Capa da publicação Sistema prisional brasileiro: a crise carcerária e a privatização

Sistema prisional brasileiro.

A crise carcerária e a privatização do sistema

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07/08/2019 às 20:30
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4. A CRISE CARCERÁRIA

4.1 Sistema prisional brasileiro.

A Lei de Execução Penal que trata da aplicação das penas no Brasil, trás em seu bojo meios para que haja efetiva concretização da sua aplicação. Entretanto, é de notório saber que a infraestrutura, a superlotação e outros descasos conspiram contra o êxito da pena privativa de liberdade.

A legislação estabelece, para melhor divisão de trabalho e execução da pena privativa de liberdade, funções ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ao Juízo da Execução, Ministério Público, Conselho e Departamentos Penitenciários, Patronato, Conselho da Comunidade e Defensoria Pública. Como órgãos auxiliares, a lei de Execução Penal em seu título III, estabelece as seguintes funções a cada um deles:

a) Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária: segundo o artigo 64 da lei 7.210/1984, incumbe ao mesmo propor diretrizes da política criminal, execução das penas de medida de segurança, avaliações do sistema criminal, pesquisas, programas de formação e aperfeiçoamento do servidor, estabelecer regras referentes às construções dos estabelecimentos, inspeção, instauração de sindicância ou processo administrativo contra o servidor, interdições no todo ou em parte dos estabelecimentos penais.

b) Do Juízo da Execução: segundo o artigo 66 da lei 7.210/1984, incumbe a este a aplicação da medida mais favorável, a extinção da punibilidade, determinar a forma de cumprimento da pena e a fiscalização da mesma, a remoção do condenado, inspecionar os estabelecimentos, interdição, compor e instalar o Conselho da Comunidade, emissão de atestado de pena, dentre outras prerrogativas elencadas no mesmo artigo.

c) Do Conselho Penitenciário: segundo o artigo 70 da lei 7.210/1984, incumbe a este emitir parecer sobre indulto e comutação da pena, inspeção, elaboração de relatórios de trabalhos efetuados, supervisionar os patronatos e prestar assistência aos egressos.

d) Dos Departamentos Penitenciários: segundo o artigo 72 da lei 7.210/1984, são suas atribuições: acompanhar a aplicação das normas de execução penal, inspeção, implantação de estabelecimentos e serviços penais, estabelecer mediante convênios o cadastro de vagas existentes em estabelecimentos locais, dentre outras atribuições.

e) Do Patronato: segundo o artigo 79 da lei 7.210/1984 incumbe a este, orientação dos condenados, fiscalização das penas, colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional.

f) Do Conselho da Comunidade: segundo o artigo 81 da lei 7.210/1984 são suas atribuições: visitação dos estabelecimentos, entrevista dos presos, apresentação de relatórios mensais, diligencias a fim da obtenção de recursos e materiais para melhor prestação ao preso.

g) Da Defensoria Pública: segundo o artigo 81 B da lei 7.210/1984 cabe à Defensoria: requerer todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo, declaração e extinção da punibilidade, dentre várias outras atribuições incumbidas ao órgão.

Todos estes fazem parte dos órgãos da execução penal, de forma que cada um possui suas especificidades, cooperando para a aplicação justa da pena privativa de liberdade. No Brasil, conforme aduz a LEP, os estabelecimentos penais deverão ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.

Entretanto, na maioria dos casos, as penas são cumpridas em estabelecimentos diversos pelo fato de não haver vagas para o devido cumprimento da pena em estabelecimento compatível.

De acordo com a LEP, título IV, os estabelecimentos penais existentes no Brasil são:

a) Penitenciária: destinada ao condenado em regime de reclusão em regime fechado.

b) Colônia Agrícola, Industrial ou Similar: destinada àquele que cumpre pena em regime semi-aberto.

c) Casa do Albergado: destinada àquele que cumpre pena privativa de liberdade, em regime aberto, e a pena de limitação de fim de semana.

d) Centro de Observação: destinado à realização de exames gerais e criminológicos.

e) Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: destinado aos inimputáveis e semi-imputáveis.

Cadeia Pública: destinada ao preso provisório, ainda não alcançado pela sentença penal condenatória.

4.2 Os problemas

Quando os primeiros países começaram a implantar a pena de privação de liberdade por excelência, a partir do século XIX, acreditavam que seria possível obter a reforma do delinquente. A pena de prisão, nas palavras de Foucault (2012, p. 217)

Surgiu preocupando-se em repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento continuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações [...] a forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos úteis e dóceis.

Contudo, a euforia logo se passou e começaram os questionamentos quanto sua finalidade e real eficácia. O sistema penitenciário na atualidade encontra-se em crise (se é que crise seria a palavra adequada para a realidade dos sistema prisional brasileiro), e com isso questiona-se não só a validade da pena de prisão no campo da teoria, mas também o descaso das autoridades, e quais as soluções a serem encontradas.

