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Plea bargain: o que é isto, como é aplicado e como o ordenamento jurídico brasileiro pode implementá-lo?

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23/04/2019 às 16:00
Leia nesta página:

Trata-se da origem, do conceito e da aplicação do instituto jurídico norte-americano do plea bargain em seu país natal, abordando os atuais projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que visam implementá-lo no Brasil.

 

 

Nos primeiros dias do corrente ano de 2019, após a posse do atual ministro da justiça Sérgio Moro, as discussões acerca da ampliação de uma justiça penal negocial (ou consensual) no ordenamento jurídico brasileiro retornaram acaloradas.

Declarações realizadas durante o discurso do referido Ministro, apontam uma pauta governamental traçada no sentido de implementar determinada política criminal alicerçada por mecanismos de negociação na esfera da justiça criminal. Dentre os diversos institutos processuais penais citados que circundam o prisma do consenso, está o famigerado Plea Bargain, mecanismo com origem no direito estadunidense e que merece maiores digressões a serem abordadas por este trabalho científico.

Nesse diapasão, o presente artigo visa expor a origem, o conceito e aplicação do instituto jurídico norte-americano do Plea Bargain em seu país natal, não deixando de mencionar os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional (PL nº 8045/2010; PL nº 882/2019; e PLS nº 236/2012) que objetivam implementar o aludido instituto no direito brasileiro, com o fito de informar e conscientizar o operador do direito que possivelmente, em um futuro próximo, poderá ter de enfrentar um cenário de negociações a ser realizado entre as partes no curso do processo-crime.

Em uma abordagem preambular sobre o tema, pode-se dizer que o Plea Bargain é um instituto processual penal norte-americano voltado para os moldes da justiça penal negocial (ou consensual).

Dessa forma, a explicação acerca desse instituto deve passar, ainda que introdutoriamente, pela noção de justiça penal negocial. Tal justiça tem por objetivo principal a realização de um acordo entre as partes processuais com o objetivo de facilitar e acelerar a imposição de alguma sanção, geralmente mais branda, ao acusado, bem como de otimizar o tramite do processo, principalmente em relação a economia processual, buscando gerar benefícios para todos os envolvidos, ou seja, a justiça negocial dá solução diversa daquela adotada no curso ordinário do processo.[1]

 Neste giro, a justiça negocial tem relação direta com o tempo das ações judiciais, já que quando aplicada visa reduzi-lo e este encurtamento do tempo processual causa diversos efeitos positivos às partes, ao Poder Judiciário e até mesmo aos advogados - como p. ex. a solução da lide de forma rápida por iniciativa partes, a consequente diminuição do número de processos nos tribunais e a redução de gastos com o processo – e outros negativos, dentre os quais, principalmente, estão a violação de diversos direitos humanos e fundamentais garantidos ao acusado.

 Defronte ao esposado e sabendo que o Plea Bargaining tem por essência a própria concepção de justiça penal consensual, passa-se a expor os meandros desse mecanismo processual que visa, especificamente, a negociação de sentença criminal.

 Segundo Queirós Campos, o Plea Bargaining é um instituto processual penal que se originou nos Estados Unidos da América em meados do século XIX.[2] Em um primeiro momento, a análise do instituto deve começar pelo escopo da tradução, já que se trata de uma palavra de origem inglesa. O referido mecanismo processual é definido por um conjunto de duas palavras, a primeira delas é “Plea” que em uma tradução interpretativa[3], ad intentio, significa declaração e a segunda é “Bargain” ou “Bargaining” significando barganha, negócio. Portanto, de plano, já podemos identificar que há uma ideia, no Plea Bargaining, de uma declaração que resulta em uma barganha, uma negociação ou acordo, conforme aduz Rafael Luiz:

 

A ideia de plea é a de resposta, ou seja, declaração do réu, traduzindo-se a célebre frase dos julgamentos anglo-saxônicos: How do you plea, ou seja, “Como o réu se declara diante de determinada acusação [...]”[4]

 

 Diante dessa definição preliminar, conseguimos voltar no tempo e verificar a forma de como o Plea Bargaining se originou. Verifica-se, historicamente, que a criação do referido instituto “não se deu de forma legislativa, mas foram os próprios agentes processuais que passaram a atuar de maneira negocial, com o fim de conseguirem atalhos e facilitarem o andamento dos trabalhos”[5], ou seja, sua origem se deu de modo informal nos corredores dos tribunais, onde as próprias partes do processo-crime chegavam a um consenso, por meio de um acordo, sobre o resultado da sentença criminal, com a finalidade de por fim àquele processo de maneira mais rápida e fácil.

