INTRODUÇÃO
A Lei de Terras, como ficou conhecida a Lei 601, de 18 de setembro de 1850, certamente está entre as mais importantes legislações brasileiras do século XIX. Sua idealização visava à regularização fundiária, à reforma agrária - segundo alguns autores, como James Holston (2013, p.178-180) - além de também significar uma política para o financiamento da vinda de colonos estrangeiros para servirem de mão-de-obra na agricultura brasileira, que sentia os impactos do combate ao tráfico internacional de escravos, no século XIX.
Entretanto, como será demonstrado, a referida Lei não gerou os efeitos esperados, e sim, concentração de terras e insegurança jurídica, cenário que favoreceu, e muito, a grilagem de terras públicas. Esta concentração ainda é refletida nos dias de hoje, mostrando que a politica fundiária brasileira nunca conseguiu alcançar resultados de justiça social e equidade, seja por má-vontade, seja por falta de capacidade técnica.
De início, importante contextualizar a situação do Brasil na primeira metade do século XIX, principalmente quanto a economia, a situação fundiária e a política. Durante aquele século, o Brasil passou por três regimes diferentes: colônia, Império e República. Da transição do primeiro para o segundo regime, a concessão das sesmarias - meio clássico de aquisição da propriedade imóvel, até então - houvera sido suspensa, surgindo a necessidade de que nova Lei regulasse os aspectos fundiários e a transição para um novo e moderno conceito de propriedade de terras, transformando esta em uma mercadoria.
Além deste problema, outra questão afligia o país, e, principalmente, o seus meios de produção: o combate ao tráfico internacional de escravos, liderado pela Inglaterra, então maior potência do mundo e aliada de Portugal e do Brasil. Este fato levou a uma redução da mão-de-obra escrava, a principal utilizada na lavoura nacional, surgindo, assim, a necessidade de que nova solução para esse problema fosse encontrada. Assim, foi proposto o incentivo à vinda de colonos estrangeiros para o país.
Estas duas questões citadas acima foram os principais focos de ação da Lei de Terras.
Para realização do presente estudo, foi feita uma revisão bibliográfica de livros, artigos e outros meios de produção científica acerca do tema. Em seguida, foi realizada uma análise dedutiva do conteúdo extraído da bibliografia.
1 - CONTEXTO HISTÓRICO
Faz-se necessário, de início, uma breve contextualização da situação brasileira acerca dos dois principais focos da Lei de Terras: estimulo e financiamento da imigração estrangeira para ocupar o território e servir de mão-de-obra para a lavoura brasileira, especialmente a de café; e a regularização e venda de terras no país.
– A DECADÊNCIA DA MÃO DE OBRA ESCRAVA
De acordo com Caio Prado Jr. (1981, p.136-137), durante a primeira metade do século XIX, o Brasil viveu um período de intensa transição em sua produção econômica e ordem política.
A vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil, em decorrência da ameaça napoleônica, e a seguida abertura dos portos brasileiros às nações amigas representaram importantes fatores de aceleração destas mudanças, pois, com Portugal invadido pelos franceses, a colônia tomava ares de moradia definitiva da Corte Portuguesa, tendo de suprir as necessidades e perspectivas desta elite, que, ao mesmo tempo, acabava por ser influenciada pelas práticas e cultura locais.
A invasão napoleônica aproxima mais ainda Portugal e Inglaterra, antigos aliados, que fecham vários acordos internacionais no início do século XIX, entre eles um de proteção à família real portuguesa; um de privilégio aduaneiro para Inglaterra e outro de redução de taxas de importação de produtos ingleses para o Brasil, produtos estes que seriam taxados em valor inferior, inclusive, aos produtos portugueses, fato que, segundo Celso Furtado (2005, p.126-129), juntamente com a baixa nos valores dos produtos exportados pelo país, levaria a um desequilíbrio em sua balança financeira.
Neste ponto, importante ressaltar que, no início do século XIX, as lavouras de açúcar, algodão e tabaco entram em franco declínio devido tanto a fatores externos, como a concorrência internacional, quanto a problemas internos, especialmente a técnica rudimentar empregada na agricultura brasileira, geradora de baixa produtividade.
