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A penhora de bens imateriais

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24/03/2019 às 16:00
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Penhora das quotas ou ações de sociedades personificadas

A previsão legal de constrição sobre este bem incorpóreo está inserido no inciso IX do artigo 835 c.c. com o artigo 789, ambos do código de processo civil.

Além da expropriação de quotas ou ações, a constrição pode recair sobre os lucros que cabem ao sócio devedor na sociedade, com fundamento no artigo 1.026 do código civil.

Muitas vezes, mostra-se preferível a penhora sobre os lucros do sócio devedor, considerando os percalços jurídicos de que a medida poderia, em tese, inviabilizar a continuidade da empresa, devido à quebra da affectio societatis e sua descapitalização, não obstante sua plena atividade.

Contudo, ainda assim, o credor pode experimentar obstáculos, porquanto a penhora não pode recair sobre os lucros da sociedade em si, mas, tão somente, a parcela efetivamente distribuída ao sócio devedor, por meio de declaração de dividendos, juros sobre o capital próprio, devidamente contabilizada como um passivo da sociedade e um recebível daquele.

A solução para tal impasse, em nossa posição, parece ser a dissolução parcial da sociedade, liquidando-se a cota do sócio devedor, conforme disposto no parágrafo único do artigo 1.026 do Código Civil, que reza:

“Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação”

Neste norte, ainda que haja vedação expressa no contrato social, é permitida a penhora das quotas do sócio devedor. Isto porque, este ato não implica obrigatoriamente na admissão de novo sócio ao quadro. A sociedade ou os próprios sócios podem exercer seu direito de preferência.

Em último caso, há a possibilidade de se promover a dissolução parcial da sociedade, retirando-se o sócio que teve suas quotas penhoradas e procedendo a sua devida liquidação. Assim, satisfaz-se a dívida sem se afrontar aos princípios empresariais (affectio societatis).

Referido entendimento encontra respaldo em diversos julgados do E. Superior Tribunal de Justiça:

“EMENTA - DIREITO COMERCIAL - RECURSO ESPECIAL - PENHORA DE COTAS SOCIAIS - VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL (ART. 93, IX, DA CF/88)- IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE - OFENSA AO ART. 458 DO CPC E AO ART. 292 DO CÓDIGO COMERCIAL - SÚMULA 211/STJ - NÃO ALEGAÇÃO DE INFRINGÊNCIA AO ART. 535 DO CPC - EXECUÇÃO - DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO - COTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - PENHORABILIDADE - SÚMULA 83/STJ. 1 - Encontrando-se o v. Aresto guerreado em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior de Uniformização Infraconstitucional, no sentido da penhorabilidade das cotas de sociedade de responsabilidade limitada por dívida particular de sócio, não se conhece da via especial pela divergência. Aplicação da Súmula 83/STJ. 2 - Não cabe Recurso Especial se, apesar de provocada em sede de Embargos Declaratórios, a Corte a quo não aprecia a matéria (art. 458 do Código de Processo Civil e art. 292 do Código Comercial), omitindo-se sobre pontos que deveria pronunciar-se. Incidência da Súmula 211/STJ. Para conhecimento da via especial, necessário seria a recorrente interpô-la alegando ofensa, também, ao art. 535 da Lei Processual Civil (cf. AGA nº 557.468/RS e AGREsp nº 390.135/PR). 3 - Esta Corte Superior não se presta à análise de matéria constitucional (art. 93, IX, da Constituição Federal), cabendo-lhe, somente, a infraconstitucional (cf. REsp nºs 72.995/RJ, 416.340/SP, 439.697/ES). 4 - A previsão contratual de proibição à livre alienação das cotas de sociedade de responsabilidade limitada não impede a penhora de tais cotas para garantir o pagamento de dívida pessoal de sócio. Isto porque referida penhora não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, já que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio. Ademais, o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros, nos termos do art. 591 do Código de Processo Civil. 5 - Precedentes (REsp nºs 327.687/SP, 172.612/SP e 147.546/RS). 6 - Recurso não conhecido. (REsp 317.651/AM, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 05.10.2004, DJ 22.11.2004 p. 346)..

“Sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Penhora das cotas sociais. Controvérsia doutrinária e jurisprudencial.

1. As cotas sociais podem ser penhoradas, pouco importando a restrição contratual, considerando que não há vedação legal para tanto e que o contrato não pode impor vedação que a lei não criou.

2. A penhora não acarreta a inclusão de novo sócio, devendo ser "facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1.117, 1.118 e 1.119)", como já acolhido em precedente da Corte.

3 .Recurso especial não conhecido” (REsp n. 234.391. Rel Min. Carlos Alberto Menezes Direito. 3ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça. Julgado em 14/11/2000).

Portanto, a dissolução parcial aqui defendida é legal e a penhora decorrente efetiva-se sobre a quota social, partindo-se da premissa de que a execução alcança apenas o direito patrimonial do sócio devedor jamais seu direito pessoal. O credor torna-se titular apenas de um direito de crédito, não se investindo, portanto em qualquer posição societária, preservando-se deste modo a affectio societatis.

Com o deferimento do pedido neste bojo, o juiz determinará preliminarmente a expedição de ofício a JUCESP requisitando o registro da penhora das quotas sociais do sócio inadimplente, comunicando-se, posteriormente a Receita Federal.

E, por fim, proceder-se-á a liquidação da famigerada quota conforme as disposições contidas no artigo 861 e parágrafos do CPC c.c o artigo 1.031 do código civil, cujo valor apurado será depositado em dinheiro no juízo da execução.


Conclusão

O artigo 789 do código de processo civil é claro em afirmar que o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações, abarcando, portanto, tantos os bens materiais como os imateriais.

Os bens imateriais podem ser objetos de constrição, desde que tenham valor econômico mensurável e/ou suscetíveis de cessão, e possam ser comprovados por qualquer prova admitida no Direito. Não se resumem as espécies aqui discutidas, porquanto podem ser objetos de penhora o fundo de comércio, dentre outros.

Importante ressaltar que, com o ato da constrição sobre os referidos bens, não se está transferindo a propriedade dos mesmos ao credor, mas apenas os direitos econômicos ali incidentes, como por exemplo, a autorização para exploração, mediante pagamento de determinada quantia pelo explorador, na hipótese de penhora de patente de invenção do devedor.

Deste modo, são concebidos como um ativo intangível dentro do conjunto de bens e direitos de propriedade de uma sociedade ou individuo.

O artigo 835 do CPC estabelece uma ordem de preferência na constrição colocando o dinheiro, em espécie, ou em depósito ou aplicação em primeiro lugar.

Não sendo encontrado o dinheiro em espécie, nem outros bens, frisa-se, objetos de pesquisas corriqueiras, como imóveis e veículos, o inciso XIII do artigo 835 confere a possibilidade ao credor da penhora de “outros direitos”.

Na penhora de “outros direitos” se encaixa uma série de possibilidade, como a penhora de bens imateriais que fazem parte do patrimônio dos devedores.

Ainda que referidos bens incorpóreos sejam de difícil liquidez, a validade da penhora fica condicionada ao interesse do credor, porquanto a execução realiza-se no seu interesse, conforme apregoa o artigo 797 do CPC.

Trata-se de uma alternativa ao dinheiro em espécie, ora escasso, e muitas vezes um meio coercitivo importante para a efetividade nas execuções.

Ainda que o credor não tenha seu crédito satisfeito, frisa-se, diretamente, por meio da alienação judicial, o incômodo que o ato constritivo trará ao devedor provavelmente acabará, muitas vezes, influenciando na quitação do débito ou mesmo na negociação de um acordo.

Veja-se, por exemplo, o caso da penhora de um website em uma empresa de e-commerce.

Ainda que se discuta que o bem imaterial não pode ser penhorado, porquanto é indispensável à sobrevivência da empresa, a medida é legal, porquanto excepcional, visando à efetividade jurisdicional, uma vez que as execuções não podem se eternizar.

