A ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM), disse considerar “gravíssimo” o caso do sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) Manoel Silva Rodrigues, preso na Espanha sob a acusação de transportar 39 quilos de cocaína, e que a sua punição deve ser “rigorosa”, se comprovada a culpa no episódio. Coordenadora de um grupo de trabalho que apresentou ao Congresso uma proposta de atualização do Código Penal Militar, a ministra defende penas mais duras para integrantes das Forças Armadas envolvidos no tráfico de drogas. Atualmente, a punição máxima é de cinco anos de prisão, enquanto a Lei das Drogas prevê pena de até 15 anos para casos envolvendo civis.
Disse a ministra ao Estadão, em seu site, no dia 29 de junho do corrente ano:
“Estou convicta sobre a necessidade de alteração do Código Penal Militar para apenar com rigor o tráfico de entorpecentes. É inconcebível que um militar trafique dentro de um quartel, um local onde se encontram homens armados, investidos do monopólio da força legítima pelo Estado”, afirmou Maria Elizabeth ao Estado. “De um militar se exige a defesa da Pátria, dos poderes constituídos e da lei e da ordem, por isso uma conduta tão grave deve ser apenada com rigor. Lamentavelmente, a lei vigente só autoriza ao magistrado uma condenação máxima de 5 anos.”
Vejamos o art 290, CPM, verbis:
"Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Tem-se no parágrafo 1° e incisos, in verbis:
"Na mesma pena incorre, ainda que o fato incriminado ocorra em lugar não sujeito à administração militar.
I – O militar que fornece, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a outro militar;
III- quem fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a militar em serviço, ou em manobras ou exercício;"
Pena – reclusão, até cinco anos."
Trata-se de crime de ação múltipla, de natureza formal, permanente, que exige o dolo como elemento do tipo.
A Lei 11.343, de 23 agosto de 2006, em seu artigo 33, estabelece pena de reclusão de cinco a quinze anos para o tráfico de drogas.
"Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa."
Um agente, condenado pela prática de tráfico de drogas no interior de uma OM, pelo art 290 do CPM, pode vir a ser contemplado com a suspensão condicional da pena (Sursis). Para tanto, basta que seja primário e de bons antecedentes e venha a ser apenado com até dois anos de reclusão. Basta que a mesma punição poderá sofrer um simples usuário, reincidente, preso em flagrante portando drogas (a pena em abstrato do crime do art 290 do CPM é de 01 a 05 anos de reclusão).
Sobre isso bem acentuou Luciano Moreira Gorrilhas (O artigo 290 do Código Penal Militar e a nova lei de drogas, publicação Jus Navigandi):
“a) Um militar, fora de lugar sujeito à Administração Militar, ao fornecer substância entorpecente para outro militar, praticará, em tese, crime de natureza militar. Todavia, caso nosso protagonista venha a ministrar ou vender a aludida droga para um colega de caserna cometerá crime de natureza comum. Decerto, estas modalidades referidas (vender e ministrar) não foram previstas na norma penal em destaque (inciso I do § 1° do art 290 CPM).
b) Um militar ou um civil, em lugar não sujeito à Administração Militar, vende substância entorpecente para militar de serviço, ou em manobra ou em exercício militar.
Aplica-se aqui o mesmo raciocínio supra, ou seja, o crime é comum ante a inexistência de expressa tipicidade. Vale dizer, não figura o verbo "vender" dentre os mencionados núcleos do subtipo descrito no inciso III do § 1° do artigo 290 do CPM.
Outro tópico que demanda reflexão é quanto a inserção topográfica do art 290 do CPM no capítulo dos crimes contra a saúde (Bem jurídico tutelado). Nos parece, salvo melhor entendimento, que o supracitado tipo penal estaria melhor encartado no capítulo destinado aos crimes contra à Administração Militar. De fato, sobressai-se dentre as elementares do delito em discussão a locução "em lugar sujeito à Administração Militar". Ou seja, os diversos comportamentos descritos nos tipos (onze verbos) somente serão reprimidos se executados em lugar sujeito à Administração Militar. De observar-se que esta é a nota marcante do artigo 290 do CPM. Assim, fica nítido que o legislador realçou com cores fortes o aspecto do locus delicti commissi, enquanto que a saúde pública ficou, ao que nos parece, relegada a plano secundário.
Com efeito, fica difícil acolher a tese de perigo à saúde alheia, vale dizer, possibilidade de propagação da droga, nos casos, por exemplo, em que um militar ou civil (em lugar sujeito à administração militar) é surpreendido portando um cigarro de maconha com menos de um grama. Nesses casos, temos que o usuário estará apenas atentando contra sua própria saúde (autolesão), pois bastará acender a aludida "bagana" para que o conteúdo da substância tóxica em questão se pulverize em frações de segundo. Nestes casos, pergunta-se: houve perigo da difusão do aludido entorpecente?
Nesse diapasão, caso, por suposição, estivesse o artigo 290 CPM inserto nos crimes contra à Administração Militar, resultariam eliminadas todas as discussões acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância nas apreensões envolvendo pequenas (ínfimas) quantidades de substâncias entorpecentes. Decerto, tornar-se-ia despiciendo o debate acerca do assunto em referência, notadamente, levando-se em linha de conta que tanto as grandes como as pequenas apreensões efetuadas em lugar sujeito à Administração Castrense atentariam, de igual modo, contra a ordem administrativa militar. Hoje, como sabemos, considerando o atual bem jurídico tutelado (saúde pública), existem jurisprudências nos dois sentidos: umas acolhendo o princípio da bagatela nos crimes envolvendo tóxico, outras repudiando este instituto de política criminal.”
