O presente trabalho visa discutir a possibilidade de continuação do processo de execução, no caso de julgamento de improcedência de embargos do devedor.
Com efeito, surgem importantes questões nesse momento, como (i) qual o recurso cabível para esse caso? (ii) qual o efeito desse recurso, suspensivo ou devolutivo? (iii) é possível a continuidade da execução? (iv) trata-se de execução provisória ou definitiva?
Trata-se de verdadeira sentença a decisão que julga os embargos do devedor e o recurso cabível é o de apelação (740, § único, CPC, e 513, CPC).
Entretanto, apesar da regra geral de que o recurso de apelação sempre é recebido com efeitos devolutivo e suspensivo, essa apelação é exceção, sendo que é sempre recebida apenas no efeito devolutivo (520, V, CPC).
Assim, se recebida apenas no efeito devolutivo, considerando que a sentença julgou improcedentes os embargos, de direito é a continuidade do processo de execução, com a efetivação de todos os atos para a satisfação do credor, dentre eles, o levantamento de depósitos judiciais. Em outros termos: se sentença rejeitou os embargos (a respectiva apelação tem apenas efeito devolutivo) e reafirmou a certeza da execução, essa execução essa deve ser vista como definitiva, e não provisória, uma vez a desnecessidade de caução para o prosseguimento e levantamento de quantias, como é assente a jurisprudência do STJ.
O Desembargador Aposentado do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo e Professor Titular de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Dr. Cândido Rangel Dinamarco, em capítulo especialmente dedicado à questão, com fundamento na jurisprudência do superior tribunal de justiça, é expresso ao dizer que no caso de sentença que rejeita embargos à execução, a apelação interposta não tem efeito suspensivo, apenas devolutivo, nos termos do art. 520, inc. V, CPC, pelo que o exeqüente tem o direito de prosseguir a execução com o levantamento da quantia depositada:
"1.824. a execução na pendência de recurso contra sentença que não acolhe embargos do executado
"Segundo o disposto no art. 520, inc. V, do Código de Processo Civil, não tem efeito suspensivo a apelação "interposta de sentença que (…) rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes". O visível intuito dolegislador é a aceleração da tutela jurisdicional, apoiado no fato de ser extremamente provável a existência do crédito exeqüendo, quando nesse sentido convergem a própria existência de um titulo dotado de eficácia abstrata e ainda um ato judicial que reafirma essa eficácia – e assim são não só a sentença que rejeita os embargos pelo mérito, sendo então afirmada a regularidade da execução embargada, como também a que os extingue sem julgamento do mérito.
"Não se trata de executar com fundamento na sentença que extingue o processo dos embargos ou que os rejeita pelo mérito. Essas sentenças não são condenatórias, porque se limitam a liberar a eficácia do titulo executivo, que é a sentença condenatória, a homologatória de acordo, um título extrajudicial etc. (supra, nn. 1.762 e 1.791). A execução, instaurada com fundamento em um desses títulos, fica suspensa durante a pendência do processo em primeiro grau jurisdicional e depois prossegue pelo mesmo título em que se apoiava desde o início.
"Tais razões, manifestamente ligadas à promessa constitucional de tutela jurisdicional efetiva e tempestiva (supra, n. 43), motivaram a fortíssima linha jurisprudencial formada no sentido de ser definitiva e não provisória a execução quando pende recurso contra uma dessas sentenças. Esse pensamento prepondera notadamente no Superior Tribunal de Justiça, onde se vem afirmando que "tal definitividade abrange todos os atos, podendo realizar-se a praça para a alienação do bem penhorado, com a expedição da respectiva carta de arrematação"; autorizam-se não só a alienação em hasta pública mas também a que se faz mediante todos os outros modos de expropriar, como a adjudicação, a remição, a alienação antecipada, a alienação por proposta escrita (supra, nn. 1.702 ss.). O que caracteriza a execução em todos esses casos é, em primeiro lugar, a não-exigência de caução alguma como requisito para que se possa consumar a expropriação do bem, como em princípio se dá nas execuções provisórias (art. 588, inc. I, e § 2o. – infra, n. 1.829); trata-se de uma execução completa, como a definitiva, autorizando-se plenamente a alienação de bens e levantamento de quantias.