Sabe-se que a pena de prisão passou a ser uma imprescindível exigência amarga apresentada nos dias de hoje como mal necessário e que sua historia não é de abolição, mas sim de reforma, visto que não se sabe o que colocar em seu lugar. Nesse sentido, Bitencourt (2001, p.1):

A prisão é exigência amarga, mas imprescindível. A história da prisão não é de sua progressiva abolição, mas de sua reforma. A prisão é concebida modernamente como mal necessário, sem esquecer que guarda em sua essência contradições insolúveis.

Há tempo nota-se o evidente descaso que o sistema penitenciário enfrenta: prisões superlotadas com péssimas condições higiênicas, úmidas, desprovidas de uma assistência mínima ao preso e com pessoas incapacitadas em seu interior evidenciam a omissão estatal frente à questão.

São inúmeros os problemas, que vão desde a superlotação de presídios a fugas, rebeliões, desrespeito com direitos fundamentais do detento, condições desumanas e degradantes em cadeias, suicídios, mortes de agentes públicos dentre outros, nas palavras de César de Barros Leal (2001, p. 58):

Prisões onde estão enclausuradas milhares de pessoas, desprovidas de assistência, sem nenhuma separação, em absurda ociosidade; prisões infectas, úmidas, por onde transitam livremente ratos e baratas e a falta de água e luz é rotineira; [...] prisões onde quadrilhas controlam o tráfico interno da maconha e da cocaína e firmam suas próprias leis; [...] prisões onde muitos aguardam julgamentos entre anos.

Sabe-se da extensão dos problemas que afetam unidades de norte a sul do país. A situação é tão crítica que em entrevista no ano de 2012 o Ministro da Justiça Eduardo Cardozo afirmou em canal aberto de televisão que preferiria a morte a uma condenação longa em presídios brasileiros, classificando as prisões brasileiras como medievais20.

regular determinada situação, embora não se consiga regulamentá-la de outra forma, no entanto, não se pode dizer que a situação do sistema prisional seja temporária, tampouco que seja excepcional, haja vista a longevidade da constatação de sua ineficácia.

A superlotação, a falta de higiene, a violência das unidades prisionais e a falta de investimentos são informações noticiadas com frequência nos meios de comunicação.

Comissão Parlamentar do Sistema Prisional

A crise no setor motivou a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a realidade do Sistema Carcerário Brasileiro, concluída em junho do ano de 2008, que atuou em 18 estados, realizando audiências públicas, colhendo depoimentos de autoridades e representantes de entidades da sociedade civil, líderes dos agentes penitenciários e encarcerados, assinalando em seu relatório final, as seguintes razões para a instauração do procedimento:

Rebeliões, motins frequentes com destruição de unidades prisionais; violência entre encarcerados, com corpos mutilados de companheiros, e as cenas exibidas pela mídia; óbitos não explicados no interior dos estabelecimentos; denúncias de torturas e maus tratos; presas vítimas de abusos sexuais; crianças encarceradas; corrupção de agentes públicos; superlotação; reincidência elevada; organizações criminosas controlando a massa carcerária, infernizando a sociedade civil e encurralando governos; custos elevados de manutenção de presos; falta de assistência jurídica e descumprimento da Lei de Execução Penal, motivaram o Deputado Domingos Dutra a requerer a criação da CPI sobre o sistema carcerário brasileiro. (p. 29).

A CPI, após diligências em penitenciárias de todo o pais, constatou que cadeias públicas estão ocupadas por presos em cumprimento de pena (não presos provisórios como deveria ser), superlotações em quase todos os locais visitados, condições degradantes dos detentos e das celas. Foram várias e tão graves irregularidades, que o melhor é que sejam destacadas da exata maneira como foram registradas no já aludido relatório final:

Longe estão todos os presídios brasileiros de cumprir o que determina a Lei nº 7.210, de 11 de JULHO DE 1984, a LEI DE EXECUÇÕES PENAIS, que prevê, no Capítulo II (Da Penitenciária), Artigo 88: “O condenado será alojado em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório”. Ainda, de acordo com o mesmo artigo, em Parágrafo único: “são requisitos básicos da unidade celular: “área mínima de 6,00 m2 (seis metros quadrados) (p. 173).

[...] a CPI encontrou dezenas de presos encarcerados, apodrecendo em estabelecimentos desumanos e violentos por crimes simples com furto de latas de leite e de peças de roupas, dívidas ou ameaças. A CPI constatou também que há milhares de presos provisórios que aguardam há anos, sem qualquer perspectiva de um julgamento justo (p. 34).

Muitos estabelecimentos penais são desprovidos de banheiros e pias, dentro das celas e dormitórios ou próximos a esses. Quando tais instalações existem, comprometem a privacidade do preso. Não raras vezes os banheiros estão localizados em outras áreas, e nem sempre os presos têm acesso ou permissão para utilizá-los. O mesmo ocorre para as instalações destinadas a banho. O Estado também não oferece aos presos artigos necessários à sua higiene pessoal, como sabonete, dentifrício, escova de dente e toalhas. Nesse caso, os detentos são obrigados a adquiri-los no próprio estabelecimento penal, nos locais destinados à sua venda, ou no mercado paralelo explorado clandestinamente na unidade prisional (p. 174).