O CPM trata o usuário e o traficante de forma igualitária, já a lei 11.343/06 prevê o tratamento diferenciado por entender que o uso de drogas é uma doença que por sua vez, merece ser tratada e não criminalizada. Este é o maior impedimento para que os militares aceitem a aplicabilidade da referida lei. Em nome da Hierarquia e Disciplina, não se aplica a lei 11.343/06 mas, sim, o CPM nos crimes de tráfico de drogas.
É nítido que o tratamento igualitário estabelecido entre usuário e traficante é deveras injusto e desproporcional.
Em nome da hierarquia e disciplina, não se aplica a lei 11.343/06 mas, sim, o CPM nos crimes de tráfico de drogas.
Em verdade, diante das circunstâncias atuais, o Código Penal Militar se tornou anacrônico. Aliás, em 1969, época em que ele foi editado, era diverso o quadro com relação a esse delito. Hoje o tráfico tornou-se um câncer gravíssimo que exige fortes punições.
Tem-se no caso concreto uma grave conduta que receberá uma menor punição com relação ao que ocorre no âmbito da lei extravagante, ora em vigência.
No Estado Democrático de Direito pode o traficante comum ter pena superior ao policial militar condenado por tráfico de drogas? Claro que não, pois o que se estaria a desafiar é o paradigma da razoabilidade. A desproporcionalidade parece mais que evidente.
A proposta do grupo de trabalho coordenado pela ministra era adequar a legislação militar à Lei das Drogas de 2006: aumentava a pena para tráfico de drogas (para até 15 anos) e abrandava a do consumo próprio (de seis meses a um ano para quem oferecesse droga para consumir com outra pessoa). “O uso de entorpecentes deve ser tratado como uma questão de saúde pública. O tráfico como uma questão de polícia e, posteriormente, de incriminação penal. A sanção deve ser rigorosa, pois está em jogo o bem estar social”, afirmou ela.
Na época, a proposta do grupo de trabalho de penas mais duras para militares envolvidos em tráfico de drogas foi entregue ao deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). O texto, no entanto, não avançou, a exemplo de outras propostas que tratam sobre o endurecimento de penas para os militares. “Isso tem de ser corrigido, mas até hoje não é uma prioridade, nem do Congresso, nem dos militares, nem do Executivo”, afirmou Zarattini ao Estado.
Segundo o princípio da territorialidade a lei penal só tem aplicação no território do Estado que a editou, não importando a nacionalidade do sujeito ativo ou passivo.
Assim, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no Brasil.
Art. 5º - CP:
Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.Tem-se a territorialidade absoluta que é aquela que dispõe que só a lei brasileira aplica-se sempre ao crime cometido no território nacional.
Mas há a territorialidade temperada na medidas em que, de modo geral, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no Brasil, regra que não é absoluta, ressalvado os Tratados e Convenções Internacionais, quando excepcionalmente poderá a lei estrangeira ser aplicada a delitos cometidos total ou parcialmente em território nacional. Denomina-se este princípio de intraterritorialidade, quando a lei estrangeira é aplicada no território nacional, de fora para dentro do país.
O Brasil adotou o Princípio da Territorialidade Temperada (art. 5 - CP).
A regra no direito penal brasileiro é a territorialidade. A exceção se dá com a extraterritorialidade que se dá com relação a aplicação de lei brasileira a delitos praticados no estrangeiro. São exceções ao principio da territorialidade.
Há a chamada extraterritorialidade condicionada. Dela diverge a extraterritorialidade incondicionada sempre que se faça aplicação do principio da defesa, onde a nacionalidade e a natureza do bem jurídico ofendido pela ação delituosa desenvolvida no estrangeiro é que justificam a aplicação da lei pátria. São os casos dos crimes praticados no exterior contra o Presidente da República, contra o patrimônio ou a fé pública da União ou contra a Administração Pública, a teor do artigo 7º, inciso I, do Código Penal, na redação dada pela Lei 7.209/84.
Tem-se a extraterritorialidade condicionada, da leitura do artigo 7º, inciso II, daquele diploma legal.
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
II - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Em território brasileiro, a competência para julgar o crime será do juízo militar sediado no Distrito Federal.
De toda sorte aplica-se o artigo 1º do CPM que dita:
Princípio de legalidade
Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Há, para o caso, aplicação do princípio da irretroatividade de modo que as mudanças porventura propostas somente poderiam se aplicar para o futuro.
Fala-se aqui, por sinal, em uma efetividade social.
A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela traduz a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
A efetividade das normas depende, em primeiro lugar, da sua eficácia jurídica, da aptidão formal para incidir e reger as situações da vida, operando os efeitos que lhe são inerentes. Não se trata apenas da vigência da regra, mas também, e, sobretudo, da “capacidade de o relato de uma norma dar-lhe condições de atuação”, isoladamente ou conjugada com outros normas. Se o efeito jurídico pretendido pela norma for irrealizável, não há efetividade possível, como explicou Ingo Wolfgang Sarlet(A eficácia dos direitos fundamentais, 2006, pág. 245).
Nessa linha de entendimento, enquanto a eficácia jurídica representa a qualidade da norma produzir, em maior ou menor grau, determinados efeitos jurídicos ou a aptidão para produzir efeitos, dizendo respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, a eficácia social da norma se confunde com a ideia de efetividade e designa a concreta aplicação dos efeitos da norma juridicamente eficaz. A eficácia social ou a efetividade está intimamente ligada à função social da norma e à realização do Direito.
Perde a norma em sua efetividade na medida em que ela não representa para a sociedade a devida reprimenda, tendo-se o relato e o cometimento que ela representa para o aplicador da norma.