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Cláusula de hardship em contratos de compra e venda internacional.

Aplicação em cenários de extrema variação de taxas cambiais

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20/11/2019 às 08:40
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2.         EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL E A CLÁUSULA DE HARDSHIP

2.1       Cláusula de Hardship como Instrumento de Equilíbrio Econômico Financeiro dos Contratos de Compra e Venda Internacional

2.1.1    Cláusula de Hardship: Conceito e Objetivo

Os Princípios UNIDROIT de 2010, já anteriormente mencionados, definem hardship da seguinte forma:

Artigo 6.2.2 (Definição de Hardship)

Existe hardship quando sobrevêm eventos que alteram fundamentalmente o equilíbrio do contrato, seja devido ao aumento do custo do cumprimento por uma das partes ou porque o valor que uma das partes recebe pelo cumprimento da outra parte se reduz, e

  1. Os eventos ocorrem ou se tornam conhecidos da parte prejudicada apenas após a conclusão do contrato;
  2. Os eventos não poderiam ter sido levados em consideração pela parte em desvantagem no momento da conclusão do contrato;
  3. Os eventos escapam ao controle da parte em desvantagem; e
  4. O risco dos eventos não foi assumido pela parte em desvantagem.

A cláusula de hardship surgiu no âmbito dos contratos internacionais

Ao celebrar um Contrato de Compra e Venda Internacional as Partes, cientes do risco inerente à operação, se valem de cláusulas de escape, as quais preveem a renegociação dos Contratos caso uma situação superveniente e inesperada ocorra, onerando sobremaneira uma das Partes ou ambos os contratantes.

Tem-se que hardship é a situação em que os fatores externos à negociação (políticos, econômicos, financeiros, etc.) vigentes na época de sua celebração se alteram causando um dano ou desequilíbrio a uma das Partes contratantes.

Rompendo com o princípio do “pacta sunt servanda”[33] e caminhando ao lado do princípio do “rebus sic standibus”[34], o direito contratual internacional entende que, concretizada uma situação imprevista e superveniente o Contrato deverá ser revisto e readaptado à nova realidade socioeconômica ou política dos entes contratantes, sendo necessária a revisão dos contratos.

Na seara dos contratos internacionais, tendo em vista a grande volatilidade das obrigações pactuadas entre as Partes e as inúmeras hipóteses de variações mercadológicas, as Partes contratantes vislumbraram a necessidade de salvaguardar a conservação do contrato por meio da sua readaptação, inserindo nestes instrumentos cláusulas exonerativas de responsabilidade, as quais decorrem da impossibilidade de cumprimento do Contrato do modo previamente ajustado[35].

A cláusula de hardship não tem como intuito suprimir a vontade das partes no momento de celebração do contrato, mas sim viabilizar sua execução mesmo quando da ocorrência de fato superveniente imprevisível, inevitável e externo à negociação, salvando-o de uma possível rescisão arbitrária e/ou prematura.

Cumpre informar também que não se confundem as cláusulas contratuais de força maior e de hardship. Conforme ensinamento de José Cretella Neto[36], ambas as cláusulas são aplicáveis quando eventos imprevisíveis, inevitáveis e externos afetam o equilíbrio contratual. No entanto, embora derivem das mesmas circunstâncias, será o caso de força maior quando tais eventos sejam de tal ordem a tornar o Contrato impossível de ser executado, permanente ou temporariamente, enquanto que a hardship se concretiza quando tais eventos não impossibilitem a execução do contrato, mas o torne excessivamente oneroso para uma das Partes, ou até mesmo sem utilidade para essa, podendo, contudo, ser executado em um patamar econômico deveras superior.

Também não se confundem as cláusulas de hardship a as cláusulas de correção monetária. Embora ambas sejam aplicáveis quando da modificação das circunstâncias econômicas existentes no momento de celebração do contrato por fatores externos, enquanto a primeira espécie visa a renegociação do contrato internacional diante de uma variação econômica futura e imprevisível, a segunda se aplica à eventos previsíveis, já mensurados quando da elaboração do contrato, e são aplicadas de maneira automática, sem necessidade de intervenção do judiciário[37].

