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Crítica à aplicação prática da lei de execução penal no Brasil

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04/06/2019 às 18:55
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Dentre as mais relevantes questões do sistema jurídico nacional, a execução penal é aquela que, de imediato, gera os maiores questionamentos com relação à sua aplicabilidade.

INTRODUÇÃO

O propósito da discussão sobre a aplicação prática da Lei de Execução Penal no Brasil, nesta monografia jurídica, nos levou, de imediato, ao questionamento com relação aos aspectos objetivos disciplinados na Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984, especialmente no tangente à integração do condenado ao sistema penitenciário, à organização dos estabelecimentos penais, à execução das penas em espécie e aos procedimentos judiciais pelo competente juízo da execução.

A mencionada lei, em seu art. 1o, explicita: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão judicial e proporcionar condições para harmônica integração social do condenado e do internado”.

No estudo sistemático dessa lei, cotejaremos a realidade jurídica, numa análise a respeito do objeto da execução penal e os meios para alcançá-lo, com a realidade social, que demonstra não estarem sendo cumpridas ou observadas a maioria das disposições contidas na lei, propondo, ainda, como realidade humana, sugestões imediatas e mediatas para que se construa um sistema de execução penal realmente factível no tempo, inclusive com a elaboração de uma lei de execução que possa estruturar, nas suas disposições, todas essas idéias.

Na obra “Dos delitos e das penas”, Cesare Beccaria expõe sábias considerações que perduram por gerações, principalmente no que concerne a prevenção da criminalidade e da supressão das penas desmoralizadoras e torturantes.

Damásio Evangelista de Jesus, na Parte Geral de seu livro “Direito Penal”, conceitua de maneira inequívoca os diversos tipos de penas aplicáveis no Brasil, e os sistemas penitenciários necessários para a aplicação de cada uma delas, as regras dos regimes e as possibilidades de alteração através da progressão ou regressão penal.

Na obra “Lei de Execução Penal Anotada”, Maurício Kuehne, anotou grande quantidade de informações, colhidas com base em ampla pesquisa quanto ao teor dos julgados da nossa judicatura pátria, constituindo um verdadeiro trabalho de garimpagem, inclusive com referências à Acórdãos na íntegra.

No magistério de Júlio Fabbrini Mirabete, em especial na obra “Execução Penal”, o mestre disserta sobre o tema e estuda as inovações introduzidas pela Lei de Execução Penal, que substituiu o Livro IV do Código de Processo Penal brasileiro, principalmente no que diz respeito à aplicação do princípio da jurisdicionalidade no processo executivo penal e às normas para efetivação das penas restritivas de direitos criadas com a modificação da Parte Geral do Código Penal. O mesmo autor, na obra “Manual de Direito Penal”, comenta os aspectos das penas impostas no Brasil, suas particularidades e atributos.

Já Paulo Lúcio Nogueira, em “Comentários à Lei de Execução Penal”, tece comentários à própria Lei, ressaltando-lhe os aspectos técnicos de maneira clara e coerente, expondo seus pontos falhos, e oferecendo sugestões para o aprimoramento do sistema penal.

“A Execução Penal - Uma realidade jurídica, social e humana”, de João Bosco Oliveira, trata o assunto de maneira dinâmica, fazendo uma análise crítica desse ramo específico do Direito, utilizando-se para tanto do princípio da tridimensionalidade, examinando as realidades jurídica, social e humana da questão.

Na sua obra “Execução Penal”, o Desembargador Antonio José Miguel Feu Rosa tece comentários à LEP, artigo a artigo, anotando a posição jurisprudencial dos Tribunais e os fatos históricos aplicáveis ao sistema prisional.

O Desembargador Sidnei Agostinho Beneti, em “Execução Penal”, comenta a referida Lei em consonância com o posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Na compilação de textos “Execução Penal - Visão do TACRIM-SP”, elaborada sob a coordenação dos magistrados Caetano Lacrasta Neto, José Renato Nalini e Ricardo Henry Marques Dip, encontramos vasta análise jurisprudencial, com posicionamento do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo frente à execução penal.

