Resumo: O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre o direito conferido aos acionistas de participação nos lucros sociais, sob a forma de dividendos. Nesse sentido, será estudada a natureza jurídica do instituto, formas de deliberação, apuração, requisitos mínimos exigidos pela lei e pelo estatuto social e efeitos decorrentes da ausência de distribuição. O entendimento do tema será realizado por meio de pesquisa bibliográfica e de precedentes judiciais, com objetivo de abranger as principais questões controversas referentes ao tema.
Palavras-chave: : : Direito Societário; Dividendos; Lucros; Sociedades Anônimas; Acionistas.
Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. Regime Jurídico das Sociedades Anônimas. 2.1. Espécies de sociedades anônimas. 2.2. Organização das sociedades anônimas. 3. Direitos dos acionistas. 3.1. Direito à participação nos lucros sociais. 4. Conceito, natureza jurídica e Principais Características dos dividendos. 5. Espécies de dividendos. 5.1. Dividendos obrigatórios. 5.2. Dividendos preferenciais. 5.3. Dividendos intermediários e intercalares. 6. Diferenciação entre dividendos e juros sobre capital próprio. 7. Cobrança dos Dividendos. 8. Considerações Finais. REFERÊNCIAS.
1. Considerações Iniciais
O presente artigo visa analisar as principais características das distribuições de dividendos por sociedades anônimas, sob a égide da Lei 6.404, de 1976.
Para tanto, o primeiro capítulo deste artigo pretende demonstrar o regime jurídico adotado pelas sociedades anônimas, sua finalidade principal e as características das sociedades de capital aberto e fechado, municiando desta forma o leitor com os elementos básicos para compreensão dos institutos a seguir apresentados. Com base nesses conceitos, será estudada a organização desse tipo societário, com o objetivo de demonstrar que as deliberações tomadas por tais pessoas jurídicas estão sujeitas à sua administração, assim considerada sua diretoria, conselho de administração e conselho fiscal, bem como assembleia geral dos acionistas.
Uma vez apresentadas as sociedades anônimas, passa-se a uma breve exposição dos direitos dos acionistas, com foco específico no direito essencial à participação nos lucros sociais. Em continuidade, são apresentadas as principais questões controvertidas relacionadas ao exercício desse direito, observada a estrutura de controle das sociedades anônimas.
A partir do capítulo seguinte, passa-se à exposição da ideia central do trabalho, que é demonstrar o conceito, natureza jurídica e principais características dos dividendos. São apresentados, neste contexto, os entendimentos doutrinário e jurisprudencial acerca do instituto.
Com base nesses elementos, os dividendos são classificados em obrigatórios, preferenciais, intermediários e intercalares, sendo apresentadas ao leitor suas características, similitudes e diferenciações. Por fim, acresce-se ao estudo a caracterização dos juros sobre capital próprio, sendo discutidas as teorias relacionadas à sua natureza jurídica.
No último capítulo, são estudadas as medidas judiciais relacionadas à cobrança de dividendos, a serem exercidas pelos acionistas que tenham seu direito tolhido pelas sociedades.
2. Regime Jurídico das Sociedades Anônimas
O artigo 44, do Código Civil Brasileiro, define as seis espécies de pessoas jurídicas de direito privado presentes em nosso ordenamento, quais sejam, as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada1. Em complemento, o artigo 981, do mesmo diploma legal, esclarece que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Sendo assim, pode-se concluir que as sociedades sempre buscam uma finalidade econômica em suas atividades e o resultado de tal atividade, portanto, será dividido entre seus sócios.
Gladston Mamede (2019, p. 3) esclarece que as sociedades buscam finalidade econômica a qual, no entanto, não se confunde com o lucro. Tal entendimento é fundamental para este estudo, conforme abaixo:
[...] somente há sociedade se a finalidade do ajuste é econômica: produção e auferimento de vantagens com expressão pecuniária. Não há sociedade se a finalidade é religiosa, cultural etc. O ajuste de mútua cooperação em atividade não econômica e sem o objetivo de apropriação das vantagens produzidas não caracteriza contrato de sociedade (artigo 981 do Código Civil), mas outra figura, como a associação (artigo 53). [...].
