O vínculo afetivo e o novo direito de família

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04/06/2019 às 15:12
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Dentro das alterações trazidas pela evolução da sociedade e na diversidade de conceito familiar, um fator vem tomando espaço, o vínculo afetivo.

SUMÁRIO:  INTRODUÇÃO. 1. O PODER FAMILIAR. 1.1.  HISTÓRICO 1.2. CONCEITO 1.3. PRINCÍPIOS QUE REGEM O PODER FAMILIAR. 2. RESPONSABILIDADES DECORRENTES DO PODER FAMILIAR. 2.1. PRINCIPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA FAMÍLIA. 3. A AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA. 3.1. A AFETIVIDADE COMO PRINCIPIO DO DIREITO DE FAMÍLIA. 3.2. A AFETIVIDADE COMO RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO PODER FAMILIAR. 4. ABANDONO AFETIVO 4.1. RESPONSABILIDADE CIVIL E ABANDONO AFETIVO: O DIREITO DO FILHO SER INDENIZADO EM CASOS DE ABANDONO AFETIVO. 4.2. CONSEQUÊNCIAS PARA O ABANDONO AFETIVO.CONSIDERAÇÕES FINAIS, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

RESUMO:Dentro das alterações trazidas pela evolução da sociedade e na diversidade de conceito familiar, um fator vem tomando espaço, o Vínculo Afetivo. Já existem casos de crianças que tiveram acrescentados em seus nomes o sobrenome de padrastos/ madrastas, ou pais que entraram com Negativa de Paternidade, mas não conseguem juridicamente a alteração de registro civil e responsabilidade por já ter o vínculo afetivo. Entende-se que não há como cortar laços já criados sem causar danos às crianças ou adolescentes, o que traria grande prejuízo emocional, gerando transtornos na personalidade ainda na infância e refletindo na fase adulta. É cientificamente comprovado que uma das necessidades básicas da criança e do adolescente é o afeto. Assim, o Direito de Família se adéqua a essa nova realidade e inclui o afeto como Direito básico e essencial para a criança e o adolescente.

PALAVRAS CHAVES: Adolescente. Afetividade. Criança. Perda. Poder Familiar. Responsabilidades. Vinculo.

ABSTRACT:Within the changes brought about by the evolution of society and in the diversity of family concept, a factor has been taking place, the Affective Bond. There are already cases of children who have added in their names the surname of stepparents, or parents who entered with Paternity Negative, but can not legally change the civil registry and responsibility for already having the affective bond. It is understood that there is no way to cut ties already created without causing harm to children or adolescents, which would bring great emotional damage, generating personality disorders in childhood and reflecting in adulthood. It is scientifically proven that one of the basic needs of children and adolescents is affection. Thus, Family Law is adapted to this new reality and includes affection as a basic and essential right for the child and the adolescent.

KEYWORDS:Adolescents. Affectivity. Child. Loss. Power Family. Responsibilities.Bond.


INTRODUÇÃO

O Poder familiar, como instituto de direitos e deveres inerentes aos pais em relação aos filhos, traz consigo responsabilidades previstas no Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Penal Brasileiro.

As responsabilidades decorrentes do Poder Familiar são garantias de um desenvolvimento saudável das crianças e dos adolescentes, visando a aplicabilidade dos princípios fundamentais da Dignidade da Pessoa Humana, do Melhor Interesse e a Politica da Prioridade Absoluta.

O Poder Familiar, apesar de imprescritível, irrenunciável e intransmissível, pode ser extinto, suspenso ou ter decretada a perda judicialmente. Dentre as causas, estabelecidas no artigo 1638 do Código Civil, destaca-se o abandono, que, conforme fundamentos apresentados neste artigo, pode-seabranger o abandono afetivo.

O vínculo afetivo é fundamental para o desenvolvimento humano, e sua ausência traz consequências que afetarão as crianças e os adolescentes, seres em desenvolvimento, ao longo de suas vidas.

O vínculo afetivo entre pais e filhos pode ser considerando como responsabilidade decorrente do Poder familiar, e, conforme o ordenamento jurídico brasileiro, aquele que deixar de cumprir com suas obrigações, perderá o Poder Familiar por Ordem Judicial.


1. PODER FAMILIAR

1.1. HISTÓRICO

O instituto atualmente denominadoPoder Familiarera referido como pátrio poder, expressãoque remonta a tempos passados. Ainda na Roma antiga o princípio da autoridade predominava no meio familiar. O pater exercia concomitantemente o papel de chefe político, sacerdote e juiz. O poder era tamanho que cabia a ele decidir sobre a vida e a morte do próprio filho, podendo inclusive vendê-lo. A mulher sempre submissaa autoridade marital, nunca adquiria autonomia, porquanto, passava da condição de filha para a de esposa.