Cadeia Pública não é local de cumprimento de pena. No entanto, na grande maioria dos Estados brasileiros se utilizam das velhas cadeias públicas e delegacias de polícia para cumprimento de pena. O preso responde seu processo na cadeia e nela continua cumprindo toda sua pena (p. 221).

A CPI observou, em muitos estabelecimentos penais, tensão, medo, repressão, torturas e violência — ambiente que, em certa medida, atinge e se estende aos parentes, em especial, quando das visitas nas unidades prisionais (p. 172).

E o pior: depois de usar as privadas, os detentos não têm água para lavar as mãos, nem sequer para jogar água na privada, porque em muitos presídios só é permitido jogar água uma vez por dia, independentemente de quantas pessoas e de quantas vezes a privada foi usada. A consequência é um mau cheiro insuportável, além da proliferação de moscas, baratas e outros bichos (p. 176).

A CPI, em suas diligências, constatou total falta de assistência social aos encarcerados e aos egressos, sendo esta carência um fator a mais de agravamento da vida carcerária e um dificultador do chamado processo de ressocialização dos encarcerados. Nas cadeias públicas e nos centros de detenção provisória estes profissionais inexistem. Da mesma forma, as famílias dos presos também não possuem qualquer tipo de aconselhamento, orientação ou acompanhamento.

Os egressos, após anos em estabelecimentos deformados e corrompidos, são colocados no olho da rua, literalmente sem lenço, sem documento, sem destino, sem rumo (p. 212).

Ainda que pareçam desatualizados, os dados e constatações da CPI de 2008 foram intencionalmente dispostos, justamente, para reforçar a situação que se encontravam as penitenciárias do país à época.

Os anos se passaram e em 2015 nova CPI foi criada para investigar a real situação do sistema penitenciário no país. Ainda que pareça mera reprodução dos dados e conclusões obtidas no passado, sete anos depois da conclusão de uma CPI as justificativas e conclusões, em uma nova, são praticamente as mesmas.

A recente rebelião ocorrida no Complexo Prisional do Curado, Recife, noticiada amplamente pela imprensa e conflitos registrados em diversas cadeias brasileiras nos últimos anos deixa nítido o verdadeiro caos do Sistema Carcerário Brasileiro. Há alguns anos, os presídios vêm sendo alvo de preocupação da sociedade diante da sua ineficiência e da crescente onda de denúncias de corrupção e de instalação de crime organizado nas prisões. Essa latente desestruturação do sistema prisional intensifica a incredulidade da sociedade sobre uma possível reabilitação do preso e do seu retorno ao convívio social. Situação que contribui para aumentar o sentimento crescente na sociedade de ineficiência no Sistema Carcerário. Cabe ao Parlamento, como representantes do Povo, a responsabilidade de investigar e denunciar possíveis falhas que possam ocasionar prejuízos à sociedade brasileira. Nos últimos 20 anos, o crescimento da criminalidade tornou- -se objeto de preocupação do povo e do governo federal. Hoje, a segurança pública é um tema recorrente de apreensão dos governantes.

[...] Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2014, a população carcerária brasileira era de 711.463 presos e 147.937 pessoas estavam em prisão domiciliar. Com esses números, o Brasil possui atualmente a terceira maior população carcerária do mundo. Quando se trata dos indicies de reincidência, quando a pessoa já condenada anteriormente pratica novo crime, as taxas são altíssimas.

A pesquisa do CNJ identificou, ainda, que o déficit atual no sistema, é de 206 mil vagas. Esse cenário de crescimento da comunidade carcerária é preocupante e requer vigilância das autoridades competentes. (p. 21 e 22)

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Com toda certeza, todas as conclusões e recomendações da CPI de 2008 não foram, nem de longe, acatadas e os problemas constatados não foram resolvidos ou amenizados, fato que as justificativas para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito demonstram que a situação das penitenciárias no país pioraram de 2008 a 2015.

A conclusão aponta.

O primeiro e talvez o principal problema diz respeito à superpopulação carcerária, que encontra-se presente em todos os Estados brasileiros.

De fato, segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça (referentes a junho de 2014), “todas as Unidades da Federação exibem taxa de ocupação superior a 100%”. A população carcerária brasileira já passou de 600 mil pessoas (607.731, segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça), enquanto existem apenas 376.669 vagas. Ou seja, a cada 10 vagas existentes no sistema, existem aproximadamente 16 indivíduos encarcerados.

[...]

Outro grave problema constatado por esta Comissão Parlamentar de Inquérito, e intimamente ligado à superpopulação carcerária, diz respeito à quantidade de presos provisórios existentes em nosso país (cerca de 41% da população aprisionada). Ou seja, 41% de todas as pessoas presas no Brasil não foram, ainda, condenadas, em definitivo, pela Justiça.

[...]