Em uma explanação técnica, o Plea Bargaining consiste em uma negociação entre acusador e acusado dentro do processo-crime, no qual o órgão de acusação oferece uma proposta de acordo que pode reduzir a pena pleiteada, modificar o tipo de crime ou mesmo reduzir o número de crimes imputados na denúncia (charge bargaining), bem como a possibilidade de negociar aspectos ligados diretamente a uma sentença a ser recomendada ao juiz - como o tipo de pena a ser aplicada, atenuantes a serem reconhecidas e local da pena a ser cumprida – ou de não se opor ao requerimento de sentença feito pela defesa (sentence bargaining), com a condição de que o acusado se declare culpado, seja por meio da confissão da pratica do crime (guilty plea), seja pela não contestação da ação penal (plea of nolo ou nolo contedere)[6][7]. 

A ideia principal desse mecanismo consensual é a de que o réu, acusado de um delito dentro do processo judicial, possa receber uma condenação mais branda do Estado da que teria caso fosse submetido ao julgamento pelo juiz togado ou pelo júri, em virtude de colaborar para uma justiça mais célere, reduzir o número de processos nos tribunais e, consequentemente, economizar gastos do sistema judiciário.

Para Brandalise, há, em verdade, uma mutualidade de concessões em que de um lado o órgão acusador abre mão de possivelmente alcançar, no curso do processo, uma sentença mais gravosa e de outro a defesa, renunciando seus direitos fundamentais à não autoincriminação, de ser julgado por um juízo, do contraditório, ampla defesa e até mesmo o direito de apelar[8].[9]

Nota-se que a possibilidade do manejo desse instituto processual na órbita do direito norte-americano dar-se-á durante o curso do processo-crime, podendo ser realizado a partir da formalização da acusação.[10] Em que pese não ser o objeto de aprofundamento desse artigo científico, faz-se necessária a contextualização desse sistema processual penal ianque, uma vez que estamos diante de uma diferença brutal entre o sistema jurídico e o sistema processual dos Estados Unidos e do Brasil.

Com efeito, cabe ressaltar que o sistema jurídico dos EUA, por razões históricas de ter sido colônia inglesa, segue o direito consuetudinário ou, como também é conhecido, a common law, tendo como principal fonte do direito os precedentes judiciais (stare decisis).[11] Por outro lado, o sistema processual penal norte-americano é o acusatório, já que tem por distintas o exercício das funções de acusação, defesa e julgamento; o exercício da jurisdição depende de acusação formal; e são assegurados ao acusado direitos processuais, como o contraditório e a ampla defesa.[12]

Indo mais a fundo, para explicar o desenvolvimento processual da instrução probatória norte-americana, adotamos o entendimento da festejada doutrinadora Ada Pellegrini Grinover no sentido de que a instrução probatória naquele país se dá pelo Adversarial System, este que consiste no “modelo que se caracteriza pela predominância das partes na determinação da marcha do processo e na produção de provas”[13]. Portanto, ressalte-se que tal modelo diz respeito a como se dará a instrução processual dentro do processo-crime, não se tratando de um sistema processual penal inteiro, mas sim de uma das possíveis características dele.

Isto porque, existe uma parcela da doutrina[14] que expõe de forma nebulosa e muitas vezes confusa a diferenciação existente entre os sistemas processuais penais - tais como acusatório e inquisitório - e o modelo que cada sistema processual toma para si na forma de conduzir o processo, atingindo os poderes instrutórios do juiz e a participação das partes no curso processual, podendo esse sistema optar tanto pelo Adversarial System quanto pelo Inquisitorial System.[15]

Dessa forma, torna-se mais clara a ideia de que os Estados Unidos adotaram o sistema processual penal acusatório e escolheram, como modelo de marcha processual e gestão de provas, o adversarial system. Brandalise, ao discorrer sobre esse ordenamento jurídico estadunidense, afirma, ipsis litteris:

 

