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Possibilidade da exibição de documentos pelo rito da produção antecipada de provas: prática e estratégia

Resumo:


  • No julgamento do REsp 1.803.251/SC, a Terceira Turma do STJ entendeu pelo cabimento da ação autônoma de exibição de documentos com base no CPC/2015.

  • O Ministro Relator Marco Bellize destacou que o CPC de 2015 não altera a possibilidade de ajuizar ação autônoma de exibição de documentos, aplicando o rito comum.

  • A jurisprudência e a doutrina têm debatido sobre a moderna forma de obtenção de provas antecipadas, privilegiando a produção de provas de forma estratégica e econômica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Embora o STJ tenha admitido o ajuizamento de ação autônoma de exibição de documentos, mesmo com o advento do novo CPC, tal posicionamento não é unânime.

No julgamento do REsp 1.803.251/SC, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, entendeu pelo cabimento de ação autônoma de exibição de documentos, com fundamento no artigo 318 e seguintes do CPC/2015.

No voto condutor do referido Recurso Especial, o Ministro Relator Marco Bellize, consignou que: “o advento do Código de Processo Civil de 2015 não altera a compreensão de se afigurar possível o ajuizamento de ação autônoma de exibição de documentos, sob o rito comum, nos termos do artigo 318 do CPC/2015, aplicando-se, no que couber, pela especificidade, o disposto nos arts. 396 e seguintes, que se reportam à exibição de documentos ou coisa incidentalmente[1]”.

Interessante notar que no julgamento deste recurso, houve divergência sobre a matéria, tendo o ministro Paulo de Tarso Sanseverino se pronunciado da seguinte forma:

Sob outra ótica, relembre-se que a ação cautelar de exibição, regulada no CPC/1973, como demanda de massa, passou a ser usada de forma abusiva, mediante o ajuizamento de lides artificialmente forjadas, com o objetivo único de gerar honorários advocatícios em duplicidade ao advogado da parte demandante, ou seja, honorários na ação de exibição e honorários na demanda principal. Talvez seja essa a explicação para o silêncio eloquente do legislador no CPC de 2015 em não regular a exibição de documentos como ação autônoma. Veio efetivamente em boa hora, portanto, a mudança implementada pelo novo Código de Processo Civil, estatuindo um procedimento autônomo, não litigioso, de produção probatória (arts. 381/382) À luz desses fundamentos, renovando as vênias ao eminente relator, entendo que não merece reforma o acórdão recorrido.

De fato, como bem apontado por Daniel Penteado de Castro, não se nega que a moderna doutrina da processualista tem reafirmado um certo desapego formalista pelo “rótulo  que reveste o nome de determinada ação”[2]. Ou seja, nas palavras do referido autor, corroboradas pelo recente julgado do STJ, o direito material à prova não depende de produção antecipada de provas (CPC, art. 381), podendo o autor utilizar do procedimento comum (CPC, artigos 318 e seguintes).

Noutra perspectiva, para Elias Marques de Medeiros Neto, a exibição de documento ou coisa por meio da veiculação da “ação de produção antecipada de provas” não só ganha guarida no ordenamento jurídico, mas revela-se como “a forma que mais atende aos princípios norteadores do novo sistema processual brasileiro”[3].

Isto porque, segundo o supramencionado autor, a escolha do procedimento previsto para a produção antecipada de provas garante a citação de todos os interessados na produção desta, prestigiando, desta forma o contraditório. Além disto, tal procedimento privilegia também a economia processual, eis que “a prova só precisará ser produzida uma vez perante os interessados, ao passo que uma só “produção” pode servir à autocomposição, ao incentivo ou ao desestímulo de inúmeras demandas “de mérito”[4].

Nesta mesma linha de raciocínio, Heitor Sica advoga pelo uso “estratégico” da produção de provas, a qual, segundo o aludido autor, contemplou a possibilidade de produção de “qualquer prova”, inclusive a documental, a teor do que dispõe o §3º do artigo 382 do Código de Processo Civil[5].