Em relação ao crime organizado no Sistema Carcerário Brasileiro, realidade constatada por esta CPI, o nobre Deputado Major Olímpio, Sub-Relator da matéria, observou que, em muitos casos, “o Estado abandonou o tratamento prisional e o espaço foi assumido pelos próprios presos. A forma de se organizarem foi a criação de facções ou grupos. Mesmo nas unidades em que não se assume a presença desses grupos criminosos, existe uma massa que domina o local e lá fixa e determina suas regras de comportamento com uma espécie de semiótica, com códigos de comunicação, linguagem e mensagens, que ocorrem com a cooptação de funcionários corruptos, com as visitas pessoais e principalmente nas comunicações com advogados, que são utilizados, sob o pretexto do exercício da advocacia, para muitas vezes serem mensageiros de líderes de organizações criminosas”.

[...]

Esta CPI constatou, também, que não se tem dado a importância devida ao caráter reintegrador da pena (afinal, apenas 16% da população prisional do país trabalham, e somente 11% estudam). A prisão, na maioria dos casos, tem servido apenas à sua finalidade retributiva, como uma forma de impor sofrimento àquele que violou a ordem jurídico-penal.

[...]

em relação à gestão do sistema carcerário brasileiro, esta Comissão Parlamentar de Inquérito, levando-se em considerações as diversas diligências realizadas, conclui que a gestão do sistema se consubstancia, também, em uma das principais causas das condições precárias do sistema prisional. Sabe-se que o orçamentário aplicado no sistema está longe de ser o ideal. Entretanto, com uma gestão carcerária eficiente é capaz de transformar a realidade mesmo com recursos escassos.

[...]

Quanto à arquitetura prisional, o nobre Deputado Luiz Carlos Busato, Sub-Relator da matéria, realizou um estudo aprofundado sobre o sistema construtivo modular, que, segundo afirmou, “reúne todos os elementos necessários para ser apresentado como uma solução, tanto por representar um meio para, muito rapidamente, superar a carência de vagas no sistema prisional, assim como por obedecer a uma concepção

arquitetônica e construtiva que oferece condições muito superiores aos sistemas convencionais no que diz respeito à habitabilidade, operacionalidade e segurança”. Tal realidade, aliás, foi confirmada quando da realização de diligências no Estado da Bahia, oportunidade em que o Secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado afirmou que, no método modular, os custos de construção e operacionais são mais baixos, a construção é muito mais rápida e a qualidade é superior à do método tradicional.

[...]

ampliem, conforme sugeriu a nobre Deputada Erika Kokay, o quadro de agentes penitenciários e realizem concursos públicos para o ingresso nessa carreira (afinal, a defasagem no quadro de agentes penitenciários influencia, de forma negativa, o sistema carcerário brasileiro, ressaltando- -se que o quantitativo recomendado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é de 5 presos por agente penitenciário),

[...]

Aponte-se, também, que uma necessidade que foi apontada em diversas discussões desta CPI diz respeito à necessidade de se separar os presos pela gravidade do crime cometido. (BRASIL, p.308 a 321)22

Com o passar dos anos, os problemas do sistema penitenciário brasileiro são os mesmos, ou maiores, demonstrando que a inércia, ou ações ineficazes da União e dos Estados em resolver os problemas agravaram ainda mais a situação dos presídios pelo País.

A superlotação dos presídios é, e sempre foi, o maior dos problemas enfrentados na administração carcerária. Quanto mais presos em cumprimento de pena ou provisoriamente detidos mais difícil se torna a resolução de todos os outros problemas apontados pela CPI e também vivenciados pela sociedade, ainda que não tenha contato diretamente com o sistema.

Dentre várias medidas sugeridas para a resolução desses problemas está a transferência de fundos para os Estados, o incentivo aos Municípios que tiverem estabelecimentos prisionais, dentre outros, destaco as principais: ampliação de vagas com a construção de mais presídios, a adoção de medidas alternativas à prisão, a aplicação do previsto no Pacto de San de José da Costa Rica23a e Pacto Sobre direito Civis e Políticos de Nova York – Fato que ocorreu e hoje é cumprido em todo o país. E principalmente, ao que mais interessa para este estudo, destaca a “transferência, pelo estado, de atividades de estabelecimentos prisionais à iniciativa privada.” (Brasil, 2015, p.181). Este assunto será mais bem debatido em capítulo próprio.

Ainda neste certame, vale destacar que durante as diligências da CPI, concluiu que a gestão penitenciária do país é uma das principais causas das condições precárias do sistema prisional.

Com a finalidade de atualização de informações comparadas às apresentadas da CPI, principalmente quanto à superlotação, em que para cada 10 vagas do sistema prisional existem 16 presos.24 Em 2014 havia 693.744 (seiscentos e noventa e três mil, setecentos e quarenta e quatro) presos, e apenas 412.097 (quatrocentos e doze mil e noventa e sete) vagas, isso corresponde a um déficit de 281.647 (duzentos e oitenta e um mil seiscentos e quarenta e sete vagas).

Em 2018 o CNJ lançou o programa BNMP 2.0 (Banco Nacional de Monitoramento das Prisões que não monitora informações sobre os estabelecimentos prisionais. Vagas, por exemplo). No relatório atualizado em agosto de 2018, a quantidade de pessoas privadas de liberdade no país é de 602.217 (seiscentas e duas mil duzentas e dezessete). Esse número é, aparentemente, menor do que os informados em 2014 porque dois Estados do Brasil não repassaram os dados ao BNMP 2.0.

O tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ainda não encerrou a alimentação do BNMP 2.0. O TJSP, no dia 6 de agosto de 2018, já possuía 76,5% dos presos estimados cadastrados. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ainda não iniciou a implantação.

Levando isso em consideração podemos fazer uma estimativa de quantas pessoas estão privadas de liberdade em 2018 baseados nos dados de 2014, quando no Estado de São Paulo 232.180 (duzentos e trinta e duas mil, cento e oitenta) pessoas estavam presas. No Rio Grande do Sul 32.284 (trinta e duas mil duzentos e oitenta e quatro). Nesta conta, que não considera a proporção de crescimento da população carcerária desde 2014, o Brasil teria hoje mais de 700.000 (setecentos mil) presos.

4.2.2 Sistema prisional no Estado do Paraná.

Em uma análise mais restrita, feita através do relatório de visitas de inspeções e reuniões do Estado do Paraná, confeccionado em 2011 pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria chega-se aos seguintes problemas principais com as unidades prisionais do Estado: superlotação, cadeias em péssimas condições, alimentos estragados, falta de assistência material, celas úmidas, escuras e lotadas, ausência de assistência médica adequada, assistência judiciária precária, celas com péssimas condições higiênicas, aparelhos sanitários com defeito, falta de pessoas qualificadas para lidar com os detentos, ausência e insuficiência de número adequado de servidores.

Podem ser destacados alguns trechos surpreendentes dessa inspeção, que demonstram muito bem a realidade no Estado do Paraná25, como a situação atual da Penitenciária Central do Estado localizada no município de Piraquara. Conforme Viggiano, (2011, p.8):

A PCE (Penitenciaria Central do Estado) foi construída em 1954 e ocupa extensa área territorial. Sua estrutura predial está em péssimas condições, necessitando de reformas estruturais, hidráulicas, elétricas e sanitárias. Constatam-se infiltrações por toda extensão da unidade [...] Desde a rebelião ocorrida em 14 e 15 de janeiro de 2010, que culminou com a morte de 7 presos foram feitas algumas reformas [...], mas a estrutura das paredes continua frágil, podendo ser arrebentada a qualquer instante.

Mais adiante se destaca mais um trecho admirável sobre a mesma unidade onde versa, conforme Viggiano (2011, p.10):

A única solução para a PCE é sua desativação, como unidade prisional que abriga presos condenados em regime fechado [...] A estrutura da PCE é indigna para prosseguir funcionando da forma atual, afrontando os princípios elementares da Constituição da República. Assim é imperioso que o Estado do Paraná interdite esse estabelecimento.

Esses e muitos outros problemas traduzem a vida dentro das penitenciarias brasileiras, onde indivíduos se encontram abandonados sem qualquer amparo, assistência médica, à saúde, etc. nesse mesmo relatório quando interrogam um detento se recebiam visitas de psicólogos ou psiquiatras um deles responde “a gente é psicólogo um do outro”, conforme, Viggiano, (2011, p.13).

Ao que tange à assistência material sabe-se que não há distribuição adequada de materiais, roupas de cama, banho, artigos de higiene, nem mesmo colchões para todos os presos. No Paraná, a alimentação foi objeto de várias criticas em todas as unidades visitadas, nesse sentido, Viggiano (2011, p.17) “vários presos reclamaram acerca de sua qualidade, afirmando que já constataram o perecimento dela, apresentando gosto azedo característico de alimentação estragada”.

Quanto à assistência educacional e atividades culturais de lazer se traduz em outro ponto negativo, já que simplesmente não há. Sem essa oferta de educação e trabalho os presos perdem a oportunidade de remir a pena e retornar mais rapidamente ao convívio social. Nesse sentido, Viggiano (2011, p.19-20)

dados divulgados em junho de 2010 pelo DEPEN/PR demonstram que apenas 15,95% da população carcerária tem acesso a alguma atividade escolar [...] e apenas, 16,14% da população carcerária paranaense exerce alguma atividade laboral.

Entretanto, salienta-se que a maior mazela nas unidades do Paraná diz respeito à ausência de assistência jurídica aos presos. Direito fundamental do detento garantido pela norma maior em seu artigo 5°, LXII, a assistência ao detento é fundamental para concessão dos benefícios assim como para obtenção de quaisquer informações quanto ao cumprimento da pena e efetivação de direitos, contudo é mais um direito que está previsto e não é garantido na prática, segundo Viggiano, (2011, p.21):

A ausência de uma defensoria pública atuante, estruturada e independente do Estado prejudica os presos que não possuem condições financeiras para contratar advogados. Diante disso, direitos assegurados pela Lei de Execução Penal são relegados, fazendo com que permaneçam de forma indevida por mais tempo no cárcere.

Dentre os inúmeros problemas que afetam o sistema penitenciário no Brasil e a execução da pena privativa de liberdade, o principal deles é a superlotação dos presídios decorrentes de múltiplos fatores. A falta de investimentos, o aumento da criminalidade e o notório enrijecimento das normas penais na atualidade contribuem ainda mais para a total desestruturação do sistema prisional.