O poder sobre o patrimônio familiar era de inteira responsabilidade do pater, somente ele podia administrar os bens familiares.

Este quadro, segundo os historiadores, perdurou até o século IV, quando surge em Roma a concepção cristã da família. Aliado a isso, o direito da Cidade diminuiu de certa maneira o poder da autoridade paterna sobre o instituto familiar. Com o passar do tempo o direito germânico passou a influenciar o modelo de família. Desse modo a organização autocrática romana cede espaço a uma orientação democrático-afetiva. A mulher divide com o marido a administração do lar, os filhos ainda que menores, podem adquirir bens e a organização até então patriarcal vai deixando de existir, surgindo assim uma nova concepção de família perdendo o instituto sua característica despótica.

O conjunto de direitos do pai em relação ao restante da família,e em especial aos seus filhos, não sendo mais ilimitado, coexiste com um conjunto de deveres. Com a perda do domínio exercido pela figura paterna a expressão pátrio poder mostra-se totalmente superada, cedendo espaço a uma nova conceituação, o Poder Familiar.

1.2. CONCEITO

Entende-se por Poder Familiar o conjunto de responsabilidades inerentes aos pais ou responsáveis legais da criança e do adolescente não emancipado. Trata-se basicamente de obrigações estabelecidas em Lei, podendo ser observadas tanto no Código Civil quanto no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, traduzidos como assistência, auxilio e respeito mutuo.

No direito brasileiro o instituto ainda se intitulava no Código Civil de 1916 como pátrio poder. Por ele, só o pai detinha asresponsabilidades pelos filhos.A mãe só detinha o poderfamiliar na hipótese da viuvez, ainda assim, caso se casasse novamente, seria nomeado um tutor.  Essa situação se alterou em 1962 com o Estatuto da Mulher Casada. A titularidade do pátrio poder exercida até então com exclusividade pelo pai, passou a contar com a “colaboração da mulher”.

Com o advento da atual Carta Magna em 1988 os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal passaram a ser exercidos em igualdade de condições pelo homem e também pela mulher. Igualdade esta também garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que em seu artigo 21 diz que o pátrio poder deve ser exercido pelo pai e pela mãe. Diante disso, o Código Civil de 2002alterou a retrógrada denominação do instituto paraPoder Familiar, passando a responsabilidade para o pai e a mãe, respeitando o Princípio Constitucional da Isonomia, assim, mesmo que separados, os dois detêm a responsabilidade sobre os filhos, independentemente de quem seja a guarda, e em caso de ausência de um deles deve o Poder Familiar recair sobre o outro.

Em se tratando da guarda, é importante ressaltar que existe a guarda exercida sob o Poder Familiar e também a guarda fora do meio familiar, como pode ser observado nos artigos 33 a 35 do estatuto da Criança e do Adolescente.

Conforme Wilson Donizeti Liberati, em Direito da Criança e do Adolescente,

Pode-se afirmar, por fim, que a guarda é aquela situação complementar do Poder Familiar, decidida no âmbito jurídico, por sentença judicial em procedimento regular perante a autoridade judiciária competente. (LIBERATI, 2010. pág.31.)

Em casos de adoção, a família biológica perde o Poder Familiar, sendo o mesmo transferido para a família adotante.

O exercício do Poder Familiar tem como principal foco o interesse e a proteção da criança e do adolescente, objetivos estes firmados pela Doutrina da Proteção Integral e Principio do Melhor Interesse, fundamentados pela Constituição Federal de 1988, (artigo 227), e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 1° e 2°, Lei n° 8.069/1990).

Pode-se caracterizar oPoder Familiarcomo um instituto irrenunciável, inalienável e imprescritível. É irrenunciável pois os pais não podem abrir mão dele, inalienável, já não podendo transferi-los a outra pessoa e imprescritível,não o perdendo só por não exercê-lo, esta perda somente se dará em alguns casos previstos em Lei.

1.3. PRINCÍPIOS QUE REGEM O PODER FAMILIAR

O Poder Familiar é fruto de uma junção de princípios basilares da Constituição Federal, Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo a Doutrina da Proteção Integral, o Princípio do Melhor Interesse e o Princípio da Isonomia os principais.

A Doutrina da Proteção Integral defende a proteção total dos direitos das crianças e dos adolescentes. Firmada na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, adotada pela Assembleia Geral das Nações unidas no dia 20 de novembro de 1989, foi adotada totalmente no Brasil pelo Decreto n° 99.710 de 2 de setembro de 1990 e difere-se por defender a universalidade das crianças e dos adolescentes, isto é, não defende apenas uma categoria, ou uma parte delas.

A política de desenvolvimento brasileiro foi espelhada, inicialmente, na França. Com o Código de Menores de 1927, a ideia era higienizar as cidades, excluindo as crianças pobres e carentes. Com o Código de 1979 não houve avanço nesse sentido, continuava a ideia de que crianças pobres eram ameaças para a sociedade burguesa, carência era diretamente ligada a delinquência.