Durante este período, o café, cultivado no centro-sul brasileiro, torna-se um produto supervalorizado internacionalmente, movendo o eixo da produção econômica nacional do norte para o sul. Caio Prado Júnior (1981, p.) afirma que nos segundo e terceiro decênio após a independência brasileira, ocorrida em 1822, aquele produto representava cerca de 40% de todas as exportações nacionais, gerando grandes riquezas e incentivos para aumento da produção.
Interessante notar que, apesar de serem bem diferentes, a cafeicultura e a cultura canavieira apresentavam similaridades. Celso Furtado (2005, p.135), ao comparar estas duas lavouras, afirma que em ambas havia a intensa utilização da mão de obra escrava, entretanto, a cultura cafeeira tinha um custo de produção mais baixo, seu equipamento de produção era mais simples e, geralmente, de fabricação local, de forma que apenas uma alta excessiva no custo da mão de obra poderia causar prejuízos relevantes a ela, ainda que o preço externo do produto não estivesse em crescimento (como de fato ocorreu durante a primeira metade do século XIX).
Entretanto, a mão de obra escrava utilizada na lavoura brasileira começava a sofrer impactos devidos a restrições internacionais ao tráfico negreiro.
Durante a primeira metade do século XIX, o Reino Unido fez uma intensa campanha para o fim do tráfico de escravos no mundo ocidental, usando de todos os métodos possíveis, principalmente de sua influência econômica e militar, impondo a vários países sua visão deste problema.
Apesar de ter realizado intenso tráfico negreiro no século XVIII, o Reino Unido extinguiu este comércio para todo seu império no ano de 1807, tornando-se, então, de acordo com Caio Prado Jr. (1981, p.150), “o paladino internacional de luta contra ele”, exercendo forte pressão para que o comércio internacional de escravos fosse extinto no mundo, sendo o Brasil um dos grandes focos desta constrição.
Em 1810, Brasil e Reino Unido firmaram o Tratado da Aliança e Amizade, o qual previa, entre outros assuntos, a gradativa extinção do tráfico negreiro por parte daquele país, limitando o comércio de escravos aos domínios portugueses (Portugal só poderia adquirir escravos de suas colônias africanas). Em 1826, outro acordo internacional é assinado entre os dois países, no qual havia a previsão do Brasil abolir o comércio de escravos em três anos, contados da data da ratificação (que ocorreu em 13 de março de 1827).
Segundo Cláudia Christina Machado e Silva (2006, p.18), esses tratados, assinados basicamente por pressão da Inglaterra, geraram indignação (motivada, em sua maioria, por interesses escravagistas) em boa parte dos deputados, sob o argumento de que eles afetavam a soberania do Império, e este é quem deveria decidir se continuaria ou não com o tráfico de escravos.
As pressões britânicas, no entanto, levaram o Brasil a editar a chamada Lei Feijó (homenagem ao então Ministro da Justiça, Diogo Antônio Feijó), publicada em 7 de novembro de 1831, a qual declarava “livres todos os escravos vindos de fôra do Imperio, e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos”.
Esta lei, entretanto, nunca foi realmente cumprida pelo Império Brasileiro, não tendo, na prática, qualquer efetividade, surgindo, daí, a expressão “para inglês ver”.
Caio Prado Júnior (1981, p.155) afirma que a falta de efetividade da Lei Feijó foi devida, principalmente, ao fator político, pois Dom Pedro I abdicou do trono em 1831, justamente o ano de edição deste instrumento normativo, passando o império para seu filho, que, por ser menor de idade à época, não pôde governar diretamente, mas por uma “regência tirada do seio das classes que representavam o maior baluarte oposto a qualquer medida que afetasse a escravidão: os proprietários e senhores rurais”.
Ou seja, essa elite escravagista protelou o quanto pôde a manutenção da mão de obra escrava para dar vazão ao meio de produção clássico utilizado nas lavouras brasileiras. A pressão britânica para o fim do tráfico, porém, aumentaria cada vez mais.
