As constituições brasileiras nos anos de chumbo (1964-1985) e o caminho para a democracia

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3 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988        

Considerada a mais importante das constituições brasileiras, marcou o fim da ditadura militar e finalizou o processo de redemocratização nacional, iniciado em 1985, ano em que se findou a ditadura militar. Ela surge em meio ao governo de transição democrática de José Sarney, responsável por avanços políticos importantes, como as eleições diretas em todos os níveis. Lenza ainda afirma que, “sendo democrática e liberal, a constituição de 1988, que sofreu forte influência da Constituição portuguesa de 1976, foi a que maior apresentou legitimidade popular” (2011, p.124). Atual lei suprema nacional, ela é a base para a criação e validade das demais normas do ordenamento jurídico nacional, sendo a primeira a permitir a incorporação de emendas populares. Contando com a Emenda Constitucional nº 1/69, esta é a oitava Constituição do Estado brasileiro. Suas características, de acordo com a classificação clássica das constituições, são: formal, escrita, promulgada, rígida, analítica e dogmática.

Após o fim da ditadura militar, em 1985, havia um anseio popular e governamental da retomada dos direitos fundamentais e de uma constituição que tivesse como princípios supremos esses direitos. Assim foi com a Constituição Federal de 5 de outubro 1988, que, além de dar uma maior efetividade aos direitos fundamentais, autorizou ao judiciário a intervenção quando não houver o cumprimento da defesa desses direitos. Nesse sentido, se acerca bastante da Lei Fundamental de Bonn, assinalando o primado da Sociedade sobra o Estado. “Na técnica, na forma e na substância da matéria pertinente a direitos fundamentais [...] se acerca da Lei Fundamental alemã, e até a ultrapassa em alguns pontos” (BONAVIDES, 2011a, p. 369). Na sua elaboração foram inseridos direitos que eram bandeiras do período de luta pelo fim da ditadura militar. Conseqüentemente, esses direitos se tornaram características marcantes dessa constituição, como: eleições diretas para presidente, governador, prefeito, deputados e senadores; e a qualificação como crimes inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra a democracia e a ordem constitucional, como forma de bloquear golpes de Estado. Apresenta também a característica de ser a primeira constituição a descrever a responsabilidade fiscal e a função social da propriedade privada.

A constituição está estruturada em nove títulos, de acordo com os assuntos tratados em seus artigos. São eles: Dos Princípios Fundamentais, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Da Organização do Estado, Da Organização dos Poderes, Da Defesa do Estado e das Instituições, Da Tributação e Orçamento, Da Ordem Econômica e Financeira, Da Ordem Social e Das Disposições Gerais.

Conhecida como Constituição Cidadã, é considerada a mais progressista dentre todas as que vigeram nas terras brasileiras, mormente, pelo conteúdo do título destinado aos direitos e garantias fundamentais, representando uma imensa lista não exaustiva. É uma Constituição do Estado Social. Contudo, é mister salientar o caráter nefasto das inúmeras Emendas Constitucionais aprovadas em 23 anos de vigência, tendentes a retroceder com relação aos avanços sociais pretendidos pelo constituinte originário, além de enfraquecer a força normativa da Constituição, que segundo os ensinamentos de Konrad Hesse (1991), maior será esta força quanto menos o jurídico sucumbir diante das tensões político-sociais da realidade fática.

Muitas dessas reformas, idealizadas sob ideais neoliberais e postas em prática pelas elites reacionárias, tendem a destruir o Estado social brasileiro. “O neoliberalismo arvora a ideologia de sujeição, para coroar, como uma fatalidade, a abdicação, nos mercados globais, da independência econômica do País” (BONAVIDES, 2011a, p. 677). Neste diapasão, estão as infindáveis reformas da previdência, sob o argumento de um suposto déficit e as sucessivas prorrogações da DRU – Desvinculação das Receitas da União – que libera 20% das receitas orçamentárias vinculadas a gastos sociais, para que sejam aplicadas livremente pelo executivo, em grave atentado a direitos fundamentais e a ordem constitucional, mas que, por conveniências políticas, não se argui a sua constitucionalidade.

