Capa da publicação O direito ao anonimato dos doadores de material genético na reprodução assistida

O direito ao anonimato dos doadores de material genético na reprodução assistida na contramão ao direito à identidade genética

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5. CONCLUSÃO

O presente estudo buscou constatar a existência de uma prevalência entre o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador de material genético. Além disto, foram também conceituados os institutos da responsabilidade civil das clínicas de reprodução assistida e a responsabilidade familiar dos envolvidos nos métodos de reprodução assistida heteróloga, traçando paralelos, no que tange à responsabilidade civil, com a recente inovação trazida pela lei de proteção de dados e no que diz respeito à responsabilidade familiar, com as também recentes interpretações dadas pelo Supremo Tribunal Federal ao Direito de Família.

O trabalho mostrou-se necessário, haja vista a lacuna existente na legislação brasileira quando constata-se a ocorrência de ambos os direitos estudados em que pese ter sido observado que normas técnicas do Conselho Federal de Medicina e a nova lei de proteção de dados tenha dado certa preferência ao anonimato do doador de gameta em detrimento ao direito à identidade genética.

Isto porque, as regras que protegem a guarda de dados e a recente retirada por parte do Conselho Federal de Medicina da obrigatoriedade das clínicas em manterem em sua posse o nome do doador parecem dar prevalência ao sigilo já que agora as clínicas encontram-se obrigadas tão somente a armazenar as características fenotipicas do invidíuo doador, as quais serão utilizadas tão somente seja constatada alguma doença na criança reproduzida que possa ser averiguada através do histórico familiar.

É evidente que o sigilo recebeu proteção nas mais diversas áreas do direito, como na esfera penal, administrativa e também na cível. A legislação brasileira como um todo mostra-se capaz de diminuir a privacidade tão somente em casos que são considerados extravagantes e que não haja outra saída senão a quebra do sigilo para que se alcance a solução pretendida. A título de exemplo, a lei de interceptação telefônica demonstrou que até mesmo para a resolução de crimes, o sigilo prevalece em determinadas situações.

De fato, a privacidade merece proteção constitucional e não devem ser medidos esforços pelo Estado para que a individualidade de cada um seja respeitada, sob pena de violação da vida privada e desrespeito aos princípios constitucionais existentes e advindos com a carta magna de 1988. No entanto, o que se busca ao confrontar um direito com o outro não é só a quebra de um sigilo de forma não fundamentada por motivo raso e escusável.

Mostrou-se que o direito à identidade genética justamente não se enquadra na hiótese de escusa rasa para violação da privacidade doador. Apesar deste fazê-lo pro mera liberalidade, acreditando e confiando que tal doação acontecerá de forma anônima, gratuita e com a exclusiva finalidade de fazer um bem à uma família, a criança nascida através da técnica de reprodução heteróloga não pode ad infinitum ver-se restrita de gozar direitos inerentes a qualquer indivíduo, em razão da escolha de terceiros em realizar técnicas de reprodução.

Não é crível que seja justificável a separação a nível mundial de dois tipos de indivíduos: os que a qualquer tempo possam vir a ter acesso a seu histórico genético e a base de seu DNA, como sua origem, características e conhecimento de seus antepassados, e os que não gozam desta mesma sorte. As técnicas de reprodução assistida vêm auxiliando casais que por qualquer motivo encontram-se impossibilitados de gerar uma criança através da concepção natural, no entanto, é necessário cuidado ao perceber os efeitos que o sigilo pode causar nessas crianças geradas.

Em verdade, o acesso a ascendência genética ou historicidade pessoal como prefere chamar o doutrinador português Vital Moreira Gomes não deve ser confundido com mera vaidade do indivíduo. A origem genética é a base do direito da personalidade, o conheicmento de sua própria história merece maior respaldo por parte da legislação civil constitucional, devendo ser tutelado de modo que seja possível haver parcial ferimento à privacidade do doador para que um outro indivíduo não seja condenado a viver até os fins de seus dias sem conhecimento de seu próprio passado.

Neste raciocínio, o direito estrangeiro mostrou-se bastante capaz de embasar os argumentos aqui trazidos. O direito argentino incluiu no código civil os artigos 563 e 564 do Código Civil Argentino demonstram que em outras partes do globo a historidade pessoal é direito tutelado pelo Estado. Observou-se que o país sul-americano não só optou por proteger o conhecimento da ascendência do reproduzido por técnica heteróloga, mas também deu ao mesmo a opção de obter diretamente com a clínica ou centro onde a técnica foi efetuada informações referentes à identidade do doador, quando esta for essencial para a solução de problemas de saúde.

Não bastasse, em havendo motivo justo o código civil argentino prevê ainda a possibilidade de – por meio personalíssimo – o indivíduo obter autorização judicial para que se revele o paradeiro de seu doador de material genético, através ainda do procedimento processual mais célere .

Afim de embasar a crescente opção pelo direito à identidade genética, o direito português foi trazido a baila em discussão ocorrida no Tribunal Constitucional Luso onde foram julgados procedentes os pedidos para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei da Procriação Medicamente Assistida que adotou como regra nas técnicas de reprodução o sigilo do doador. Nota-se que há uma crescente ao redor do mundo de uma corrente que prioriza o acesso à informação pelo indivíduo por todos os motivos já expostos neste trabalho.