Beatriz G. Mamigonian (2017, p.119) afirma que, na década de 1840, o Reino Unido, devido à falta de eficácia das medidas anteriores em reduzir o comércio de africanos, começa a combater mais fortemente o tráfico para o Brasil, levando as embarcações com escravos “a julgamento em seus próprios tribunais, sob acusação de pirataria”.
Todos esses fatos levaram a elevação do valor dos escravos, principais trabalhadores nos meios de produção econômica nacional. O centro-sul, mais rico, conseguia trazer escravos de regiões onde a produção era decadente (norte-nordeste) para dar continuidade à expansão da cafeicultura, gerando uma maior crise nas lavouras daquelas áreas.
Celso Furtado (2005, p.140), entretanto, afirma que, provavelmente, durante o século XIX, a população de escravos no Brasil estava em decadência, sendo três os fatores principais: combate ao tráfico internacional pelo Reino Unido, condições de vida extremamente precárias e a “intensificação da mão de obra e portanto um desgaste ainda maior da população escrava”, levando a morte precoce de vários escravos.
Segundo Celso Furtado (2005, p.143), o problema de defasagem de mão-de-obra era tão grande no Brasil que o Visconde de Mauá pensou em trazer trabalhadores asiáticos para trabalharem em regime de semisservidão, nos moldes do que ocorria nas índias Ocidentais holandesas e Inglesas.
Entretanto, o modelo adotado para a substituição, gradativa, do trabalho escravo foi o de estímulo à imigração europeia, especialmente de países como Itália, Alemanha, Polônia, etc..
Esta mão-de-obra estrangeira, apesar de presente no país há algum tempo (notoriamente na presença de trabalhadores portugueses da região do Minho), passava longe de ser dominante. Além disso, a maior parte desses migrantes vinha de maneira espontânea para o país, e não através de políticas públicas.
O governo brasileiro tentou, à época, inúmeras políticas de incentivo para imigrantes europeus. Da mesma forma, a iniciativa privada também não conseguia atrair muitos estrangeiros para o Brasil, como foi o caso do regime de parcerias.
Segundo José Sacchetta Ramos Mendes (2009, p. 174-175), foi estabelecido, no Brasil, um regime de parcerias onde o imigrante trabalharia em terras de latifundiários em troca de participação no lucro da produção deste, podendo haver cessão de parceiros para outros latifúndios mesmo sem a vontade daqueles, havendo também a convivência de imigrantes e escravos cativos na feitura do mesmo trabalho nas lavouras, o que gerava tensões entre colonos-parceiros e latifundiários.
Ocorre que esse sistema de parcerias, na maior parte das vezes, gerava endividamento e insatisfação por parte dos imigrantes, pois não recebiam um salário fixo e faziam dívidas com os grandes latifundiários donos das plantações, devido ao fato de terem de consumir os produtos e moradia oferecidos por estes, algo parecido com o instituto do truck system. Além disso, muitos imigrantes eram maltratados e este fato chegava ao conhecimento de várias nações europeias, gerando desestímulo a imigração.
Tanto o Brasil colônia quanto o Império não conseguiam elaborar politicas eficazes de incentivo a imigração, havendo dificuldades de financiamento para a vinda de imigrantes. Este foi um dos focos da Lei das Terras: trazer mão de obra imigrante para a lavoura nacional e para colonização do país.
A QUESTÃO DA TERRA NO BRASIL.
Durante todo o período do Brasil-colônia, a terra era uma concessão pública, na qual a Coroa Portuguesa concedia o direito ao bem imóvel para quem entendesse ser merecedor e/ou capaz de cultivá-lo. Era o conhecido regime das sesmarias.
De acordo com Laura Beck Varela (2005, p.73), o caráter público é o principal pressuposto para entender a propriedade sesmarial no Brasil. As terras pertenciam de direito à Coroa, e estavam, de acordo com Ruy Cirne Lima (1990, p35), sob a jurisdição eclesiástica da Ordem de Cristo.
Não havia, assim, segundo Laura Beck Varela (2005, p.72-74), propriedade como um direito absoluto, mas uma transposição/tradução, adaptada a realidade brasileira, do que ocorria no regime das sesmarias em Portugal.