É evidente que a prisão, que outrora surgiu como substituto da pena de morte, das penas de suplício e outras torturas, não consegue efetivar o fim correcional que se propôs. Com isso a prisão passa a ser vista como um local, uma escola de aperfeiçoamento do criminoso, pois propicia, diante a falta de infraestrutura, o contato de inúmeros grupos de criminosos e assim torna-se impossível a ressocialização. Nesse sentido, Bitencourt apud Antônio Garcia Pablos y Molina (2001, p. 155):

A pena não ressocializa, mas estigmatiza, não limpa, mas macula [...] é mais difícil ressocializar a uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que a sociedade não pergunta por que uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas tão somente se lá esteve ou não.

O assustador déficit de vagas nos presídios, assim como a precária situação em que eles se encontram é uma ofensa com os direitos fundamentais do preso e com o próprio texto constitucional. O artigo 5º, XLIX da Constituição da República garante que “é assegurado aos presos, o respeito à integridade física e moral” assim como a lei de Execução penal (Lei 7.210/1984) assegura em seu artigo 88 que:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único: são requisitos básicos da unidade celular:

a. Salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b. Área mínima de 6 m² (seis metros quadrados).

Enquanto o crescimento da população carcerária aumenta gradativamente, as prisões brasileiras existentes são abandonadas pelas autoridades públicas e as novas não se mostram suficientes para dar conta da enorme demanda de vagas, tampouco garantir o retorno dos que já se encontram enclausurados.

Desse modo, a superpopulação nos presídios continua e com ela o desrespeito ao direito da dignidade da pessoa humana, assim como a integridade física e moral do detento.

Segundo Roncalli a população carcerária do Brasil cresceu 78% entre 2003 e 2012 enquanto o crescimento populacional foi de 30%, assim o sistema prisional não consegue acompanhar o número de prisões necessárias para suprir o déficit de vagas que chega a mais de 250mil27, para ele o país precisa urgentemente da reforma do sistema prisional.28 O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou em entrevisto ao programa Roda Viva, da TV Cultura em 15 de maior de 2018, que o atual nível de crescimento da população carcerária do Brasil é "insustentável" e que "é preciso encarar" a situação. Um dado que me preocupa muito é o que está acontecendo com o sistema penitenciário. Em 1990, nós tínhamos 90 mil presos. Hoje são 726 mil. Nós temos a terceira maior população carcerária do mundo. As duas primeiras, Estados Unidos e China, estabilizaram. Continuamos crescendo a uma ordem de 7%", disse, citando dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) Segundo o relatório, divulgado em dezembro de 2017, o déficit de vagas do sistema é de mais de 358 mil (JUNGMANN, 2018)29

O ministro trouxe outros dados para comparar o avanço da população carcerária com o crescimento populacional do Brasil. "De 1990 a 2000, a população brasileira cresceu na ordem de aproximadamente 30%. Entre 1990 e 2012, a população carcerária cresceu 417%. Isso é insustentável. Em 2019, teremos alguma coisa como 1 milhão de detentos", disse, reforçando que, hoje, o sistema penitenciário é controlado pelas grandes facções criminosas.

A prisão é um ícone interessante no corpo social, para a maioria da sociedade leiga ela é a solução mágica para problemas complexos e sociais como a criminalidade. Máximas como “lugar de bandido é na cadeia” são repetidas diariamente pela mídia manipuladora, e assim, como se a prisão fosse resolver uma enorme patologia social. Prendem o indivíduo ceifando o pouco que lhe resta de sua dignidade.

O fato é que além de não resolver o problema, pois não há na atualidade brasileira prisão capaz de ressocializar alguém, a prisão agrava ainda mais a situação do apenado.

Segundo Bitencourt (2001, p.157) um dos principais argumentos quando se fala em falência da pena de prisão é seu efeito criminógeno, desse modo, funciona a prisão como mola propulsora para a reincidência. Nesse sentido o exemplo demonstrado por Bitencourt apud C. Hibber (2001, p. 158):

Fui enviado a uma instituição para jovens com idade de 15 anos e saí dali com 16 convertido em um bom ladrão de bolsos [...] aos 16, fui enviado a um reformatório como batedor de carteiras e saí como ladrão ... Como ladrão fui enviado a uma instituição total onde adquiri todas as características de um delinquente profissional, praticando desde então todo o tipo de delitos que praticam os criminosos e fico esperando que a minha vida acabe como criminoso.

Com isso, é evidente que a prisão falhou, e falha diariamente, enquanto instituição penal. É notório que ela dificulta de várias maneiras a reinserção do detento em sociedade e que promove o retorno à criminalidade. Não há uma separação necessária entre presos de maior periculosidade com outros que praticaram delitos menos graves, assim como uma assistência para o individuo que retorna à sociedade, totalmente desamparado seja financeiramente, psicologicamente e emocionalmente.

