Planejamento sucessório

16/07/2019 às 11:27
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Entenda o que é holding familiar e como esta importante ferramenta do planejamento sucessório pode contribuir para a preservação patrimonial de uma grande empresa.

Resumo: Atualmente, muito se tem falado sobre a constituição de holdings, especificamente, sobre holdings familiares. E isto se deve a crescente preocupação em se proteger o patrimônio familiar, através dos benefícios trazidos pelo planejamento sucessório, ou seja, da elaboração de estruturas societárias para organizar, proteger e garantir o controle, administração e continuidade de negócios e patrimônio de uma pessoa ou família. Neste contexto, a holding pode ser constituída com diversos objetivos e, conforme estes, ela será classificada de uma determinada maneira, podendo ser: holding pura, mista, de controle, patrimonial, de participação ou imobiliária. A Holding familiar, objeto do presente estudo, não se trata de uma classificação, mas sim de uma contextualização, podendo ser abarcada em qualquer das classificações supracitadas, pois ela tem como característica ser fundada no centro de um determinado grupo familiar, a fim de ser utilizada no planejamento sucessório e patrimonial de tal núcleo. No Brasil, apesar de ainda pouco utilizada, a holding mostra-se como uma boa ferramenta para as famílias detentoras de considerável patrimônio, tendo em vista os inúmeros benefícios e facilidades trazidos por esta ferramenta. Diante de tantas possibilidades proporcionadas quando da efetivação de um planejamento sucessório e, considerando a ausência de conhecimento no Brasil, este estudo tem o intuito de realizar explanação do tema, com reflexão e preponderância de sua aplicabilidade, analisando de maneira crítica o tema sob as óticas jurídica e cientifica.

Palavras-chave: Holding Familiar. Planejamento Sucessório. Proteção Patrimonial.


INTRODUÇÃO

Pai rico, filho nobre e neto pobre. Após assistirem a inúmeras aplicações práticas desta máxima, onde sujeitos que trabalharam a vida toda construindo um patrimônio e que, no entanto, não prepararam um ambiente para que seus sucessores continuassem seu legado, levando a disputas internas, dilapidação patrimonial decorrente de má administração, carga tributária excessiva e desnecessária, bem como processos judiciais morosos, que levaram ao desaparecimento de grupos empresários familiares relevantes, é que os sujeitos passaram a se atentar para a importância de cuidar do assunto sucessão, que não se trata de decretar a morte dos patriarcas, mas sim, de planejar o futuro.

Segundo dados do Sebrae, no Brasil, 90% das empresas se originam a partir de algum parentesco. No entanto, 70% dessas empresas encerram suas atividades com a morte do fundador e, dos 30% restantes, apenas uma minoria consegue chegar até a terceira geração.

Nessa perspectiva é afirmativa de John Davis1:

“(...) Crise na sucessão é um dos principais fatores que contribui para a mortalidade ou não continuidade das empresas”.

Diante de tal quadro, vislumbra-se que mais importante do que trabalhar e constituir um patrimônio é saber preservá-lo no decorrer do tempo e das gerações.

A partir de tal necessidade de preservação é que surge a utilização das ferramentas trazidas pelo Direito, notadamente o planejamento sucessório, que apesar de ser pouco conhecido no Brasil, vem chamando a atenção da direção de empresas, especificamente as familiares, mediante os inúmeros benefícios oferecidos pelo instituto.

Conforme expõe Davis2:

“Há um crescente interesse na governança e continuidade das empresas de controle familiar, onde o planejamento sucessório é um dos pilares fundamentais. (...) “

Muito se escreve nos tempos atuais sobre governança familiar e governança corporativa, mas pouco se lê, no Brasil especialmente, sobre governança jurídico-sucessória, que se traduz como planejamento sucessório sob a ótica legal, entrelaçando ramos distintos do direito nacional, de forma a criar solução sob medida às necessidades daquele grupo, dentro dos contornos da lei.

Considerando que o planejamento sucessório pode valer-se de inúmeros institutos e ferramentas abarcadas pelo mundo jurídico, restringimos a presente pesquisa ao estudo das holdings familiares, instituto que se caracteriza como medida preventiva e econômica, que viabiliza a organização patrimonial.

Assim, considerando a aplicabilidade e preponderância prática de tal instituto e seu escasso conhecimento e utilização no Brasil, frente à necessidade que grupos familiares enfrentam durante o planejamento sucessório, a presente pesquisa irá abordar, de maneira multidisciplinar, as diversas vertentes da constituição de uma holding familiar.


