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Emenda Constitucional 103/2019 impede que haja cassação de aposentadoria como conversão de demissão

05/03/2020 às 15:35
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A Emenda Constitucional n. 103/2019 impôs nova leitura ao art. 133, da Lei nº 8.2112/90, encerrando a discussão sobre a possibilidade de penalizar o aposentado com a perda de seus proventos de aposentadoria.

1. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA OU A DISPONIBILIDADE DO INATIVO – NECESSÁRIA RELEITURA DO ART. 134, DA LEI Nº 8.112/90.

A Lei 8.112/90 foi promulgada em uma época em que contemplava a aposentadoria como prêmio ao servidor que atingisse determinado tempo de serviço estabelecido pela legislação para cada categoria ou sexo.

Sendo um prêmio concedido pelo poder público ao servidor, o legislador estabeleceu no art. 134 da Lei nº 8.112/90, a possibilidade de ser cassada a aposentadoria ou a disponibilidade de inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.

Eis a dicção do art. 134, da Lei 8.112/90:

“Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.”

Pela leitura do aludido art. 134, da Lei nº 8.112/90, somente será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo se ele tiver praticado, na atividade, fato punível com a demissão e não estando prescrita a prática da infração disciplinar.

Por essa regra legal, as faltas funcionais cometidas em atividade é que poderão ensejar, como reflexo, a cassação da aposentadoria concedida a posteriori. Essa hipótese poderá ocorrer quando o servidor requerer sua aposentadoria e, após a publicação no D.O do ato de aposentação, o Poder Público tiver ciência da prática de uma infração disciplinar e resolver apurá-la, por não estar prescrita.

Assim, a justificativa do legislador para a cassação de aposentadoria como consequência de uma infração disciplinar passível de pena de demissão, decorre do fato de que a aposentadoria seria um prêmio (voluntária) onde o servidor público não contribuía para fazer jus à aposentadoria.

Dessa forma, se não estiver prescrita, a infração disciplinar concretizada quando o servidor público se encontrava em atividade, ele responderá a um processo administrativo, a fim de se verificar o elemento subjetivo de sua conduta, se houve dolo ou gravidade na falta funcional que lhe é imputada.

A condição de servidor público aposentado, ou em disponibilidade, não permite que seja responsabilizado disciplinarmente por atos praticados nessa situação jurídica, tendo em vista que somente estando no exercício da função é que ocorrerá, em tese, a responsabilidade funcional.

Fora do serviço público, a prática de qualquer infração disciplinar que seja imputada ao servidor aposentado o será nessa situação; o que significa dizer que responderá pelos seus atos na esfera penal ou cível, em decorrência de que o seu estado de inativo retira-lhe a condição sine qua non para a sua responsabilização disciplinar, que é a prática de um ato infracional no serviço público. Sendo certo que somente pode ser responsabilizado pela prática de uma infração disciplinar quem está ostentando a posição de servidor público, legalmente investido no cargo, em exercício ou em licença, mas com o vínculo ativo.

Dessa forma, o inativo ou o servidor em disponibilidade somente respondiam a um processo administrativo disciplinar pelos atos que praticassem no exercício de seus cargos efetivos, pois a aposentadoria e a disponibilidade são espécies de inatividade, sendo a primeira situação resultante de um benefício obtido em função de invalidez permanente ou, atualmente, vinculada ao tempo de contribuição previdenciária, exceto a aposentadoria compulsória que possui vinculação máxima da idade do servidor (70 anos).  Já a disponibilidade, é aplicada ao servidor nos casos de reorganização ou extinção do respectivo cargo público, ou de declaração de sua desnecessidade, até que o servidor volte a ser reaproveitado.

Portanto, segundo o legislador, será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo, se o servidor tiver praticado, no exercício de suas atribuições funcionais, fato infracional punível com a demissão, não estando o mesmo prescrito.

