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Casamento nuncupativo

06/02/2019 às 12:00

Resumo:


  • O sistema anterior ao Código Civil de 2002 permitia o casamento em articulo mortis com dispensa de formalidades em casos de risco de vida iminente.

  • O Código Civil de 1916 estabelecia procedimentos para ratificação do casamento celebrado em situações de risco de vida, caso o enfermo convalescesse.

  • O Código Civil de 2002 regulamenta o casamento em iminente risco de vida, dispensando formalidades e estabelecendo procedimentos para sua validação, incluindo a possibilidade de recurso em caso de decisão judicial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O casamento nuncupativo ocorre quando um dos nubentes está em iminente risco de morte e precisa casar-se para alcançar os efeitos civis do matrimônio. Entenda os detalhes e como o STJ enxerga o tema.

I - O SISTEMA ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Ensinou Silvio Rodrigues (Direito Civil, volume VI, sexta edição, pág. 58) que, “tendo em vista a circunstância excepcional de um dos nubentes se encontrar em iminente risco de vida, precisando casar-se para alcançar os efeitos civis do matrimônio, permite a lei a sua celebração, com dispensa das mais importantes formalidades, tais como o processo de habilitação e a publicação de proclamas”.

No passado, o Decreto n º 181/90 só validava o casamento contraído em articulo mortis quando o enfermo tivesse filho do outro contraente, vivesse sob o concubinato com ele, ou quando o homem houve raptado ou deflorado a mulher.

Pelo Código Civil de 1916, em havendo a hipótese de risco de vida e não logrando os contraentes obter a presença de autoridade competente, poderão celebrar o casamento na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou na colateral, em segundo grau.

Ainda pelo Código Civil de 1916, uma vez realizado o casamento, as testemunhas comparecerão no tríduo perante a autoridade judicial mais próxima (o decreto de 1890 demandava maior celeridade, posto que exigia que os nubentes, na presença das testemunhas repetissem, cada qual por sua vez, as fórmulas que o artigo 27 mencionava – artigo 39, § 4º), a quem pedirão que lhes seja tomado por termo as declarações previstas no artigo 200 daquele diploma legal.

Tinha-se que o legislador partia da presunção inicial de que o enfermo não sobreviverá, de modo que o casamento, assim celebrado, ordinariamente, iria gerar todos os efeitos após  a morte daquele contraente. Se este, contudo, convalecia, como lembrou Silvio Rodrigues (obra citada, pág. 60), poderia ratificar o casamento em presença da autoridade competente e do oficial do registro, não havendo, em tal hipótese, necessidade de se proceder àquelas formalidades já descritas.

Mas isso não queria dizer que o casamento só valeria se o nubente morrer, ou se for ratificado em caso de sobrevivência. Se após a cerimônia e por força de moléstia, o enfermo continuar impedido, enquanto se procedem as formalidades reclamadas pelo artigo 76 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Registros Públicos), só vindo a se restabelecer após a transcrição no Registro Civil da sentença que julgou regular o casamento, não há necessidade de ratificar o casamento, que continua absolutamente eficaz.

Na lição de Barros Monteiro (Curso de direito civil, direito de família, pág. 58), deve o juiz ser muito cauteloso no exame desses processos, uma vez que por meio de casamentos, dessa ordem, forjados por aventureiros, despojam-se sucessores do enfermo de direitos hereditários e há sérias consequências no direito previdenciário.

Observe-se que tal casamento visa a proteger meros interesses individuais, devendo haver séria vigilância por parte do Ministério Público.

Assim, como ensinou Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro, volume V, 24ª edição, pág. 109), o casamento nuncupativo ou in extremis vitae momentis, ou in articulo mortis, é uma forma especial de celebração de casamento em que, ante a urgência do caso e por falta de tempo, não se cumprem todas as formalidades estabelecidas nos artigos 1.533 e seguintes do Código Civil.

Silvio Rodrigues (obra citada) chegou a defender a abolição dessa modalidade de casamento.


II - O INSTITUTO DIANTE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 

Veio o regime do Código Civil de 2002 que passou a vigorar sobre a matéria.