Este regime surge logo no início da colonização do país, conforme afirma Ruy Cirne Lima (1990, p.37), pois já nas cartas de doações das capitanias hereditárias havia a previsão dos donatários concederem terras a terceiros.
Desta forma, Laura Beck Varela (2005, p.74) diz que foi através dos institutos das sesmarias, legitimação das posses e das datas de terras que “a propriedade pública gradativamente passou às mãos dos colonizadores particulares”. A referida autora diferencia (2005, p.74), ainda, as sesmarias das datas de terra, sendo essas últimas concedidas por comandantes militares, e tinham extensão, geralmente, não superior a meia légua quadrada, enquanto as sesmarias eram concedidas pelos “governadores das capitanias e vice-reis do Brasil”.
As sesmarias eram concedidas a pessoas influentes, de preferência com muitas posses, principalmente de escravos (pois a mão-de-obra para trabalhar o terreno tinha mais valor econômico que a terra em si), e que pudessem cultivar a terra. Conforme afirma Ruy Cirne Lima (1990, p. 39-40), as primeiras concessões continham um princípio estranho ao direito português, no sentido de que as terras seriam cedidas para a criação de engenhos para cultivo de cana de açúcar, onde deveriam ser construídas fortificações para defesa da área.
Essa obrigação de cultivo foi uma das principais características do regime das sesmarias no Brasil, apesar da fiscalização ter sido falha quanto a esse requisito (vindo a melhorar após a chegada da Família Real Portuguesa), até mesmo por falta de material humano adequado para tanto.
Laura Beck Varela (2005, p.93-96) expõe que houve, por bastante tempo, limitação legal da extensão das sesmarias, variando essa metragem de acordo com a época, mas, a partir de 1753, ficou definido a extensão máxima de 3 (três) léguas para a concessão de terras. Apesar disto, não raro eram os casos de concessões de áreas maiores que o limite estabelecido, fato que decorria, segundo a citada autora (2005, 93-96), de favores políticos ou quando a capacidade de produção do latifundiário era muito grande. Ruy Cirne Lima (1990, p. 39-40), então, conclui que a concessão de sesmarias, geralmente, beneficiava pretendentes que “afeitos ao poder, ou ávidos de domínios territoriais, jamais, no entanto, poderiam apoderar-se materialmente das terras que desejavam para si”.
Lima (1990, p. 39) afirma que havia um “espírito latifundiário” na concessão de sesmarias no Brasil, no sentido de ser essa a intenção da lei: concentrar terras nas mãos de poucos. Entretanto, confrontando essa ideia, Laura Beck Varela (2005, p.86-90) afirma que este fato decorria mais da própria dinâmica do sistema colonial, pois a lavoura (em esquema de plantation) precisava de grande quantidade de terra inculta para expansão, para a extração de matéria prima, de lenha, cultivo de gêneros alimentícios, etc., sendo o latifúndio, com grande parcela de terra não cultivada, uma exigência de funcionamento deste tipo de sistema de produção e, disto, decorria outra característica das sesmarias, que era a falta de precisão de seus limites.
Fato é que, por intenção ou não, esse regime gerou concentração de terras nas mãos de poucas pessoas, que, em sua grande maioria, tinham muitas posses e influência junto aos líderes políticos do Brasil Colônia.
Segundo Ruy Cirne Lima (1990, p.47-48), já no início do século XIX o regime das sesmarias apresentava grandes problemas, entre eles os referentes à confusa legislação, problemas demarcatórios e registrais (geradores de imensos conflitos entre particulares, pois uma concessão, não raramente, abarcava área anteriormente concedida à outra pessoa), exigências excessivas por parte da Coroa (fato que levava muitos sesmeiros a abandonarem suas concessões ou continuarem com a terra de forma irregular), e a falta de uma efetiva ocupação do território nacional.
Esse regime perdurou até 1822, quando, após a independência brasileira, por ato do príncipe regente Dom Pedro I, em 17 de julho, foram suspensas todas as concessões de sesmarias.
Tinha, então, início um longo período - que duraria até 1850 - onde o único meio de aquisição da terra, de ter o domínio desta, seria pela posse.