Destarte, o direito de imposição da penalidade de cassar a aposentadoria do servidor público não é absoluto, porquanto deverá ser precedido do devido processo legal, no prazo de 05 (cinco) anos, contados da data da prática da infração disciplinar, ou da publicação no Diário Oficial do ato de aposentação. Isso porque o direito da Administração de anular os atos administrativos (aposentadoria) decai em 05 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé, conforme determinação expressa do art. 54 da Lei nº 9.784/99.

Por essa razão, a Administração Pública fica atrelada ao prazo prescricional que, se consumado, estabiliza as relações jurídicas em função do próprio interesse público. Inseguros seriam os servidores públicos que não tivessem em seu passado a certeza de que as suas condutas, praticadas na atividade (exercício do cargo), não estariam estabilizadas com o transcurso do tempo. O art. 134 da Lei nº 8.112/90 dispõe expressamente no sentido de se impor a pena de cassação de aposentaria para o servidor que tenha praticado infração disciplinar quando em atividade, sendo inclusive recepcionado pelo Supremo Tribunal Federal (MS no 23.219/RS, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJ de 19 agos. 2005, p. 04; RNS no 24.557/DF, Rel. Min. Carlos Veloso, 2ª T., DJ de 26 set. 2003, p. 25) e pelo STJ (MS no 7.795/DF, Min. Rel. Hamilton Carvalhido, 3ª S., DJ de 24 jun. 2002, p. 181), que concluiu ser constitucional tal dispositivo legal.

Dessa forma, inúmeros servidores aposentados que praticaram infrações disciplinares quando em plena atividade, não estando suas punições previstas em lei prescritas, perderam ou perdem as suas aposentadorias, na forma do disposto pelo art. 134 da Lei no 8.112/90, após o trâmite do devido processo legal.                      

Sucede que desde a promulgação da Emenda Constitucional nª 20, de 15 dez. 1998, a aposentadoria deixou de ser por tempo de serviço, para se transformar em um regime de previdência de caráter contributivo, observando critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Assim, na prática, o servidor público, no exercício de suas atribuições, contribui diretamente para ter direito à aposentadoria.

Após a alteração da concepção da aposentadoria voluntária (prêmio), quando atingia determinado tempo de serviço, definido por lei, para pertencer a um novo regime previdenciário contributivo, passamos a defender, em nossos comentários ao art. 134, da Lei nº 8.112/90, a impossibilidade da cassação da aposentadoria, em razão de infração disciplinar cometida pelo servidor público quando em atividade.[1]

Tal conclusão é uma decorrência lógica da significativa mudança que alterou a conjuntura da regra de concessão do benefício da aposentadoria, tendo em vista que os servidores públicos passaram a ser regidos pelo regime geral de previdência social, com regras de contribuições e atualização pelo sistema atuarial.

Apesar de cristalino, a nosso juízo, tal situação jurídica, o certo é que o Superior Tribunal de Justiça – STJ [2] pacificou entendimento majoritário no sentido de que o sistema contributivo em nada veda a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria, por entender que o servidor, antes aposentado, agora revertido e demitido, poderá buscar a aposentadoria no Regime Geral, sem os benefícios que fazia jus como servidor público, por conta da penalidade aplicada.

Sucede que a Emenda Constitucional nº 103, de 13.11.2019 alterou esse posicionamento, como se demonstrará, obrigando a doutrina e a jurisprudência a fazerem uma releitura do art. 134, da Lei nº 8.112/90.


2. DA INCOMPATIBILIDADE DA CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA COM O REGIME PREVIDENCIÁRIO DOS SERVIDORES PÚBLICOS

A aposentadoria voluntária cedeu espaço para o regime previdenciário contributivo para o servidor público, na forma inicial das Emendas Constitucionais nºs 3/93 (para os servidores federais), 20/98 (para servidores estaduais e municipais, em caráter facultativo) e 41/2003 (para servidores de todas as esferas públicas, em caráter obrigatório).