Aqui, o juiz possui uma participação passiva na investigação, mesmo a que se passa no âmbito judicial, pois o prosecutor tem franco interesse quanto ao resultado final do processo, na busca de uma verdade que demonstre a participação do acusado, ao passo em que a defesa busca afastar tais assertivas. Assim, é natural a obtenção de verdades acordadas, pois o resultado se mostra mais relevante do que a obtenção de como os fatos aconteceram. Por tal motivação, admite que a confissão/guilty plea seja tomada como forma de extinção do processo (por atuar o juiz de forma passiva, as partes definem o alcance processo – fático e probatório – movidas por interesses estratégicos, com possibilidade de investigação pelas duas partes).[16]

 

Repisa-se que o Plea Bargaining é um método de resolução de demandas criminais, feitas por meio do consenso entre acusador e acusado que eventualmente chegam a uma conclusão do conteúdo da sentença. Já o juiz, segundo Brandalise, in verbis:

 

anuncia existir base fática para as acusações acordadas (como visto alhures, não está vedado de produzir prova, se assim entender necessário); verifica se o acusado não está sob qualquer influência que vicie sua vontade; afere se ele compreende a acusação e as consequências de sua aceitação; e se ele tem a devida noção da implicação da não utilização de seus direitos processuais.[17] [18]

 

Nesse giro, é correto dizer que a busca da verdade no processo criminal norte-americano, em regra, afasta-se bastante da verdade real utilizada em nosso ordenamento jurídico pátrio que é imposta às partes e ao juiz no curso da demanda criminal. Diversamente da realidade brasileira, o sistema processual penal estadunidense apresenta:

 

características de litigação civil, na medida em que possibilita que as partes componham sobre provas a serem apresentadas, o momento de tal apresentação, dentre outras. Nele, a proteção dos direitos individuais do acusado ganha relevância frente à descoberta da verdade, com o que se mostra livre para desistir de ser julgado pelo tribunal, de apresentar testemunhas, de ser defendido por um advogado, de se auto incriminar, de manter-se em silêncio etc.[19]

 

Com efeito, acerca da aplicação do Plea Bargaining em seu país natal, os autores Chemerinsky e Levenson, com citação e tradução por Queirós Campos, abordam o tema de forma esclarecedora, esposando um passo-a-passo da praxe procedimental criminal americana, in verbis:

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[...] se inicia com a prisão do infrator, seguida do oferecimento de uma acusação (complaint) que contenha a demonstração de justa causa (probable cause), submetida à apreciação de um magistrado. Posteriormente, é designada uma data para comparecimento do acusado perante o juiz (first appearance ou arraignment on complaint), para que seja cientificado das acusações a ele feitas e advertido de seu direito a ser assistido por um advogado, bem como possa tentar ser libertado com o pagamento de fiança.[20]             

 As negociações para realização do acordo de Plea Bargaining são comumente iniciadas a partir da formalização da acusação pelo MP norte-americano, assim as partes – acusador e acusado – quando interessadas, passam a ajustar o conteúdo desse contrato que tem por objeto a sentença criminal e, para tanto, o réu deverá necessariamente declarar-se culpado através da confissão do crime (plea of guilty) ou, quando aceito pela corte, deixar de contestar a ação penal (plea of nolo)[21].

 

Em seguida, a acusação formalizada contra o infrator é submetida à análise pelo Grande Júri (grand jury), que ouvirá, em audiência, as provas apresentadas pela acusação e decidirá se há justacausa para que o réu vá a julgamento. Aceitando a acusação, o Grande Júri faz o que, nos Estados Unidos da América, denomina-se “indiciamento” (indictiment), fixando as acusações que serão levadas a julgamento.

Superada essa etapa, o réu é chamado a comparecer a uma nova audiência (arraignment on indictment), na qual será indagado como ele se declara, culpado ou inocente (plea of guilty or not guilty) [ou se não deseja contestar quando aceito no Estado, plea of nolo], além de advertido sobre as acusações. A corte, então, agendará uma data para julgamento, dentro de padrões constitucionais de rápido julgamento (speedy trial).[22]

 

  Nessa audiência supracitada, corriqueiramente o réu se declara inocente para ganhar mais tempo de negociações com o Ministério Público e conseguir um acordo de Plea Bargaining mais benéfico. Portanto, apenas irá se declarar culpado ou manifestar desejo em não contestar as acusações aquele acusado que já tenha um acordo satisfatório.

 Ressalte-se, também, que o acusado pode mudar a sua declaração de inocente (plea of not guilty) para culpado (plea of guilty) ou desinteresse em impugnar as acusações (plea of nolo) enquanto puder ser realizado o acordo de Plea Bargaining que geralmente ocorre antes do julgamento, mas que, segundo Brandalise, poderá ser realizado, “inclusive, durante a execução da sentença condenatória prolatada”[23].

 

Passa-se à fase de confronto da prova (discovery), na qual cada parte procura examinar as evidências que seu adversário pretende utilizar no julgamento. Nessa etapa, é bastante frequente que as partes apresentem petições (pretrial motions) sobre uma variedade de temas, tais como a supressão de provas ilicitamente obtidas, dentre outras possíveis nulidades procedimentais.

Antes do julgamento, pode ocorrer a chamada plea bargaining, que consiste em um processo de negociação entre a acusação e o réu e seu defensor, podendo culminar na confissão de culpa (guilty plea ou plea of guilty) ou no nolo contendere, através do qual o réu não assume a culpa, mas declara que não quer discuti-la, isto é, não deseja contender. Costuma-se mencionar que cerca de 90% (noventa por cento) de todos os casos criminais não chegam a ir a julgamento. 

Se o acusado decide confessar a culpa (guilty plea), é agendada uma audiência para que ele manifeste sua decisão perante um magistrado.

[...]

Não havendo confissão de culpa ou nolo contendere, o caso vai a julgamento, que pode dar-se perante um magistrado togado (bench trial) ou perante um júri (jury trial).[24] 

 

Em torno dos meandros dos procedimentais criminais comuns norte-americanos, Mendes acrescenta uma pequena distinção na práxis existente entre a Justiça Federal e Estadual, cabendo aqui mencioná-la, vejamos: 

 

Na Justiça Estadual o acordo entre as partes pode ser feito oralmente e a qualquer momento antes do julgamento. Em alguns dos Estados o Juiz está autorizado a participar das negociações e frequentemente impõe a pena de imediato especialmente quando se trata de crime menos grave.

Já na esfera federal, o acordo deve ser formalizado por escrito e apresentado ao Juiz, que está proibido de participar das negociações, mas pode recusar o acordo ocorrido entre as partes se não estiver convencido de que o autor dos fatos entendeu seus termos e realmente os aceitou.[25]

 

 Saliente-se, portanto, que da análise do procedimento de praxe acima suscitado, há de se observar que as vias tomadas pelo processo criminal são praticamente binárias, haja vista que ou as partes chegam a um consenso pelo acordo do Plea Bargaining tornando o processo findo com a homologação judicial dos termos negociados, ou as partes não chegam a um acordo comum e o processo toma o seu rumo natural, mais longo e moroso. Acerca de tal fato Feeley, citado por Brandalise, aborda a questão, ipsis verbis:

 

Em síntese, existem dois modelos junto às cortes criminais, de acordo com o sistema americano:

  1. the due process model: por ele, há a realização do sistema adversarial em sua versão mais conhecida, pela qual há um embate entre as partes (Estado e acusado), com a nítida compreensão de que “um ganha e outro perde”. A definição da responsabilidade é feita pelo júri ou pelo juízo. Exige que o Estado cumpra o seu dever probatório quanto à acusação e possibilita que o acusado apresente provas em seu favor. Há a preocupação com a produção da justiça no caso concreto. Volta-se para a punição da conduta criminalmente tipificada, a condenação e a sentença final. Na teoria, mantém os direitos dos acusados e estabelece a culpa a partir de critério legais para apuração dela;
  2. the plea bargain model (onde presente o nolo contendere): por ele há uma divisão na compreensão entre perdas e ganhos, na medida em que o acusado tende a receber uma pena menor do que aquela que teria caso houvesse um julgamento aos moldes anteriores, enquanto que a acusação perde certa quantidade de pena, mas ganha a certeza da condenação, que também se reflete em otimização dos recursos estatais destinados à persecução criminal (da mesma forma que há uma redução de custos a serem suportados pelo acusado na promoção de sua defesa, além da melhor preservação da imagem e do tempo consumido). Também ele demonstra uma preocupação entre juízes, prosecutors e advogados com a administração da justiça, na medida em que auxilia rápido processamento e conclusão da carga de processos que assola o sistema. Aqui, o ponto central da punição passa pelo prosecutor, que define as acusações, o estabelecimento da culpa e a quantidade a ser imposta na sentença.[26]