Esse acesso a terra pela posse não era algo novo no Brasil, segundo José Luiz Cavalcante (2005, online), pois remonta o início do período colonial, passando, entretanto, a ter maior representatividade durante o século XVIII. Tratava-se, então, de um costume contra legem, pois a única forma legal de adquirir domínio de terras no país, até então, era por concessão da Coroa Portuguesa.
Ruy Cirne Lima (1990, p.51) afirma que, pelo menos no início do período das posses, a ocupação era um “triunfo do colono humilde, do rústico desamparado, sobre o senhor de engenhos ou fazenda”, pois permitia ao colono pobre o acesso à pequena propriedade agrícola. Jacob Gorender (ano, p.385) diz, entretanto, que a posse era “uma via de acesso aberta a grandes e pequenos”, ou seja, tanto o pequeno agricultor quanto o latifundiário poderiam utilizar deste mecanismo para conseguir o domínio da terra.
Lima (1990, p.-52-53) diz que a ocupação, para gerar posse, teria de vir acompanhada pelo cultivo da terra. Este, inclusive, foi o entendimento exarado na provisão de 14 de março de 1822 (anterior, portanto, a Lei de Terras), que, ao determinar a medição e demarcação das sesmarias, previa a prevalência dos posseiros que efetivamente cultivassem a terra sobre as sesmarias posteriormente concedidas após a ocupação daqueles.
Este era o quadro geral existente no Brasil na primeira metade do século XIX. O aumento do número de posseiros, incluindo entre eles grandes latifundiários recebedores de sesmarias, mas sem a capacidade de cumprir os requisitos legais para manter a concessão, e a ausência de demarcações regulares nas terras (o que muitas vezes era de interesse dos próprios posseiros ou sesmeiros, para que pudessem ampliar os seus domínios) levaram a um quadro de crescimento de conflitos por terra e de incerteza jurídica.
Ao analisar esse contexto, Laura Beck Varela (2005, p.116-118) afirma que a situação fundiária brasileira, à época, era complexa, havendo sesmarias completamente regularizadas; outras irregulares, por falta de cumprimento de requisitos dos sesmeiros; terrenos, tanto de pequena quanto de grande extensão, ocupados só por posse; e um grande número de terras devolutas do império, ou seja, sem ocupação.
Visando regular essas situações é que surge a Lei de Terras, de 1850, mas não sem antes passar por intenso debate legislativo.
– O NASCIMENTO DA LEI DE TERRAS
O projeto da Lei de Terras nasce, segundo Ruy de Cirne Lima (1990, p. 63), em 1842, quando o Governo Imperial requisitou a feitura de uma proposta de reforma legislativa sobre imigração e sesmarias à Secção dos Negócios do Império do Conselho de Estado.
Em 8 de agosto de 1842, o referido projeto, assinado por Bernardo Pereira de Vasconcellos e José Cesário de Miranda Ribeiro, foi apresentado à Secção, subindo para o Pleno do Conselho de Estado (onde ocorria a fase preparatória antes do envio da lei ao Legislativo), onde, de acordo com Ruy Cirne Lima (1990, p.63), foi amplamente discutido entre setembro e novembro daquele ano, não alcançando, entretanto, “qualquer resultado definitivo”.
O projeto é finalmente apresentado, em 10 de junho de 1843, à Câmara dos Deputados por Joaquim José Rodrigues Torres. Esteprotótipo, à época, tinha 29 artigos, contando, entre eles, com a previsão do modo de aquisição de terras, penalidades, utilização do produto da venda de terras para demarcação e vinda de imigrantes; e cobrança de imposto sob terrenos cultos e incultos, penalizando os inadimplentes há mais de 3 anos em pena de perda da terra.
De acordo com Claudia Christina Machado e Silva (2006, p.28-29), os autores do projeto decidiram apresentar uma proposta conjunta, pois entendiam quesesmarias e imigração eram assuntos conexos, sendo o principal objetivo da proposta trazer mão-de-obra livre para o país, devido a intensa repressão externa ao tráfico internacional de escravos. No entanto, continua a mencionada autora (2006, p.29), estas justificativas foram alteradas quando o projeto foi para a Assembleia Geral, “onde enfatizou-se primeiro a necessidade de regularizar a propriedade territorial, assegurando os direitos dos sesmeiros e posseiros”.
