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Sistema prisional brasileiro.

A crise carcerária e a privatização do sistema

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07/08/2019 às 20:30
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5. PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS.

Ao tratar das atuais tendências gerais do Direito Administrativo, inspiradas no Common Law e no Direito Europeu, a professora Maria Sylvia Zanella Di pietro(2018), elenca a privatização (ou fuga para o direito privado) como uma das tendências de mudanças em nosso atual ordenamento jurídico de direito administrativo.

Nesse sentido, podemos afirmar que, nas últimas décadas, a ideia da privatização vem se enraizando na gestão pública. A ineficácia da atuação estatal vê na otimização da administração privada a solução para alguns dos problemas sociais.

Além disso, imperioso destacar que as privatizações geram consequências de extrema importância em âmbito jurídico-social, ressaltando, no presente caso, as questões de ordem constitucional e de direito administrativo.

Destarte, diante do atual cenário das penitenciárias brasileiras, superlotadas, sem a mínima infraestrutura, considerados locais desumanos e sem nenhuma capacidade de reabilitação, parecendo mais “faculdades do crime” ao invés de presídios, é que surge a terceirização dos serviços prisionais.


6 PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL

Dentre os inúmeros problemas atualmente vivenciados pelo sistema penitenciário brasileiro e, consequentemente, com a pena privativa de liberdade, estudiosos e pensadores do mundo jurídico tem-se debruçado sobre a crise buscando alternativas para sanar essa mazela social.

A ideia de privatização do sistema penitenciário tem surgido nesses meios e ganhado força em unidades da federação brasileira, tanto, que no ano de 2013 ocorreu a inauguração do que pode se dizer “primeira prisão privada do país”, em Ribeirão das Neves município de Minas Gerais no dia 18 de janeiro.

Sabe-se que o surgimento da ideia de entregar as prisões ao setor privado, em um modelo aproximado do que vivenciamos no mundo contemporâneo, surgiu em 1761 por Jeremy Bentham.

Segundo Bentham, a administração das prisões deveria ser entregue à particulares que iriam utilizá-las como fábricas, essa transferência de gestão deveria ser feita mediante contrato, podendo os administradores auferir lucro. Nesse sentido, Cordeiro (2006, p. 51):

A ideia de privatização do sistema penitenciário [...] fora antevista em 1761 por Jeremy Bentham, que defendia a entrega das administrações das prisões a particulares, os quais poderiam usá-las como fabricas [...] e auferir lucros. Bentham já atentava para os eventuais abusos que poderiam advir dessa forma de encarceramento.

Os principais argumentos que giram na órbita da privatização são a redução dos gastos do Estado com o setor de cárcere e a eficiência que pode ser alcançada se o serviço for prestado por particulares. É evidente que, em meio a um sistema penitenciário falido, em que a pena de privação de liberdade vive em declínio constante e é taxada, diariamente pela mídia, como cruel e desumana, tais argumentos se mostram pertinentes em relação à crise carcerária, porém, a questão deve ser minuciosamente avaliada.

Em uma consideração meramente superficial desse sistema privado e sem preocupar-se com suas e eventuais consequências, nota-se um avanço enorme: As cadeias privadas são sofisticadas e limpas com celas individuais e assistência ao detento, enquanto nas cadeias públicas os condenados vivem em ociosidade, ou, nas palavras de Tourinho Filho (2012, p. 643): “vivem como farrapos humanos castrados até à esperança”.

Desse modo, o discurso de privatizar os presídios no Brasil tem ganhado força frente a esse cenário de declínio da pena de prisão, pois há muito se verifica sua falência ou ineficácia quanto aos fins e objetivos que deveriam ser atingidos por ela. Tudo isso, atrelado a um mundo globalizado e moderno, onde cada dia mais se vivencia a comercialização das relações humanas e um Estado neoliberal que lança ao setor privado tudo que lhe convir. Nesse sentido, Cordeiro (2006, p. 55):

No mundo globalizado, o Estado vem perdendo a cada dia seu caráter intervencionista, inclusive nas áreas sociais, outrora regidas por políticas de natureza pública, como é o caso da previdência, da saúde, da educação. Foi justamente nesse Estado de mínima intervenção que a ideia da privatização dos presídios encontrou terreno fértil, sendo indissociável de uma lógica mercantilista, segundo a qual o lucro é o principal – senão o único- objetivo.