Apesar de cristalina tal situação, como visto, o Poder Judiciário tem como lícita a cassação da aposentadoria e a migração dela para um outro regime de previdência, em total violação ao regime contributivo da mesma.

Não concordando com essa interpretação jurisprudencial, o constituinte atual aprovou a Emenda Constitucional nº 103 de 13/11/2019, que reforçou o caráter contributivo do Regime de Previdência do Servidor Público (RPPS).

Ao ratificar o que já havia sido consolidado, a Emenda Constitucional nº 103/2019, enalteceu, no art. 37, § 4º, o direito do servidor público não perder os seus proventos, pelo fato dele ter sido conquistado pelo caráter contributivo.

A atual redação do art. 37, § 14, da CRFB/88, está assim redigida:

“(...)

§ 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive no Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.”

Ao explicitar que a aposentadoria deferida com base na utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive no Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo jurídico que gerou o referido tempo de contribuição.

Esse rompimento de vínculo jurídico do servidor público com a Administração é a cessação dos efeitos da relação obrigacional que até então vinculava as partes.

Isso porque o vínculo jurídico é aquele que decorre de uma relação com parâmetros legais fixados na lei e que estabelece direito e deveres das partes envolvidas.

No âmbito do direito, o vínculo jurídico é a obrigação pela qual o devedor deve pagar ao credor o que fora previamente pactuado.

In casu, não havendo mais vínculo jurídico, o poder correicional perderá a eficácia, em face do rompimento da relação obrigacional que até então prevalecia.

Ou seja, mesmo alterando a aposentadoria voluntária para aposentadoria contributiva, tanto o Supremo Tribunal Federal – STF quanto o Superior Tribunal de Justiça – STJ, entendiam ser possível à conversão de demissão em cassação de aposentadoria.

Agora, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019, a Constituição deixa explícita que a aposentadoria acarreta no “rompimento do vínculo”, o que significa dizer que não se pode mais cassar a aposentadoria.

Isso porque quis o constituinte deixar explícito que, em sendo a aposentadoria uma decorrência da contraprestação às contribuições previdenciárias pagas durante o período efetivamente trabalhado, a diminuição e a alteração, ou a supressão, da mesma, irá redundar em enriquecimento ilícito da Administração Pública.

Esse novo posicionamento constitucional, em nossa opinião, é justamente para alterar o padrão jurisprudencial até então estabelecidos pelas Cortes Revisoras, pois o atual sistema contributivo para o servidor se aposentar se transformou em seguro, que se implementará quando for deferida a aposentadoria.

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Nessas circunstâncias, a cassação de aposentadoria se torna incompatível com a instituição do regime previdenciário contributivo.

Não há mais, dessa forma, recepção do art. 134, da Lei nº 8.112/90 ao atual regime de previdência estabelecido na Constituição Federal.

Isso porque, levando-se em conta que os valores recolhidos ao regime previdenciário do servidor, com a respectiva atualização, é um seguro e não há como o poder público locupletar-se de tais valores, como forma de punir disciplinarmente o servidor.

Deferida a aposentadoria, a conversão de demissão em perda de aposentadoria, após a tramitação de processo administrativo, ou até mesmo em decorrência de condenação em ação de improbidade administrativa ou em ação penal, já não poderá mais ser aplicada, por total incompatibilidade com o § 14, do art. 37 da CRFB/88, com a redação que lhe foi outorgada pela E.C nº 103/2019.

Sobre o tema, já havíamos nos posicionado:[3]

“Com a alteração das regras da aposentadoria, deixou a mesma de ser um benefício auferido pela implementação de determinado tempo de serviço, passando a ser uma retribuição correspondente ao tempo de contribuição previdenciária.

Após essa modificação jurídica do sistema de aposentadoria, não resta dúvida que ela deixou de ser um prêmio àquele servidor que permanecesse no serviço público por um determinado período de tempo, para se caracterizar como um fundo, onde o beneficiário contribui pecuniariamente para ter direito de se aposentar, respeitados os requisitos estabelecidos pela lei.

