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O instituto da recuperação judicial diante da súmula 581 do STJ

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DA SÚMULA 581 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 

O disposto nos artigos retro transcritos determina a suspensão da prescrição e das execuções e ações em curso contra o devedor, inclusive as ações ajuizadas pelos credores particulares em face dos sócios solidários.

Com efeito, dado a relevância da controvérsia acerca da suspensão das ações em curso se seus efeitos alcançam além dos sócios também os devedores solidários ou coobrigados, em sede de recurso repetitivo (1.333.349 – SP) o Superior Tribunal de Justiça em decisão da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão se posicionou contra, afirmando, para tanto, que a suspensão das ações em curso alcança somente os sócios solidários, pois não se confunde estes com os garantidores coobrigados, conforme, aliás, vem previsto no parágrafo primeiro do artigo 49 da LRJF.

Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

Tal posicionamento, aliás, seguido pelos demais membros da 2ª seção do STJ, teve como espeque a exegese do artigo 6º, caput e artigo 52, inciso III da Lei 11.105/2005, além de posicionamento de parte da doutrina, diga-se: de escol; que ampara sua tese na literalidade dos artigos mencionados e no instituto da novação dos créditos insculpido no artigo 59 da LRJF.

A título de exemplo, João Pedro Scalzilli observa-se o fiel posicionamento à literalidade normativa acerca da novação dos créditos, e a possibilidade de serem mantidas as garantias reais ou fidejussórias em face dos devedores solidários e coobrigados e o pleno exercício pelo credor de seus direitos, senão vejamos:

Muito embora o plano de recuperação judicial opere a novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias prestadas por terceiros em favor do devedor são preservadas. Tal circunstância possibilita ao credor exercer (ou continuar exercendo) seus direitos contra os garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral.

E mais, se bem observar o comando do artigo 6º caput da Lei 11.105/2005, percebe-se que a suspensão das execuções e ações em curso alcança o devedor (recuperanda) e o sócio solidário cuja responsabilidade é ilimitada; isso porque em eventual convolação da recuperação em falência os bens destes sócios são arrecadados, por conta do principio do juízo universal da falência, como disposto no artigo 81 doa LRJF:

Artigo 81 – A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem.

Neste aspecto, a instrução normativa acerca da suspensão das ações em curso alcança o devedor e o sócio solidário das chamadas sociedades do tipo menor, a saber, sociedade em nome coletivo, comanditado – na sociedade em comandita simples, acionista-diretor – na comandita por ações; tal previsão se deve, conforme alhures, em sendo decretada a quebra da empresa os bens destes sócios solidários serão arrecadados, como nos ensina Fábio Ulhoa Coelho:

Quando, por outro lado, se trata de sociedade de tipo menor, é necessário distinguir a situação jurídica do sócio com responsabilidade ilimitada (qualquer um, na sociedade em nome coletivo; comanditado, na sociedade em comandita simples; acionista-diretor, na comandita por ações) da dos que respondem limitadamente (comanditário, na comandita simples e o acionista não diretor, na comandita por ações) pelas obrigações sociais. Na falência, de sociedade de tipo menor, os bens dos sócios de responsabilidade ilimitada são arrecadados pelo administrador judicial juntamente com os da sociedade. Estão, assim, sujeitos à mesma constrição judicial do patrimônio da falida.

O posicionamento a que se chegou a superior corte por meio da edição da Súmula 581, sobretudo, manteve a mens legis da Lei 11.105/2005 na conservação da empresa como fonte geradora de riquezas no interesse dos credores; daí, portanto, a justificativa da novação sem dispensar as garantidas, bem como a manutenção do exercício regular dos direitos dos credores em desfavor aos garantes, a despeito da concessão da recuperação judicial.

Todavia, há dissenso na doutrina acerca da edição sumular retro, mormente em se tratando do interesse pelas empresas em lançar-se pela via da recuperação judicial diante da limitação do sobrestamento das ações em favor apenas da recuperanda e sócios solidários.


CRÍTICAS À SÚMULA 581 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Diante da pacificação da controvérsia pela edição da Súmula 581 do STJ, é possível ocorrer um desestimulo por parte da empresa em dificuldade financeira em adotar a via da recuperação judicial.

Isso porque ao sobrestar as ações preterindo os terceiros devedores solidários ou coobrigados, vale dizer, ao manter o direito do exercício regular dos credores frente às garantias, faz com que os benefícios alcançados pelos acordos no plano de recuperação judicial venham se perder diante de eventual exercício do direito de regresso pelos garantes.

Observa-se que a lei de recuperação judicial não prevê aos terceiros solidários ou coobrigados eventuais benefícios concedidos pelos credores à recuperanda e sócios solidários; aliás, de total estranheza e contrassenso, posto ao determinar a novação dos créditos deveria suspender as ações em face dos garantidores.

Ora, ocorrendo a novação presume a não existência de dívida inadimplida, sendo assim, falta interesse processual em exigir o cumprimento da garantia estando a obrigação escorreita.