Não se confunda, contudo, finalidade econômica com lucratividade. O lucro guarda correspondência direta com a ideia de investimento: lucro é a remuneração do capital investido. É o que se passa com os sócios capitalistas, cuja contribuição para a sociedade é exclusivamente o investimento de capital, sendo remunerados quando se distribuem os lucros. Há finalidade econômica mesmo quando o saldo positivo não caracterize lucro, não se verificando remuneração por capital investido; [...]2.
Sérgio Campinho (2018, p. 39), por sua vez, entende que a sociedade anônima pode ou não realizar lucros, contudo, será esta sempre sua finalidade:
A sociedade anônima visará sempre à obtenção de lucros. O fim lucrativo encontra-se a ela visceralmente ligado. Ainda que concretamente não se realize, toda a atividade societária estará articulada em razão dessa perspectiva. Seu objeto corresponderá, incondicionalmente, a uma atividade com fim lucrativo, destinando-se os resultados produzidos à distribuição entre os acionistas3.
As sociedades anônimas consistem em uma das espécies das sociedades empresárias, cujo regramento está contido na Lei 6404, de 19764. São costumeiramente utilizadas para viabilização de grandes empreendimentos econômicos, que exigem aportes de capital expressivo, muitas vezes realizados por mais de uma pessoa. Por se tratar de sociedades com limitação de responsabilidade e por permitirem a negociabilidade da participação detida por seus acionistas, viabilizam tais negócios5 e são consideradas sociedades de capital, ou seja, tem predomínio desse elemento para sua formação6.
Maria Eugênia Reis Finkelstein (2016, p. 139) define as sociedades por ações da seguinte forma:
A sociedade por ações é a pessoa jurídica de direito privado, de natureza empresária, independentemente de seu objeto, com o capital dividido em ações, sob uma denominação social, limitando-se a responsabilidade dos acionistas ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. São normalmente designadas como companhias7.
Diante dos conceitos acima explicitados, pode-se concluir que as características fundamentais das sociedades anônimas podem ser assim enumeradas: (i) capital social dividido em ações, detidas por acionistas, (ii) responsabilidade pelas obrigações sociais limitada ao preço8 de emissão das ações de sua titularidade9.
Vale frisar que a atual configuração da sociedade anônima decorre das disposições da Lei de Sociedades Anônimas (Lei nº 6404, de 15 de dezembro de 1976), cujo projeto foi coordenado por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira. O objetivo principal da edição de tal legislação era fomentar o recém-criado mercado de capitais com uma regulamentação que permitiria novas formas de captação de recursos. Leia-se, nesse sentido, trecho da Exposição de Motivos da mencionada lei:
O Projeto visa basicamente a criar a estrutura jurídica necessária ao fortalecimento do mercado de capitais de risco no País, imprescindível à sobrevivência da empresa privada na fase atual da economia brasileira. A mobilização da poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial exigem, contudo, o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o respeito a regras definidas e eqüitativas, as quais, sem imobilizar o empresário em suas iniciativas, ofereçam atrativos suficientes de segurança e rentabilidade10.
A estrutura jurídica das sociedades anônimas permite que os acionistas aportem capital para a consecução de empreendimentos e esse conjunto de patrimônio, detido pela sociedade, é autônomo em relação aos acionistas. Trata-se do princípio da autonomia patrimonial, que impede que os acionistas respondam pelas obrigações da sociedade, ao menos em regra11.
2.1. Espécies de sociedades anônimas
O artigo 4º, da Lei nº 6404, de 15 de dezembro de 1976 distingue as sociedades anônimas em capital aberto e fechado, conforme abaixo transcrito:
Para os efeitos desta lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
As sociedades anônimas de capital aberto, também conhecidas como companhias abertas, têm seus valores mobiliários, que incluem suas ações (além das debêntures, bônus de subscrição, comercial papers), negociadas no mercado de capitais, de forma que quaisquer investidores têm a possibilidade de aplicar seus recursos em tais negócios, tornando-se, portanto, acionistas de tais companhias. Assim, estão sujeitas à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, que tem como uma de suas missões garantir que referidos investidores tenham acesso a uma quantidade mínima de informações que os permita realizar seus investimentos com segurança12. Para tornarem-se companhias abertas, as sociedades anônimas necessitam de autorização governamental, emitida pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários e devem cumprir uma série de exigências legais, tais como a apresentação de informações periódicas, a contratação de auditores independentes, a divulgação de fatos relevantes, etc.