O jurista Luiz Olavo Batista[38] considera que o objetivo da cláusula de hardship é a revisão do Contrato, ou sua rescisão, caso impossível a continuidade de sua execução. Neste ponto, ele entende que a forma de revisão dos contratos terá como base critérios subjetivos e objetivos, os quais visam trazer ao contrato o equilíbrio existente no momento de sua celebração[39].

Bruno Oppetit[40] entende a cláusula de hardship como um instrumento elaborado e genérico para adaptação de um contrato internacional ao novo cenário, o que gera questionamentos de ordem jurídica.

Já René Rodiere[41] entende que existem dois tipos de cláusula de readaptação, sendo a primeira executável automaticamente, sem necessidade de renegociação do contrato, e a segunda a cláusula de hardship, a qual exige a renegociação dos termos do Contrato.

Sendo assim, as cláusulas de hardship têm como característica sua generalidade, diferenciando-se das demais cláusulas de readaptação dos contratos que preveem circunstâncias pontais para sua utilização, de modo que quando presente qualquer circunstância superveniente, externa, imprevisível e inevitável, as partes possam fazer uso deste instrumento, com intuito de conservar o contrato readaptando sua execução ao novo cenário.

2.2       Readaptação dos Contratos de Compra e Venda Internacional e a cláusula de Hardship

As cláusulas de hardship são utilizadas nos contratos de compra e venda internacional como mecanismo de readaptação destes quando da ocorrência de eventos supervenientes e imprevisíveis, com o objetivo de que o contrato se torne novamente equilibrado e justo para ambos contratantes.

Nos contratos internacionais é comum que as cláusulas de hardship coexistam com cláusulas demais cláusulas de readaptação, não sendo correta a afirmação de que elas se anulam. Isso porque, como já visto, cada cláusula tem o momento correto para sua aplicação, sendo certo que as cláusulas de hardship se operam perante circunstâncias imprevistas que causam o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos em questão, enquanto as demais são aplicáveis perante a ocorrência de eventos já previstos contratualmente[42].

Para sua utilização é imprescindível que as partes contratantes demonstrem o interesse em renegociar o ponto de desequilíbrio do contrato, visto que essas cláusulas não são de execução automática. Ademais, para que sejam utilizadas é necessário que ocorra mudança significativa no resultado que se era esperado do Contrato, ou seja, que seu resultado seja fundamentalmente diferente daquele que as partes esperavam quando de sua celebração.

A motivação para que uma das partes contratantes invoque a aplicação da cláusula de hardship é o prejuízo a ela causado em decorrência do desequilíbrio econômico-financeiro causado no contrato. A doutrina classifica como prejuízo um dano econômico exagerado, desproporcional e prejudicial para os interesses de uma das partes contratantes[43].

Assim que constatado que houve desequilíbrio econômico-financeiro, causando prejuízo a uma das partes (circunstância constitutiva de hardship), essas deverão iniciar as tratativas de renegociação do contrato, visando sua adaptação às novas circunstâncias. É comum que as cláusulas de hardship tragam em sua redação prazos para que a parte prejudicada advirta a outra parte acerca da circunstância de hardship, de forma que não cumprido este prazo será entendido que ela aceita que o contrato seja executado da forma que se encontra, sendo suprimido seu direito à renegociação das condições.

É importante que as cláusulas de hardship tragam, em sua redação, a forma com a qual a readaptação do Contrato irá ocorrer, descrevendo ao máximo o procedimento de que será utilizado quando instaurada sua renegociação. A doutrina propõe que as cláusulas de hardship devem prever se o contrato ficará suspenso ou terá sua execução continuada durante sua renegociação. Neste sentido René Rodiere[44] defende, amparado pela jurisprudência de alguns países, que o contrato deverá continuar sendo executado durante a sua negociação. Por outro lado, as partes podem estipular que o contrato seja suspenso até solução do conflito, ou então que tenha alguns de seus efeitos suspensos.

