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STF julga constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos

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Comentários a respeito do conflito das normas constitucionais de liberdade religiosa e proteção à fauna e flora.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, de forma unânime, pela constitucionalidade do sacrifício de animais em cultos religiosos. Os ministros julgaram improcedente o Recurso Extraordinário 494.601, que questionava lei estadual do Rio Grande do Sul que permite o sacrifício de animais em rituais religiosos, destacando as religiões de matriz-africana.

As liberdades de crença e de culto são asseguradas no inciso VI do Artigo 5º da Constituição da República, que dispõe “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”, o que acabou fundamentando o voto dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

A decisão, tomada em um recurso com repercussão geral, deverá ser aplicada por todos os tribunais e juízes do país, em casos semelhantes.

Tal decisão é polêmica, e causa perplexidade em parte da população. Merece destaque que a liberdade religiosa não assegura que uma conduta, apenas por ser religiosamente motivada, terá tratamento privilegiado em relação às normas estatais com as quais se encontra em conflito.

Nesse sentido, nossa Carta Magna, após declarar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, dispõe em seu art. 225, §1°, inciso VII, que para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público [...] proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Outras legislações também buscam a proteção de animais, como a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998), que prevê em seu art. 32 que “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”

Em relação ao texto constitucional, insta salientar que os animais escolhidos para sacrifício, nas religiões de matriz-africana, variam de acordo com o orixá ao qual é realizada a oferenda, sendo como animais mais típicos galinhas, patos, porcos, bodes e carneiros. Além de não se tratar de espécies em extinção, são animais utilizados para consumo, o que é tolerado por nosso ordenamento jurídico.

Cabe ainda a reflexão a respeito da crueldade a que os animais sacrificados estariam submetidos. Em tese, o sofrimento do animal objeto do sacrifício é o mesmo do animal abatido para consumo. Importante destacar que, no caso do Candomblé, por exemplo, quem faz o sacrifício é um sacerdote especializado, chamado Axogun ou Azogun, que tem uma função extremamente importante na hierarquia do templo. O Axogun não pode deixar o animal sentir dor ou sofrer de maneira nenhuma, porque senão a oferenda não seria aceita pelo Orixá.

Difere da crueldade praticada contra os animais na manifestação cultural da farra do boi, que fora considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário n. 153531).

No entanto, por se tratar de religiões minoritárias, no que tange aos rituais de sacrifício de animais, fogem à cultura e ao conceito de ética dominantes na sociedade, sendo notória e justificada a preocupação da comunidade com a usurpação da vida de animais, vista nesse caso, pelos adeptos de outras religiões, como uma prática desnecessária.

Os ministros do STF defenderam a necessidade de dar especial proteção às culturas que foram sempre estigmatizadas, buscando-se, com tal entendimento, combater a intolerância e o preconceito, assim como evitar a interferência na liberdade religiosa.

A ressalva a ser feita em tal decisão é a de aplicação análoga para religiões que sejam mal intencionadas, como a Kiumbanda, que também usa sacrifícios de animais, porém, utilizando-se da energia e da dor para ativar rituais de magia negra.

Entretanto, decisões semelhantes já foram tomadas em diversos países, a exemplo cito decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Church of the Lukumi Babalu Aye vs. Hialeah City (julgado em 1993), que declarou a inconstitucionalidade de lei da cidade de Hialeah, localizada na Flórida, que tornava ilegal o sacrifício de animais em cultos religiosos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil; Senado Federal, 1988.

_______, Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

LEITE, Fábio Carvalho. A liberdade de crença e o sacrifício de animais em cultos religiosos. Veredas do Direito, Belo horizonte, v. 10, n. 20, p. 163-177, jul./dez. 2013. Disponível:http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/liberdade_de_crenca_e_o_sacrificio_de_animais_em_cultos_religiosos.pdf

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 34ª edição. São Paulo: Atlas, 2018.

Suprema Corte do Estados Unidos. Church of Lukumi Babalu Aye v. City of Hialeah, 508 U.S. 520 (1993), 508 U.S. 520; argued November 4, 1992; Decided June 11, 1993

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Sobre os autores
Alberto Lúcio de Souza Simonetti Filho

Advogado. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas. Pós-graduando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILHO, Alberto Lúcio Souza Simonetti ; MATOS, Maria Noeme Tigresa Souza. STF julga constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5754, 3 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73031. Acesso em: 21 nov. 2024.

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