Com isso, verifica-se o abandono do caráter adotado pós Segunda Guerra Mundial de um Estado que detinha como dever promover o bem estar social e se passa agora, a um Estado globalizado, que simplesmente se abstêm de suas responsabilidades mínimas, passando ao mercado capitalista deveres essenciais como promover a saúde, educação e agora o gerenciamento da pena privativa de liberdade, questiona-se até que ponto isso é legítimo.

Sabe-se que há muito o jus puniendi não se encontra nas mãos do particular, de modo tal que a entrega do gerenciamento das prisões ao setor privado corresponde a um verdadeiro retrocesso no tempo, além disso, a preocupação de que o condenado venha se tornar mero objeto de lucro para esse setor preocupa a maioria dos que se posicionam contra a privatização. Conforme salienta Cordeiro (2006, p. 60):

O receio daqueles que se mostram contrários à privatização dos presídios reside principalmente no ponto de que a ânsia de auferir lucros a iniciativa privada olvide por completo dos fins da pena de prisão e do homem encarcerado, que, após uma luta árdua para ser reconhecido como sujeito de direitos, voltaria a ser homem-objeto.

Esses pensadores sustentam a adoção de políticas e leis de caráter descriminalizador como solução à crise carcerária, fato este já adotado, eventualmente, pelo legislador brasileiro como no artigo 98, I da Constituição Federal que prevê que:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos: oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

No mesmo sentido tem-se a lei n° 9.714/98 que alterou parte do Código Penal e inseriu modalidades de penas alternativas nos artigos 43 e 44 e seguintes, assim como, ampliou a possibilidade de incidência dos denominados substitutivos penais, desde que a condenação não ultrapasse 04 anos e seja cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa e, nos crimes ditos culposos, qualquer que seja a pena.

Dessa forma, é indubitável que se perfaz a existência de dois posicionamentos acerca da privatização da pena privativa de liberdade, assim sendo, passa-se a uma análise mais crítica para verificar se, de fato, a privatização é eficaz para sanar a crise carcerária.

6.1. Prisões privadas no mundo e seus modelos.

Sabe-se que a ideia contemporânea de privatização das prisões surgiu nos Estados Unidos, aproximadamente em meados do século XIX, quando determinados estados norte americanos entregaram à iniciativa privada a gestão de suas penitenciarias, contudo a experiência não obteve êxito e foi de pronto abandonada, conforme salienta Cordeiro apud Rosal Blasco (2006, p. 54):

Nos meados do século XIX, alguns estados norte-americanos, como Nova Iorque, entregaram a gestão de estabelecimentos penitenciários a empresas privadas [...] Porém, essa experiência restou fracassada diante das várias denúncias de maus-tratos e abusos físicos cometidos contra os reclusos.

Mesmo fracassada em primeira tentativa, a privatização foi retomada nos EUA no Século XX. Fatores como o aumento da criminalidade e da população carcerária, altos custos ao Estado para manter o individuo em cárcere e uma ideologia de neoliberalismo, somados com a falência da pena privativa de liberdade gerenciada pelo Estado contribuíram para esse retrocesso.

Sabe-se que na atualidade existem diversos modelos de gerenciamento das prisões privadas espalhados por vários países, dentre eles destacam-se o modelo norte-americano, o modelo Inglês e o modelo Francês.

6.1.1 O modelo norte-americano:

Pode-se dizer que os EUA foram pioneiros nessa ideia de privatização das unidades prisionais, na década de 80 os pretextos utilizados para privatizar foram o de redução dos custos ao Estado e resolução do problema da superlotação, causados por uma política de “tolerância zero” atrelado à uma crescente pressão influenciada pela iniciativa privada de auferir lucros.

O modelo norte-americano adotado em alguns estados é aquele de sentido amplo, desse modo, cabe ao particular a construção da unidade prisional, o gerenciamento da pena e sua administração, não havendo intervenção estatal nesse processo, ou seja, a privatização é total. Nesse sentido, Cordeiro (2006, p. 88/89):

Alguns dos estabelecimentos prisionais norte-americanos adotam o modelo privatizador em seu sentido amplo, sendo plena a participação da iniciativa privada na execução penal [...] em determinadas unidades penitenciarias norte-americanas, a iniciativa privada é responsável, inclusive, pela execução da pena de morte.

É evidente tamanha desproporcionalidade em tal modelo de cárcere, pois transfere ao particular uma discricionariedade desmedida e a prisão torna-se um negocio que, como qualquer outro, visa tão somente o lucro.