Uma vez detectada a ocorrência de hardship e invocada a aplicação da cláusula como mecanismo de readaptação do Contrato, as partes deverão iniciar as tratativas de acordo. No entanto, caso a parte não prejudicada se recuse a renegociar as condições do Contrato, os contratantes deverão solicitar a intervenção de árbitros ou do sistema judicial para resolução do conflito. A recusa da parte em renegociar o contrato constitui falta contratual, podendo ser usado como argumento pela parte prejudicada para a resilição do Contrato[45].

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As cláusulas de hardship são então instrumentos que permitem que as partes contratantes tenham segurança nas contratações internacionais, visto que estas permitem a readaptação dos Contratos sempre que eventos externos, imprevisíveis e supervenientes ocorram, afetando o equilíbrio econômico-financeiro do Contrato, acarretando à um dos contratantes um prejuízo de tal sorte que a continuidade de execução do Contrato, nos termos e condições em que se encontra, se tornam deveras inviável, impedindo, dessa maneira, a resilição do Contrato.


CONCLUSÃO

À luz dos princípios gerais do contrato, este faz lei entre as partes contratantes, devendo ser levado até seu termo final nas condições pactuadas (pacta sunt servanda).

Contudo, no cenário atual de globalização, e considerando a universalidade dos Contratos de Compra e Venda Internacional, a imutabilidade contratual, que tem como objetivo a preservação do negócio jurídico, passa a ser prejudicial para as partes, vez que aniquila qualquer possibilidade de flexibilização das cláusulas para adaptação dos Contratos a novos cenários econômicos que possam surgir ao longo de sua execução.

Para garantir a flexibilização dos Contratos em circunstâncias imprevisíveis, externas e supervenientes, faz-se o uso das cláusulas de hardship, as quais tem como escopo a readaptação do contrato ao novo cenário econômico-financeiro, por meio da renegociação das condições contratuais pré estipuladas.

Note que, conforme abordado no texto, a cláusula de hardship não se confunde com a cláusula de força maior. Essa última é aplicável quando a circunstância externa, superveniente e imprevisível é de ordem que se torna impossível a continuidade da execução do contrato. Enquanto que a cláusula de hardship se aplica quando o evento externo, superveniente e imprevisível torna o contrato excessivamente oneroso para uma das partes, mas não impossível de ser executado.

A adaptação do contrato por meio da aplicação da cláusula de hardship é, sem dúvida, mais vantajosa para as partes, vez que viabiliza a continuidade de execução do contrato, ao passo que evita a recisão contratual, bem como eventuais custos à ela inerentes, como multas por resilição unilateral do contrato, pagamento de indenizações ou discussões judiciais que acarretam o desgaste da imagem das empresas perante o mercado.

Considerando que os Contratos são celebrados entre as partes visando a mútua contribuição entre estas, as cláusulas que preveem a adaptação do contrato se pautam no dever de cooperação das partes, decorrente do princípio da boa-fé contratual.

Decorre do trabalho ora apresentado questão que não foi respondida por este, por não ser objeto central do estudo, a qual trata da interpretação das circunstâncias externas, supervenientes e imprevisíveis que dão azo à aplicação das cláusulas de hardship, e qual interpretação jurisprudencial internacional acerca do tema.

Conclui-se, portanto, que as cláusulas de hardship são de extrema importância e difundida aplicabilidade no âmbito dos Contratos de Compra e Venda Internacionais, tendo em vista que tais contratos carecem de maior flexibilização em decorrência de estarem inseridos em ambiente globalizado, passível de variações de cunho econômico–financeiro, as quais afetam as condições originais dos Contratos.

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Sobre a autora
Graziela Toledo

Advogada empresarial, com atuação em direito contratual e societário e experiência com venture capital e private equity em Startups.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO, Graziela. Cláusula de hardship em contratos de compra e venda internacional.: Aplicação em cenários de extrema variação de taxas cambiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5985, 20 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77750. Acesso em: 22 dez. 2024.

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