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Não obstante, tal realidade mostra-se ainda afastada do Direito brasileiro, em que pese as recentes alterações de interpretações e extensões dadas pelo Supremo Tribunal Federal ao direito de família do Brasil, no que tange o direito à personalidade do indivíduo e ao seu histórico genético ainda não houve provocação que acarretasse em interpretação por parte do Supremo diferente da Resolução CFM 2168/2017 ou da lei de proteção de dados.

Portanto, ainda que tenha sido reconhecido por esta pesquisa que a possibilidade de violação da identidade com a finalidade de se ofertar a possibilidade à criança gerada artificialmente obter conhecimento sobre seu histórcio familiar, é o caminho que mais se aproxima dos princípios inerentes à pessoa humana e garantias individuais. Ainda não existe a título nacional este mesmo entendimento, vigorando por ora, mesmo que de forma silenciosa e sem a presença de lei expressa, a opção por preservar o sigilo do doador.

Tal sigilo influencia não só nas relações entre doador e reproduzido, como também acaba por afetar outros institutos de cunho não só referentes à personalidade humana, mas também de cunho patrimonial como a responsabilidade civil e alimentar com a possibilidade ou não do reconhecimento de filiação, imputando responsabilidade familiar.

Foi constatado que o doador ao fazê-lo pressupõe que a manutenção de seus dados será mantida em segredo. O mesmo a faz por liberalidade, sem visar a constituição de uma família ou o recebimento de quantia, por isso, espera-se que seja sempre observado o respeito às cláusulas e orientações existentes quanto a realização de tais procedimentos, mantendo em guarda da clínica os dados suficientes para realização da técnica e tão somente estes dados.

Em havendo a violação de tal conduta estaremos diante da responsabilidade civil. Notou-se com esta pesquisa que antes de 2017 a própria atividade das clínicas de reprodução assistida imputavam a esta a responsabilidade objetiva, ou seja, passível de responsabilização independente de culpa.

Frisa-se que por força do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil a responsabilidade objetiva advém por força de lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem. Parecia razoável ainda que na inexistência de lei que imputasse ás clínicas a responsabilidade objetiva, que pela própria atividade da mesma fosse possível estas responderem pelos danos causados independente de culpa.

No entanto, a lei de proteção de dados cessou a discussão sobre ser capaz a atividade por si só das clínicas de reprodução capaz de na ausência de norma, imputar a responsabilização objetiva, ou se seria necessária lei disciplinando o assunto. Com o advendo da nova lei restou claro que aquele que mantém em seu poder dado de outrem responde objetivamente pelo vazamento deste dado, possuindo direito de regresso contra o efetivo culpado, havendo escusa de responsabilização somente quando comprovarem que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, que embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à legislação de proteção de dados; ou que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro.

A lei decidiu ainda premiar as controladoras de dados que exercerem políticas efetivas que possam comprovar um esforço das mesmas em impedir o vazamento de dados.  A indenização, portanto, se medirá não somente pela extensão do dano, mas também pels adoção ou não de técnicas pela controladora que impedisse a violação da privacidade de forma ilícita.

No âmbito da responsabilidade familiar, o estudou demonstrou que o artigo 1597, V do Código Civil pressupõe como requisito a outorga judicial para reconhecimento da parentalidade nos casos de reprodução assistida heteróloga.  Com as recentes interpretações de não diferenciação para fins sucessórios dadas pelo STF aos cônjuges e companheiros, através da interpretação extensiva de tal entendimento pode-se dizer que o artigo 1597 possui aplicação não só para o reconhecimento de filhos adquiridos na constância do casamento, mas também na constância da união estável.

Por isso, a outorga conjugal nos casos de reprodução artificial heteróloga é requisito para a presunção de parentalidade, não devendo se falar em responsabilidade familiar nos casos em que a mesma encontra-se ausente. Além disto, foi demonstrado que não é possível imputar tal responsabilidade ao terceiro doador, pois este não praticou qualquer ato que pudesse manifestar uma futura família.

Conforme já dito anteriormente o terceiro ao doar o material genético o faz com ma pura e única intenção de realizar o bem, pro acreditar que tal ação ajudará na formação de uma nova família e será a realização do sonho de outrem. Tal ânimo difere da vontade de se constituir família, e ainda, a ausência de conjução carnal demonstra que não há qualquer conduta por parte do doador capaz de ensejar responsabilização familiar e dever de alimentar e afeto.

Via de regra a obrigação familiar nasce com o vínculo, seja ele afetivo, biológico ou de Direito e no caso do doador de material não é possível observar qualquer um destes vínculos, por isso, ausente as obrigações típicas da relação familiar. Já o pai ou mãe que autorizam que o cônjuge se submeta ao procedimento de reprodução artificial heteróloga em que pese não possuírem vínculo sanguíneo com a criança gerada, possuem vontade expressa através da autorização conjugal de exercerem a parentalidade, pressupondo serem estes pais e mães e, portanto, dotados de obrigações familiares.

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