As sociedades anônimas de capital fechado, ou companhias fechadas, por sua vez, não estão sujeitas à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários e, em geral, possuem capital social menos pulverizado que as companhias abertas (na medida em que suas ações não são negociáveis no mercado de capitais). No Brasil, as sociedades anônimas de capital fechado não são sinônimo de sociedades de pequeno porte, haja vista que há muitas empresas familiares no país, por exemplo. Note-se que as sociedades anônimas de capital fechado também podem emitir valores mobiliários os quais, no entanto, não estão sujeitos à negociação no mercado de capitais, devendo optar, portanto, por outras formas de financiamento, como o empréstimo bancário e o aporte de capital dos próprios sócios.
2.2. Organização das sociedades anônimas
As sociedades anônimas são constituídas por meio do estatuto social, que é a “lei máxima que rege a vida da companhia e a relação desta com seus acionistas”, segundo Maria Eugênia Reis Finkelstein (2016, p. 139). O estatuto deverá conter, no mínimo, a definição do objeto social, o valor do capital social e o número de ações em que é dividido, as vantagens destinadas ao acionista que detiver ações preferenciais, a denominação, endereço e prazo de duração da sociedade, além das regras relacionadas à administração da companhia13.
As sociedades anônimas exigem, ainda, uma estrutura organizacional básica, formada por órgãos que possuem competências estabelecidas por lei, quais sejam, a assembleia geral, o conselho de administração, a diretoria e o conselho fiscal. Cabe ao estatuto da sociedade definir, em adição ao estatuído em lei, as competências de cada um desses órgãos, dentre as quais destaca-se a deliberação quanto à destinação dos resultados da sociedade, objeto deste estudo.
3. Direitos dos acionistas
Os direitos dos acionistas são classificados em duas espécies, quais sejam, os (i) direitos essenciais (ou individuais), que não podem ser suprimidos pelo estatuto ou por deliberação da assembleia geral e os (ii) direitos não essenciais, que podem ou não existir, de acordo com a definição estatutária. Como exemplo de direito não essencial, pode-se mencionar o direito a voto, não conferido a titulares de ações preferenciais14.
Os direitos essenciais estão elencados no artigo 109, da Lei de Sociedades por Ações, quais sejam: (i) participar dos lucros sociais; (ii) participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; (iii) fiscalizar, na forma prevista em lei, a gestão dos negócios sociais; (iv) ter preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, respeitadas as exigências legais; e, (v) retirar-se da sociedade, nos casos previstos em lei.
Modesto Carvalhosa (2014, p. 420) esclarece que os direitos individuais são irrenunciáveis e indisponíveis. Por se tratar de normas de ordem pública, não pode haver derrogação nem em caso de consentimento dos acionistas. O autor estabelece, ainda, uma distinção bastante interessante a respeito: muito embora não possam os acionistas renunciar, em abstrato, aos direitos essenciais, podem, no entanto, deixar de exercê-los em uma situação concreta, como no caso do não exercício do direito de preferência para subscrição de ações15.
Note-se que as garantias existentes na lei visam manter o equilíbrio entre os acionistas controladores e minoritários das sociedades anônimas, de modo que os últimos não sejam segregados da fruição dos resultados decorrentes da atividade social, por exemplo. Ademais, o direito de retirar-se da sociedade, em caso de dissenso em relação a determinada deliberação adotada pela maioria, também consiste em uma garantia em favor do equilíbrio das relações sociais16.
Adotaremos, como corte metodológico, o estudo do direito à participação nos lucros sociais, que será objeto do tópico seguinte.
3.1. Direito à participação nos lucros sociais
Como anteriormente mencionado, a finalidade das sociedades é econômica e, consequentemente, espera-se a geração de uma remuneração aos acionistas, representada pela lucratividade. Adicionalmente, além dos direitos acima elencados, cabe aos acionistas um dever precípuo, qual seja, o de realizar o capital integralmente. Assim, diante do cumprimento do dever individual e da finalidade social, os acionistas esperam que se concretize a remuneração do capital integralizado, por meio do direito à participação nos lucros sociais.