Desse modo, nota-se nos EUA, país com a maior população carcerária do mundo, a transferência do Estado do bem estar social para o denominado Estado prisional, em que tudo deve ser punido severamente o que levou o país a adoção de políticas de “tolerância zero” e “lei e ordem”, conforme Cordeiro (2006, p. 100):

Atualmente, não é exagerada a assertiva de que a sociedade norte-americana vivenciou a passagem do Estado do bem-estar social para um verdadeiro Estado prisional, o que tende a se agravar em virtude do encarceramento ter se transformado em sinônimo de lucro.

Nesse mesmo sentido, Cordeiro apud Wacquant (2006, p.101):

A política de “tolerância zero” desenvolvida pelos EUA [...] nada mais é que a busca de compensar a ausência de um Estado social e econômico, com todas as consequências daí decorrentes, mediante a presença de um Estado policial e penitenciário.

Com isso, pode-se concluir que o Estado está passando por uma transformação, de Estado do bem-estar para Estado penal, e a crença de que o encarceramento é a solução para o problema da criminalidade mascara o rentável negocio do encarceramento privado, a criminalização excessiva e a rigidez das normas penais comprovam o que há muito se sabe: que o direito penal é instrumento de controle social.

6.1.2 O modelo inglês:

Instituído na década de 80, sob as mesmas justificativas norte-americanas, quais sejam: superlotação e elevados custos ao Estado, o modelo Inglês copia a política de “tolerância zero” dos EUA sob uma ótica um pouco mais reservada, visto que ela se destina especificamente à estrangeiros imigrantes.

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O instrumento que formalizou a privatização inglesa foi o chamado The Criminal Justice Act em 1991, ele instituiu atribuições ao Estado e ao particular nesse impasse de gerenciamento da pena privativa de liberdade, de modo que, o que difere o modelo Inglês do norte-americano é o fato que, este possibilitava total liberdade ao particular e mínima intervenção estatal, e aquele diferentemente caracteriza-se por mínima intervenção da iniciativa privada. Nesse sentido, Cordeiro (2006, p. 111):

Diferentemente do modelo norte-americano, o sistema inglês de privatização dos presídios caracteriza-se por uma menor intervenção da iniciativa privada na administração prisional, cabendo-lhe o fornecimento dos serviços de limpeza, alimentação, vestuário, etc.

Sabe-se, porém que mesmo a política de “tolerância zero” ter sido difundida para punir especificamente os imigrantes, a privatização dos presídios na Inglaterra somente aumentou as desigualdades sociais e com isso a criminalidade e consequentemente, a superpopulação carcerária.

6.1.3 O modelo francês:

O modelo Francês parte do princípio de uma cogestão entre particular e Estado, ou seja, firma-se uma parceria entre ambos para desempenhar a função de construção, administração e controle da pana privativa de liberdade, pensa-se que esse seja o melhor modelo dentre os estudados, pois há uma redução da discricionariedade particular e uma participação mais notória do Estado. Nesse sentido, Cordeiro (2006, p. 108):

Na França, a participação da iniciativa privada no gerenciamento prisional se dá mediante uma cogestão, um “modelo de dupla responsabilidade”, no qual o Estado e o particular firmam uma parceria para gerenciar e administrar o estabelecimento penitenciário, tudo por meio de contrato, com duração média de dez anos, assegurada livre concorrência.

Desse modo, enquanto o Estado fica responsável por atributos indelegáveis, como a segurança externa da penitenciaria, a concessão de benefícios e imposição de sanções disciplinares, o particular se responsabiliza pela segurança interna da unidade prisional e ainda por tarefas como trabalho, lazer, educação, saúde, esporte, etc.

Esse modelo é o que vem sendo adotado no Brasil recentemente, contudo sabe-se que ele ainda encontra-se em fase de experiência e deve ser analisado mais afundo.

6.2 A parceria publico-privada no cenário da privatização.

A Parceria Público-Privada (PPP), tratada por pela doutrina como concessão especial de serviços públicos, denominada Parceria Público-Privada (PPP) é submetida ao regime jurídico diferenciado previsto na Lei 11.079/2004.

Em que pese existirem várias espécies de parceria entre os setores público e privado, a Lei n°11.079/04 trata a expressão parceria público-privada para duas modalidades específicas. Nos termos do artigo 2° da referida lei, “parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa”

De forma a simplificar o conceito de parceria publico-privada, descreve Di Pietro37

Para englobar as duas modalidades em um conceito único, pode-se dizer que a parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público.

