Da distribuição de dividendos em sociedades anônimas

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27/07/2019 às 18:14
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4. Conceito, natureza jurídica e Principais Características dos dividendos

Com o entendimento de que (i) os acionistas de sociedades anônimas têm como direito essencial a participação nos lucros sociais; (ii) apresentada a forma como se definem os resultados de uma companhia; e, (iii) esclarecida a regra geral de distribuição dos lucros, por meio de distribuição de dividendos; passamos à análise do principal tema deste estudo, quais sejam, os dividendos.

Os dividendos consistem na parte do lucro social que é atribuída aos sócios, de acordo com sua participação no capital social e com as características das ações que detém27.

Fran Martins (1984, p. 720) define dividendos como “o rendimento que cabe aos acionistas de uma sociedade anônima, em proporção ao capital que possuem na mesma sociedade. É a parte da divisão do lucro destinado à distribuição entre os acionistas de uma companhia”28.

Sergio Campinho (2018, p. 372) define a figura jurídica dos dividendos como “a parcela do lucro líquido do exercício social que a companhia distribui a seus acionistas”. E complementa ao afirmar que essa distribuição é “anual e resulta da deliberação da assembleia geral ordinária”29.

Marcelo Giovanni Perlman (2003, p. 61), por sua vez, define dividendos como “a parte dos lucros sociais que a assembleia geral da companhia decide distribuir aos acionistas, conforme disposto nos estatutos e segundo o resultado apurado no balanço do exercício”30.

Não há, como se vê, grande discussão acerca da conceituação dos dividendos. Contudo, no que se refere à sua natureza jurídica, verifica-se certa dissonância, que decorre das perspectivas legal, econômica e até mesmo política que decorrem do instituto. Como já se viu, os dividendos são a forma clássica de remuneração de capital e, como tal, a expectativa de sua percepção fomenta o mercado de capitais. Desta feita, o instituto pode ser analisado sob os enfoques político-econômico, na medida em que as sociedades propiciam a organização das atividades empresariais e os rendimentos delas obtidos têm grande impacto no desenvolvimento econômico do país.

Contudo, analisaremos o instituto apenas sob o ponto de vista jurídico, distinguindo os dividendos dos lucros sociais. Assim, entende-se que a natureza jurídica dos dividendos é de distribuição de resultados, equivalente à participação detida pelo acionista na sociedade.

Nesse sentido, vale colacionar o entendimento de Modesto Carvalhosa (2014, p. 431) a respeito:

O dividendo seria essencialmente um direito de crédito, derivado do direito de lucro, do qual nasceria para o acionista um crédito concreto sobre uma parte dos lucros que, originados do balanço, seriam finalmente repartidos pela assembleia geral31.

Há que se ressaltar, outrossim, que os dividendos devem ser pagos àqueles que detiverem as ações na data de sua declaração, ou aos seus usufrutuários, conforme registros contidos na escrituração das sociedades anônimas. Nesse sentido, leia-se o trecho da obra de Gladson Mamede (2019, p. 450), elucidativo a respeito:

O pagamento dos dividendos será feito à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação. O pagamento poderá fazer-se por cheque nominativo remetido por via postal para o endereço comunicado pelo acionista à companhia, ou mediante crédito em conta corrente bancária aberta em nome do acionista; em se tratando de ações em custódia bancária ou em depósito, os dividendos serão pagos pela companhia à instituição financeira depositária, que será responsável pela sua entrega aos titulares das ações depositadas. O dividendo deverá ser pago, salvo deliberação em contrário da assembleia geral, no prazo de 60 dias da data em que for declarado e, em qualquer caso, dentro do exercício social. A ação para haver dividendos prescreve em três anos, contado o prazo da data em que tenham sido postos à disposição do acionista, segundo o artigo 287, II, a, da Lei das Sociedades Anônimas32.


5. Espécies de dividendos

Para efeitos deste estudo, estudaremos as principais espécies de dividendos, quais sejam, obrigatórios, preferenciais, intermediários e intercalares.

5.1. Dividendos obrigatórios

Os dividendos obrigatórios estão previstos no artigo 202, da Lei de Sociedades por Ações e consistem na “parcela dos lucros líquidos da companhia que a lei destina forçosamente à distribuição entre os acionistas”33.

Como já anteriormente mencionado, a instituição dos dividendos obrigatórios visa tutelar os direitos dos acionistas minoritários e fortalecer o mercado de capitais, uma vez que impede que haja a retenção da totalidade dos lucros da sociedade.

5.2. Dividendos preferenciais

O dividendo preferencial ou prioritário é aquele oferecido aos acionistas detentores de ações preferenciais, em geral sem direito a voto. Estão estabelecidos no inciso I, do artigo 17, da Lei de Sociedades por Ações que prevê que as vantagens aos acionistas preferencialistas podem consistir em prioridade na distribuição de dividendos fixos ou mínimos (note-se que tais vantagens podem ou não ser cumulativas, conforme dispuser o estatuto).