"Mas será realmente definitiva essa execução? Se o acórdão proferido no recurso interposto sem efeito suspensivo vier a dar provimento a este, declaando inexistente o crédito do exeqüente, não terá o executado direito à reposição de seu patrimônio, nos termos do art. 588, inc. III, do Código de Processo Civil? É nessa suscetibilidade ao desfazimento que reside a provisoriedade de uma execução, não nas restrições à possibilidade de alienar bens ou levantar quantias (supra, n. 1.822, e infra, n. 1.826). Na realidade, a execução na pendência de recurso contra sentença ou acórdão que houver rejeitado os embargos do executado é provisória, porque pode ser desfeita – com a diferença consistente em poder prosseguir até ao fim, com a alienação de bens e entrega de quantias, independentemente de qualquer caução. Essa jurisprudência, afirmando a definitividade da execução, formou-se no tempo em que a execução provisória brasileira era também, além de provisória, truncada; ou seja, quando as alienações de domínio eram rigidamente excluídas (supra, n. 1.822). A solução dada pela jurisprudência é portanto boa em face do objetivo de fornecer uma tutela jurisdicional efetiva e mais célere, mas conceitualmente essa não deixa de ser uma execução provisória."
Assim sendo, para o Desembargador do E. TJSP e Professor Titular da USP, Dr. Cândido Rangel Dinamarco, proferida sentença rejeitando embargos à execução, deve prosseguir regularmente a execução iniciada – como verdadeira execução definitiva, que, conforme jurisprudência do STJ, pode alcançar todos os atos, inclusive, levantamento de quantias, uma vez que o recurso de apelação contra essa sentença não tem efeito suspensivo.
Como referido, a jurisprudência do superior tribunal de justiça é no mesmo sentido - pelo prosseguimento da execução com todos atos de costume para a satisfação do crédito, independentemente de caução, prosseguindo-se como verdadeira execução definitiva, no caso de sentença que rejeita embargos à execução e apelação recebida apenas com efeito devolutivo.
ARAKEN de assis, Desembargador do E. tribunal de justiça do rio grande do sul, em sua obra Manual do Processo de Execução, 8a. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, tida como um clássico sobre a matéria, é claro, consoante os entendimentos do Des. cândido rangel dinamarco, ao afirmar que a existência de dois principais "efeitos no caso de improcedência" dos embargos à execução:
(i) "desembaraço do processo executivo": "improcedentes os embargos, destrava-se o curso do processo executivo" (ob. cit., p. 1.292); e
(ii) "definitividade da execução na pendência da apelação": "os efeitos da sentença de improcedência dos embargos prescindem da sua futura incontestatibilidade (coisa julgada), conforme antes explicado (retro, 459)."(ob. cit., p. 1.293)
Continua o magistrado e processualista:
"O art. 520, V, desproveu o recurso de apelação, cabível contra a sentença que julgou improcedentes os embargos (art. 513), do seu efeito suspensivo normal. A regra suscita a questão de saber se definitiva ou povisória a execução na pendência deste recurso.
"Não existe a menor base de convencimento, dentro do sistema, para se concluir pela provisoriedade da execução. Ela prosseguirá definitivamente.
(...)
"A posição contrária lobriga temor quanto à reversão da sentença e os conseqüentes danos provocados na esfera jurídica do executado. Essas considerações se mostram pouco razoáveis. Em primeiro lugar, o ressarcimento do devedor se encontra assegurado pelo art. 574; ademais, o regime do art. 520, V, deriva de um sábio juízo de probabilidade: o credor já dispunha de título, beneficiado pela presunção de certeza, e, agora, a seu favor milita a sentença proferida nos embargos, é verdade que provisória, mas que só reforça a credibilidade de sua vantagem inicial. Entre tavar por mais tempo a execução, na pendência do recurso, e, desde logo atuar os meios executórios, o legislador optou, com razão, pela primeira diretriz. Ela não é de assustar."
Ainda cita o mestre aresto do STJ, nesse sentido: "julgados improcedentes os embargos, a execução prosseguirá em caráter definitivo", ob. cit., p. 1.294. Destaca, por fim, que a promanada continuidade – com até levantamento de quantias depositadas - da "execução se processará nos autos principais, os quais, para tal fim, serão desapensados dos autos dos embargos (art. 589, 1a. parte)" (ob. cit., p. 1.294).
