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Aspectos do caso Neymar

07/06/2019 às 13:20
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Entenda como a extraterritorialidade e o STF podem enquadrar a questão.

No dia 1 de junho do corrente ano, a imprensa divulgou o registro de um boletim de ocorrência feito em uma delegacia da mulher em São Paulo no dia anterior, no qual uma brasileira acusa o jogador Neymar de estupro. O episódio, segundo ela, aconteceu em 15 de maio em um hotel em Paris, onde o atacante joga. Desde a acusação, o jogador expôs fotos e conversas com a suposta vítima através de seu Instagram, seu pai saiu em sua defesa, confirmando que aconteceram dois encontros entre Neymar e a moça em Paris, e um laudo médico apontou hematomas e arranhões no corpo da brasileira. 

Segundo o El País se tem:

“Uma brasileira registra um Boletim de Ocorrência na 6ª Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo acusando Neymar de estupro. Segundo a versão da vítima descrita no BO, eles teriam se conhecido através do Instagram, trocaram mensagens por aplicativo e Neymar a convidou para uma visita em Paris, onde ele joga, oferecendo passagens e hospedagem. Ela conta que um assessor do jogador, chamado Gallo, resolveu os detalhes da viagem até ela chegar na cidade, no dia 15 de maio, e se hospedar no Hotel Sofitel Paris Arc Du Triomphe. Neymar teria chegado ao hotel de noite, “aparentemente embriagado” e, segundo relato da mulher, ambos teriam conversado e trocado carícias, mas o jogador ficou agressivo e praticou relação sexual contra a vontade dela. A brasileira voltou ao Brasil dois dias depois e não denunciou imediatamente porque estava “abalada emocionalmente e com medo de registrar os fatos em outro país”, explicou”.

O caso envolve a aplicação da extraterritorialidade condicionada.

Tem-se a extraterritorialidade condicionada, da leitura do artigo 7º, inciso II, daquele diploma legal.  

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

II - os crimes:  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

São os delitos que além de ultrapassarem comumente as fronteiras, afetam duramente a comunidade internacional.

Entende-se que tendo o país o dever de obrigar seu nacional a cumprir as leis, permite-se a aplicação da lei brasileira ao crime por ele cometido no estrangeiro. Trata o dispositivo da aplicação do princípio da nacionalidade ou da personalidade ativa.

Mas para tanto, determina-se a necessidade:

a) da entrada do agente no território nacional; não importa que a presença seja breve ou longa, a negócio ou a passeio, voluntária ou não, legal ou clandestina;

b) de ser o fato punível ainda no país em que foi praticado;

c) de estar o fato incluído entre aqueles que a lei brasileira autoriza a extradição;

d) de não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena. Pode-se aplicar a lei brasileira somente quando o agente não for julgado no estrangeiro, ou, se condenado, não se executou a pena imposta;

e)  de não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

No caso específico das relações diplomáticas do Brasil com a França, há um tratado assinado em 28 de maio de 1996, o Decreto Legislativo nº 219, de 30 de junho de 2004 e o Decreto nº 5.258, de 27 de outubro de 2004.

O direito brasileiro não admite a extradição de brasileiros (natos ou naturalizados). Isso é consequência do preceito constitucional que nega a extradição, mas que não pode levar a ficar impune o brasileiro que delinquir no estrangeiro.

Cabe à Justiça Federal instruir e julgar crimes assim cometidos.

O processo penal contra um cidadão brasileiro que não tenha sido extraditado em função de sua nacionalidade é uma causa referente à nacionalidade, o que atrai a competência da Justiça Federal, a teor do artigo 109, IV,  da Constituição Federal.

O Superior Tribunal de Justiça, em julgado recente, decidiu ser competência da Justiça Federal, quando o crime for praticado no exterior e houver interesse jurídico da união por se tratar de brasileiro inextraditável e em razão das relações com estados estrangeiros e a necessidade de cumprimento de tratados firmados. Nestes casos deve ocorrer a transferência de jurisdição para o Brasil e a competência é da Justiça Federal.

Observe-se o que segue:

“Compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF.” (STJ, 3ª Seção, CC 154656 / MG, rel. min. Ribeiro Dantas, j. 25/04/2018).”

Assim foi entendido no Conflito de Competência n. 154.656 – MG:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO E USO DE DOCUMENTO FALSO PRATICADOS POR BRASILEIROS EM TERRITÓRIO ESTRANGEIRO. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL. INTERESSE JURÍDICO DA UNIÃO. RELAÇÕES COM ESTADOS ESTRANGEIROS E CUMPRIMENTO DE TRATADOS FIRMADOS (CF ARTIGOS 21, I, E 84, VII E VIII). COMPETÊNCIA DA UNIÃO. TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA PORTUGUESA. INADMISSIBILIDADE DE EXTRADIÇÃO. PESSOA RECLAMADA. NACIONAL DA PARTE REQUERIDA OBRIGAÇÃO DE SUBMETER O INFRATOR A JULGAMENTO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1. Segundo dispõem os arts. 21, I, e 84, VII e VIII, da Carta da República, cabe à União manter relações com estados estrangeiros e cumprir os tratados firmados, fixando-se a sua responsabilidade na persecutio criminis nas hipóteses de crimes praticados por brasileiros no exterior, na qual haja incidência da norma interna, no caso, o Direito Penal interno e não seja possível a extradição. 2. Segundo o art. 5º, LI, da CF, "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei". 3. Aplicável no caso específico, o Decreto n. 1.325/1994, que incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro o Tratado de Extradição entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa, no qual estabelece, na impossibilidade de extradição por ser nacional da parte requerida, a obrigação de "submeter o infrator a julgamento pelo Tribunal competente e, em conformidade com a sua lei, pelos fatos que fundamentaram, ou poderiam ter fundamentado, o pedido de extradição" (art. IV, 1, do Tratado de Extradição). 4. Compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF. 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Governador Valadares - SJ/MG, o suscitado.