Há, portanto, a necessidade de esgotamento de todos os meios corriqueiros e legalmente previstos para satisfação do crédito, justificando-se a constrição desta espécie de bem segundo critério de equidade, diante do caso concreto.

Até porque, nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, o inciso IV, do artigo 139 do código de processo civil, possibilita ao Juízo a adoção de medidas indutivas, coercitivas e mandamentais para assegurar o cumprimento de ordem judicial.

Portanto, a finalidade da aludida norma não é a de impor penas ou restringir direitos, mas, meramente persuadir o inadimplente, impondo-lhe situações tão onerosas e inconvenientes de tal forma que lhe seja mais vantajoso pagar a continuar descumprindo a condenação pecuniária que lhe foi imposta.

As contendas de crédito têm uma peculiaridade própria: devedores insolventes ou mesmo aqueles “profissionais” que empregam todo tipo de artifícios ardilosos para não pagar o débito.

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A estes astutos devedores, o procedimento de praxe deve dar lugar à melhor percepção e rigor do juiz na aplicação das medidas atípicas do inciso IV do artigo 139 do código de processo civil e de compreender que a penhora é também um meio coercitivo e não apenas satisfativo a ordem judicial emanada na execução.

Mutatis mutandis, o ordenamento jurídico deve acompanhar a evolução dos negócios e da tecnologia, porquanto cada vez mais é instada a participar da vida econômica do país.

Aumentar a eficiência e efetividade da jurisdição, concebendo o processo, em especial, os atos executórios, como uma finalidade, e não apenas um meio, são iniciativas cruciais para fortalecer a segurança jurídica e resgatar a própria credibilidade e a importância social e econômica do Poder Judiciário.


Referências bibliográficas

[1] CHIOVENDA, Giuseppe apud Jorge Luiz Souto Maior. A efetividade do processo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 13, outubro/dezembro de 2000, p. 34.

[2] [4] DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª edição. Volume IV. Malheiros editores. P. 37 e 520.

[3] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. II. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 153, 520.

[5] Neste sentido: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTADO NÃO ENCONTRADO. ARRESTO PRÉVIO OU EXECUTIVO. ART 653 DO CPC. MEDIDA DISTINTA DA PENHORA. CONSTRIÇÃO ON-LINE. POSSIBILIDADE, APÓS O ADVENTO DA LEI 11.382/06. APLICAÇÃO DO ART. 655-A DO CPC, POR ANALOGIA.PROVIMENTO. 1. O arresto executivo, também designado arresto prévio ou pré-penhora, de que trata o art. 653 do CPC, objetiva assegurar a efetivação de futura penhora na execução por título extrajudicial, na hipótese de o executado não ser encontrado para citação. 2. Frustrada a tentativa de localização do executado, é admissível o arresto de seus bens na modalidade on-line (CPC, art. 655-A, aplicado por analogia). 3. Com a citação, qualquer que seja sua modalidade, se não houver o pagamento da quantia exequenda, o arresto será convertido em penhora (CPC, art. 654). 4. Recurso especial provido, para permitir o arresto on-line, a ser efetivado na origem. (STJ. Quarta Turma. Resp 1.370.687/MG. Relator: min. Antônio Carlos Ferreira. Julgamento: 4/4/13). Grifos nossos.

[6] Empresa delegada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil – CGI.br, por meio da Resolução CGI.br n° 001/2005

[7] Neste sentido: E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI n. 2202157-35.2017.8.26.0000. Relator Des. Milton Paulo de Carvalho Filho. 36ª Câmara de Direito Privado. Jugado em 21/11/2017.

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Sobre o autor
Alexandre Assaf Filho

Pós-Graduado em Direito Societário - Instituto Insper (SP). Especialização em Processo Civil (Lato Sensu) - FAAP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSAF FILHO, Alexandre. A penhora de bens imateriais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5744, 24 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72679. Acesso em: 21 nov. 2024.

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