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Sistema prisional brasileiro.

A crise carcerária e a privatização do sistema

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07/08/2019 às 20:30
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3. A PENA DE PRISÃO, FINALIDADES EFICÁCIA.

Antes de detalhar o tema prisão, especificamente, é necessária explanação sobre os princípios mais relevantes que norteiam a pena, principalmente a prisão, pois mais adiantes veremos um contra ponto sobre a existência e aplicação de tais normas Magnas.

3.1 Dignidade da pessoa humana e a carta constitucional de 1988.

Falar em dignidade da pessoa humana é tema de grande relevância social. Princípio que se encontra explícito em nossa Constituição Federal de 1988, sendo tratado como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Em seu artigo 1º, a Carta Constitucional dispõe que:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”.

Neste sentido explica Sarlet:

Num primeiro momento, a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inc. III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensão ética [...] em valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar neste contexto, que, na condição de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa (SARLET, 1998).7

Podemos dizer que a dignidade da pessoa humana é considerada o princípio basilar da Constituição Federal, devendo o Estado promover condições que viabilizem e removam todos os tipos de problemas e barreiras para o alcance da máxima eficácia constitucional, a fim de proporcionar recursos necessários para que a dignidade de todos seja preservada.

Conceituar dignidade é uma tarefa difícil, uma vez que trata de qualidades essenciais a todos os seres humanos, englobando uma série de direitos constitucionais e infraconstitucionais. Qualidades essas que segundo a Carta Magna são inerentes a qualquer pessoa sujeito de direitos e obrigações.

Quando se fala em dignidade do preso, ou seja, aquele que tem sua liberdade de locomoção restringida pelo poder estatal, fica muito difícil para a sociedade assimilar tal fundamento constitucional de extrema importância, pois a visão que se tem é que a dignidade só se torna inerente para aquele indivíduo que se enquadra nos parâmetros ditos legais.

No entanto, ninguém é mais digno que o outro; a dignidade alcança todos os indivíduos de forma igualitária, devendo afastar todo e qualquer preconceito em relação àqueles que se encontram encarcerados.

Neste sentido, Luís Roberto Barroso (2003) dispõe que “a dignidade humana representa superar a intolerância, a discriminação, a exclusão social, a violência, a incapacidade de aceitar o diferente. Tem relação com a liberdade e valores do espírito e com as condições materiais de subsistência da pessoa8”.

Em sentido amplo, Ingo Wolgang Sarlet, aduz que a dignidade da pessoa humana é:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos9.

No tocante aos presos, o Estado Democrático de Direito, aquele que deve respeitar os direitos fundamentais, individuais e coletivos, deve caminhar conforme as mudanças da sociedade, evoluindo a cada estágio, devendo respeitar e zelar pela “[...] máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais, pautando-se pelo valor dignidade da pessoa humana"10.

Neste sentido, o mesmo Autor afirma que “uma Constituição democrática como a nossa, necessariamente deve corresponder um processo penal democrático, visto como instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo (JUNIOR, 2006, p. 7 e 8)”.

A pessoa que se encontra encarcerada, deve ter sua dignidade resguardada, pois, “[...] o respeito às garantias fundamentais não se confunde de forma alguma com impunidade (JUNIOR, 2006, p. 9)”.

A sociedade deve desmistificar a visão retorcida que foi criada a respeito dos presos, reconsiderando que os direitos e garantias devem ser concretizados, uma vez que depois de algum tempo essas pessoas que hoje se encontram encarceradas irão voltar a ter uma vida social. E, para que a conduta do egresso seja satisfatória faz-se necessário que os mesmos tenham seus direitos mínimos preservados.

Para tal, é necessário que o Estado em seu fundamento dúplice como o caminho necessário para a aplicação da pena, estabeleça ao indivíduo instrumento de garantia da máxima efetividade dos direitos fundamentais, garantindo sua dignidade, ou seja, para que a dignidade dos presos seja preservada, é necessário que o processo penal caminhe em harmonia com os princípios constitucionais.

Deste modo, Aury Lopes Junior afirma em sua obra que:

[...] o Código de Processo Penal não pode mais ser lido de forma desvinculada do texto constitucional. O Código de Processo Penal deve ser lido à luz da Constituição, e não o contrário, como querem alguns paleo positivistas, que restringem a eficácia protetora da Constituição para fazer com que esta entre na sistemática autoritária e superada do nosso CPP11.