Instituições de acolhimento aos menores foram criadas neste período visando desvincular as crianças e adolescentes de suas famílias, pregando uma melhoria de conduta, educação, dentre outras, como exemplo a FEBEM.

Em 1988, com a Constituição Federal do Brasil, o Estado adere a Politica da Proteção Integral, ratificada no Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, reconhecendo as crianças e adolescentes como seres em desenvolvimento, pessoas agentes de direito, independentemente da situação econômica e social.

A família, a sociedade, a comunidade e o Estado assumem um papel importante de agentes responsáveis para garantir os direitos das crianças e dos adolescentes.

O Princípio do Melhor Interesse estabelece que em qualquer situação deve ser analisado o interesse das crianças e dos adolescentes, por exemplo, em casos de dissolução do casamento, observa-se o melhor interesse dos filhos do casal, para poder chegar a uma conclusão a respeito de guarda ou coisas afins.

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Fica a família responsável pelo respeito e cumprimento da Doutrina da proteção Integral e a garantia da observância do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente em qualquer circunstância.

O Código Civil de 2002, retificando o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal de 1988, trouxe a igualdade do pai e da mãe nas relações com os filhos, isto é, a igualdade no poder de decisão em relação aos filhos, daí o Princípio da Isonomia.

Vindo de uma sociedade totalmente desigual, a luta pela igualdade de tratamento entre pessoas de raças distintas, sexo, religião e tantas mais, teve seu marco inicial com a revolução francesa, pregando “Liberdade, Igualdade e Fraternidade.” Um lema adotado por diversos países, dentre eles o Brasil, na busca da democracia.

A partir de lutas pela igualdade, a conquista vem alcançando o povo que se torna titular do poder soberano, protegendo cada um com uma igualdade formal, real, proporcional de acordo com as necessidades particulares do próprio povo.

Pelo Principio da Isonomia, ou igualdade, o próprio Principio da Dignidade da Pessoa Humana, principio fundamental previsto na Constituição Federal de 1988, é garantido.

No Brasil, a igualdade entre homens e mulheres não foi alcançada tão facilmente. Em uma sociedade machista na sua essência, os homens reconhecidos como chefe de família eram detentores do poder para decidir sobre todas as questões referentes a situações familiares. Nessa mesma sociedade onde não se via desquite ou separação, o Poder Familiar era apenas exercido pela figura paterna.

Portanto, hoje, pai e mãe detêm o poder de decisão sobre situações familiares, e, caso haja alguma divergência, podem recorrer à Justiça que analisará, baseada no Principio do Melhor Interesse, qual é a melhor solução para a criança e o adolescente.


2. RESPONSABILIDADES DECORRENTES DO PODER FAMILIAR

O Poder Familiar abrange normas relacionadas aos direitos e deveres dos pais em relação aos filhos não emancipados e aos bens destes.

Conforme o artigo 1634 do Código Civil de 2002, mantendo em sua escrita o artigo 384 do Código Civil de 1916, compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e educação; tê-los em sua companhia e guarda; conceder-lhes ou negar-lhes consentimentos para casarem; nomear-lhes tutor por testamento ou documento autentico, se o outro pai não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não poder exercer o Poder Familiar; representá-los até os dezesseis anos, nos atos da vida civil e assisti-los, após essa idade, nosatos que forem partes suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de quem ilegalmente os detenha e exigir que lhe prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Sobre o mesmo assunto, o artigo 22 da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), expõe que aos pais incube o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judicias.

A própria lei determina quais são as responsabilidades inerentes àqueles que detêm o Poder Familiar.

É importante evidenciar a importância dos princípios que regem o Poder Familiar na efetivação do cumprimento das responsabilidades de quem possui tal poder. A Doutrina da Proteção Integral e o Principio do Melhor Interesse estão evidentes em cada tópico estabelecido em Lei.

2.1  PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA FAMÍLIA

O art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988 dispõe que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado.

Evidencia-se assim que as relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto social e diante das diferenças regionais de cada localidade. A contextualização da Lei deve ser aplicada aos institutos do Direito de Família, assim como ocorre com outros ramos do Direito Civil.

No considerado “Novo Direito de Família”, o vínculo entre partes pode ser garantia para fundamentar o parentesco civil decorrente da paternidade socioafetiva. Acompanhando a mudança da sociedade, a família se altera e o Direito deve acompanhar essas transformações.

Em suma, não reconhecer função social à família e à interpretação do ramo jurídico que a estuda é como não reconhecer função social à própria sociedade.

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Sobre a autora
Laísa Soares do Nascimento

Graduada no Curso de Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC. Especialista em Direito Público e Privado. Mestranda em Gerência e Administração em Políticas Culturais e Educacionais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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