Assim possibilita o artigo 1.540 do Código Civil que, quando um dos contraentes se encontrar em iminente risco de vida(por exemplo, por força de uma doença terminal, se for vitimado por crime contra a vida ou terrorismo) e precisar casar-se para obter os efeitos civis do matrimônio, o oficial do Registro Civil, mediante despacho da autoridade competente, à vista dos documentos exigidos no artigo 1.525 e independentemente de edital de proclamas(artigo 1.527, parágrafo único), dará a certidão de habilitação, dispensando o processo regular.

Chega-se até mesmo a dispensar a autoridade competente para presidir o ato, se os contraentes não lograram obter sua presença, bem como a de seu substituto. Nesse caso os nubentes figurarão como celebrantes e realizarão oralmente o casamento, declarando, de viva voz, que – livre e espontaneamente -  querem receber-se por marido e mulher, perante seis testemunhas, que, com eles não tenham parentesco em linha reta ou colateral, em segundo grau, como determinam o artigo 1.540 do Código Civil e ainda a Lei nº 6.015/73, artigo 76.

Por sua vez, as testemunhas presenciais deverão comparecer, dentro de dez dias, ante a autoridade judicial mais próxima, para pedir que se lhes tomem por termo as seguintes declarações: que foram convocadas por parte do enfermo, que este parecia em perigo de vida, mas em seu juízo, e que em sua presença declararam os contraentes livre e espontaneamente receber-se por marido e mulher (CC, artigo 1.541, I, II e III).

Se qualquer das testemunhas não comparecer, voluntariamente, o interessado poderá requerer a sua intimação, para que venha depor sobre o casamento que assistiu.

A autoridade judiciária competente (a mais próxima do lugar em que se realizou o casamento), autuado o pedido e tomadas as declarações, procederá às diligências necessárias para verificar se os contraentes poderiam  ter-se habilitado para o casamento, na forma ordinária, ouvidos o órgão do Ministério Público e os interessados que o requerem, dentro de 15 dias. Verificada a inexistência de impedimento matrimonial e a idoneidade dos cônjuges para o casamento assim o decidirá a autoridade competente com recurso voluntário às partes, como determinam os artigos 1.541, § § 1º e 2º e Lei nº 6.015/73, artigo 76, § § 1º e 5º.

Da decisão do juiz, verificando que os nubentes preenchem os requisitos legais, cabe o recurso de apelação, no prazo de 15 dias.

Transitada em julgado a decisão o juiz mandará registrar o ato no livro do Registro de Casamentos, previsto no artigo 1.541, § 3º, do Código Civil.

O assento assim lavrado irá retroagir os efeitos do casamento,  quanto ao estado dos cônjuges, à data da celebração (CC, artigo 1.541, § 4º).

Pelo Código Civil de 2002, tais formalidades homologatórias serão dispensadas se o enfermo convalescer e puder ratificar o casamento em presença da autoridade competente e do oficial do registro. Não será caso de novo casamento.

Orlando Gomes distinguiu o casamento in extremis do casamento em caso de moléstia grave, que  tem por pressuposto basilar o estado de saúde de um dos nubentes, cuja gravidade o impeça de locomover-se e de adiar a cerimônia. Nessa hipótese poderá solicitar a presença do celebrante e do oficial em sua casa ou onde estiver, inclusive no hospital, mesmo à noite, para realizar o ato nupcial, desde que haja cumprimento das formalidades preliminares (CC, artigo 1.531), perante duas testemunhas, que saibam ler e escrever(CC, artigo 1.539).

Como a urgência de sua celebração não permite, às vezes, como lembrou Maria Helena Diniz (obra citada, pág. 112), que a autoridade atenda ao chamado, nesse caso a cerimônia poderá ser levada a efeito por qualquer dos substitutos legais do juiz. E, se o oficial do registro não puder comparecer ao ato, será substituído por uma pessoa nomeada ad  hoc pelo presidente do ato (CC< artigo 1.539, § 1º). O termo avulso, que o oficial ad hoc lavrar, será levado a assento no respectivo registro em cinco dias, contados da celebração do ato nupcial, perante duas testemunhas, ficando arquivado(CC, artigo 1.539, §2 º).

O que é doença grave? Luiz Edson Fachin (Código Civil comentado, 2003, volume XV) esclareceu que a moléstia grave é a que inviabiliza a remoção do paciente sem agravar seu quadro e que é suscetível de leva-lo a morte em tempo breve, embora o óbito possa não acontecer, fato que não inviabiliza o casamento.