A HOLDING

A Holding é um instituto originário do direito norte-americano e o seu conceito surge do termo to hold, que, em inglês, traduz-se em: deter, segurar, sustentar ou, mesmo, domínio.

No Brasil, pode-se dizer que seu ingresso e viabilidade no ordenamento jurídico pátrio se deram em 1976, com a edição da Lei. 6.404/76, a Lei das S/A, que em seu artigo 2°, § 3º preceitua:

“A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.”

Deste modo, esta companhia consiste em uma sociedade cuja atividade reside na participação no capital de outras sociedades empresárias, de forma tal que exerça o controle acionário delas e, consequentemente, proceda à administração dos bens dessas sociedades, do planejamento estratégico, financeiro e jurídico dos investimentos do grupo.

Ainda, nas palavras de Mamede (2016, p. 10):

“Holding (ou holding company) é uma sociedade que detém participação em outra ou de outras sociedades, tenha sido constituída exclusivamente para isso (sociedade de participação), ou não (holding mista).”

Através da holding é possível o controlador doar aos herdeiros as suas quotas, gravadas com cláusula de usufruto vitalício em seu favor, além de outras cláusulas como de impenhorabilidade, incomunicabilidade, reversão e inalienabilidade.

Além do mais, a holding pode prestar serviços que as sociedades por elas controladas não poderiam executar de forma eficiente; ela também pode ser utilizada para centralizar as decisões e a administração das sociedades empresárias de um mesmo grupo e, consequentemente, garantir o alinhamento de suas atividades, em prol dos interesses comuns da respectiva sociedade.

A holding também tem o papel de evitar eventual disputa familiar, eliminando interferências inapropriadas de parentes, bem como de proteger o patrimônio dos herdeiros e preservar os bens perante os negócios da sociedade empresária.

Nesse diapasão dispõe Oliveira (2015, p. 7-8):

“As empresas holding podem facilitar o planejamento, a organização, o controle, bem como o processo diretivo de suas empresas afiliadas; e também proporcionam, ao executivo, a possibilidade de melhor distribuir em vida seu patrimônio, sem ficar privado de um efetivo e amplo processo administrativo. Nesse contexto a holding tem elevada influência na qualidade do processo sucessório nas empresas, principalmente as familiares.”

Isto posto, importante salientar que o termo holding designa um gênero, que é o instituto em si, o qual comporta diversas classificações a depender da finalidade para a qual é constituída podendo ser classificada como pura, mista, patrimonial, de participação ou imobiliária, o que leva a conclusão de sua ampla aplicabilidade.


CLASSIFICAÇÃO

Ante as diversas formas existentes e peculiaridades que podem ser delineadas caso a caso, para se constituir uma holding, é necessário que se faça uma análise casuística de diversos fatores como:

  1. Qual a composição do patrimônio familiar, pois ele que será utilizado para integralizar o capital social da empresa;

  2. Quais os anseios do grupo;

  3. Quais as suas características;

  4. Quais as habilidades de cada herdeiro.

Esta análise inicial permite, de maneira racional, selecionar o tipo societário mais adequado para a constituição desta sociedade, quais as regras aplicáveis e a quais se submeterão os herdeiros, que passaram a ser sócios, acionistas ou quotistas. Mais importante ainda, através deste estudo inicial é possível verificar se é vantajoso ou não constituir uma holding.

Assim, por se tratar de um conceito plástico, que se amolda conforme as características do patrimônio e das atividades do grupo familiar, as holdings podem ser classificadas como:

  1. Holding Pura, quando o objetivo for unicamente deter quotas ou ações de outra ou de outras sociedades. Na holding pura não serão praticados atos operacionais, sendo que as receitas serão exclusivamente oriundas dos lucros e juros do próprio capital. Há ainda subclassificação doutrinária da holding pura em:

    • - De controle, quando detém quotas/ações em quantidade suficiente para controlar exercer controle societário, ou

    • -De participação, constituída apenas para ser titular de quotas/ações de outra sociedade sem, contudo, exercer controle.

  2. Holding de administração, que tem a função de centralizar a administração das sociedades subordinadas, de modo que dela será emanada as diretrizes para administrar os negócios das subordinadas.

  3. Holding mista, que conjuga características da holding pura e da holding de administração, de modo que não somente é titular de participações societárias, como também exerce atividade de cunho empresarial/produtivo.

  4. Holding patrimonial, que tem a exclusiva finalidade de ser detentora de um patrimônio.

  5. Holding imobiliária, também tem a exclusiva finalidade de ser titular de um patrimônio que, no entanto, deve ser composto exclusivamente de bens imóveis.