A doutrina de Manoel Justina Bezerra Filho traduz de forma crítica o posicionamento dos nossos tribunais que levou à edição da sumula referida, senão vejamos:

No entanto, nesse caso, estaria frustrado o próprio espírito da Lei, que pretende dar oportunidade de recuperação ao devedor em crise. É que, embora o devedor fizesse um acordo com seu credor para pagar um valor em condições mais favoráveis (no caso, em valor menor do que o original), ainda assim viria a responder, em regresso, pelo abatimento que teria conseguido com o credor. Com certeza, em tal situação, não estaria sendo atendida a finalidade da Lei, pois haveria apenas postergação do pagamento, tornando-se inócuo qualquer acordo que fosse feito entre devedor em crise e credor. Em consequência, a sociedade empresária estaria desestimulada de se socorrer da recuperação judicial que a Lei lhe oferece. 

 Outro ponto é acerca das garantias, tal como a fiança de natureza fidejussória, acessória e subsidiária em razão do benefício de ordem, que poderá ser firmada via instrumento próprio ou no bojo do contrato principal.

A fiança é acessória e como tal segue o contrato principal, assim havendo concessão de benefícios ao devedor na recuperação judicial, estes deveriam ser estendidos ao fiador, sob pena de violação a característica da acessoriedade do instituto da fiança.

  Diferentemente, no entanto, das garantias fidejussórias cambiárias que por sua natureza sui generis possuem princípios que as definem como obrigações autônomas e solidárias, onde notadamente o que se aproveita ao devedor principal não alcança o garante solidário, salvo se assentiu junto a credor.

A título de exemplo, há na doutrina diversos posicionamentos acerca da natureza jurídica do aval na qualidade de garantia cambiária, como trazidos na obra de P. R. Tavares Paes:

Magarinos Torres considera o aval uma garantia pessoal, plena e solidária que se pode juntar ao título, à obrigação de qualquer dos obrigados. Diz, ainda que é uma modalidade de fiança ‘expressamente e só visando a fortificar o crédito de um obrigado cambial, isto é, tendo por fim assegurar diretamente o pagamento por terceira pessoa’ (‘Nota Promissória’, vo. I/265). Já José Maria Whiltaker diz que o aval é uma garantia a um valor – ‘in rem’ – e não a uma pessoa – ‘in personan’: pressupõe a existência de uma obrigação, mas existência formal, e não real. E, como adverte Bonelli, ‘um instituto análogo ao do aceite por intervenção, pois num e noutro caso o subscritor assume o débito como próprio, independente da obrigação de uma pessoa determinada’. (‘Letra de Câmbio’, 6ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1961, p. 188).  

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Portanto, dada a garantia por fiança ou cambiária e, ocorrendo a novação dos créditos na recuperação judicial, ainda que se conservem as garantias por disposição de lei, deve-se suspender o exercício regular do direito dos credores em cobrar os terceiros solidários e coobrigados, seja pela inexistência de obrigação inadimplida em razão da novação, seja por se tornar inócuo qualquer benefício concedido pelo credor ao devedor frente ao direito de regresso.


CONCLUSÃO 

Diante do exposto, a superior instância pacificou a controvérsia acerca da suspensão da prescrição das ações e execuções em curso em razão do processamento da recuperação judicial, beneficiando de seus efeitos apenas a recuperanda e sócios solidários, preterindo, portanto, os terceiros solidários e coobrigados.

A justificativa teve como substrato a própria literalidade da Lei 11.101/2005, seus princípios e condição sui generis do instituto da novação.

No entanto, posicionamento contrário à referida súmula sustenta que ao permitir a continuidade da cobrança pelo credor em desfavor dos terceiros solidários e coobrigados, eventuais benefícios concedidos pelo credor à recuperanda e sócios solidários se perderiam diante do direito de regresso pelos garantes.

Tal discussão só está no início, visto que a edição sumular retro é recente, assim como a legislação específica que trata do instituto da recuperação judicial; mas, diante do que se asseverou, existe uma grande possibilidade de ocorrer a revogação da Sumula 581 do STJ, sendo mais viável que se estendesse a possibilidade de suspensão das ações também aos terceiros solidários e coobrigados.


BIBLIOGRAFIA 

 BEZERRA FILHO, Manuel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falência Comentada, 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

CAMINHA, Uinie; MARINHO, Sarah Morganna Matos. A NOVAÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: análise das peculiaridades da aplicação do instituto de Direito Civil (https://jus.com.br/tudo/direito-civil) ao Direito Falimentar (https://jus.com.br/tudo/direito-falimentar). Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 18, nº 1. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.142/nej.v18n1.p135-150 (http://dx.doi.org/10.14210/nej.v18n1.p135150).

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. volume 3. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 286.

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LOBO, Jorge. Arts. 34 a 69. In: Toledo, Paulo F. C. Salles; ABRÃO, Carlos Henrique (Cood.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. São Paulo: Saraiva, 2015.

PAES, Tavares P. R. O Aval no Direito Vigente: Doutrina, jurisprudência e Legislação. 2ª. ed. Ver. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

PENTEADO, Mauro Rodrigues. Comentário à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. 2ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

SCALZILLI, João Pedro. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005. Luis Felipe Spinelli. Rodrigo Telechea. São Paulo: Almedina. 2016.

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Sobre o autor
Glaucio Rogerio Gonçalves Gouveia

Advogado - Pós-Graduação "Lato Sensu" em Direito na área de concentração em Especialização em Direito Empresarial e Gestão de Tributos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Glaucio Rogerio Gonçalves. O instituto da recuperação judicial diante da súmula 581 do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5861, 19 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73041. Acesso em: 26 abr. 2024.

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