A reincidência é outro fator preocupante que evidencia o fracasso da pena de privação de liberdade, em um mundo globalizado e extremamente desenvolvido onde as transformações se produzem com espantosa rapidez, é muito provável que a prisão venha a ser cada vez mais criminógena (Bitencourt, 2001, p.158) e o individuo sofra cada vez mais para recuperar-se desse trauma.

Segundo dados do ministério da justiça a taxa de reincidência atualmente gira em torno de 70%, isso evidencia a impossibilidade de reinserção, vale ressaltar que o preconceito com ex-detentos também contribui para que ele volte a praticar crimes, visto a grande dificuldade de se encontrar emprego no Brasil e a ausência de políticas eficazes de reinserção social.

As rebeliões e motins em prisões brasileiras se tornaram problema frequente nas unidades da federação. Diante de tantas irregularidades que estão acometidos os indivíduos ali enclausurados, não há outro meio de obter seus direitos, senão por intermédio da violência. Nesse sentido, Bitencourt (2001, p. 231).

A maior parte das rebeliões que ocorrem nas prisões é causada pelas deploráveis condições materiais em que a vida carcerária se desenvolve. Essa foi a causa principal que desencadeou os motins carcerários na França (1972- 1974), na Itália (1972) e o “massacre do Carandiru” em São Paulo (1992).

O maior presídio da história do país: a casa de detenção de São Paulo, conhecida popularmente como o “Carandiru” foi cenário de um dos maiores motins registrados no Brasil. No dia 02 de outubro de 1992, o qual deixou seus números marcados com a morte de 111 detentos.

A crise carcerária no Brasil seria ainda maior se no decorrer dos anos medidas não tivessem sido adotadas para diminuir a população com restrição de liberdade, tais medidas se basearam em diversos fatores, o principal deles é a ineficácia em ressocializar.

4.3 – A ineficácia da prisão em ressocializar e as medidas alternativas à prisão.

A questão mais relevante a ser abordada no contexto diz respeito exatamente à real possibilidade de ressocialização de um condenado e, principalmente, o de efetivar isso no ambiente carcerário, ou seja, em um cumprimento de pena privativa de liberdade.

O propósito de ressocializar alguém é um tanto subjetivo e, por alguns pontos de vista, pode soar arrogante, porque, levando em conta o discurso praticado, ele determina que alguns comportamentos são inadequados socialmente e estabelece um perfil de indivíduo, que atenda aos interesses ditos sociais. O texto abaixo transcrito traz fundamento para esta constatação (TRULIO, Maria. 2009, p. 53).

O Tribunal de Justiça gaúcho, aliás, já decidiu, em recurso de agravo31, que, tendo o apenado de bom comportamento satisfeito o interstício legal para a progressão de regime carcerário, tem direito à progressão, embora pareceres contrários da CTC e do COC, por não ser lícito ao Estado ou às instituições jurídicas de controle social, médicas, psiquiátricas ou similares, “impor a orientação de vida e a obrigação de alterar o modus vivendi”. A Câmara Julgadora reconheceu com sabedoria que o Estado não tem o direito de mudar o indivíduo! Reconheceu, enfim, o direito à diferença! (BOSCHI, 2006, p. 112).

O processo de ressocialização, portanto, não pode ser confundido com a imposição ao condenado de valores decorrentes da opinião de um grupo de profissionais determinado, até porque muito se poderia questionar até mesmo em relação à devida formação técnica de tais profissionais. Num país com tantos problemas sociais como o nosso, seria impossível acreditar que os cursos superiores permaneceram alheios a todo o caos social com o qual convivemos. É realmente difícil afirmar que o posicionamento de um determinado técnico sobre um condenado seja a única verdade possível a ser seguida.

Importante salientar que o discurso da ressocialização encontra barreiras na própria forma como as penas aparecem cominadas na legislação penal, com limites máximos e mínimos pré-estabelecidos, o que impossibilita que, mesmo hipoteticamente alcançando a almejada ressocialização antes do término de sua pena, venha o condenado a ser dispensado do cumprimento do restante dela, o que demonstra, mais uma vez, que o discurso da ressocialização não pode ser efetivado no ambiente carcerário, ambiente este que é artificial, que não retrata nenhum tipo de escolha do condenado e que impõe uma convivência criminógena. (TRULIO, Maria. 2009, p. 54)

O sistema penal, em um significativo número de casos, especialmente em relação aos delitos patrimoniais – que são a maioria -, promove condições para a criação de uma carreira criminal. Particularmente, dentre a pessoas originárias das camadas mais humildes da sociedade, o sistema seleciona aqueles que, tendo caído em uma primeira condenação, surgem como bons candidatos a uma segunda criminalização, levando-os ao ingresso no rol dos desviados, como resultado do conhecido fenômeno psicológico do “bode expiatório” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 76).

O fato inegável é, pois, que o próprio Estado contribui significativamente para a produção da violência, fato que, associado às omissões do Estado Social e a utilização do Estado Penal como única forma de controle social, compromete o processo de ressocialização, que passa a se mostrar, apenas, como um discurso teórico, desprovido de efetivação.