 

 Noutro giro, conforme aduzido linhas acima, cerca de 90% dos processos criminais não chegam a ser julgados, seja por um juiz togado (bench trial), seja pelo júri (jury trial)[27] em razão do acordo de barganha realizado entre o órgão acusador (prosecutor) e o acusado (defendant). Essa ampla aplicação do Plea Bargaining se justifica não só em razão de seu sistema processual penal acusatório e do adversarial system como dito alhures, mas também pela vasta discricionariedade que os prosecutors detém.

A cerca do assunto, Mendes relata que:

 

Importante salientar que o plea bargaining pressupõe ampla discricionariedade por parte do órgão acusador para afastar ou reduzir imputações. Na negociação as opções da acusação são ilimitadas (embora o Promotor, obviamente, nunca possa basear sua decisão em critérios discriminatórios, como raça, religião ou outros).[28] [29]

 

 Nesse sentido, pode-se dizer que vigora o princípio da oportunidade e disponibilidade da ação penal norte-americana “já que é possível a disponibilidade do processo e de seu objeto, bem como que a possibilidade de uma verdade que as partes entendam como adequada dentro do processo [...]”[30].

Por outro lado, a adoção de institutos que negociam a sentença criminal em países regidos pelo sistema jurídico da civil law, não é novidade. Segundo Brandalise, o Absprachen do direito alemão, utilizado informalmente desde a década de 1970 e com previsão legal desde 2009, bem como o Pattegiamento do direito italiano, aplicado desde 1981, são mecanismos inseridos em seus ordenamentos jurídicos com a finalidade de reduzir o crescimento da quantidade de processos nos Tribunais e de solucionar, com celeridade, demandas de maior complexidade por meio do consenso.[31] [32]

Sobre o tema, Mendes acrescenta que, ipsis litteris:

 

Prossegue Nogueira, destacando que “diversos ordenamentos jurídicos europeus, inspirados no sistema norte-americano do plea bargaining, têm adotado soluções inovadoras com o intuito de chegar a uma Justiça Penal mais célere e mais efetiva, em atendimento aos anseios da comunidade. Assim, na Itália vamos encontrar o instituto do patteggiamento; em Portugal, a “suspensão do processo:”, e na Espanha, a “conformidade”.[33]

 

No Brasil, é sabido que no decorrer dos séculos XX e XXI, os métodos de consenso entre as partes dentro do processo judicial vem sendo cada vez mais implementados e utilizados na órbita dos mais variados ramos do direito nacional.

Especificamente no direito penal pátrio, o consenso é aplicado de forma contida, uma vez que a seara criminal foge da esfera meramente privada, alcançando um interesse estatal com objetivo de perseguir o autor do fato criminoso (jus persequendi) e de puni-lo[34] (jus puniendi), seja para fins de repressão criminal, seja para que se alcance a reinserção social do condenado.

Ressalta-se que, além do interesse estatal, não se pode olvidar que existem uma série de garantias constitucionais e infraconstitucionais assegurando o Devido Processo Legal e a paridade de armas entre as partes dentro do processo-crime, restando evidente que o Brasil adota, como instrumento de política criminal[35], o modelo garantista no processo penal, este “mais preocupado – por vezes em excesso – com o respeito aos direitos e liberdades individuais[...]”[36], o que, de igual forma, acaba por dificultar a utilização de meios de consenso que relativizam o manejo desses direitos no curso da ação penal. 

Apesar de todo esse engessamento contra esses mecanismos de acordo que tange o direito penal, o ordenamento jurídico brasileiro vem colecionando uma série de institutos negociais no processo criminal, dentre eles a autocomposição civil, transação penal, suspensão condicional do processo, colaboração premiada e o acordo de leniência.

