo cidadão merece o amparo ou proteção constitucional dos seus direitos fundamentais, mas, desde que faça mau uso desses direitos, deixa também de continuar merecendo proteção, principalmente quando se contrapõe ao interesse público.

            No entanto, é de se salientar que há necessidade de autorização judicial por escrito para a realização ou obtenção da prova ilícita, pois não pode a autoridade policial, por simples suspeita, fazer diligências que atentem contra os direitos fundamentais individuais (...).

            Mas esclarece o doutrinador que essa posição não implica em admitir a tortura como meio de prova, porque "uma coisa é torturar alguém para obter a confissão, o que atenta contra todos os princípios, e outra é grampear um telefone, fotografar alguém, violando sua intimidade, ou usar um gravador disfarçadamente para obter declarações" [125].

            Gomes Filho, firmando posição contrária a admissibilidade da prova ilícita pro societate, salienta que não há qualquer incongruência na rejeição do critério da proporcionalidade para admitir-se a prova ilícita pro societate e a utilização desse mesmo princípio para justificar a admissibilidade da prova ilícita pro reo, vez que a estatura dos valores confrontados em cada caso, quais sejam: o interesse na punição dos delitos, de um lado, e, de outro, a tutela da inocência, com o direito a produção de provas é diversa [126].

            Por esse entendimento, no confronto entre o direito a provar a própria inocência e a vedação constitucional às provas ilícitas, aquele deve prevalecer, o que não ocorre no confronto entre a dita vedação e o interesse da sociedade em punir um criminoso.

            O Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Ministro Celso de Mello, já se manifestou em decisão que, sopesando os bens jurídicos em conflito, adotou a orientação de que é possível restringir um direito fundamental em benefício da sociedade. A decisão encontra-se assim ementada:

            "E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO - OBSERVANCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE COPIAS XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA ANALISE DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. – (...) - A administração penitenciaria, com fundamento em razoes de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de praticas ilícitas. - O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de hábeas corpus". (HC 70.814-SP. 1ª Turma. Rel Min. Celso de Mello. J. 01/03/94. DJ. 24/06/94.). (sem grifo no original)

            E o Superior Tribunal de Justiça também se manifestou no mesmo sentido, em decisão cuja ementa se transcreve:

            "CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". ESCUTA TELEFÔNICA COM ORDEM JUDICIAL. RÉU CONDENADO POR FORMAÇÃO DE QUADRILHA ARMADA, QUE SE ACHA CUMPRINDO PENA EM PENITENCIÁRIA, NÃO TEM COMO INVOCAR DIREITOS FUNDAMENTAIS PRÓPRIOS DO HOMEM LIVRE PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL (CORRUPÇÃO ATIVA) OU DESTRUIR GRAVAÇÃO FEITA PELA POLÍCIA. O INCISO LVI DO ART 5. DA CONSITUIÇÃO, QUE FALA QUE "SÃO INADMISSÍVEIS AS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO", NÃO TEM CONOTAÇÃO ABSOLUTA. HÁ SEMPRE UM SUBSTRATO ÉTICO A ORIENTAR O EXEGETA NA BUSCA DE VALORES MAIORES NA CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE. A PROPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, QUE É DIRIGENTE E PROGRAMÁTICA, OFERECE AO JUIZ, ATRAVES DA "ATUALIZAÇAO CONSTITUCIONAL" ("VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG"), BASE PARA O ENTENDIMENTO DE QUE A CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INVOCADA É RELATIVA. A JURISPRUDÊNCIA NORTE AMERICANA, MENCIONADA EM PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NÃO É TRANQUILA. SEMPRE É INVOCÁVEL O PRINCIPIO DA "RAZOABILIDADE" ("REASONABLENESS"). O "PRINCIPIO DA ESCLUSÃO DAS PROVAS ILICITAMENTE OBTIDAS" ("EXCLUSIONARY RULE") TAMBÉM LA PEDE TEMPERAMENTO. ORDEM DENEGADA". (HC 3.982-RJ, 6ª Turma. Rel. Min. Adhemar Maciel. J. 05/12/95. DJ. 26/02/96.).

            Embora de difícil delimitação, é essencial que a doutrina e a jurisprudência fixem os parâmetros para que seja adotado o princípio da proporcionalidade também em favor da sociedade, ou seja, como instrumento norteador da admissibilidade da prova ilícita oferecida pela acusação, visando corrigir situações conflitantes.

            É que a vida em sociedade é infinitamente mais fértil em situações práticas do que a capacidade legislativa do Estado, impondo o abrandamento de rigores que possam gerar injustiças e insegurança social. Não é difícil, sem muito esforço, criar uma situação hipotética que comprove a veracidade dessa afirmação [127].

            Mas não se pode olvidar que a dificuldade de se definir parâmetros sólidos que permitam verificar a real existência de situações extremas, justificadoras da flexibilização dos direitos fundamentais, praticamente tem impedido que a questão da prova ilícita pro societate encontre um desenvolvimento conceitual satisfatório.

            Nesse sentido, o trabalho de Jesús-Maria Sílva Sánchez [128], embora não traga a solução definitiva ao problema, pelo menos lança uma base conceitual que permite, ao menos, visualizar a questão sob o enfoque de situações limite, que ensejariam a flexibilização das garantias constitucionais, face à necessidade de se combater um mal maior.