De qualquer forma, ainda continua sendo a mais cidadã de todas as Constituições brasileiras, devendo, portanto, ser fortalecida, para que logre mais aplicabilidade. Há muitas normas programáticas que precisam de eficácia e demandam a participação da sociedade. Se a sociedade consegue conter a onda do retrocesso e a efetivação de diversos direitos que estão expressos, mas que não possuem aplicabilidade imediata, pode, esta Constituição, fundar um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Há muito, no papel, que precisa ser efetivado na realidade fática; e há muito, nesta, que precisa ser contido para que não retire do papel o que está contido, ainda que em forma de promessa.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As constituições de um país são parte da história do seu povo. Não em sua totalidade, mas exprimem os grandes acontecimentos da história de uma nação. Em pouco mais de 500 anos de história, sem retirar os anos em que nosso país se desenvolveu a serviço da metrópole Portugal, deixando as necessidades sociais do nosso povo à mercê dos monarcas lusitanos, possuímos oito constituições, contando, como já assinalado, com a Emenda Constitucional 1/69, como uma Constituição a parte.

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Vê-se que são tortuosas as estradas dessa história, que a evolução constitucional não é linear, havendo sempre uma luta entre as forças políticas e sociais estabelecidas no campo social. Em cada uma dessas constituições, possuímos um Estado diferente, ora autoritário, ora republicano; ora centralizado, ora democrático; aonde cada um deles possuíam distintas características. O problema está que, em nenhum deles, por mais transformador que fosse o seu momento no país, se voltou para os interesses do povo. A elite, desde a Constituição de 1824 até a Constituição de 1988 – apesar de ser a que contém o maior teor social e democrático, dentre todas elas – continua sendo a privilegiada. Isso pode ser observado nas reformas realizadas até hoje, que sempre possuíram, como objetivo principal, a manutenção da elite no poder.

O resultado não podia ser diferente. O mesmo país de um povo trabalhador é aquele em que políticos são considerados os mais corruptos do mundo. Um dos países mais ricos do mundo é também o que possui maior desigualdade social.

De qualquer forma, tem-se o álibi de que o Estado brasileiro é muito novo, a República tem pouco mais de 120 anos, os períodos democráticos – que representam, todavia, uma democracia em construção – foram sempre intercalados por períodos marcados pelo autoritarismo, a nova constituição, que representa uma nova construção a partir de processos democráticos acaba de completar 30 anos. É possível enxergar avanços nessa caminhada, mas é preciso garantir mais, pois há sempre o risco de um retrocesso.

A sociedade precisa se impor, participar do processo de tomada de decisões. Se a democracia é um conceito em disputa, devem-se rejeitar os modelos democráticos elitistas e construir uma democracia cada vez mais participativa. Porém, alguns males precisam ser extirpados, principalmente, a corrupção e a desigualdade social. A atual Constituição prevê mecanismos para isso; basta implementá-los.


REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2000.

CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

CUNHA, Paulo Ferreira da. Do constitucionalismo brasileiro: uma introdução histórica (1824-1998). Historia Constitucional (revista eletrônica), n. 8, 2007. Disponível em <http://hc.rediris.es/08/index.html>. Acesso em: 15 nov. 2011.

FERREIRA, João Paulo Mesquita Hidalgo; FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. Nova História Integrada. Campinas: Companhia da escola, 2005.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991.

LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição. 2006. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/constituicaol.html>. Acesso em: 22 fev. 2012.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MAGALHÃES, Anala Lelis. A importância do estudo da história para a compreensão das evoluções do direito. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11786>. Acesso em fev 2019.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

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Sobre os autores
Jadiene Oliveira da Rosa

Graduanda do 7º Período do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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