O médico Dráusio Varella, em “Estação Carandiru”, narra com riqueza de detalhes as experiências vividas por ele junto aos detentos da Casa de Detenção do Estado de São Paulo, principalmente no tocante as regras de conduta, aos deveres e direitos, aos grupos organizados, às diversas facções, às divergências entre os pavilhões e ainda aos aspectos morais, sociais e religiosos dos presos daquele instituto penal.

Prevê a Constituição Federal, ao tratar da execução penal, em seu artigo 5o, inciso XLVIII, que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. Prevê, também no inciso XLVIX, que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Considerando que dada a extensão territorial de nosso país, com a falta de estabelecimentos penitenciários, com a dificuldade na obtenção dos recursos, com a própria condição econômica da clientela carcerária, formada na sua grande maioria por condenados pobres e marginalizados, sem o grau de instrução primária, e em face a nossa realidade social; a Lei de Execução Penal encontra diversos dispositivos de difícil aplicação prática, sendo que em alguns casos, é ela ignorada, dado o seu adiantado conteúdo.

Partindo destas constatações, indaga-se: é a “Lei de Execução Penal” um instrumento eficaz no controle do sistema penitenciário e na aplicação das penas em espécie no Brasil?

O assunto apresenta grande relevância na esfera judicial, tendo em vista que atinge diretamente a organização e o funcionamento do sistema penal e penitenciário pátrio. Trataremos aqui, dos aspectos aludidos pelo referido diploma legal, e que de certa forma, acabam por questionar o próprio sentido da execução penal no Brasil.

Tal estudo, nos leva a consideráveis reflexões com relação à aplicação da Lei de Execução Penal, na integração do condenado ao ambiente carcerário, bem como a constatação de que qualquer prática tendente à disciplinar a organização do sistema de execução penal, ou dos procedimentos previstos na “Lex lata”, deve necessariamente passar pela adequação ao “status quo” atual.

A Lei de Execução Penal é considerada por muitos doutrinadores como dogmática e distanciada da realidade. Foi concebida com os olhos voltados para o futuro. Trata-se, pois, de um trabalho doutrinário a longo prazo, onde se pretende levantar as questões por ela previstas, e viabilizar os meios para aplicá-las.

Não existem dúvidas de que o legislador procurou inovar, incorporando ao rol das penas em espécie as restritivas de direitos, admitindo a prestação de serviços à comunidade, a limitação de fim de semana e a interdição temporária de direitos, que, realmente, constituem a maior novidade como penas alternativas à prisão, podendo substituí-las com vantagens, desde que devidamente aplicadas e fiscalizadas.

Outra novidade é a aplicação, em determinados casos, da pena pecuniária e de perda de bens e valores, como ocorre, por exemplo, com relação às terras onde haja plantações de plantas entorpecentes, que podem ser objeto de expropriação compulsória pelo Poder Público, desde que tal condenação tenha sido imposta na sentença de mérito.

Os objetivos desse trabalho são: comentar a referida Lei em consonância com a doutrina penal mais moderna, esclarecendo os pontos obscuros quanto a sua aplicação, e ressalvando-lhe aqueles onde o avanço tem sido considerável; traçar um paralelo entre a aplicação determinada pela Lei, e a realidade na qual ela é aplicada; e ainda propor, quando for o caso, medidas corretivas visando solucionar eventuais divergências, ou adequações ao modelo penal ao qual se destina.


METODOLOGIA

Na elaboração deste trabalho utilizamos material resultante de pesquisa bibliográfica e documental disponível, tais como doutrina específica, análoga e correlata, comentários à legislação, análise da jurisprudência, códigos, livros, revistas especializadas, teses, monografias e consultas à internet.

O método utilizado foi o dedutivo, tendo em vista que a análise ora foi genérica, partindo de constatações gerais com aplicação ao caso particular concreto, como por exemplo, utilizando-se os parâmetros que a Lei estabelece e confrontando-os com a realidade aplicada, e ora foi específica, na qual partimos de uma premissa particular, para chegarmos à uma verdade universal, ou seja, constatando uma situação real que ocorre na prática e procurando seus fundamentos no texto da Lei.