Sérgio Campinho (2018, p. 216), ao analisar a finalidade das sociedades anônimas e a expectativa de remuneração dos acionistas, esclarece:
[...] A obtenção de lucros, portanto, constitui o próprio fim legal da sociedade anônima. Os resultados das operações sociais devem, pois, ser distribuídos aos acionistas cujas contribuições, em dinheiro ou bens, possibilitaram o exercício da atividade econômica. Em realidade, a perspectiva do lucro anima todas as iniciativas societárias e confere corpo a um mercado de valores mobiliários. Constitui, desse modo, direito essencial dos acionistas participar dos lucros sociais (art. 109, I)17.
Assim, cabe aos acionistas de determinada sociedade um direito patrimonial, qual seja, o de participação nos lucros sociais auferidos, que se consubstancia de duas formas: por meio do pagamento de dividendos e da participação no acervo social, em caso de dissolução da sociedade18.
Fabio Ulhoa Coelho (2015, p. 360) ressalta que o aporte de capital em sociedade consiste em investimento de risco, de modo que, “caso a sociedade não tenha ainda gerado lucro suficiente para comportar o pagamento de dividendos, o acionista não tem nenhum direito de crédito”19.
De fato, os lucros sociais aos quais os acionistas têm direito, por força do direito essencial que lhes é conferido, consistem no lucro líquido de determinada sociedade, que, segundo o artigo 191, da Lei de Sociedade por Ações, é o resultado do exercício que remanescer, depois de deduzidas as participações descritas no artigo 190 da mesma lei, quais sejam, as participações estatutárias dos empregados, administradores e partes beneficiárias20.
Note-se que, após a determinação do lucro, caberá à administração da companhia, ainda, propor à assembleia geral ordinária sua destinação, que será, necessariamente, distribuição aos acionistas, apropriação em reservas, necessárias ao desenvolvimento dos negócios sociais ou capitalização21.
A proposta da administração deverá ser baseada em relatório, que conterá informações sobre a empresa, os negócios sociais e as necessidades de capital da companhia, propiciando aos acionistas as informações necessárias à tomada de decisão e regular exercício do direito de voto. Além da proposta e do relatório da administração, as demonstrações financeiras, elaboradas por auditores, conterão uma proposta de destinação dos lucros e indicarão a posição econômico-financeira da companhia ao final de determinado exercício social22.
A destinação dos resultados nas sociedades anônimas, com a consequente distribuição – ou não de dividendos – pode causar controvérsias entre acionistas controladores e minoritários das sociedades. Isto porque, sociedades lucrativas podem deixar de distribuir dividendos por diversos exercícios consecutivos em razão de critérios de desconhecimento dos acionistas minoritários.
Ao apreciar questão relacionada à distribuição de dividendos, quase dez anos antes da publicação da legislação ora em vigor, Rubens Requião reconhecia a possibilidade de retenção de lucros por meio da criação de reservas, como forma de autofinanciamento das companhias, nos casos em que não houvesse deliberação estatutária em contrário. Contudo, em relação à negativa de distribuição dos lucros sem fundamento empresarial, já se posicionava da seguinte forma:
[...] Ora, quando o direito, por exemplo, concede à maioria faculdade de deliberar pela distribuição ou não dos lucros, o faz para que a regra seja aplicada com uma finalidade: a de reforçar, por exemplo, financeiramente a sociedade que necessita de novos capitais para seu giro. Quando, todavia, essa faculdade é desviada do fim legítimo e passa a tornar-se odioso instrumento de opressão da minoria, a finalidade do direito foi desviada e seu uso se torna ilegítimo23.
Note-se que a Lei de Sociedade por Ações de 1976 teve por principal fundamento o fomento ao mercado de capitais brasileiro, privilegiando regras que protegessem os acionistas minoritários, coibindo a discricionariedade dos administradores e predominância da maioria. O entendimento esposado à época reside no fato de que o mercado de capitais somente obteria maior representatividade no Brasil se os investidores tivessem garantias de que o capital investido seria remunerado, por meio da participação nos lucros.
Assim, a Lei de Sociedades por Ações em vigor trouxe em sua Exposição de Motivos a preocupação em evitar essa situação, conforme abaixo:
[...] a proteção do direito dos acionistas minoritários de participar, através de dividendos nos lucros da companhia exige a definição de regime legal sobre a formação de reservas, que limite a discricionariedade da maioria nas deliberações sobre a destinação dos lucros24.