 No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.

No entanto, aponto recente julgamento do STF, no Recurso Extraordinário n. 1.175.638 PR , Relator Ministro Marco Aurélio. 22 de novembro de 2018, apontando a competência da Justiça Comum Estadual. Ali se disse que o simples fato de o crime ser praticado no exterior e a extradição ser negada, não atrai a competência da Justiça Federal, uma vez que não ofende bens, serviços ou interesse da União.

Se há violência que tenha redundado em lesões corporais ou crime de estupro, tal fato deverá ser objeto de investigação pela Justiça do Brasil, que tem jurisdição sobre o fato consoante abordado acima.

Fala-se, de outro modo, em possível crime que teria sido cometido pelo jogador de futebol Neymar e que é atinente a divulgação de fotos íntimas da possível vítima.

A Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), da Polícia Civil do Rio de Janeiro, vai investigar Neymar pela divulgação de imagens íntimas da mulher que o acusa de estupro. O órgão confirmou a investigação, que já teve o auxílio de uma diligência do 110º Distrito Policial (Teresópolis).

No sábado, dia 1ª de junho do corrente ano, ao se defender de uma acusação de estupro, o jogador publicou um vídeo na rede social Instagram declarando sua inocência.

Ao fim do vídeo, ele exibiu o que seriam conversas por WhatsApp com a mulher, anteriores e posteriores à data em que ela afirma ter sido estuprada (15 de maio). Entre as frases, aparecem imagens dela nua ou seminua — com o rosto e partes íntimas borradas.

Há a Lei 13.718/18.

Há o crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Aumento de pena

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Temos aí novo tipo doloso contra a dignidade sexual, que exigem como elemento subjetivo o dolo genérico.

Trata-se de crime permanente que permite a coautoria e admite a tentativa.

O chamado revenge porn passa a ser crime e é descrito como o ato de divulgação, por qualquer meio, de foto ou vídeo de uma cena de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da pessoa retratada, com penas de um a cinco anos de prisão (com um aumento previsto em até dois terços da pena se o infrator for uma pessoa próxima da vítima), caso o delito não esteja ligado a outro mais grave. Para casos de uso do material para fins jornalísticos, científicos, culturais ou acadêmicos, não constitui crime desde que a pessoa retratada não seja identificada e obrigatoriamente tenha mais de 18 anos.

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O revenge porn é um ato que traz diversas consequências à vítima, tanto que já foram registrados vários casos de mulheres que cometeram suicídio. Ademais, causa humilhação e deixa marcada a reputação de quem foi exposto. Isto quando não leva a problemas ainda mais sérios, que ultrapassam o aspecto moral, chegando a casos de agressões físicas e assédio sexual.

Trata-se de crime cibernético, praticados por computador, que se que se realizam ou se consomem também por meio eletrônico.

Trata-se de crime formal.

É crime de ação múltipla.

Acentuam Alessandro Gonçalves Barreto e Karolinne Brasil Barreto (Lei nº 13.718/18: criminalização de divulgação de cenas de sexo, nudez e pornografia sem consentimento da vítima, in Migalhas),que a  lei 13.718, de 24 de setembro de 2018, ao incriminar essas condutas, revoga disposição anterior, atribuindo-lhes ainda a natureza de ação pública incondicionada, com pena de 01 (um) a 05 (cinco) anos de reclusão, com aumento nos casos de “crime praticado por agente que mantem ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima, ou com o fim de vingança ou humilhação”.

Volta-se ao caso.

O caso de Neymar não poderia se enquadrar nessa definição, já que o artigo do Código Penal versa especificamente sobre nudez, como já se noticiou.

Por desfocar as imagens, ele se protege do crime. Quando apresenta a conversa, ele não abre as fotos nem executa os vídeos.

Trago à colação trecho de reportagem exposta no Estadão, no dia 4 de junho do corrente ano:

“Luiz Augusto D’Urso, professor de Direito Digital no MBA da FGV, concorda que não houve crime previsto no artigo 218-c do Código Penal: “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio”. A pena de reclusão é de um a cinco anos.

"Ao postar essas fotos, ele desfocou as imagens. Por isso, não haveria nudez e o Código Penal exige o vazamento de nudez para o cometimento deste crime. Além disso, há a questão do dolo, é possível perceber que ele postou o vídeo para se defender". O especialista esclarece que a divulgação do nome da suposta vítima, que aparece em algumas mensagens, não caracteriza um crime. "Em relação ao crime de vazamento de nudez, é indiferente estar presente ou não o nome. O importante é que não há nudez", explica.”

De outra forma, observa-se que não haveria dolo, elemento do tipo, na conduta uma vez que Neymar não agiu dentro dos limites do revenge porn, procurando, apenas, se defender de uma acusação maior que seria a de estupro que lhe está sendo feita. Aliás, a modalidade culposa, via imprudência, não se aplica ao caso.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Aspectos do caso Neymar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5819, 7 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74444. Acesso em: 26 dez. 2024.

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