Nas sábias palavras de Warat (1997), é um dever social, aprendermos a “passar pelas ruas da vida respeitando ao outro em suas dignidades, sem invadi-lo com nossas soberbas, nossas verdades, ou nossos desejos de poder12”.

Em suma, a dignidade do ser humano deve ser vista como um valor intrínseco e insubstituível, de forma que a nenhum ser humano que se encontra detido possa ser negado sua dignidade, a fim de mitigar as garantias constitucionais e infraconstitucionais resguardadas aos mesmos.

3.1.2 Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira

Os direitos fundamentais estão arrolados na Constituição Federal de 1988. De acordo com o inciso LXXVIII, parágrafo segundo, os direitos e garantias fundamentais nela expressos são considerados um rol meramente exemplificativo, de forma que não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados.

No caso dos presidiários, nota-se que, alguns dos direitos fundamentais explícitos na Constituição Federal sofrem restrições. Entretanto, os demais devem ser protegidos para que haja respeito à integridade física e moral dos mesmos.

O preso é considerado sujeito de direitos e obrigações, assim como qualquer pessoa, existindo para isso direitos consagrados aos mesmos para que sua conduta, quando egresso, venha mostrar a sua ressocialização.

Os direitos fundamentais são direitos invioláveis. Todo ser humano independente de sua condição é sujeito de tais direitos, sendo eles indispensáveis para a boa convivência pessoal e em sociedade. São direitos sem os quais o ser humano não se sentiria totalmente realizado.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Podemos dizer que em cada um dos direitos fundamentais, encontra-se um resquício do princípio da dignidade da pessoa humana.

No que concerne ao direito de liberdade ao preso, que se encontra sob custódia do Estado, seja ele provisório ou condenado por sentença penal transitada em julgado, a pena de prisão nos parâmetros legais não é considerada uma ofensa à dignidade dos mesmos, uma vez que o Estado, ao impor uma pena de restrição de liberdade a alguém, estará zelando pela liberdade da coletividade que também deve ser protegida.

Desta forma, entende-se que o direito à liberdade de um indivíduo poderá ser relativizado, de forma que venha a beneficiar a sociedade.

Referente ao direito à igualdade, a CF trás de forma taxativa em seu art. 5º, I, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição. Com toda certeza, alguns direitos inerentes a todas as pessoas não são consagrados aos presos de forma isonômica como, por exemplo, o direito à liberdade acima citado.

No que tange ao princípio da isonomia, Sérgio Sérvulo da Cunha aduz que:

A primeira vista o princípio da isonomia parece abrigar uma contradição, pois afirma simultaneamente a igualdade e a diferença dos seres humanos. Na verdade, duas coisas podem ser semelhantes ou análogas, mas nunca são idênticas ou iguais: nós é que consideramos irrelevantes as diferenças entre dois carros, dando como igual o da mesma marca. Também não há duas pessoas iguais, mas todas têm a mesma marca de seres humanos, que se define independentemente da capacidade ou incapacidades, virtudes ou defeitos. A humanidade não se divide em bons e maus, amigos e inimigos, superiores ou inferiores, ela é simplesmente a humanidade.

Deste modo, dentro dos parâmetros elencados na Constituição Federal, o preso tem o direito de ser tratado de forma digna no decorrer do cumprimento da pena a ele imposta, tendo seus direitos individuais preservados, a fim de garantir a eficácia da sanção penal.

3.2 Finalidade e eficácia

Em um contexto nacional, o discurso sobre a finalidade da aplicação das penas está totalmente em desacordo com a realidade social, principalmente comparando com a realidade dos órgãos responsável pelas políticas criminais. Essa constatação é facilmente alcançada ao verificar a legislação e os direitos nela contidos, que asseguram vários direitos aos detentos que não são cumpridos por falta de estabelecimentos, instituições e órgãos adequados.14

As irregularidades relacionadas à Execução Penal na esfera prática se iniciam pelos próprios estabelecimentos criminais destinados ao cumprimento da pena privativa de liberdade.

A lei estabelece regimes penitenciários diversos para a pena privativa de liberdade e aponta os estabelecimentos prisionais para o cumprimento de cada um deles, bem como consigna direitos diversos para os condenados que estejam cumprindo suas penas em tais regimes, quais sejam: o fechado, o semi-aberto e o aberto.

Assim, a Lei de Execuções Penais define em seus artigos 87 a 95.

Art. 87. A Penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado.

Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52 desta lei.

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana.

b) área mínima de 6 m² (seis metros quadrados).

Art. 89. Além dos requisitos referidos no artigo anterior, a penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado cuja responsável esteja presa.

Art. 90. A penitenciária de homens será construída em local afastado do centro urbano a distância que não restrinja a visitação.15

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É indubitável a intenção do legislador em determinar as condições mínimas (direitos) do apenado, principalmente no quesito higiene. Também reservando ao detendo um lugar espaçoso e à proporcionar o convívio familiar.

Quanto a pena em regime semi-aberto a lei aponta os estabelecimentos prisionais adequados ao seu cumprimento.

Art. 91. A Colônia Agrícola, Industrial ou similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto.

Art. 92. O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da letra a do parágrafo único do art. 88 desta Lei.

Parágrafo único. São também requisitos básicos das dependências coletivas:

a) a seleção adequada dos presos;

b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena.

Ainda que a lei prese pelo convívio entre os preços é importante destacar a previsão do p. único do artigo 92, que é a seleção adequada dos presos a cumprirem a pena no regime semi-aberto. Tal medida objetiva a seleção através de um perfil, com o objetivo de evitar o convívio entre presos que possa ocasionar em uma contaminação negativa de valores (TRULIO, Maria. 2009, p. 39).

A casa de albergado é estabelecimento previsto para o cumprimento da pena em regime aberto, porém, não existe tal estabelecimento no Brasil, ainda que haja previsão legal para isso. Mas suas características demonstram que o apenado já está na iminência de retornar ao convívio social, afinal devem existem no perímetro urbano e não pode haver obstáculos que impeçam a fuga dos detentos.

Art. 93. A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana.

Artigo 94. O prédio deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga.

Art. 95. Em cada região haverá, pelo menos, uma Casa de Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar presos, local adequado para cursos e palestras.

Parágrafo único. O estabelecimento terá instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados16.

Os regimes de cumprimento da pena tem a finalidade de separar os condenados mais perigosos dos menos, reinserindo os condenados no convívio social lentamente conforme preencha os requisitos de progressão de regime até que esteja apto a ganhar liberdade. Maria Trulio aponta.

Os regimes penitenciários (fechado, semi-aberto e aberto) não somente têm equivalência com estabelecimentos prisionais diversos (penitenciárias, colônias agrícolas ou industriais e casas de albergado), como também estão relacionados a direitos diversos para os respectivos condenados. Assim é que o condenado em regime fechado dificilmente exerce o trabalho externo, embora haja previsão desta modalidade de trabalho para ele, em obras e serviços públicos e com a devida fiscalização, e não possuem direito à saídas temporárias do estabelecimento; enquanto os condenados em regimes semi-aberto e aberto já podem, como regra, exercer o trabalho externo e já têm direito à saídas temporárias, que permitem a manutenção da convivência com os seus familiares, segundo a legislação própria17. Estabelecida, pois, uma escalada de regimes penitenciários, do mais rigoroso ao mais brando, conclui-se que o objetivo do legislador foi o de oportunizar ao condenado estágios cada vez menos gravosos no cumprimento de sua pena, possibilitando a sua reinserção na sociedade, à medida que apresenta mérito para galgar os regimes mais benéficos18. (TRULIO, Maria. 2009, p. 40).

O que se observa, na realidade brasileira, contudo, não é a obediência às determinações legais relativas aos estabelecimentos prisionais adequados para cada um dos respectivos regimes (TRULIO, Maria. 2009, p.41), diversos presos cumprem pena em estabelecimentos inadequados, diversos dos que a legislação prevê.

A constatação da ineficiência do sistema penitenciário brasileiro é reconhecida como fato notório por parte de toda a doutrina especializada na matéria, bem como por parte dos diversos profissionais que atuam na área.

A população carcerária vem crescendo ao longo dos anos e várias alterações legislativas ocorreram, porém não ouve mudanças e atualizações nos estabelecimentos prisionais para se adequarem a essa evolução no cumprimento da pena. A falta de investimentos na execução penal é o principal fator.

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Sobre o autor
Anilton Cachone Junior

Policial Militar. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas - UNIVEL. Pós-graduado em Direito Penal pelo instituto Damásio de Jesus. Pós-graduado em Segurança Pública pela Faculdade São Braz. Pós-graduando em Inteligência Policial pela Faculdade Ibra de Brasília. Em eterno aprendizado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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