Após essa transmutação jurídica, pergunta-se: A disposição contida no art. 134 da Lei nº 8.112/90 continua vigindo?

Bem como: Se o servidor que ainda contribuiu para a sua aposentadoria, ao ter a mesma cassada, perderá os valores que ele já contribuiu para a respectiva implementação?

Entendemos que não, porquanto após as sucessivas alterações constitucionais implementadas pelas Emendas Constitucionais nos 20, 41 e 47, os requisitos do tempo de contribuição, conjugados com a idade mínima do servidor público, remetem à certeza de que o art. 134, da Lei nº 8.112/90 não é mais recepcionado pela atual regra vigente do art. 40 da Constituição Federal.

Isso porque houve a modificação, como já aduzido, do caráter de prêmio da aposentadoria, para a necessidade de contribuição, com a criação de um fundo específico para cada servidor, na forma das regras atuariais.

Desse modo, a perda da aposentadoria significa uma subtração dos valores pagos diretamente pelos servidores no curso de seu vínculo ativo, o que significaria um enriquecimento ilícito do Poder Público.”

Agora, com a E.C nº 103/2019 fica mais cristalina tal posição, visto não ser mais possível questionar o vínculo jurídico obrigacional do servidor público aposentado com a Administração Pública.

O rompimento do vínculo jurídico que gerou o referido tempo de contribuição, que é o cargo público, subtrai o direito de a Administração Pública instaurar processo disciplinar ou propor ação judicial para cessar tal vínculo.

Isso porque “servidor é pessoa legalmente investida em cargo público” (art. 2º, da Lei nº 8.112/90). Ao ser investido em cargo público, o servidor passa a contrair direitos e obrigações legalmente estabelecidas em lei.

Sobre o cargo público, o art. 3º da Lei nº 8.112/90, estabelece a seguinte diretriz:

“Art. 3o  Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.”

Dessa forma, como a aposentadoria concedida com o tempo de contribuição decorrente de cargo, empregou ou função pública, agora acarreta o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição, já não é mais lícito instaurar-se, como por exemplo, o Processo Administrativo Disciplinar, contra o aposentado.

Esse raciocínio deflui do fato de que o artigo 143, da Lei nº 8.112/90, determina que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigado a promover a sua apuração imediata, através de sindicância ou processo administrativo disciplinar.

Existindo o vínculo, com o seu “rompimento” (aposentadoria), a irregularidade no serviço público ficará vinculada ao lapso temporal do servidor em atividade, com o seu vínculo ativo, sem que se aposente, pois na inatividade ele não poderá mais sofrer punição alguma.

A partir da promulgação da novel Emenda Constitucional nº 103/2019 a Administração Pública perdeu o direito de punir o servidor público aposentado pelos critérios ali estabelecidos.

A perda do direito de apurar e de punir o servidor aposentado é a consequência lógica do rompimento do vínculo jurídico que, até então, existia entre as partes. Com a inativação, o constituinte entende que o vínculo que se instituiu é do seguro contribuído pelo servidor para que ele pudesse ter a sua inatividade remunerada pelo padrão que foi contribuído.

Como a Lei nº 8.112 foi promulgada em 1990, com efeitos financeiros a contar de 1991, era plenamente justificável que o seu artigo 134 pudesse permitir que a aposentadoria do servidor infrator fosse cassada, após o devido íter do processo disciplinar, pois a aposentadoria era voluntária, considerada prêmio para todos que atingissem determinado tempo de serviço.

Ela sendo agora contributiva, descontada mensalmente do servidor quando em atividade determinado percentual contributivo, é natural que a legislação sofra a consequente adequação e já não permita mais que a aposentadoria seja cassada como forma de punição disciplinar.

Sendo que, agora sendo um seguro, o servidor contribui para se aposentar, e o cálculo atuarial fará com que seja calculado o valor de seus proventos.