Roncalli sugere o fortalecimento das políticas sociais, com foco na prevenção a crimes e no atendimento da população de maior risco e vulnerabilidade econômica e social.

Nas condições atuais, não há chance de recuperação e reinserção. A superlotação impede um tratamento penal adequado de recuperação. [...] Não dá para resolver todos os problemas com Direito Penal.32

A promotora Fabiana Costa Barreto, que integrava o grupo de trabalho do governo sobre o Sistema Nacional de Alternativas Penais em 2012, aponta dado interessante sobre a ressocialização dos indivíduos que cumprem penas privativas de liberdade. “endurecer a lei para reincidentes de maneira geral não é eficaz. A reincidência em furto é de 19% entre condenados que cumprem penas alternativas e de 40% a 60% entre os que cumprem penas restritivas de liberdade.” Afirmou em debate durante audiência pública da Comissão Temporária de Reforma do Código Penal.(Brasil, Jornal do Senado, 2012)

Neste sentido é prudente analisarmos as medidas despenalizadoras e as alternativas à prisão.

4.3.2 Das Penas e Medidas Alternativas à Pena de Prisão

As penas alternativas, são uma maneira diferenciada do preso cumprir a pena a ele imposta pelo poder estatal. As penas desta espécie contribuem para que o apenado seja punido, mas de forma que não seja isolado em um ambiente desmoralizador, que é o caso dos presídios.

Deste modo Cesar Roberto Bitencourt explana:

As penas alternativas à privativa de liberdade são tidas como sanções modernas, pois os próprios reformadores, como Beccaria, Howard e Bentham, não as conheceram. Embora se aceite a pena privativa de liberdade como um marco da humanização da sanção criminal em seu tempo, a verdade é que fracassou em seus objetivos declarados. A reformulação do sistema surgiu como necessidade inadiável, e teve início com a luta de Von Liszt contra as penas curtas privativas de liberdade e a proposta de substituição por recursos mais adequados33.

As medidas alternativas à pena de prisão objetivam “[...] evitar que esse cidadão seja trancafiado dentro do sistema penitenciário, evitando que ocorra uma contaminação natural das outras pessoas que já estão no mundo do crime34”.

Na mesma linha de raciocínio:

Induvidoso que as sanções alternativas, quando empregadas para prevenção e repressão dos crimes de potencial ofensivo de baixa gravidade, têm maior utilidade como meio de recuperação do criminoso, na medida em que conserva o delinquente no meio social, ao mesmo tempo, que expiando seu erro, através da pena imposta, dá-se-lhe o valor de membro útil à comunidade em que está inserido, como agente de transformação social. (BORDIGNON, 2002, p.32)

A pena privativa de liberdade deve ser substituída na sentença pelo juiz que, com sua investidura e imparcialidade, irá examinar a possibilidade de substituição.

Segundo Cesar Roberto Bitencourt:

[...] á disposição do juiz para ser executada no momento da determinação da pena na sentença, já que, por sua própria natureza, requer a prévia determinação da quantidade de pena a impor. E, como na dosagem da pena o juiz deve escolher a sanção mais adequada, levando em consideração a personalidade do agente e demais elementos [...] e particularmente a finalidade preventiva, é natural que nesse momento processual se examine a possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade35.

Segundo o Código Penal, as penas alternativas ou restritivas de direito são: I – prestação pecuniária; II - perda de bens e valores; III - prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública; IV – interdição temporária de direitos; V – limitação de fim de semana.

As penas restritivas de direito, em caso de delitos mais leves em suas espécies, tornam-se um grande elo com a ressocialização, pois ao mesmo tempo em que punem o criminoso fazem com que ele tenha contato com o mundo externo, preservando sua dignidade e esquivando-se das grades, que nada contribuem para a reeducação do mesmo (BORDIGNON, 2002, p. 32).

Neste sentindo, tem-se o seguinte pensamento:

[...] a manutenção da prisão apenas para a punição de crimes de alto poder ofensivo, aponta para uma moderna tendência da política criminal, qual seja a transformação do caráter paternalista do Estado, quando em jogo de interesses menores ou bens jurídicos em que os particulares, em plena era de tecnologia, a porta do terceiro milênio, podem e devem dar sua parcela de colaboração no sentido de combatê-los, fazendo uso da perspicácia, da prevenção, da cautela e da prudência36.

4.3.1.1 Da Aplicação das Penas Restritivas de Direito

A aplicabilidade das penas restritivas de direito está taxada no art. 44 do Código Penal, em seus requisitos objetivos e subjetivos.

As penas alternativas são aplicadas, em sua autonomia, segundo o CP (art. 44 inciso I, II, III) quando, na aplicação da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, e se o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for de natureza culposa, não for o réu reincidente em crime doloso. E ainda, quando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

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Sobre o autor
Anilton Cachone Junior

Policial Militar. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas - UNIVEL. Pós-graduado em Direito Penal pelo instituto Damásio de Jesus. Pós-graduado em Segurança Pública pela Faculdade São Braz. Pós-graduando em Inteligência Policial pela Faculdade Ibra de Brasília. Em eterno aprendizado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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