Nessa construção de um direito penal consensual, o Brasil pretende adotar, com base na justiça penal negocial, um instituto de sentença penal negociada semelhante ao Plea Bargaining por meio do Projeto de Lei nº 8045/2010 que institui o novo Código de Processo Penal. Vejamos a proposta:

 

Art. 283. Até o início da instrução e da audiência a que se refere o art. 276, cumpridas as disposições do rito ordinário, o Ministério Público e o acusado, por seu defensor, poderão requerer a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 (oito) anos. 

§1º São requisitos do acordo de que trata o caput deste artigo: 

I – a confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na peça acusatória; 

II – o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal, independentemente da eventual incidência de circunstâncias agravantes ou causas de aumento de pena, e sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo; 

III – a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção das provas por elas indicadas[37]

 

No mesmo sentido, o Projeto de Lei do Senado nº 236/2012 que institui o novo Código Penal, harmoniza com as normas da proposta supramencionada, dispondo em seu art. 105, sob o Título VII, a “Barganha”, in verbis:

 

Art. 105. Recebida definitivamente a denúncia ou a queixa, o advogado ou defensor público, de um lado, e o órgão do Ministério Público ou querelante responsável pela causa, de outro, no exercício da autonomia das suas vontades, poderão celebrar acordo para a aplicação imediata das penas, antes da audiência de instrução e julgamento. 

§1º São requisitos do acordo de que trata o caput deste artigo: 

I – a confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na peça acusatória; 

II – o requerimento de que a pena de prisão seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal, independentemente da eventual incidência de circunstâncias agravantes ou causas de aumento de pena, e sem prejuízo do disposto nos §§ 2º a 4º deste artigo; 

III – a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção das provas por elas indicadas.[38]

 

 Nota-se que, tanto o art. 283 da PL nº 8045/2010 quanto o art. 105 da PLS nº 236/2012 possuem idênticos requisitos para a realização do acordo penal entre Ministério Público e acusado (§1º, inc. I, II e III) e apenas variam em relação a delimitação dos crimes que possam ser abrangidos no pacto – enquanto no projeto do novo CPP há previsão (no caput do art. 283) para celebração de acordo apenas envolvendo crimes cuja a pena máxima em abstrato não ultrapasse 8 anos, a redação legal constante no projeto do novo CP nada diz – no mais, as propostas são congêneres[39].

Há de se ressaltar que a redação original dos projetos de lei supramencionados dispõe um instituto processual penal consensual que visa antecipar a aplicação de uma sentença criminal mais branda ao acusado com o requisito necessário de que este assuma a prática do delito à ele imputado por meio de confissão, sem de fato haver uma verdadeira negociação entre as partes sobre essa sentença como ocorre no Plea Bargaining, já que em terras brasileiras o Ministério Público não possui tanta discricionariedade no curso da ação penal quanto em terras estadunidenses. 

Ademais, pelas circunstâncias do Brasil e Estado Unidos se tratarem de países regidos por sistemas jurídicos distintos e formas de atuação do Ministério Público dispares, as importações de institutos processuais penais do direito estrangeiro para o território nacional devem passar por diversas alterações com o objetivo de se verem adequadas ao nosso ordenamento jurídico e assim evitarem colisões com a Constituição Federal e Legislação Infraconstitucional. Portanto, abordar as diferenças entre a “Barganha” brasileira e o Plea Bargaining seriam inoportunas neste artigo científico, pois são dignas de análise extensa a ser elaborada em estudo próprio.

Por fim, o presente artigo não poderia chegar ao seu arremate sem antes mencionar o mais recente Projeto de Lei apresentado no ano de 2019 envolvendo o tema do Plea Bargaining.  A implementação deste instituto poderá ser efetivada, de igual forma, por meio da chamada “Lei Anticrime” (PL nº 882/2019) proposta pelo então Ministro da Justiça Sérgio Moro, onde estabelece, na seção XII da redação do referido Projeto, “Medidas para introduzir soluções negociadas no Código de Processo Penal e na Lei de Improbidade”.

Dentre as diversas alterações legislativas que pretende realizar a “Lei Anticrime” com o objetivo de estabelecer medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa, estão algumas mudanças direcionadas ao vigente Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3689/41), com a inclusão dos art. 28-A e §§, bem como do art. 395-A e §§, no mencionado Códex.