Da análise das classificações, inferimos que a Holding familiar não se trata de uma classificação, mas sim de uma contextualização, considerando os fatos de ser criada em um bojo familiar e de poder ser enquadrada em qualquer uma das classificações citadas, a depender da sua finalidade.


DAS FINALIDADES E BENEFÍCIOS DE CONSTITUIR A HOLDING

Os motivos determinantes que levam à escolha pela constituição de uma holding, dentro do planejamento sucessório, são inúmeros, passando desde valer-se de benefícios fiscais à normatização do relacionamento entre os sócios.

No entanto, importante frisar que é necessário, como já dito anteriormente, uma análise prévia do patrimônio e características do grupo, para verificar se realmente a constituição de uma holding é a ferramenta mais adequada para se promover a proteção e manutenção do patrimônio familiar.

Aqui, necessária ressalva, pois a proteção patrimonial através da constituição de uma holding, de modo algum se confunde com a falaciosa “blindagem patrimonial”, meio pelo qual se busca cindir e revestir o patrimônio, de forma fraudulenta, contra eventuais dividas ou execuções, modalidade não admitida no ordenamento pátrio, podendo, inclusive, acarretar sanções. Isto porque, neste caso, o objetivo não é a organização patrimonial, mas sim a blindagem fraudulenta.

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Assim, se configurada uma hipótese fraudulenta de constituição da holding, o ordenamento dispõe do procedimento da desconsideração da personalidade jurídica, a permitir que se atinja o patrimônio dos sócios.

Contudo, quando estruturado de maneira proba, um dos principais benefícios trazidos pela constituição da holding é a concentração do poder de voto ante as deliberações das empresas da qual o grupo faz parte. Esta característica fica ainda mais evidente nas holdings de controle.

Assim, nestas holding de controle as discussões acontecem interna e previamente, sem afetar as empresas operacionais, de modo que as decisões já chegarão definidas nas empresas operacionais.

Por estarmos tratando de empresas familiares, é evidente que nestas corporações muitas vezes as discussões e brigas surgem em decorrência da confusão entre ambiente familiar e empresarial, de modo que as decisões são tomadas não de forma racional, mas sim de maneira sentimental, o que pode acarretar grandes riscos às operações.

Ante esta situação, a holding permite que seja formado um ambiente separado, com regras pré-estabelecidas, as quais os sócios se submetem, evitando assim discussões, fazendo que as decisões familiares e empresarias sejam tomadas em ambientes distintos, com regras distintas.

Nesta seara, ainda, a holding presta-se a mitigar eventuais ingerências de herdeiros ou ex-cônjuges dos sócios nas atividades concernentes ao patrimônio. Esta situação fica evidente perante uma situação hipotética: imagine uma empresa controlada por dois grupos familiares, compostos por dois irmãos cada, onde cada grupo possui cinquenta por cento de participação.

Agora imagine que um destes irmãos se divorcie de modo que o ex-cônjuge tem direito à metade da participação da parte do irmão na empresa e em decorrência do divórcio, é convidado a votar com o outro grupo familiar. Assim, o equilíbrio até então existente deixa de existir e o controle passa a ser exercido pelo outro grupo.

No entanto, se neste caso fosse constituída uma holding, neste divórcio o cônjuge teria participação na deliberação da holding, sendo ele então minoritário, mas a holding continuaria votando com cinquenta por cento na empresa operacional, mantendo assim o equilíbrio na operacional.

Outra benesse trazida refere-se à minimização dos riscos aos quais as operacionais estão mais sujeitas, pois há separação entre patrimônio da holding, patrimônio particular dos sócios e patrimônio da operacional, criando-se assim esferas patrimoniais diversas, acarretando maior segurança e estabilidade patrimonial

Em consonância com essa separação e organização patrimonial, verificamos também outra característica que é o desmembramento do que é ativo patrimonial, o que é ativo e passivo operacional e/ou pessoal de cada sócio. Assim, fica evidente a existência de uma clivagem patrimonial, garantindo mais uma vez maior segurança dos bens.

Ainda, a holding, no âmbito administrativo, permite que se crie uma sociedade com grande capacidade econômica com a conjugação dos poderes de cada herdeiro que, se considerados individualmente, seriam minoritários e, desse modo, se tornam mais fortes, alinhando seus propósitos e garantindo maior estabilidade e poder econômico-financeiro.

No mais, quando bem conduzido, este processo é feito com a participação das gerações da família que estão vivas, o que permite que sejam analisadas as características pessoais de cada herdeiro, permitindo não somente que se delimite a futura transferência patrimonial, mas já defina como será a administração destas empresas, pelos próprios herdeiros ou por profissionais.

Assim, a holding proporciona que a família mantenha o controle sobre a empresa ou patrimônio, mas ao mesmo tempo possibilita que estes herdeiros, caso não tenham aptidão suficiente para gerir os negócios, que a condução destes se dê por profissionais, de modo a garantir que não seja realizada administração que coloque em risco o patrimônio, protegendo os sócios herdeiros e assegurando sua subsistência.

Outro grande benefício trazido pela holding, senão o mais importante, sob a ótica jurídico-sucessório é que ela evita a formação de condomínio entre os herdeiros, o que afasta diversas regras menos vantajosas por ele trazidas, como por exemplo, a exigência de unanimidade dos condôminos para deliberar quanto a decisões acerca do patrimônio, viabilizando que as decisões sejam tomadas de maneira mais ágil e adequada.

Neste sentido, realizada a holding, no momento da morte dos patriarcas da família, operando o fenômeno da saisine, não haverá discussão quanto à divisão patrimonial, pois estes herdeiros não irão receber e repartir bens propriamente ditos, mas sim, quotas ou ações de uma sociedade que detém todo este patrimônio, conforme previsão realizada em seu contrato social ou estatuto, o que torna o processo mais célere, mitigando potencialmente eventuais litígios.

Desse modo, tendo em vista que o planejamento já fora realizado, se evita que sejam praticados pelos herdeiros, no decorrer do inventário, eventuais atos que configurem hipóteses de incidência tributária, mitigando, assim, eventuais cargas tributárias mais onerosas e desnecessárias.


CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, pudemos verificar a importância que as empresas familiares exercem frente à economia do país. Isto considerando que 90% das empresas se originam de algum vínculo familiar e que estas empresas representam cerca de 80% das corporações existentes nos país e 50% do PIB nacional.

Diante do cenário e dos inúmeros desafios atualmente vividos por grupos empresariais majoritariamente compostos por grupos familiares, o planejamento sucessório é um instituto que, de forma alguma, pode ser negligenciado pelos patriarcas que desejam garantir a perenidade e o desenvolvimento de seus negócios, bem como garantir que eles sejam suficientes para seus herdeiros, evitando, por conseguinte, disputas patrimoniais.

Frente a este contexto, a holding, como ferramenta do planejamento sucessório, merece grande destaque e atenção, seja na seara familiar, tributária ou administrativa. Isto porque, internamente, ela permite a criação de diversos mecanismos que protegerão os sócios de si mesmos, ou de fatores externos, bem como de sofrerem consequências reflexas advindas de um planejamento sucessório mal sucedido, evitando que o futuro do grupo familiar seja prejudicado.

No entanto, seus benefícios não refletem somente internamente nas famílias que vivem deste patrimônio. Ela exerce um papel econômico e social, pois, garantindo a estabilidade e existência destas empresas, estaremos assegurando o desenvolvimento nacional econômico.

Por fim, podemos concluir que a holding é uma forte alternativa para grupos familiares que desejam realizar uma organização estrutural, além de criar ferramentas que permitem a transição do controle entre as gerações sem gerar choques administrativos, mas que, no entanto, sua constituição ou não, está condicionada à minuciosa análise de finalidades, situação econômica e reflexos tributários.


REFERÊNCIAS

KIGNEL, Luiz; PHEBO, Márcia Setti; LONGO, José Henrique. Planejamento Sucessório. São Paulo: Noeses, 2014. 265 p. Prefácio de John Davis.

MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. HOLDING FAMILIAR E SUAS VANTAGENS: Planejamento Júridico e Econômico do Patrimônio e da Sucessão Familiar. 8. ed. 173 p. São Paulo: Atlas, 2016.

OLIVEIRA, D. P. R. Holding, Administração Corporativa e Unidade Estratégica de Negócios: uma abordagem prática. 5. ed. 147 p. São Paulo: Atlas, 2015.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 6. ed. 1717 p. São Paulo: Forense, 2016.


NOTAS

1 KIGNEL, L.; PHEBO, M. S.; LONGO, J. H.. Planejamento Sucessório. 1. ed. São Paulo: Koeses, 2014. Prefácio de DAVIS, John.

2 Idem.

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Sobre o autor
Leandro Dikesch da Silveira

Mentor Jurídico, Advogado desde 1992. Especialista em Direito Empresarial e Ddo. em Direito pela UMSA (Argentina)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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