O rompimento do seguro somente será lícito se ficar comprovado que o servidor não adimpliu as suas obrigações e fraudou suas contribuições. Ou seja, a infração deveria ser efetivada na nova relação obrigacional, sem qualquer correspondência a irregularidades funcionais quando efetivo seu vínculo com o poder público.

O seguro gera essa consequência jurídica, vinculada às contribuições e a aquisição direito adquirido do servidor ser aposentado com base no que foi estabelecido pela lei.

 Em sendo assim, o regime disciplinar não vige mais na inatividade.

Possui o poder público a faculdade de instaurar processo disciplinar somente em desfavor dos servidores em que o vínculo jurídico não esteja rompido.

Da mesma forma, na ação de improbidade administrativa, onde o art. 12, incs. I, II e III, da Lei nº 8.429/92, estabelecerem a perda da função pública, não poderá ensejar a cassação da aposentadoria do agente público tido como ímprobo. Pois, além de não haver mais função pública em face da aposentadoria, o rompimento do vínculo impede a aplicação de qualquer punição.

A condenação de servidor público à perda de cargo efetivo não alcança sua aposentadoria, uma vez que este direito se submete aos requisitos próprios do regime contributivo.

Não havendo mais vínculo jurídico entre as partes, por certo, não há poder correicional, visto que o sistema de diretrizes e de obrigações cessou, não sendo mais possível imputar-se a prática de ato ímprobo quando o servidor se encontrava em atividade.


3. DA CONCLUSÃO

A inatividade remunerada do servidor público é vinculada ao tempo de contribuição, sendo extinta a aposentadoria voluntária exclusivamente por tempo de serviço, como já aduzido alhures, dando lugar a um novo critério de aposentadoria, vinculada às contribuições e atualizada por critérios atuariais, instituidora de um verdadeiro seguro.

Como os valores dos proventos de aposentadoria dos servidores abrangidos pelo regime de previdência serão calculados, nos termos da Constituição Federal por ocasião da sua concessão, levando-se em conta as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência, devidamente atualizados, na forma da lei, não há como a Administração revertê-los de forma diversa do seu destino original.

Isso porque os valores estão sob a guarda da previdência social, responsável pela solvabilidade dos mesmos, para o fim de pagar a aposentadoria dos servidores que implementaram os requisitos legais para as suas respectivas aposentações. Dessa forma não há mais espaço para cassação de aposentadoria.

Não mais vigoram as regras jurídicas anteriores, vigentes quando da redação do art. 134 da Lei nº 8.112/90.

Assim, em decorrência do Estado Constitucional, onde o direito é a única ordem institucional em que é possível realizar o projeto de garantias, por meio de vínculos substanciais da positivação do “dever ser” constitucional, imposto ao próprio direito positivo, e diante do que vem estatuído no Texto Maior, não há como estabelecer a perda do direito de receber o que foi contribuído, a título de garantir a aposentadoria do servidor público.

Nesse sentido, Luis Prietro Sanchés[4] destaca:

“el garantismo necesita del constitucionalismo para hacer realidad su programa ilustrado; y el constitucionalismo se alimenta del proyecto garantista para condicionar la legitimidad del poder al cumplimento de ciertas exigencias morales que se condensam en los derechos fundamentales.”

O garantismo defendido inicialmente por Luigi Ferrajoli[5] e incorporado por Luis Prietro Sanchés, é aquele que defende as bases constitucionais do direito e da democracia, através de um fundamento ético e moral.

Dessa forma, pode-se afirmar, com toda a certeza, que não é ético e nem moral, subtrair recursos descontados mensalmente do servidor de sua remuneração (alíquotas de contribuições previdenciárias), para fins de uma futura aposentadoria.

A perda da condição de aposentado, como imposição de penalidade, após todo o iter disciplinar, não possui o efeito de confiscar um direito adquirido pela implementação de descontos e de condições resolutivas já consumadas. Seria um desrespeito à segurança jurídica.