            Alude o autor sobre a existência de um "direito penal de terceira velocidade", no qual a excepcionalidade e a gravidade da situação conflitiva justificariam a adoção de formas diferenciadas de persecução criminal e de produção de provas. Assim, casos como a delinqüência patrimonial profissional, a delinqüência sexual violenta e reiterada e fenômenos como a criminalidade organizada e o terrorismo, que ameaçam solapar as bases fundamentais da sociedade, justificariam a adoção dessa forma especial de persecução criminal [129].

            Essa nova forma de processo está ligada à uma cisão do processo penal, onde se vislumbram um "direito penal do cidadão" e um "direito penal do inimigo", em que este "... é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua vinculação a uma organização, abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental" [130].

            A transição do cidadão comum, sujeito a um direito penal eminentemente garantista, para o inimigo, para o qual seriam necessárias formas especiais de persecução criminal, em que a tônica é a flexibilização das garantias individuais, face às dificuldades adicionais de persecução e prova, ocorreria através da reincidência, da habitualidade, da delinqüência profissional e, finalmente, em face de sua vinculação a organizações delitivas estruturadas. Nesse passo, mais do que o delito propriamente dito, a potencial periculosidade do agente é que justificaria a adoção de um combate pronto e eficaz [131], salvaguardando interesses basilares da sociedade.

            Mas alerta o autor que, a despeito da necessidade de existirem casos em que seja necessária a adoção de uma forma especial de persecução criminal, focada na flexibilização das garantias individuais, esta só deve ser adotada em situações de absoluta necessidade, subsidiariedade e eficácia, em caráter temporário e emergencial, de modo a não contaminar o "direito penal da normalidade", justificando, em termos de proporcionalidade, a flexibilização de algumas garantias individuais em função da necessidade de fazer frente a um mal maior [132].

            5.3.2 Conseqüências da prova ilícita no processo

            É sabido que existem quatro momentos da prova dentro do processo: o requerimento, a admissão ou juízo de admissibilidade feito pelo juiz, a produção da prova e, finalmente, sua valoração, A Constituição de 1988, ao dizer que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos", está certamente se referindo ao momento da sua admissibilidade, impondo ao julgador que não admita a produção ou, se já produzida anteriormente, sua introdução do processo [133].

            Mas a Constituição deixou de estabelecer a conseqüência para o descumprimento dessa vedação ou seja, que sanção deverá ser imposta se, mesmo inadmissível, houver a introdução no processo e valoração, pelo magistrado, de um prova ilícita.

            Grinover [134], a esse respeito, pontua que "as provas ilícitas, sendo consideradas pela Constituição inadmissíveis, não são por esta tidas como prova. trata-se de não-ato, de não-prova, que as reconduz à categoria de inexistência jurídica".

            Avólio, traçando considerações sobre a teoria da tipicidade do ato processual, segundo a qual este deve corresponder perfeitamente ao modelo previsto na norma processual, conclui que, por esse caminho, não se poderia impor qualquer pena de nulidade ao ato que admitisse uma prova ilícita no processo, já que a sanção de nulidade, no direito brasileiro, obedece a um sistema de expressa e taxativa previsão legal, prevista no art. 564 do CPP [135].

            A resolução do problema vem da atipicidade constitucional, que corresponde à desconformidade do ato com preceitos da Lei Maior. Diferentemente do que ocorre no caso de falta de fundamentação da decisão judicial, onde o art. 93, X, da CF/88 impõe expressamente a pena de nulidade, a inobservância de princípios garantidores de direitos fundamentais do cidadão, como o caso da vedação às provas ilícitas, gera sempre a sanção processual, independentemente de cominação [136].

            Como ensina Avólio [137], "alcançou-se, assim, pela via constitucional, uma conseqüência que não se poderia dessumir a partir do sistema processual vigente, que sequer ensejaria, como resulta do tópico precedente, a cominação de nulidade absoluta para as provas consideradas inadmissíveis".

            Reconhecida a ilicitude da prova, deverá esta ser desentranhada do processo [138], não podendo o juiz nela fundamentar sua decisão. Em grau de recurso, deverá o tribunal desconsiderar as provas ilícitas que forem irregularmente admitidas e valoradas na sentença, julgando o processo como se elas não existissem [139].

            O Supremo Tribunal Federal tem sido chamado inúmeras vezes para se pronunciar sobre o tema, tendo formado jurisprudência pacífica no sentido de determinar o desentranhamento do processo das prova obtidas por meios ilícitos, bem como anular a sentença que nelas tenha indevidamente sido fundamentada [140].

            Outro ponto relevante é que o Pretório Excelso tem entendido pela validade do processo e, por conseqüência, da sentença, ainda que no processo tenha sido admitido prova ilícita, desde que haja outras provas suficientes para fundamentar a decisão [141].

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Sobre o autor
José Carlos do Nascimento

militar em Curitiba (PR), bacharel em Direito pela PUC/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, José Carlos. As provas produzidas por meios ilícitos e sua admissibilidade no Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 779, 21 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7180. Acesso em: 23 abr. 2024.

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