Nesse sentido, podemos entender as parcerias público-privadas como contratos administrativos de concessão, nas modalidades administrativa ou patrocinada, com duração entre cinco e trinta e cinco anos, mediante prévia concorrência, com valor do objeto superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), caracterizados por um compartilhamento de riscos entre o Estado (parceiro público) e pessoa jurídica privada (parceiro privado), sendo criada uma sociedade de propósito específico para administrar a parceria.

Nesse contexto, para melhor compreensão do tipo de contrato em comento, reprisemos seis características fundamentais elencadas Alexandre Mazza38:

1) são tipos especiais de concessão: as PPPs são uma espécie de contrato de concessão na medida em que o Estado outorga ao parceiro privado a execução de uma tarefa pública. Por essa razão, como já dito, a Lei das Concessões – 8.987/95 – aplica -se subsidiariamente a tais parcerias;

2) por prazo determinado: como toda concessão, a PPP obrigatoriamente está submetida a um prazo determinado para sua vigência. Nos termos dos arts. 2º e 5º da Lei n. 11.079/2004, a duração do contrato deve ser superior a cinco anos e inferior a trinta e cinco anos;

3) objeto com valor superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais): é o que determina o art. 2º, § 4º, I, da Lei das PPPs; 37 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administravivo. P.391

4) mediante prévia concorrência: a celebração da parceria exige a realização de licitação, sendo obrigatória a utilização da modalidade concorrência pública (art. 10 da Lei n. 11.079/2004). Importante destacar que, na concorrência pública instaurada para selecionar o parceiro privado, o julgamento das propostas poderá anteceder a habilitação, invertendo-se as fases naturais do procedimento, além da previsão de oferecimento de lances em viva-voz (arts. 12 e 13),características estas similares ao rito existente no pregão;

5) compartilhamento de riscos: nas PPPs, o parceiro público divide os riscos do empreendimento com o parceiro privado;

6) nas modalidades administrativa ou patrocinada: a lei prevê dois tipos de PPPs. Na concessão administrativa, a Administração Pública é a principal usuária do serviço prestado pelo parceiro privado. Normalmente, a concessão administrativa é utilizada quando o serviço prestado pelo parceiro privado é “uti universi”, impedindo cobrança de tarifa do particular. Já a concessão patrocinada caracteriza-se pelo pagamento de um complemento remuneratório, do parceiro público ao privado, adicional ao valor da tarifa paga pelo usuário. A concessão patrocinada é utilizada para delegação de serviços públicos “uti singuli”, sendo cabível quando o empreendimento não seja financeiramente autossustentável ou como instrumento de redução das tarifas. As concessões patrocinadas em que mais de 70% da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica (art. 10, § 3º, da Lei n. 11.079/2004);

Dessa forma, fica mais claro o tipo de contrato utilizado na primeira “terceirização” das atividades do sistema penitenciário em nosso país, para que possamos melhor entender a atuação de cada ente na consecusão das atividades estabelecidas na parceria público-privada.

6.2.1 A primeira penitenciária no Brasil em parceria público-privada.

A crítica situação prisional levou o Estado de Minas Gerais, no ano de 2013, a buscar solução para o problema por meio de uma concessão de parceria público privada.

Com isso, o Estado de Minas Gerais deu um grande passo na melhoria do sistema carcerário. Por meio de uma licitação para construção de uma penitenciaria, através da parceria público-privada (PPP). Como resultado da licitação, o consórcio de Gestores Prisionais Associados (GPA), foi o vencedor e responsável por construir o novo complexo, que, ao final da totalidade da obra, será composto por cinco unidades, três de regime fechado e duas de regime semiaberto, em que irá administrar o complexo, obedecendo 380 indicadores de desempenho definidos pelo governo mineiro, por meio de um contrato de concessão, com prazo de 27 anos, gastando em torno de 300 milhões de reais.

O Complexo Prisional Público Privado fica em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e foi inaugurado em 28 de janeiro de 2013, A construção foi feita integralmente com dinheiro privado. As diferenças entre o Complexo Prisional Público Privado de Ribeirão das Neves com os demais presídios brasileiros são gritantes, haja vista apresentar estrutura correta e segura, tendo sido pensada a segurança dos presos, funcionários e familiares.

O complexo que contará com mais de 3 mil vagas ao total foi construído com dinheiro da iniciativa privada que firmou contrato para gerir a aplicação da pena nos próximos 27 anos, recebendo um equivalente de R$ 2.100,00 (dois mil e cem reais) por preso39: A penitenciária foi construída por um consórcio de cinco empresas, que venceu uma licitação por R$ 280 milhões. Em contrapartida, o consórcio vai receber do estado R$ 2,1 mil por preso todo mês, nos próximos 27 anos.