Vale frisar que os dividendos preferenciais não têm qualquer correlação com os dividendos obrigatórios, os quais são conferidos a todos os acionistas e estão atrelados ao lucro líquido de determinado exercício.

Os dividendos preferenciais, por sua vez, devem ser pagos mesmo que não haja lucro no exercício social, com base nas reservas de lucros acumulados ou de lucros a realizar, por exemplo, desde que haja previsão estatutária nesse sentido. Enquanto a companhia não atender completamente suas obrigações com os titulares de ações preferenciais não poderá destinar dividendos aos demais acionistas.

Note-se, outrossim, que o não pagamento de dividendo fixo ou mínimo estatutariamente estabelecido aos acionistas detentores de ações preferenciais, por três exercícios consecutivos, cessa a restrição nos seus direitos societários. Assim, caso não disponha das vantagens que lhe foram prometidas, em razão da falta de resultados, por exemplo, o acionista preferencial volta a deter os direitos até então cerceados, como o voto, por exemplo.

Abaixo passamos a diferenciar as modalidades de dividendos preferenciais:

5.2.1. Dividendos fixos

Os dividendos fixos consistem em uma garantia, conferida estatutariamente aos acionistas detentores de ações preferenciais, do pagamento de um determinado valor fixo ao final do exercício social, independentemente do valor a ser distribuído para as outras classes de ações.

Seu cálculo pode se basear em três hipóteses, quais sejam, (i) valor certo em moeda corrente, (ii) valor percentual sobre o valor nominal das ações preferenciais, ou (iii) valor percentual do capital social, no caso de ações sem valor nominal.

5.2.2. Dividendos mínimos

Os dividendos mínimos consistem em um valor mínimo a ser pago aos preferencialistas ao final de cada exercício social, conforme definição estatutária. Salvo disposição em contrário no estatuto, os preferencialistas detentores de dividendos mínimos participam do saldo de lucros remanescentes atribuído às ações ordinárias.

5.3. Dividendos intermediários e intercalares

O artigo 204, da Lei de Sociedades por Ações estabelece que as sociedades poderão levantar balanços ao longo do exercício social e distribuir os dividendos apurados, desde que haja previsão estatutária nesse sentido e que o total de dividendos pagos em cada semestre não exceda o montante da conta de lucros a realizar e da reserva de lucros.

Inobstante a redação do artigo 204 definir como dividendos intermediários todos aqueles distribuídos ao longo do exercício social, Modesto Carvalhosa (2013, p. 1126) faz uma distinção entre tais dividendos em intercalares e intermediários, de acordo com os balanços aos quais eles se refiram:

[...] Não obstante, dividendos intermediários são apenas aqueles que se pagam num exercício por conta de lucros acumulados no exercício anterior, seja englobadamente, seja o correspondente apenas ao último semestre do mesmo. Referem-se a balanços já aprovados pela assembleia geral. Já os dividendos distribuídos por conta de balanços levantados num exercício, ainda que pagos no exercício seguinte, porém antes da aprovação das demonstrações pela assembleia geral, chamam-se intercalares34.

Sendo assim, os dividendos intermediários são objeto de declaração prévia pela assembleia geral. Já os dividendos intercalares, no entanto, devem ser objeto de ratificação pela assembleia geral, uma vez que os balanços nos quais se baseiam não foram objeto de apreciação pelos acionistas.

Ressalta-se, contudo, que os dividendos intercalares não têm caráter provisório, ou seja, não deverão ser devolvidos pelos acionistas em caso de prejuízo posterior que deixe de justificá-los. Nesse caso, vale a regra geral de benefício aos preferencialistas, ou seja, o pagamento de dividendos aos detentores de ações ordinárias, sem que se tenha garantido o pagamento integral devido aos acionistas preferenciais, poderá gerar responsabilização dos administradores.


6. Diferenciação entre dividendos e juros sobre capital próprio

Há duas correntes doutrinárias relacionadas à natureza jurídica dos juros sobre capital próprio: a primeira, que os conceitua como espécie de dividendo e a segunda, que afirma que os dois institutos não possuem correlação.

Os juros sobre capital próprio advêm da norma tributária, que prevê que as sociedades anônimas, sujeitas ao regime de lucro real, poderão deduzir da base de cálculo do lucro os juros pagos ou creditados a seus acionistas, como remuneração de seu capital35. Sendo assim, sob a ótica dos acionistas, os juros consistem em parcela da remuneração de seu investimento na companhia.

Entretanto, sob o ponto de vista tributário, os juros sobre capital próprio estão sujeitos a incidência de imposto de renda, enquanto os dividendos não36, demonstrando que possuem, portanto, regime tributário diferenciado, fato este que os diferencia indubitavelmente, por força do princípio constitucional da isonomia.