Ademais, o supracitado processualista assevera que a formulação de “ação de produção antecipada de provas” traria benesses ao autor, visto que referido procedimento não comportar “valoração da prova, e tampouco a pronúncia sobre a ocorrência do fato, nos termos expressos do art. 382, §2º”. Assim, “se a prova produzida antecipadamente revelar um cenário desfavorável à parte que a requereu, ela tenderá a desistir de ajuizar demanda e eventualmente se disporá a dar solução consensual ao conflito”[6].

Não fosse o bastante, desde que relacionada ao mesmo fato, a produção antecipada de prova permite ao autor cumular o pedido de produção de outra prova, além da prova documental, fato que não é permitido em demanda autônoma visando a exibição do documento.

De maneira ilustrativa, podemos elucidar os benefícios estratégicos para o autor em formular demanda de produção antecipada de provas visando a obtenção de prova documental.

Ação de produção antecipada de provas (CPC, art. 381 e seguintes)

“Ação de exibição de documentos” (CPC, art. 318 e seguintes).

Não admite valoração da prova por parte do julgador (CPC, §2º do art. 382).

Admite-se a discussão quanto à eventual direito material vinculado à prova.

Em regra, não se admite recurso por parte do réu (CPC, §4 do art.  382).

Há a possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias ou terminativas por parte do réu.

Há possibilidade de cumulação de provas, desde que relacionadas ao mesmo fato.

O pleito do autor é delimitado à obtenção de um determinado documento.

A suposta “derrota” do autor, não gera honorários condenação a verbas de sucumbência.

A derrota gera condenação em verbas sucumbenciais.

Outrossim, é importante ressaltar que em ambos os procedimentos, seja na ação autônoma de exibição de documentos, seja produção antecipada de provas, a parte autora deve respeitar os requisitos constantes no REsp nº 1.349.453/MS, julgado sob a ótica dos recursos repetitivos.

Nos termos do Recurso Especial nº 1.349.453/MS, para o manejo da ação cautelar de exibição de documentos, é necessária a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço, aplicando-se tais exigências também para ação de produção de provas[7].

Neste sentido, tem caminhado a jurisprudência de diversos Tribunais da Federação:

APELAÇÃO - PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS - PRETENSÃO - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS - POSSIBILIDADE - REQUISITOS FIXADOS NO REsp nº 1.349.453-MS - INSCRIÇÃO NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - SENTENÇA MANTIDA. 1. Com o advento do Novo Código de Processo Civil (CPC/15), houve várias alterações no ordenamento jurídico, inclusive a exclusão do rol de cautelares típicas e inominadas, dentre elas, a de exibição de documentos. 2. Tendo sido a ação ajuizada sob a égide do CPC/15, resta possível o ajuizamento de ação de produção antecipada de prova, seguindo o procedimento previsto no art. 381, inciso III do CPC. 3. Por outro lado, a produção antecipada de provas voltada à exibição de documentos deve respeitar os requisitos fixados no REsp nº 1.349.453-MS, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão. 4. Não comprovada a existência de relação jurídica entre as partes, a medida que se impõe é a declaração da ausência de interesse processual. (TJ-MG - AC: 10000190115717001 MG, Relator: José Américo Martins da Costa, Data de Julgamento: 28/05/0019, Data de Publicação: 05/06/2019);

COMPRA E VENDA. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. FALTA DE INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE RESISTÊNCIA À PRETENSÃO. INVALIDADE DA NOTIFICAÇÃO. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ EM SEDE DE RESP. REPETITIVO Nº 1.349.453-MS. SENTENÇA MANTIDA. Apelação improvida. (TJ-SP 10047711020178260066 SP 1004771-10.2017.8.26.0066, Relator: Cristina Zucchi, Data de Julgamento: 30/05/2018, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/05/2018).

Noutro giro, em razão do que dispõe o parágrafo único do artigo 400, em consonância com o inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil, na ação de exibição de documento, o magistrado pode “adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido”.