Dessa forma, Estado e iniciativa privada são responsáveis pelo gerenciamento da pena na unidade, de modo que o setor privado se responsabiliza por cuidados como assistência médica, trabalho, educação e outros critérios elencados na Lei 7.210/84, enquanto o poder público cabe a função de fiscalizar o serviço. Nesse sentido Pedro Ferreira:

O gestor privado fica responsável pela assistência médica e odontológica para cada preso, assistência social e jurídica a cada dois meses. As consultas psiquiátricas serão constantes e não serão apenas para quem apresentar algum tipo de distúrbio comprovado [...] Alimentação, segurança das muralhas e uniformes também ficam por conta do consórcio, cabendo ao estado a fiscalização dos serviços. 40

Passados pouco mais de cinco anos do início das atividades da penitenciária em questão, a então presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal Ministra Carmem Lúcia visitou, em 02 de abril de 2018, o complexo penitenciário público-privado, tendo avaliação positiva ao afirmar “a gente espera que experiências como estas possam realmente alterar o quadro nacional, mas é um processo que vamos avaliar”.41 De acordo com Rodrigo Garga42, presidente da GPA, Toda a estrutura de gestão, manutenção e suprimento é mantida pelo consórcio privado GPA. Uma empresa licitada pelo governo de Minas atua na fiscalização da PPP. São 380 indicadores de qualidade que, se não forem cumpridos, podem acarretar em multa ao consórcio. De acordo com os dados apresentados na visita43, cerca de 600 presos trabalham nas dependências de, pelo menos, 13 empresas parceiras instaladas dentro do Complexo. No caso do regime semi-aberto, eles saem para trabalhar e voltam. Entre as atividades exercidas estão a de cozinha, panificação, confecção de calçados, estofamento de carros, artesanato, pintura, cerâmica e tecelagem. Em alguns programas, como o de artesanato, as famílias podem levar a matéria-prima (linhas e aviamentos) para os presos confeccionarem peças que serão entregues de volta aos familiares para serem vendidas no comércio e em feiras. No que diz respeito aos estudos dos presos, há mais de 800 detentos matriculados nas escolas que funcionam nas unidades e participam de cursos regulares (ensino básico e médio) e profissionalizantes. No próximo ano, em 2019, serão oferecidos cursos superiores por meio de contrato já assinado com uma faculdade particular.

Dessa forma, a experiência com o projeto piloto de privatizão do sistema prisional apresenta aspectos positivos, haja vista que os parâmetros comparativos, as prisões gerenciadas exclusivamente pelo poder público, apresentam-se em deprimentes condições, já elencadas anteriormente.

6.3 Os motivos para não privatização.

O modelo é preocupante não só diante de experiências mal sucedidas nos EUA e Inglaterra, mas também quando nota-se no Brasil a tendência de criação de leis para punir os pobres e promover um encarceramento massivo, como as leis de Crimes Hediondos e Tráfico de Drogas que promovem uma afronta à norma fundamental quando retiram a concessão de benefícios ao condenado, ainda que o STF tenha resolvido a questão.

Tais leis demonstram nitidamente a adoção de uma política de um Estado penal, preocupado tão somente em punir e castigar o indivíduo. Assim, retiram dele o pouco de dignidade que lhe resta, jogam-no à margem de um sistema penitenciário falido e promovem seu retorno à sociedade etiquetando-o como o “ex-detento”, o marginal.

Não obstante, passa-se a uma análise do que se pode destacar como ponto negativo do sistema privado de encarceramento, pois ele consiste em uma ameaça a sociedade em geral e surge nas entrelinhas da justiça para consagrar o que o capitalismo almeja desde sempre: o lucro.

Como principal ponto negativo da privatização destaca-se, em um aspecto histórico, que desde abolição da vingança privada é o Estado que se tornou responsável para aplicação da pena ao individuo que viole o pacto social, de modo que a privatização, nesse contexto, significaria verdadeiro retrocesso ao tempo, já que, ensejaria a discricionariedade do particular e forte influência para o cometimento de abusos. Nesse sentido Cordeiro (2006, p.70):

Desde o fim da vingança privada e da criação do Estado, o direito de punir sempre foi considerado uma característica inerente do ente estatal, o único legitimado a exercer o monopólio do uso da força física, por meio dos órgãos encarregados para tal fim.

Diante disso, o homem transfere ao Estado parcela de suas liberdades em troca das chamadas liberdades civis e garantia de direitos, como a propriedade. Em contrapartida, através desse pacto social, o Estado passa a exercer um poder absoluto sobre seus indivíduos, de modo tal que a soberania do Estado confere-lhe poderes únicos como confeccionar normas, aplicá-las e interpretá-las.

Nesse contexto, a soberania estatal torna-se algo uno, indivisível, indelegável e irrevogável e, portanto, a privatização encontra resistência em ser efetivada, pois o Estado estaria abrindo mão de seu monopólio de garantidor do bem comum, conforme Cordeiro (2006, p.72):

A privatização representa a entrega da liberdade individual para o particular, o que se mostra inadmissível. A entrega do direito de punir ao particular representa negação do próprio Estado e de todas conquistas do homem alcançadas ao longo dos séculos.

No mesmo sentido, Cordeiro apud Vidal (2006, p. 75):

A privatização significa a entrega pelo Estado ao particular da tutela do bem mais caro ao homem – a liberdade [...] é a negação do Estado pela usurpação dos poderes a ele conferidos pelo indivíduo; é o flanco aberto e direito à superação do Estado.

Com isso, é evidente o perigo que enseja a privatização, pois ela coloca em risco direitos e garantias fundamentais há muito conquistados, além de transferir ao particular a execução da pena retirando do Estado seus deveres mínimos.

Outro ponto negativo gira em torno do perigo de a privatização ensejar o apoio e o incentivo à adoção de políticas mais brandas pelo Estado, tal qual como ocorre nos EUA.

Se a privatização é um negócio lucrativo, manter as pessoas em cárcere é essencial para obtenção do lucro, diante disso, e paralelamente à adoção do Estado penal, corre-se o risco de se promover a corrupção de magistrados por grandes empresas interessadas em sentenças mais rígidas com maior grau de restrição da liberdade de locomoção. Nesse sentido, Cordeiro (2006, p.78):

Situação preocupante a envolver a privatização dos presídios diz respeito à possibilidade desse rentável mercado de controle do crime propiciar um incentivo cada vez maior à criminalidade e também à adoção de políticas de encarceramento, tal como se constata nos EUA, cujo índice de encarceramento é o segundo maior do planeta.

Sobretudo, destaca-se em aspectos éticos, o quão desumano é o sistema de privatização, pois ele permite se vangloriar de sofrimento alheio quando terceiro obtém lucro sobre tal sofrimento, desse modo, trata-se de irrefutável afronta à preceitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana. Conforme Cordeiro (2006, p.80): “Transformar o preso em mero instrumento de obtenção de lucro, indiscutivelmente, fere sua dignidade, deixando-o completamente à mercê de sua própria sorte, distanciando de qualquer controle estatal.”

No sistema privado de cárcere a principal crítica é justamente no sentido de se obter lucro sobre o sofrimento alheio, de modo que a privatização esbarra em mais esse óbice ético-moral uma vez que sua finalidade, embora maquiada em alguns modelos, é a pura e simples obtenção desse lucro.

Diante disso, não existirá por parte das empresas preocupação alguma em ressocializar o detento, pois cada um que volte para a sociedade será menos um gerando dinheiro, de modo que o preso se transforma em mero objeto de lucro dentro do sistema, isso demonstra tamanha incoerência por parte do Estado em permitir tal negócio. Nesse sentido Cordeiro (2006, p.81):

Na medida em que o preso, no sistema privatista, deixa de ser sujeito em processo de ressocialização e torna-se objeto da empresa, resta privado de qualquer dignidade [...] passando o preso a ser objeto de lucro, não interessará à empresa, segundo uma visão mercantilista, sua ressocialização.

Diante de todo exposto é evidente que a privatização surge como ferramenta a facilitar a modificação de um Estado social por um Estado penal e com isso, não deve ser adotada em sua totalidade, pois o Estado não deve beneficiar a iniciativa privada em detrimento aos direito e à dignidade da sociedade. O controle estatal, ainda que não em sua totalidade, deve evitar o enrijecimento das normas penais, para que impedir uma política infeliz já abraçada nos EUA de “tolerância zero” e “lei e ordem”.

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Sobre o autor
Anilton Cachone Junior

Policial Militar. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas - UNIVEL. Pós-graduado em Direito Penal pelo instituto Damásio de Jesus. Pós-graduado em Segurança Pública pela Faculdade São Braz. Pós-graduando em Inteligência Policial pela Faculdade Ibra de Brasília. Em eterno aprendizado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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