Assim, filiamo-nos à teoria que estabelece que os juros sobre capital próprio têm natureza diversa dos dividendos, com base no regime tributário diferenciado praticado para ambos. Muito embora ambos remunerem os acionistas, os dividendos estão atrelados diretamente à atividade social, ou seja, remuneram os acionistas pelo resultado alcançado com o capital investido, enquanto os juros os remuneram pela indisponibilidade dos recursos 37.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já demonstrou seu entendimento de que juros sobre capital próprio consistem em receita financeira e não espécie de dividendos:

MANDADO DE SEGURANÇA. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO DISTRIBUÍDOS AOS SÓCIOS/ACIONISTAS. INCIDÊNCIA DE PIS E COFINS. NATUREZA DE DIVIDENDOS. IMPOSSIBILIDADE. ISENÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ART. 111. DO CTN. OMISSÃO QUANTO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO. [...]II - Discute-se, nos presentes autos, a incidência na base de cálculo do PIS e da COFINS dos juros sobre capital próprio (JCP), com base no Decreto nº 5.164/2004, o qual reduziu a zero a alíquota das referidas contribuições, excluindo as receitas decorrentes dos JCP e de operações de hedge. III - Os juros sobre capital próprio não possuem natureza de lucro ou dividendo, mas de receita financeira. IV - De acordo com a Lei nº 9.249/95, apresentam-se os juros sobre capital próprio como uma faculdade à pessoa jurídica, que pode fazer valer de seu creditamento sem que ocorra o efetivo pagamento de maneira imediata, aproveitando-se da capitalização durante esse tempo. Além do mais, ao contrário dos dividendos, os JCP dizem respeito ao patrimônio líqüido da empresa, o que permite que sejam creditados de acordo com os lucros e reservas acumulados. V - As normas instituidoras de isenção (art. 111. do CTN), por preverem exceções ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra de hermenêutica que determina a interpretação restritiva, dada à sua natureza. Não prevista, expressamente, a hipótese de exclusão dos juros de capital próprio da base de cálculo do PIS e da COFINS, pelas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, incabível fazê-lo por analogia. VI - Recurso especial improvido38.

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7. Cobrança dos Dividendos

Como restou demonstrado no decorrer deste estudo, uma vez declarados pela assembleia geral, os dividendos tornam-se um direito de crédito dos acionistas frente à sociedade. O prazo para seu pagamento será de 60 dias, constados da data em que for declarado, exceto deliberação em contrário da assembleia geral, nunca superando o exercício social39.

Os tribunais pátrios, inclusive, já se manifestaram acerca da impossibilidade de declaração de dividendos sem data de pagamento, como se verifica do acórdão abaixo:

[...] Ação de cobrança de dividendos declarados em assembleias ordinárias, movida por acionista contra companhia, julgada procedente em parte em primeiro grau, declarado o direito do autor aos lucros, mas aplicada disposição assemblear de que somente seria pago quando houvesse "disponibilidade de caixa da empresa". Apelação do autor em busca da elevação da verba e do afastamento da condição de pagamento. Arts. 109, I, 132, II e 202 e seus parágrafos, da Lei 6.404/76. O acionista, uma vez aprovada a proposta de distribuição de lucros em assembleia, passa a ser, em concreto, titular de um direito de crédito contra a companhia, podendo desta exigir o pagamento do que lhe é de direito. Doutrina de SÉRGIO CAMPINHO, NELSON EIZIRIK, WALFRIDO WARDE e RUY DE MELLO JUNQUEIRA NETO. A disposição assemblear no sentido de que os dividendos somente seriam pagos quanto houvesse caixa configura condição potestativa, vedada pelo ordenamento (Código Civil, art. 122). A ser admitida sua validade, ficaria ao alvedrio da companhia o pagamento de dividendos (a tanto equivalendo a expressão empregada acerca da "disponibilidade de caixa da empresa"). Inadmissível remeter-se o pagamento desse crédito à deliberação de oportunidade e conveniência da diretoria, quando os dividendos declarados não mais pertencem à sociedade, mas ao acionista. Apelação a que se dá parcial provimento, mantido o quanto de dividendos da sentença, mas reformada esta para condenar a companhia a pagá-los, se não espontaneamente (CPC, art. 526), em sede de cumprimento de sentença promovido pelo autor40.

(sem grifos no original)

Inobstante tratar-se de dívida líquida, não há título extrajudicial que embase a execução de dividendos, com base no artigo 771 e seguintes, do Código de Processo Civil. Sendo assim, caberá a ação de cobrança de dividendos em favor do acionista.

O prazo prescricional para a ação de cobrança de dividendos é de três anos, contados da data em que foram colocados à disposição dos acionistas, com base no artigo 287, da Lei de Sociedades por Ações.

Possuem legitimidade ativa para propor a ação de cobrança de dividendos os acionistas e aqueles que possuem direito aos frutos das ações, como os usufrutuários e os fideicomissários.

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Sobre a autora
Fabiana Molina

Mestre em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especializada em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com LLM em Direito Societário pelo Insper/SP e MBA Executivo Internacional pela Fundação Instituto de Administração - FIA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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