Vejamos a redação do art. 28-A do Projeto de Lei Anticrime, in verbis:

 

Art. 28-A. Não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado circunstanciadamente a prática de infração penal, sem violência ou grave ameaça, e com pena máxima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público;

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; e

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.[40]

 

Com efeito, é possível observar que o supracitado art. 28-A dispõe acerca da possibilidade de um acordo a ser realizado entre o acusado e o Ministério Público limitado aos casos em que envolvam crimes com pena inferior a 4 anos e desde que cometidos sem violência ou grave ameaça. Tal contrato deve ser feito antes de proposta a ação criminal e seu conteúdo deve envolver necessariamente uma ou algumas das sanções constante nos incisos I ao V do referido artigo, do qual tratam, curiosamente, apenas de penas restritivas de direitos, o que evidencia uma grande aproximação desse acordo com o já existente instituto da transação penal.

Na verdade, a partir de uma breve análise da redação do art. 28-A trazida pelo Projeto de Lei Anticrime, pode-se concluir que mais se trata de uma ampliação da transação penal, levando a aplicação deste instituto para fora das hipóteses de crimes de menor potencial ofensivo, do que de um genuíno Plea Bargaining que envolve, em sua essência, penas privativas de liberdade e acordos realizados com maior autonomia de negociação entre as partes. A maior diferença entre o dispositivo do 28-A e a transação penal prevista na Lei 9.099/95, estaria presente na necessidade do investigado confessar a pratica do crime para que pudesse ser realizado um acordo, enquanto que no acordo de transação penal o suposto autor do fato nem confessa e nem assume a culpa do delito.

Noutra toada, o art. 395-A do Projeto de Lei Anticrime demonstra uma redação mais assemelhada ao instituto norte-americano do Plea Bargaining, ipsis litteris:

 

Art. 395-A. Após o recebimento da denúncia ou da queixa e até o início da instrução, o Ministério Público ou o querelante e o acusado, assistido por seu defensor, poderão requerer mediante acordo penal a aplicação imediata das penas.

§ 1º São requisitos do acordo de que trata o caput deste artigo:

I - a confissão circunstanciada da prática da infração penal;

II - o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada dentro dos parâmetros legais e considerando as circunstâncias do caso penal, com a sugestão de penas em concreto ao juiz; e

III - a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção de provas por elas indicadas e de renunciar ao direito de recurso.[41]

 

De plano, importante ressaltar que o artigo citado linhas acima possui, em parte, afinidade com o já mencionado art. 105 do Projeto de Lei do Novo Código Penal. Isto porque, o art. 395-A não limita a realização do acordo penal pelo critério da quantificação das penas do delito que o acusado responde, aqui a aplicação do instituto se torna indiscriminada em relação a cominação da pena máxima em abstrato dos crimes, podendo o acordo ser aplicado a qualquer delito independentemente do tamanho de sua pena, inclusive nos crimes dolosos contra a vida os quais são de competência do júri.[42]

Por outro lado, o dispositivo do art. 395-A destoa das demais propostas dos projetos de lei até então aludidos neste trabalho científico, haja vista que em seu § 1º, inciso II, há a disposição de uma margem de discricionariedade para que as partes possam de fato barganhar e enfim chegar a uma pena privativa de liberdade negociada (observando os parâmetros legais da pena e as peculiaridades do caso concreto) a ser sugerida ao juiz da causa, como é o que acontece no já explicado sentence bargaining – decorrente do Plea Bargaining.

Neste cenário, verifica-se que os supracitados Projetos de Lei visam instituir uma proposta de sentença penal negociada de forma a inovar o ordenamento jurídico brasileiro na órbita do direito penal, fazendo isto por meio da importação de institutos processuais penais, ou ao menos a essência deles, originados no direito estrangeiro, com o fito de dar nova roupagem à justiça criminal nacional e de torná-la adepta dos mecanismos de consenso, construindo uma verdadeira justiça penal negociada no território nacional.

 

 

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Sobre o autor
Lucas Cavalheiro Fontes

Bacharel em Direito pela Universidade Veiga de Almeida. Com experiências no ramo do Direito Público, possuindo apreço pelo Direito Penal e Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTES, Lucas Cavalheiro. Plea bargain: o que é isto, como é aplicado e como o ordenamento jurídico brasileiro pode implementá-lo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5774, 23 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72872. Acesso em: 22 dez. 2024.

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