Registre-se que essa forma especial de matrimônio, que requer existência do processo de habilitação e reclama a presença de duas testemunhas, não é somente admitido nos casos de doença grave, mas ainda se houver outro motivo muito urgente (acidente) que o justifique, de forma excepcional.

Além disso a prova do casamento urgente obtém-se com a certidão de termo avulso transcrito no registo e a do nuncupativo, com a certidão de transcrição da sentença que o homologou.


III - ENTENDIMENTOS DO STJ 

O STJ enfrentou a matéria no AREsp 417.119:

“Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso especial. O apelo extremo, fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea a,da Constituição Federal, insurge-se contra acórdão assim ementado:

"CASAMENTO  AVUNCULAR. IMPEDIMENTO. DECRETO-LEI 3200/41. MITIGAÇÃO. PROTEÇÃO DA PROLE.

Ação declaratória de nulidade de casamento, ajuizada pelo apelante através da qual alegou ter vivido em união estável homoafetiva com o falecido marido da ré que, por seu turno, era sobrinha do de cujus.

Requereu, em razão disso, a declaração de nulidade do casamento por infringência de impedimento legal A existência de união homoafetiva entre o autor e o falecido não guarda relação com o pleito contido neste processo, na medida em que este se trata de ação de nulidade de casamento.

A possibilidade de casamento avuncalar é descrita pelo art. 1º e regulamentada pelo art. 2º, do Decreto-Lei 3200/41.

Tal norma foi editada com o precípuo propósito de proteger a prole, advinda do casamento, de possível malformação genética, afastando-se a possibilidade de defeitos eugênicos dos eventuais descendentes.

Assim, diante da constatação de que a ré havia se submetido à histerectomia total antes da boda, a apresentação dos atestados tomou-se despicienda.

Recurso desprovido, nos termos do voto do Desembargador Relator".

Nas razões do especial, o recorrente alega violação dos artigos 1.521, VI e 1.548, inciso II, do Código Civil, sustenta, em síntese a nulidade do casamento entre colaterais de terceiro grau realizado sem o exame médico exigido pelo Decreto-Lei nº 3.200/1941, afirmando que essa perícia visa preservar, além da saúde prole, a saúde dos próprios nubentes.

Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

DECIDO.

Ultrapassados os requisitos de admissibilidade do agravo, passa-se ao exame do recurso especial.

Eis a letra do acórdão recorrido transcrito no que interessa à espécie:

"A possibilidade de casamento avuncular é descrita pelo art. 1° e regulamentada pelo art. 2°, do Decreto-Lei 3200/41, o qual exige atestado médico emitido por dois médicos afirmando não existir inconveniente sob o ponto de vista da sanidade e da saúde de qualquer deles e da prole. Cumprida a exigência. mitiga-se o impedimento contido no inciso IV, do artigo 1.521, do Código Civil(...)

(...)

Tal norma foi editada com o precípuo propósito de proteger a prole, advinda do casamento, de possível malformação genética, ou seja, afastando-se a possibilidade de defeitos eugênicos dos eventuais descendentes, o casamento convalida-se.

Assim, diante da constatação de que a ré havia se submetido à histerectomia total (fl. 67), antes da boda (ocorrida em 24/04/2008 - fl. 21), a apresentação dos atestados tornou-se despicienda".

Tal posicionamento esta em consonância com a jurisprudência desta Corte firmada no sentido de que a exigência da perícia médica é para evitar a ocorrência de riscos eugênicos, visando a preservação da sanidade de uma eventual prole.

A propósito:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO NUNCUPATIVO. VALIDADE. COMPROVAÇÃO DE VÍCIO QUANTO A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE INEQUÍVOCA DO MORIBUNDO EM CONVOLAR NÚPCIAS. COMPROVAÇÃO.

1. Ação de decretação de nulidade de casamento nuncupativo ajuizada em novembro de 2008. Agravo no recurso especial distribuído em 22/03/2012. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial, publicada em 12/06/2012.

2. Recurso especial que discute a validade de casamento nuncupativo realizado entre tio e sobrinha com o falecimento daquele, horas após o enlace.

3. A inquestionável manifestação da vontade do nubente enfermo, no momento do casamento, fato corroborado pelas 6 testemunhas exigidas por lei, ainda que não realizada de viva voz, supre a exigência legal quanto ao ponto.