Claudia Christina Machado e Silva (2006, p.45) afirma que os discursos feitos na Câmara, em sua maioria, denotavam a intenção de restringir o acesso a terra, a priori, aos imigrantes, pois eles deveriam, primeiramente,“trabalhar para os proprietários já estabelecidos”. A preocupação principal da maioria dos membros desta casa legislativa era, assim, garantir mão-de-obra para a lavoura nacional, para isso, deveria haver um encarecimento do preço da terra.
Este fato, segundo Emilia Viotti da Costa (1998, p.176-177), caracterizava a influência das teorias de Edward Gibbon Wakefield (economista britânico que participou dos debates acerca da colonização da Austrália e Nova Zelândia) na elaboração do projeto da Lei de Terras, pois, segundo ele, em uma localidade onde o acesso a terra fosse fácil, seria difícil conseguir mão de obra livre para trabalhar em lavouras. Portanto, as terras deveriam ser alienadas por um preço relativamente elevado, para que os recém-chegados imigrantes não conseguissem de imediato adquirir um terreno próprio. Segundo a mencionada autora (1998, p.178-179), houve certa oposição à ideia de venda de terras por preço elevado para colonos, pois isto dificultaria a colonização de um país com vasta quantidade de terras desocupadas, de modo que as ideias de Wakefield não fariam sentido nesta situação, sendo preferível um sistema de doação de terrenos para estimular a vinda de imigrantes (coisa que os EUA fariam com os Homestead Act, de 1862, onde era garantida terra gratuita para colonos imigrantes).
Outra questão intensamente debatida na Câmara foi a da necessidade de medição das terras, fato extremamente importante para a que a lei atingisse objetivos concretos. Sem a medição, o Governo não saberia exatamente o tamanho de suas terras e não teria como diferenciar muitas delas de terras particulares, dificultando sua venda. Claudia Christina Machado e Silva (2006, p.66-67) afirma que houve intensa rejeição a proposta de medição por dois principais motivos: a) quem pagaria pela medição seria o próprio sesmeiro ou posseiro do terreno; b) a possibilidade de haver uma limitação dotamanho das propriedades, o que irritava boa parte dos parlamentares, mas estes, segundo Emília Viotti da Costa (1998, p180), não foram capazes de retirar essa limitação completamente.
Ponto polêmico, de discussão acirrada, foi o artigo do projeto que previa a criação de dois impostos: um de chancelaria e um territorial, que também seria utilizado para trazer imigrantes. Entretanto, apesar da insatisfação, Claudia Christina Machado e Silva (2006, p.84-85) afirma que os impostos foram mantidos no projeto após haver uma pequena diminuição em seus valores.
O projeto, então, sem sofrer grandes modificações, foi enviado para o Senado em outubro de 1843, onde sua discussão só foi retomada no começo de 1845. Claudia Christina Machado e Silva (2006, p.89-93) afirma que muitos atrasos ocorreram no Senado em decorrência do chamado “Período liberal”, no qual os liberais dominaram o Senado Brasileiro. Eles não tinham tanto interesse na análise e aprovação desta lei, pois, em sua maioria, eram de proprietários mineiros e paulistas, que, por não terem ainda cafezais muito desenvolvidos, não tinham tanta necessidade de aumento de mão de obra em suas fazendas. As discursões são retomadas em 1848, quando os conservadores retornam ao poder naquela casa legislativa.
No Senado, o projeto foi bastante questionado quanto à previsão de um imposto territorial. Segundo Claudia Christina Machado e Silva (2006, p.), essa rejeição não era unânime, havendo vozes a favor e contra, mas foi decidido que a questão deste tributo seria destacada do projeto e votada separadamente. Desta forma, a Lei de Terras foi aprovada no Senado em 23 de agosto de 1850, voltando para a Câmara, onde foi definitivamente aprovado em 18 de setembro de 1850, tornando-se a Lei 601.