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Medidas a adotar no caso de mineração em área indígena

06/10/2019 às 11:10
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O aproveitamento dos recursos hídricos, os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais dependem da autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades indígenas afetadas. Mas ainda há mais...

Segundo o jornal O Globo, em sua edição de 5 de outubro do corrente, data em que se completa mais um ano da promulgação da Constituição-cidadã de 1988, "entidades que atuam em defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas criticaram a intenção do governo de apresentar um projeto de lei ou medida provisória que regulamente a mineração em terras indígenas sem conceder poder de veto às populações afetadas. Caso o governo não recue, as entidades defendem que a questão seja levada à Justiça e até mesmo a fóruns internacionais. A mineração em terras indígenas é permitida pela Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentada, o que faz com que, hoje, ela não esteja autorizada. A abertura das terras indígenas para a mineração é uma das principais bandeiras de campanha do presidente Jair Bolsonaro e, na última quinta-feira, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse que o governo deverá apresentar projeto de lei ou medida provisória para regulamentar o assunto." 

A determinação do governo federal de permitir a exploração mineral em terras indígenas tem potencial para afetar quase um terço das reservas no País. Prevista na Constituição de 1988, a atividade em territórios demarcados nunca foi regulamentada e é alvo de discussão no Congresso há décadas. O assunto vem sendo tratado com insistência pelo presidente Jair Bolsonaro, declaradamente favorável à mineração nessas áreas.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há 4.332 requerimentos para exploração do subsolo em 214 das 735 áreas indígenas registrados na Agência Nacional de Mineração – 29,1% do total, inclusive nos parques indígenas de Tumucumaque (AP e PA), Araguaia (TO) e Aripuanã (MT).

Os requerimentos envolvem a exploração de 66 substâncias, principalmente ouro. A maioria, 88%, é de pedidos para pesquisa, ou seja, sem comprovação científica de que existam minérios nessas áreas. Conforme especialistas, grande parte desses requerimentos é das décadas de 1980 e 1990, protocolada antes da demarcação das terras indígenas, e tem como objetivo garantir aos autores dos pedidos prioridade caso a exploração seja autorizada, prática comum no setor.

A Constituição Federal estabelece, no parágrafo terceiro do artigo 231, a participação das comunidades indígenas nos resultados econômicos da exploração mineral do subsolo de suas terras. Porém, restam dúvidas quanto ao melhor modo de fixar o coeficiente dessa participação, assim como as bases sobre as quais ele deve incidir.

A Constituição prevê que a mineração em territórios indígenas pode ser realizada a partir da aprovação de uma lei pelo Congresso Nacional. A Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que é lei no Brasil desde 2004, estabelece que os povos indígenas devem ser consultados em todas as etapas sobre eventual projeto de mineração “a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes em suas terras”.

Dir-se-á, ab initio, que o artigo 15 da Convenção da OIT 169 assim acentua:

“Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes na terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.”

Sabe-se que aqui reside um tema deveras controvertido, porque interesses econômicos gravitam em torno dele. Mas isso depende de norma expressa. Trata-se de norma constitucional de eficácia contida.

A questão da mineração em terras indígenas é algo extremamente sensível, como se disse.

Em torno dela giram interesses de toda ordem. A busca de um equilíbrio que resguardasse os relevantes interesses dos índios, que, por si, são também relevantes interesses nacionais, e, outros valores que, em cada momento, possam apresentar-se constitui uma grande preocupação, desde a Comissão Afonso Arinos, cujo texto sobre as populações indígenas (artigo 380-383) foi apoiado por José Afonso da Silva, incluindo o artigo 382 sobre exploração de minérios em terras indígenas, como privilégio da União, assim mesmo quando houvesse interesse nacional, assim declarado pelo Congresso Nacional.

Por essa razão, o diploma normativo deve vir por lei material e formal, originada pelo Parlamento. Por outro lado, não cabe a edição de medida provisória. A Lei que se fala é uma Lei Complementar, que terá de ter o quorum especial previsto na Constituição. Não será, por isso, cabível falar-se em medida provisória emanada da presidência da República, pois que se está diante de uma reserva de Parlamento.

Na matéria há disposição no artigo 231, § 3º, da Constituição, que dispõe que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades indígenas afetadas, ficando-lhe assegurado participação nos resultados na lavra, na forma da lei. Ao Congresso Nacional se imputou o julgamento de cada situação concreta, para sopesar os direitos e interesses dos índios e a necessidade da prática daquelas atividades reconhecido que o princípio é da prevalência dos interesses indígenas, pois a execução de tais atividades, assim como a autorização do Congresso Nacional, só pode ocorrer nas condições específicas estabelecidas em lei (artigo 176, parágrafo primeiro); nem mesmo se admite a atividade garimpeira, em cooperação ou não mencionada no artigo 174, §§ 4º, salvo, evidentemente, a atividade garimpeira dos próprios índios, que tenham a posse legal da terra.