Frise-se, outrossim, a título exemplificativo, que o eminente processualista humberto theodoro júnior, Des. do E. tribunal de justiça de minas gerais e Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG, em seu também clássico Processo de Execução, 22a. ed., São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2004, em pp. 411-412, apresenta fluxograma da marcha processual do processo de execução por quantia certa contra devedor solvente, sendo que em p. 412 é claro ao ensinar que no caso de "acolhimento dos embargos", o próximo passo é a "extinçao da execução"; já no caso de "improcedência dos embargos", os próximos passão são (i) "avaliação (10 dias – art. 681 ou dispensa – art. 684", e (ii) "pagamento do credor"; e assim após o pagamento, "extinção da execução" ou apuração de "saldo devedor" e/ou "nova penhora e reinício das fases já percorridas".
Não é outro o entendimento exarado na jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:
"EXECUÇÃO. Título judicial. Embargos. Improcedência. Definitividade da execução.
- Julgados improcedentes os embargos à execução de título judicial, a execução prossegue com caráter de definitividade.
- Honorários de advogado deferidos em ação de reintegração julgada improcedente, com trânsito em julgado, podem ser executados, mesmo que em tramitação outra ação ordinária entre as mesmas partes. Recurso conhecido e provido."
"EXECUÇÃO DE SENTENÇA, COM LIQUIDAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. EMBARGOS DO DEVEDOR. CARATER DEFINITIVO DA EXECUÇÃO. CAUÇÃO. EM CASOS DESSA ESPECIE, APRESENTA-SE DEFINITIVA A EXECUÇÃO, AINDA QUE PENDA APELAÇÃO DA SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTES OS EMBARGOS. CASO EM QUE SE NÃO REQUER A PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO." (RESP 6382-PR, Rel. Min. Nilson Naves, j. 30/09/1991)
"PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS À EXECUÇÃO - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL (NOTA PROMISSÓRIA) - INFRINGÊNCIA AOS ARTS. 522 E 535, DO CPC - INEXISTÊNCIA - ART. 588, II, DO CPC - CAUÇÃO - DESNECESSIDADE.
1 - Inexiste afronta ao art. 535, do CPC, quando o v. acórdão impugnado não incorreu em omissão, contradição ou obscuridade. Ademais, os embargos declaratórios têm natureza, via de regra, meramente integrativa, sendo raros os casos em que a doutrina e a jurisprudência aceitam o caráter infringente. Outrossim, inocorre violação ao art. 522, do Estatuto Processual Civil, posto que a decisão agravada de instrumento (fls. 37) foi publicada em 20.11.98 (sexta-feira), conforme certidão de fls. 38 e o recurso foi interposto em 02.12.98, último dia do prazo. Logo, encontra-se o mesmo tempestivo.
2 - No caso concreto, tendo a execução se lastreado em título executivo extrajudicial (NOTA PROMISSÓRIA), tendo, por seu turno, natureza definitiva, improcede a exigência da caução prevista no art. 588, II, do Código de Processo Civil, já que somente é aplicada no caso de execução provisória. A execução de índole definitiva somente é suspensa com a oposição de embargos do devedor. Todavia, se os mesmos forem improcedentes, parcialmente procedentes ou liminarmente indeferidos, a execução deverá prosseguir, mesmo se a apelação tiver sido interposta pelo embargante-executado. É que tal recurso goza apenas do efeito devolutivo, conforme dispõe o art. 520, V, do CPC (cf. ERESP nº 195.742/SP).
3 - Recurso parcialmente conhecido e, neste aspecto, provido apenas para afastar a caução fixada pela Corte de origem, determinando que a execução prossiga como definitiva." (RESP 236749-SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 27/09/2004)
Desta feita, a melhor doutrina, com amparo na jurisprudência do STJ, é no sentido de que, interposta apelação contra a sentença que rejeita embargos, deve ser dada continuidade à execução, como definitiva, e com vistas a todos os atos para a satisfação do crédito do exeqüente, como, por exemplo, levantamendo de depósito judicial.
Em suma, por conclusão, considerando que a apelação dos embargos tem apenas efeito devolutivo, é essa a interpretação prestigiada: deve ser continuada a execução, como definitiva, seguindo ordem processual ditada pelos arts. 708, I, e 709, caput, CPC (com o pagamento ao credor).
Bibliografia:
Dinamarco, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. IV, São Paulo: Malheiros, 2004.
Theodoro Júnior, Humberto, Processo de Execução, 22a. ed., São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2004.
Assis, Araken de, Manual do Processo de Execução, 8a. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
Julgados citados:
STJ, RESP 324671-RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 18/02/2002.
STJ, RESP 6382-PR, Rel. Min. Nilson Naves, j. 30/09/1991.
STJ, RESP 236749-SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 27/09/2004.