Tal dispositivo legal também se aplica para ação de produção antecipada de provas. Vejamos:

PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA – EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO – ADMISSIBILIDADE – DIREITO AUTONÔNOMO À PROVA, DESVINCULADO DA URGÊNCIA E DE ANÁLISE DO DIREITO MATERIAL – CPC, ART. 381, INCISOS II E III – IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA – MEIO COERCITIVO PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO – CABIMENTO – ARBITRAMENTO EM JUÍZO DE RAZOABILIDADE – INCOMPETÊNCIA DE FORO - QUESTÃO NÃO APRECIADA NA ORIGEM – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - RECURSO IMPROVIDO NA PARTE CONHECIDA. (TJ-SP - AI: 20237572820198260000 SP 2023757-28.2019.8.26.0000, Relator: Matheus Fontes, Data de Julgamento: 05/04/2019, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/04/2019)

Não obstante, os Tribunais pátrios têm sustentado que, com o advento do Novo Código de Processo Civil, em especial pela análise do parágrafo único do artigo 400 do aludido Diploma Legal, houve “superação” da súmula 372 do Superior Tribunal de Justiça[8].

APELAÇÃO CÍVEL - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO – COMINAÇÃO DE MULTA – POSSIBILIDADE – ARTIGO 400, CPC/2015 – NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL PARA A INCIDÊNCIA DE MULTA - INCIDÊNCIA DO ART. 381 E SEGUINTES DO CPC/15 – PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS – INADMISSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO SUCUMBENCIAL E FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O Novo Código de Processo Civil reformulou a disciplina da exibição de documentos, prescrevendo expressamente nos parágrafos unicos dos art. 400 e 403, a possibilidade de aplicação de medidas de execução indireta, dentre as quais se encontra a multa coercitiva, no cumprimento do comando exibitório. Com as alterações promovidas pelo legislador, fica superado o enunciado da Súmula n.º 372, do Superior Tribunal de Justiça. Outrossim, a multa fixada para cumprimento de obrigação de fazer (astreinte) somente incide após atendimento de condição necessária, isto é, após a intimação pessoal, nos termos da Súmula 410, do Superior Tribunal de Justiça. De acordo com o novo CPC, não se admite defesa ou recurso no procedimento de produção antecipada de provas, salvo se a decisão for de indeferimento total do pedido. No entanto, em se tratando de irresignação que versa sobre fixação de honorários advocatícios, incabível em procedimento de produção antecipada de provas sem configuração de resistência, o recurso merece ser conhecido e provido para correção da ilegalidade. Recurso conhecido e parcialmente provido. (grifo nosso - TJ-MS - AC: 08039578020118120001 MS 0803957-80.2011.8.12.0001, Relator: Des. Marcelo Câmara Rasslan, Data de Julgamento: 21/08/2019, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 22/08/2019);

DIREITO COMERCIAL - PROCESSUAL CIVIL - PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS COMUNS ÀS PARTES - EXTRATOS BANCÁRIOS E RELAÇÃO DE CRÉDITOS OBTIDOS DURANTE A CONTRATUALIDADE - PRAZO E MULTA - INCONFORMISMO DA CASA BANCÁRIA - IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA NA AÇÃO DE EXIBIÇÃO (SÚMULA 372 DO STJ)- ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SUPERADO PELO NOVO CÓDEX INSTRUMENTAL - DEVER PROCESSUAL - MEDIDA COERCITIVA VIÁVEL - DOUTRINA SÓLIDA SOBRE O CABIMENTO DA MULTA - MANUTENÇÃO - PRAZO EXÍGUO - INOCORRÊNCIA - DOCUMENTAÇÃO INTERNA DE FÁCIL OBTENÇÃO EM SISTEMA INFORMATIZADO - DECISÃO ACERTADA - PROVIMENTO NEGADO. O entendimento jurisprudencial sobre a impossibilidade de fixação de multa para coagir parte à exibição de documentos (Súmula 372 do STJ) resta superado pelo disposto no art. 400, parágrafo único, do CPC. Não se revela exíguo o prazo de cinco dias estabelecido para que instituição financeira exiba extratos bancários e créditos concedidos ao longo da contratualidade, por se tratarem de documentos internos de fácil obtenção em seus sistemas informatizados e por ser, na falta de preceito específico, o prazo geral para prática de atos processuais pelas partes (CPC, art. 218, § 3º). (grifo nosso - TJ-SC - AI: 40219399520188240000 Blumenau 4021939-95.2018.8.24.0000, Relator: Monteiro Rocha, Data de Julgamento: 06/06/2019, Quinta Câmara de Direito Comercial).

