A acessibilidade do portador de deficiência aos cargos públicos, à luz do princípio da isonomia

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2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Antes de adentrarmos a análise do princípio da igualdade propriamente dito, necessária é a explanação acerca do que venha a ser princípio.

Princípio quer dizer, início, começo, causa primária, razão, base. [6]

O termo princípio é utilizado pela Ciência do Direito como paradigma a ser seguido pelas demais normas do direito positivo.

Ivo Dantas, em profundo estudo acerca dos princípios assim ensinou:

os princípios são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica dos Estados, como tal, representativa dos valores consagrados por uma sociedade. 7

Logo após continua o autor: 

por outro lado, se tanto o princípio quanto a norma consagrados nos textos constitucionais refletem um posicionamento ideológico (opção política frente a diversos valores) – repitamos – existe entre eles uma hierarquização.

Como visto, os princípios ilustram uma vontade, uma posição ideológica, que traduz diversos valores não só ideológicos, mas também de ordem social e moral, influenciando, dessa forma na interpretação das regras constitucionais e infraconstitucionais, bem como na definição de seu conteúdo.

Para Celso Ribeiro Bastos:

Princípio é, por definição, o mandamento nuclear de um sistema, ou se se preferir, o verdadeiro alicerce dele. Trata-se de disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência. O princípio, ao definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, acaba por lhe conferir a tônica e lhe dar sentido harmônico.[7]  

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma, pois implicaria em ofensa a todo um sistema de comandos: 

É o conhecimento do princípio que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.[8]

Feita a conceituação mais abrangente do termo princípio, passemos a análise do princípio constitucional da igualdade, ou isonomia.

Para Celso Ribeiro Bastos, o princípio da igualdade é um dos princípios de mais difícil tratamento jurídico. Isso porque, em seu conteúdo, estariam travados ingredientes de direito e elementos metajurídicos, significa dizer que, referido princípio carrega em si não só elementos objetivos e racionais, mas morais, advindos da natureza humana, do direito natural, como direito justo por sua natureza.   

A equalização de condições desiguais, como já visto no item anterior, há muito tempo já era buscada no cenário internacional inclusive.  

A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã,trouxe o princípio da igualdade esculpido no artigo 5º: 

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:    

O referido princípio abarca a igualdade substancial e a igualdade formal.

A igualdade substancial é aquela que busca o tratamento uniforme de toda a humanidade perante os bens da vida. Essa igualdade jamais foi alcançada devido a vários fatores como estrutura política, social e cultural que possui cada sociedade.

Já a igualdade formal seria a igualdade perante a lei. O direito de o cidadão ser tratado de forma igualitária em relação a outros cidadãos perante a legislação. 

A conseqüência prática disso é que para se alcançar efetivamente a igualdade, temos que tratar desigualmente aqueles que são desiguais, assim já dizia Rui Barbosa “tratar desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades”.

É por esse entendimento que hoje, em nosso ordenamento jurídico,encontramos diversas legislações específicas para idosos, deficientes físicos e mulheres, por exemplo.

Ressalte-se o disposto no artigo 37, inciso VIII da Constituição Federal de 1988, o qual visa igualar as oportunidades entre portadores e não portadores de deficiência na disputa de cargos e empregos públicos.  

O objetivo é que a lei compense as barreiras existentes para o acesso do deficiente físico aos cargos públicos. 

2.1 Instrumentos normativos federais que visam a acessibilidade do portador de deficiência aos cargos públicos

Existem várias leis e decretos que proporcionam a acessibilidade do deficiente de um modo geral, mas como o assunto é amplo e o presente trabalho não possibilita tal abrangência, restringimo-nos a apresentar somente as normas que visam facilitar o ingresso do portador de necessidades especiais no mercado de trabalho.

Começamos com a Lei Federal 7.853 de 24 de outubro de 1989, mais conhecida como Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. 

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Referida lei estabelece que as pessoas portadoras de deficiência devam gozar livremente de seus direitos básicos, entre eles, o trabalho.

Para tanto, determina que as entidades da administração direta e indireta devam dispensar tratamento que viabilize diversas medidas na área de formação profissional e trabalho, entre elas estabelece que o Poder Público se empenhe no surgimento e manutenção de empregos e que adote legislação específica que propicie a reserva de mercado de trabalho tanto no âmbito da Administração Pública, quanto no setor privado. Vejamos o artigo 2º e o parágrafo único, inciso III da lei:

Artigo 2º - Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Parágrafo único - Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas:

III - na área da formação profissional e do trabalho:

a)o apoio governamental à formação profissional, à orientação profissional, e a garantia de acesso aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação profissional;

b)o empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns;

c)a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência;

d)a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das pessoas portadoras de deficiência;

Em 11 de dezembro de 1990, temos a lei 8.112, a qual dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. 

O art. 5º, § 2º assegura a inscrição dos portadores de deficiência, desde que a deficiência seja compatível com as atribuições do cargo: 

§ 2o  Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.

Interessante citarmos também o artigo 93 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. 

O referido artigo obriga a empresa que possua 100 (cem) ou mais empregados a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência.

Embora a lei vigore desde 1991, ainda há muitas empresas que não cumprem a determinação.

Em 10 de novembro de 1999, temos a Lei 9.867, que dispõe sobre a criação e funcionamento das chamadas Cooperativas Sociais, que objetivam a gestão de serviços sociossanitários e educativos e o desenvolvimento de atividades agrícolas, industriais, comerciais e de serviços.

Essa lei teve o intuito de integrar não só o deficiente físico, mas os dependentes químicos, os egressos de prisões, os condenados a penas alternativas e também os adolescentes que se encontrem em difícil situação econômica.

Em 20 de dezembro de 1999, temos o Decreto 3.298, que regulamenta a Lei Federal 7.853, expondo, para tanto, os princípios, diretrizes e instrumentos da política nacional de integração do deficiente. 

O referido decreto contém 60 artigos, os quais direcionam para o total acesso do deficiente físico à cultura, lazer, turismo, esporte, educação, saúde, habilitação e reabilitação profissional.

Importante destacarmos o artigo 37, o qual assegura à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público em igualdade de condições com os demais candidatos. 

O decreto exige também que pelo menos 5 % (cinco por cento) das vagas disponíveis sejam destinadas aos portadores de deficiência (§1º). 

Muitos portadores de deficiência se beneficiam com a aplicação de tais normas, o que garante que eles vivam plenamente e com mais dignidade, porém, ainda verificamos muitas questões controvertidas quanto à interpretação dos critérios estabelecidos em lei. 

Essas questões controvertidas, conforme veremos adiante, surgem muitas vezes, com o próprio despreparo do Poder Público na interpretação e aplicação das leis, pelos seus servidores.

Cabe ao Poder Público preparar devidamente seus representantes, para que os objetivos de todas essas políticas públicas sejam alcançados com eficácia e aproveitamento.  

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Sobre a autora
Ana Louise Holanda de Medeiros

Advogada graduada pela Universidade de Taubaté; Pós Graduada em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito, Pós Graduada em Direito Internacional Privado e Contencioso Estratégico pela PUC - Minas/ [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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