4. A discussão relativa à a nulidade preconizada pelo art. 1.548 do CC-02, que se reporta aos impedimentos, na espécie, consignados no art. 1.521, IV, do CC-02 (casamento entre colaterais, até o terceiro grau, inclusive) fenece por falta de escopo, tendo em vista que o quase imediato óbito de um dos nubentes não permitiu o concúbito pós-casamento, não havendo que se falar, por conseguinte, em riscos eugênicos, realidade que, na espécie, afasta a impositividade da norma, porquanto lhe retira seu lastro teleológico.

5. Não existem objetivos pré-constituídos para o casamento, que descumpridos, imporiam sua nulidade, mormente naqueles realizados com evidente possibilidade de óbito de um dos nubentes - casamento nuncupativo -,  pois esses se afastam tanto do usual que, salvaguardada as situações constantes dos arts. 166 e 167 do CC-02, que tratam das nulidades do negócio jurídico, devem, independentemente do fim perseguido pelos nubentes, serem ratificados judicialmente.

6. E no amplo espectro que se forma com essa assertiva, nada impede que o casamento nuncupativo realizado tenha como motivação central, ou única,  a consolidação de meros efeitos sucessórios em favor de um dos nubentes - pois essa circunstância não macula o ato com um dos vícios citados nos arts. 166 e 167 do CC-02: incapacidade; ilicitude do motivo e do objeto; malferimento da forma, fraude ou simulação.

Recurso ao qual se nega provimento" (REsp 1.330.023/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/11/2013, DJe 29/11/2013).

Ante o exposto, conheço do agravo para negar seguimento ao recurso especial.”

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Ainda o STJ, no julgamento do REsp 1.330.023/RN, enfrentou a questão.

REsp 1330023 / RN, RECURSO ESPECIAL, 2012/0032878-2, Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 05/11/2013, Data da Publicação/Fonte DJe 29/11/2013

Ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO NUNCUPATIVO. VALIDADE. COMPROVAÇÃO DE VÍCIO QUANTO A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE INEQUÍVOCA DO MORIBUNDO EM CONVOLAR NÚPCIAS. COMPROVAÇÃO.

1. Ação de decretação de nulidade de casamento nuncupativo ajuizada em novembro de 2008. Agravo no recurso especial distribuído em 22/03/2012. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial, publicada em 12/06/2012.

2. Recurso especial que discute a validade de casamento nuncupativo realizado entre tio e sobrinha com o falecimento daquele, horas após o enlace.

3. A inquestionável manifestação da vontade do nubente enfermo, no momento do casamento, fato corroborado pelas 6 testemunhas exigidas por lei, ainda que não realizada de viva voz, supre a exigência legal quanto ao ponto.

4. A discussão relativa à a nulidade preconizada pelo art. 1.548 do CC-02, que se reporta aos impedimentos, na espécie, consignados no art. 1.521, IV, do CC-02 (casamento entre colaterais, até o terceiro grau, inclusive) fenece por falta de escopo, tendo em vista que o quase imediato óbito de um dos nubentes não permitiu o concúbito pós-casamento, não havendo que se falar, por conseguinte, em riscos eugênicos, realidade que, na espécie, afasta a impositividade da norma, porquanto lhe retira seu lastro teleológico.

5. Não existem objetivos pré-constituídos para o casamento, que descumpridos, imporiam sua nulidade, mormente naqueles realizados com evidente possibilidade de óbito de um dos nubentes - casamento nuncupativo -,  pois esses se afastam tanto do usual que, salvaguardada as situações constantes dos arts. 166 e 167 do CC-02, que tratam das nulidades do negócio jurídico, devem, independentemente do fim perseguido pelos nubentes, serem ratificados judicialmente.

6. E no amplo espectro que se forma com essa assertiva, nada impede que o casamento nuncupativo realizado tenha como motivação central, ou única,  a consolidação de meros efeitos sucessórios em favor de um dos nubentes - pois essa circunstância não macula o ato com um dos vícios citados nos arts. 166 e 167 do CC-02: incapacidade; ilicitude do motivo e do objeto; malferimento da forma, fraude ou simulação.

Recurso ao qual se nega provimento.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Casamento nuncupativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5698, 6 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71869. Acesso em: 22 dez. 2024.

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