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O “caput” do supramencionado artigo 400 do CPC, é expresso em aplicar a sanção de presunção relativa de veracidade, à parte que não entregou o documento sem justificativa. Tal sanção é criticada pela doutrina do saudoso Ovídio A. Baptista da Silva[9]:

Como se poderá considerar verdadeiros fatos que o requerente da exibitória cautelar sequer ainda conhece, antes da exibição? Além disso, é impossível a confissão judicial fora da demanda onde tal confissão deva ser apreciada. Tanto a parte quanto o terceiro titular do documento cuja exibição for determinada em demanda cautelar, hão de ficar sujeitos não só à medida de busca e apreensão, mas igualmente à responsabilidade penal por crime de desobediência, como sucede, em geral, com s ordens contidas em sentenças (mandamentais) cautelares.

Deste modo, entendemos que a sanção processual prevista no “caput” do artigo 400 do CPC, somente deve ser aplicada ao réu, caso não este não tenha justificado a impossibilidade de entrega, depois de ter sido aplicada a fixação de astreintes e a busca e apreensão do documento, e mesmo assim, persistir a relutância na entrega.

Diante de todo exposto, embora o STJ tenha admitido o ajuizamento de ação autônoma de exibição de documentos, mesmo com o advento do novo Código de Processo Civil, pode-se verificar que o referido posicionamento não é unânime naquela Corte, e tampouco na doutrina nacional. Pela leitura do presente artigo, conclui-se que ao estatuir amplas possibilidades de obtenção provas (inclusive as documentais) de maneira antecipada, o legislador quis estimular a autocomposição (CPC, art. 3º), com intuito de diminuir a quantidade de demandas de exibição de documentos como ação autônoma, em razão da indústria que se tornou a propositura de ações deste feitio, o que vai de encontro com as normas fundamentais do Processo Civil.


Notas

[1] STJ, REsp 1803251/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, j. 22/10/2019.

[2] DE CASTRO, Daniel Penteado. Fim da ação de exibição de documentos? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI268839,41046Fim+da+acao+de+exibicao+de+documentos. Acesso em 20  de janeiro de 2020.

[3] NETO, Elias Marques de Medeiros. “Notas sobre a ação de produção antecipada de provas”. Disponível em http://www.rkladvocacia.com/notas-sobre-acao-de-producao-antecipada-de-provas/. Acesso em 20 de janeiro de 2020.

[4] Ibdem.

[5] SICA, Heitor Vitor Mendonça. “O uso estratégico da produção antecipada de prova no CPC de 2015”. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-109-o-uso-estrategico-da-producao-antecipada-de-prova-no-cpc-de-2015. Acesso em 20 de janeiro de 2020.

[6] Ibdem.

[7] STJ, REsp nº 1.349.453/MS, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, publicado em 02/02/2015.

[8] A súmula 372 do STJ dispõe que: “Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória”

[9] DA SILVA, Baptista A. Ovídio. Comentários ao CPC, Lejur, 2ª edição, 1986, págs. 438/439.

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Sobre o autor
Vitor Gomes Rodrigues de Mello

Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Advogado em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELLO, Vitor Gomes Rodrigues. Possibilidade da exibição de documentos pelo rito da produção antecipada de provas: prática e estratégia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6049, 23 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79101. Acesso em: 22 dez. 2024.

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