O procedimento utilizado envolveu a coleta de vasto material textual, de onde, após a triagem, com análise temática e interpretativa da bibliografia e do documental disponível, foi feita uma seleção dos temas, a elaboração do texto e posteriormente a redação final.


CAPÍTULO I - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EXECUÇÃO PENAL

1.1 A Natureza Jurídica

O artigo 1o da Lei de Execução Penal reza: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Analisando o referido dispositivo legal, podemos notar que nele encontramos, como nos ensina Giovanni Leone, “três aspectos jurídicos distintos, a saber: o vínculo ao Direito Penal, o vínculo ao Direito Processual Penal e, por fim, o vínculo ao Direito Administrativo “[1].

O vínculo com o Direito Penal está no respeito à sanção imposta ao condenado pelo Estado, no exercício do “jus puniendi”. O vínculo com o Direito Processual Penal é demonstrado diretamente pela sentença ou decisão criminal, no exercício do “jus judicandi”, a qual é o título executivo que embasa a própria execução. Já o vínculo com o Direito Administrativo está relacionado à própria atividade executiva, no exercício do “jus acta conficiendi”, ou seja, à atividade de gerenciamento do sistema penitenciário e do controle discricionário da execução penal.

Nesse trabalho, adotamos a posição de Ada Pellegrini Grinover, ao definir a natureza jurídica da execução penal como

“de caráter híbrido, desenvolvida mediante um conjunto de procedimentos interrelacionados, de cunho jurisdicional, processual e administrativo, no qual participam os poderes Judiciário e Executivo, por intermédio dos órgãos jurisdicionais e estabelecimentos penais” [2].

1.2 O Direito Penitenciário e o Direito de Execução Penal

O texto da exposição de motivos da Lei de Execução Penal dispõe de forma clara e precisa de que “o tema relativo à instituição de lei específica para regular a execução penal vincula-se à autonomia científica da disciplina, que em razão de sua modernidade não possui designação definitiva”.

Dessa maneira, tem-se usado a denominação de Direito Penitenciário, tal qual ocorre na França, ou ainda, de maneira mais abrangente, Direito Penal Executivo ou Direito Executivo Penal. Nessa linha, consoante o artigo 1o da Lei de Execução Penal, resulta claro não tratar-se apenas tão somente a um direito voltado à execução de penas e medidas de segurança, mas também concernente às medidas assistenciais, curativas e de reabilitação do condenado[3].

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Torna-se inviável então delimitar o campo de atuação da Lei de Execução Penal à todas as situações jurídicas abraçadas pelas inúmeras relações interdisciplinares abrangidas pela matéria. Seria como tratar, de maneira correlata, toda a ciência do Direito, visto que as correlações entre todos os seus ramos é parte de sua essência, pois ciência que é, impõe ao seu estudo um tratamento sistemático.

Júlio Fabbrini Mirabete, a respeito dessa dicotomia, tece os seguintes comentários:

“Independente de qualquer indagação científica sobre a natureza do Direito Penitenciário ou Direito de Execução Penal, se pertencem ao Direito Penal, Direito Administrativo ou Direito Processual Penal, ou se constituem ramo autônomo da árvore jurídica, as regras a respeito da matéria conduzem a um processo de realização penal. A obrigatoriedade de um processo penal executório corresponde às exigências da autonomia científica do Direito de Execução Penal e da Lei de Execução Penal deve constituir-se um instrumento adequado para que a jurisdição se amplie e se concretize nessa zona jurídica neutra, máxime quando se contar com uma Magistratura especializada para se desincumbir dessa importante função”[4].

1.3 Histórico da Lei de Execução Penal

Em linhas gerais, a primeira tentativa com relação à normatização a respeito das normas de execução penal foi com o Código Penitenciário da República, cujo projeto data do ano de 1933, mas que somente teve sua publicação em 25 de fevereiro de 1937. Em 1940, o Código Penitenciário da República ainda estava sob discussão, e com a promulgação do Código Penal no mesmo ano, foi abandonado pois discrepava deste na matéria e no conteúdo.