Uma coisa é a imposição de uma penalidade disciplinar, após a inequívoca demonstração de que houve a prática de uma infração disciplinar, consumada quando o servidor público estava com o seu vínculo ativo, em pleno exercício do cargo. Outra, é a perda ou o confisco de valores que foram descontados para o seu fundo previdenciário oficial, quando inativo. Não nos afigura como ético e nem moral o Poder Público confiscar tais alíquotas previdenciárias descontadas do servidor no curso de seu vínculo ativo, com reflexos, inclusive, na inatividade, onde ele continua sendo descontado de seus proventos em 10% (dez por cento) da sua totalidade.

É necessária uma releitura do atual art. 134 da Lei no 8.112/90, pois é defeso pela Constituição Federal o enriquecimento sem causa do Poder Público, que não possui a legitimidade, como responsável pelo fundo de aposentadoria do servidor, de subtrair, confiscar ou locupletar-se dos valores ali depositados e que já perfazem o critério de períodos de contribuição.

Por essa razão, entendemos ser inconstitucional a imposição da penalidade de perda do direito de receber a aposentadoria previdenciária, pois o servidor somente a perderá se fraudar o tempo de contribuição, com vantagens fictícias ou inexistentes. Jamais o servidor condenado disciplinarmente perderá o direito de receber os valores com os quais contribuiu mensalmente por muitos anos e que fazem parte de seu fundo de aposentadoria.

Contudo, por pertencer ao seu rol de direitos imutáveis, adquiridos por meio de contribuições sucessivas e mensais, jamais poderão ser retirados de seus proventos, salvo se houver comprovada fraude ou má-fé na concessão dos mesmos, pois, do contrário, é direito impostergável do aposentado receber o numerário de seu fundo previdenciário de aposentadoria.

A Emenda Constitucional nº 103/2019 pacifica a matéria e coloca um “ponto final” na presente discussão sobre a possibilidade ou não de se penalizar o aposentado com a perda do seu direito de receber seus proventos, fruto de um seguro firmado entre ele e o poder público.

Agora já não é possível mais aplicar-se o artigo 133, da Lei nº 8.2112/90, em face da sua não recepção pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

Ao aposentar-se, o servidor já não poderá mais ser investigado por irregularidades ocorridas em seu vínculo ativo, pois o rompimento do vínculo jurídico já não permite mais ao poder público investigá-lo.

Assim sendo, a Administração Pública possui a faculdade/dever de instaurar processo administrativo disciplinar somente contra o servidor ativo. Passando para a inatividade, não há mais poder correcional contra o servidor público.

Da mesma forma, o servidor inativo não poderá perder a sua aposentadoria em decorrência de condenação por ato de improbidade, por não mais existir função pública, além de não haver mais vínculo jurídico entre ele e o Poder Público.

Fica a aposentadoria garantida como forma de contribuição do seguro firmado entre o servidor público e o Estado. Ao inativar-se o vínculo jurídico do servidor, a relação não é mais com a Administração Pública, e sim com o regime de Previdência, na forma do seguro firmado entre as partes.


Notas

[1] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada – Regime Jurídico Único do Servidor Público Federal. 6.ed., Niterói—RJ: Impetus, os. 846/851.

[2] REsp 1771.637/Pr, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJ de 4.02.2019;  AgInt no RMS 54.740/SP, 2ª T., Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 24.09.2019; RMS 50.717/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, rel. p/ acórdão Benedito Gonçalves, 1ª T., DJ de 13.06.201.

[3] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. op. cit. ant., p. 849.

[4] SANCHÉS, Luis Prietro. “Constitucionalismo y garantismo”. In: Garantismo - Estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 44.

[5] FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: Una Discusión sobre Decrecho y Democracia. Madrid: Editorial Trotta, 2006, p. 35.

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Emenda Constitucional 103/2019 impede que haja cassação de aposentadoria como conversão de demissão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6091, 5 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79236. Acesso em: 2 nov. 2024.

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