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O PL 1.610/96 e o PL 2.057/91 fixam um percentual mínimo de 2%, fazendo-o incidir sobre o faturamento bruto resultante da comercialização do produto mineral, obtido após a última etapa de processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial. Ambos admitem também a variação deste percentual, para mais ou menos, em até 25%, quando da fase da concessão da lavra. Já o projeto do Governo e o Substitutivo do deputado Valverde garantem, respectivamente, uma participação nos resultados da lavra não inferior a 3% e 4% sobre o faturamento bruto resultante da comercialização do produto mineral obtido.

O que se questiona, além da porcentagem estipulada, são as condições de que deverá dispor uma comunidade indígena para saber se o percentual que lhe está sendo pago corresponde exatamente ao faturamento mencionado. Será que a comunidade indígena receberá informações do Fisco quanto aos impostos recolhidos pela mineradora para poder monitorar os seus ganhos e controlar a correta remuneração de sua participação? Terá a comunidade acesso aos livros contábeis da empresa de mineração? (ISA, 2000).

Na matéria cito Melissa Volpato Curi (Aspectos legais da mineração em terras indígenas): 

"Segundo Santilli (1993), a lei regulamentadora deve fixar um percentual mínimo do faturamento mineral a que terá direito a comunidade indígena, estabelecer as regras para a celebração de contrato com a empresa mineradora e mecanismos para a sua fiscalização. Quanto mais detalhada e específica for a lei, menor será a possibilidade de fraude e burla à Constituição, em prejuízo das comunidades indígenas. Os indígenas deverão ter, ainda, em todas as fases da negociação do contrato, a assistência do Ministério Público Federal (ao qual compete defender os O Estudo de Impacto Ambiental-EIA/Rima, é obrigatório para toda e qualquer atividade com potencial de gerar danos sócio-ambientais, portanto, faz-se necessário que ocorra antes da realização de uma atividade minerária em terra indígena. Entretanto, apesar da necessidade e obrigatoriedade, o Projeto de Lei do senador Romero Jucá não estabelece esta exigência. O EIA, para qualquer projeto de pesquisa ou lavra mineral em terra indígena, é absolutamente essencial, já que as comunidades indígenas dependem do equilíbrio ecológico de suas terras para sobreviverem, na medida que constituem base de seu habitat. Esse estudo deve observar as diretrizes estabelecidas em lei e demais regulamentos, entre elas a de “contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização No caso da mineração em terras indígenas, isto significa que será de inteira conveniência que a equipe multidisciplinar aponte as outras reservas conhecidas e exploráveis da mesma substância mineral localizadas em outras partes do país, fornecendo assim alternativas de localização do projeto que não impliquem submeter comunidades indígenas ao enorme impacto gerado pela mineração em suas terras. Não há porque submetê-las a esse impacto quando há reservas conhecidas e exploráveis da mesma substância mineral em outras partes do país, suficientes para o atendimento das necessidades nacionais. Não há que se olvidar que o Estudo de Impacto Ambiental deve avaliar, além dos impactos ambientais, a distribuição do ônus e benefícios sociais do projeto, bem como os impactos sobre os segmentos sociais que suportarão a atividade."

Em 1996, o Senado aprovou projeto do então senador Romero Jucá (MDB-RR), cuja família tem interesse na exploração em terras ianomâmis. O projeto se arrasta na Câmara. Em 2004, foi criado grupo de trabalho após massacre na terra indígena Roosevelt (RO), sem resultado prático. Em 2018, uma comissão especial foi formada. Um substitutivo relatado pelo deputado Édio Lopes (PL-RR) obteve o acordo de vários setores, mas não foi votado.

Assim, antes da autorização da atividade minerária em terra indígena, o Congresso Nacional deve estar bem informado sobre a real necessidade de exploração de tal reserva para o atendimento das demandas do país. Desta forma, poderá haver um discernimento entre as reservas minerais consideradas indispensáveis para o desenvolvimento econômico da região e/ou país, e aquelas que são alvo, única e exclusivamente, do imediatismo e ganância.

A permissão da mineração em terras indígenas é “um projeto fascista e neocolonialista”. “A ditadura militar [1964-1985] tentou isso. Parece que estamos vivendo de novo os anos 70 e 80.

Em síntese, como se disse, segundo o texto constitucional, “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas”.

A Constituição diz ainda que “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras (…) ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”.

Há, de há muito, interesses estrangeiros naquela região.

A empresa canadense Belo Sun Mining pretendia construir a maior mina de ouro do Brasil na Amazônia, mas no ano passado teve a licença suspensa quando a Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmou que a empresa não havia realizado os estudos necessários. A Potássio do Brasil, um projeto de US$ 2 bilhões, tem quase uma década e sofreu diversos atrasos, segundo o presidente da empresa, Hélio Diniz.

A matéria é de grave importância, portanto.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Medidas a adotar no caso de mineração em área indígena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5940, 6 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76984. Acesso em: 29 mar. 2024.

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