Para ilustrar esse entendimento, cabe colacionar julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que ao analisar proposta de retenção de lucros sociais determinou que a administração apresentasse, para deliberação em assembleia, documentos que pudessem embasar a decisão dos acionistas nesse sentido:
SOCIEDADE ANÔNIMA. DELIBERAÇÕES ASSEMBLEARES. RETENÇÃO DE LUCROS, DISTRIBUIÇÃO AOS DIRETORES E MAJORAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL. A LUCRATIVIDADE É O FIM PRECÍPUO DAS COMPANHIAS. DIREITO AOS LUCROS SOCIAIS. DIREITO ESSENCIAL DO ACIONISTA. RELATIVIZAÇÃO QUE SOMENTE PODE SER ACEITA SE DEMONSTRADA A NECESSIDADE/UTILIDADE SOCIAL DA RETENÇÃO. PROJETO DE FINANCIAMENTO. ORÇAMENTO DE CAPITAL. AUSÊNCIA DE LEVANTAMENTO PELA AGRAVANTE. DOCUMENTOS IMPRESCINDÍVEIS À COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DE RECAPITALIZAÇÃO DA SOCIEDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTO AOS MOTIVOS PARA A PRETENDIDA DISTRIBUIÇÃO DOS LUCROS À DIRETORIA. DELIBERAÇÕES SOCIAIS CONDICIONADAS À APRESENTAÇÃO DE REFERIDOS DOCUMENTOS AOS ACIONISTAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Sociedade anônima. Deliberações sociais. Pretensão da companhia de retenção de parcela dos lucros do exercício de 2014. Distribuição de parcela de lucros aos diretores. Majoração do capital social. 2. Lucratividade. O fim social das sociedades anônimas é precipuamente o lucro. O direito à repartição dos lucros é direito essencial, indisponível e inderrogável do acionista (art. 109, inc. I, da Lei das S/A´s). 3. A relativização ao direito aos lucros da companhia somente pode ser aceita nos termos da lei. Imprescindível comprovação, pela companhia, da necessidade/utilidade de retenção dos lucros (arts. 196. c/c art. 202, da Lei nº 6.404/76). 4. Deve a companhia apresentar ao acionista, previamente à Assembleia Geral, o projeto de financiamento, o orçamento de capital e os demais documentos comprobatórios da necessidade de recapitalização da sociedade. Ademais, pretendendo distribuir lucros à Diretoria, deve apresentar a respectiva prestação de contas da gestão com seus resultados suficientes a justificar o plus que pretende pagar aos seus gestores. 5. A agravante não juntou qualquer documento que pudesse justificar a pretendida retenção dos lucros e a pretendida distribuição de lucros aos diretores. Não consta tenha sido elaborado projeto prospectivo ou orçamento para uso do dinheiro que pretende reter, assim como não consta tenha apresentado relatório detalhado e objetivo da gestão. Prejuízo aos acionistas minoritários. Abuso da maioria. Condutas que devem ser coibidas. 6. Autorização para deliberação das proposições pela agravante desde que apresente em prazo razoável para análise pelos acionistas minoritários, projeto de financiamento, orçamento de capital e demais documentos que comprovem com precisão a necessidade de recapitalização da companhia e as justificativas para pagamento de parcela dos lucros à diretoria. 7. Recurso parcialmente provido25.
(sem grifos no orginal)
Na proposta de destinação dos resultados, caberá aos administradores, portanto, utilizar de seu business judgment rule, ou seja, regra que define que as decisões de negócios devem basear-se no dever de diligência, boa fé e sem abuso de sua discricionariedade26. Assim, a sugestão retenção de resultados sociais, por meio da formação de reservas ou de orçamento de capital, que poderá resultar, por consequência, na redução ou não distribuição de dividendos, deverá ser pautada no propósito de perenizar o negócio social e nunca na restrição do acionista de receber os proventos do capital aportado na sociedade.
Assim, o interesse social deverá sempre pautar as decisões sociais, de modo que a distribuição de lucros deverá ser relativizada nas hipóteses legalmente previstas, como no caso de constituição de orçamento de capital, com prazo de duração de até cinco anos, que preveja a utilização dos lucros sociais para empreendimentos futuros (artigo 196), constituição de reservas de contingências para fazer frente a perdas consideradas prováveis (artigo 195) ou em caso de situação financeira incompatível com a distribuição (artigo 202, parágrafo quarto).