Denota-se, entretanto, que o próprio pensamento jurídico nacional daquela época trazia à baila a necessidade da existência de uma lei que regulamentasse a matéria em consonância com o Código Penal e o Código de Processo Penal, mas que tratasse não somente da execução das penas e medidas privativas de liberdade, como dispusesse sobre normas gerais do regime penitenciário. Derivada de um projeto de lei de 1951, foi aprovada em 2 de outubro de 1957, a Lei no 3.274, que dispunha sobre tais regras penitenciárias. Porém tal diploma legal veio, pouco a pouco, tornando-se letra morta no ordenamento jurídico pátrio, pois não previa sanções para o descumprimento dos princípios e das regras contidas na lei.

Em 1957, uma renomada comissão de juristas apresentou ao Ministro da Justiça um anteprojeto do Código Penitenciário, porém tal projeto foi abandonado por diversos motivos. Anos após, em 1963, Roberto Lyra redigiu um anteprojeto de um Código de Execuções Penais, que não chegou a se transformar em projeto de lei em face a eclosão do movimento revolucionário de 1964. Igualmente, em 1970, Benjamin Moraes Filho elaborou novo anteprojeto, em parceria com juristas como José Frederico Marques, José Salgado Martins e José Carlos Moreira Alves, que também resultou infrutífero.

Somente em 1981, uma comissão instituída pelo Ministro da Justiça e composta por professores como Francisco de Assis Toledo, Benjamin Moraes Filho e Miguel Reale Júnior, entre outros; elaborou o anteprojeto da nova Lei de Execução Penal. Tal anteprojeto foi então entregue à apreciação da comissão revisora, que no ano seguinte apresentou-o ao Ministro da Justiça. Já em 1983, o então Presidente da República João Batista de Oliveira Figueiredo encaminhou o projeto ao Congresso Nacional, que em 11 de julho de 1984, aprovou sem alterações consideráveis a Lei no 7.210, que entrou em vigor no ano seguinte, em 13 de janeiro de 1985, juntamente com a lei que reformou a Parte Geral do Código Penal.

1.4 Os conflitos entre a Execução Penal e a valoração da culpabilidade

Não podemos deixar de reconhecer que, no sistema global do Direito Penal “latu sensu”, há a integração de diversos sistemas parciais, seja de persecução ou execução penal, cada qual com seu objeto de estudo específico, mas que de uma maneira ou de outra, interagem dinamicamente mas não harmoniosamente. Existem contradições entre esses sistemas parciais, visto que um deles estabelece a culpabilidade como fundamento para a aplicação da pena e o outro a periculosidade como fator determinante do regime de execução.

O primeiro, parte do pressuposto da necessidade da valoração da culpabilidade, que é o fundamento jurídico para se submeter o condenado ao cumprimento de uma sanção penal. Para José Frederico Marques[5], a culpabilidade ficaria incumbida de ligar o homem aos requisitos da tipicidade e da antijuridicidade da conduta, o fazendo por meio de um juízo de valor em relação ao delinqüente, censurando ou não, reprovando ou não a conduta por ele praticada.

O segundo exerce tão somente a execução desta sanção, mas é também a medida destinada à promover a aptidão do condenado a uma convivência social sem violação do direito. Nas palavras de René Ariel Dotti[6], é o procedimento pelo qual o Estado procura desenvolver no condenado a sua plena ressocialização, através da educação, do trabalho, da sua preparação para o convívio social, da informação, dissuasão e proteção, destinadas a atenuar o sentimento de insegurança social.

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Sobre o autor
Paschoal de Angelis Neto

Possui graduação em Direito, com Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Ribeirão Preto (2000) e cursa Mestrado em Segurança, Justiça e Direito, na Universitat de Girona, Reino de España (CE), concomitantemente com Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires - UBA, na Capital Federal de La Republica Argentina. Atualmente é professor convidado do Instituto Brasileiros de Estudos (www.portalibest.com.br). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Notarial e Registral. http://lattes.cnpq.br/6666110491653844

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Paschoal Angelis. Crítica à aplicação prática da lei de execução penal no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5816, 4 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73105. Acesso em: 2 nov. 2024.

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