Artigo Destaque dos editores

Lei de Terras: do contexto histórico às consequências

Exibindo página 3 de 3
09/01/2020 às 18:10
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

A Lei de Terras foi um instrumento jurídico desenvolvido para trabalhar dois grandes aspectos relevantes para o desenvolvimento nacional do século XIX: a necessidade de mão-de-obra livre para substituir a mão-de-obra escrava, bastante ameaçada por pressões externas da Inglaterra e pelo crescimento do movimento abolicionista nacional (mesmo que este viesse a ter maior força somente nas décadas de 70 e 80 do século XIX), e a regularização fundiária no Brasil, com a demarcação de terrenos e a venda de terras devolutas, cuja renda serviria justamente para financiar a vinda de estrangeiros para trabalharem na agricultura nacional.

Dados os debates legislativos, note-se que, ao adotar um modelo mais próximo ao de Wakefield (onde haveria venda de terras por preço suficiente, e não doação), os legisladores brasileiros visavam a evitar que os imigrantes adquirissem terras rapidamente, basicamente levando-os a trabalhar nas lavouras para grandes latifundiários.

Falha em seus objetivos principais, uma vez que não conseguiu promover a regularização fundiária, tampouco promover, de forma consistente, a vinda de imigrantes para a agricultura nacional, a Lei de Terras serviu para validar várias fraudes, incentivando a grilagem de terras em razão da deficiência fiscalizatória (além do imenso gasto com essa estrutura débil) e a interpretação ambígua de seus dispositivos.

Da mesma forma, como houve pouca regularização e venda de terras, o financiamento da vinda de estrangeiros para lavoura restou prejudicado com a mão de obra escrava prevalecendo por décadas.

Se por um lado a terra, ao virar uma mercadoria, instituiu um regime moderno de propriedade no Brasil, por outro, ajudou a manter a concentração de terras nas mãos das antigas elites, pois – mesmo que em um primeiro momento, como afirmam alguns autores, pequenos posseiros puderam tirar algum benefício deste fato - os imigrantes europeus, em sua maioria pessoas empobrecidas, e os nacionais de pouca renda, via de regra, não tinham os valores requeridos para adquirir imóveis. Já os mais abastados possuíam, além de lastro financeiro suficiente, bastante influência, o que facilitava, inclusive, o cometimento de fraudes para adquirir e incorporar mais terras.

Desta forma, além de falhar em seus principais objetivos, a Lei de Terras potencializou a concentração fundiária, fato até hoje não sanado, como demonstra recente pesquisa realizada pelo Incra, apesar da constante mudança na legislação fundiária brasileira. Talvez a manutenção dos privilégios fundiários nacionais, mesmo com várias alterações legislativas, seja um exemplo daquela velha máxima pregada pelo Princípe Falconeri - personagem do livro O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa – no sentido de que “tudo deve mudar para que tudo fique como está”.  


BIBLIOGRAFIA

Anais da Câmara dos Deputados. 10 de junho de 1843. Rio de Janeiro: 1843.  disponível em : http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=10/6/1843#/. Acesso em 21/05/2018

BITTAR FILHO, Carlos Alberto. A apropriação do Solo no Brasil Colonial e Monárquico: Uma Perspectiva Histórico Jurídica. Revista de Informação Legislativa. Brasilia, 2000. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/637/r148-11.pdf?sequence=4. Acesso em: 24 de maio de 2018

Brasil. INCRA. Sistema Nacional de Cadastro Rural – disponível em: http://www.incra.gov.br/tree/info/file/10018. Acesso em 26 de maio de 2018

BRASIL. Lei de 7 de novembro de 1831. Lei Feijó. Declara livres todos os escravos vindos de fôra do Imperio, e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37659-7-novembro-1831-564776-publicacaooriginal-88704-pl.html acesso em 15 de maio 2018.

BRASIL. Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse mansa e pacífica: e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de Colônias de nacionais, e de estrangeiros, autorizando o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em: 12 de maio de 2018.

CAVALCANTE, José Luiz. A Lei de Terras de 1850 e a Reafirmação do Poder Básico do Estado Sobre a Terra. São Paulo, 2005. online.  Disponível em: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao02/materia02/. Acesso em 14 de maio de 2018.

COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia a República: Momentos Decisivos. 6.ed. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999.

CHRISTILLINO. Cristiano Luís. Litígios ao Sul do Império: a Lei de Terras e a Consolidação Política da Coroa no Rio Grande do Sul (1850-1880). 2010. 353 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2010.

FERREIRA, João Sette Whitaker Ferreira. A Cidade Para poucos: Breve História da Propriedade Urbana no Brasil. In: Simpósio “Interfaces das Representações Urbanas em Tempos de Globalização, 2005. Bauru. Anais...Bauru, 2005. Disponível em: http://www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/j_whitaker/artigos.html. Acesso em: 12 de maio de 2018

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

FONSECA, Ricardo Marcelo. A Lei de Terras e o Advento da Propriedade Moderna no Brasil – in  Anuario Mexicano de Historia del Derecho, ISSN-e 0188-0837, Nº. 17, 2005. Disponivel em: http://gnmp.com.br/arquivos/Editor/file/Artigos/Artigo%20Lei%20de%20Terras%20no%20Brasil.pdf. Acesso em: 17 de maio de 2018.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 32ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

GADELHA, Regina Maria d'Aquino Fonseca. A Lei de Terras (1850) e a Abolição da Escravidão: Capitalismo e Força de Trabalho no Brasil do Séc. XIX. R. História, São Paulo. 120, p. 153-162, jan/jul. 1989.

GORENDER, Jacob. Escravismo Colonial. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1980.

HOLSTON. James. Cidadania Insurgente: Disjunções da Democracia e da Modernidade no Brasil. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1990.

MACHADO E SILVA, Claudia Christina. Escravidão e grande lavoura: o debate parlamentar sobre a lei de terras (1842-1854). 2006. 146f. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.

MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos Livres: A Abolição do Tráfico de Escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

MENDES, José Sacchetta Ramos. DESÍGNIOS DA LEI DE TERRAS: imigração, escravismo e propriedade fundiária no Brasil Império. Caderno CRH, vol. 22, núm. 55, janeiro-abril, 2009, pp. 173-184 Universidade Federal da Bahia Salvador, Brasil. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-49792009000100011&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 15 de maio de 2018.

MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflito e Direito a Terra no Brasil em meados do Século XIX.  Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998.

PRADO JR. Caio. História Econômica do Brasil. 26. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.

SILVA, Marco Antônio Both da. A Lei de Terras de 1850: Lições Sobre os Efeitos e Resultados de Não se Condenar “Uma Quinta Parte da Atual População Agrícola”. Rev. Bras. Hist. vol.35 no.70. Edição on line. São Paulo, 2015. Disponível em : http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882015000200087&lng=pt&tlng=pt. Acesso em 23 de maio de 2018

VARELA, Laura Beck. Das Sesmarias à Propriedade Moderna: Um Estudo de História do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Lucas Campos Jereissati

Advogado. bacharel em direito pela Unifor (Universidade de Fortaleza). Bacharel em jornalismo pela UFC (Universidade Federal do Ceará). Especialista em Direito Processual pela FA7 (Faculdade 7 de Setembro). Mestrando em Ordem Jurídica Constitucional pela UFC (Universidade Federal do Ceará).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JEREISSATI, Lucas Campos. Lei de Terras: do contexto histórico às consequências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6035, 9 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78820. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos