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Desestruturação familiar e criminalidade juvenil:

reflexões sobre uma possível relação à luz de abordagens interdisciplinares

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste trabalho, foi possível concluir que a família é fundamental a toda e qualquer sociedade, pois enquanto instituição protetora e provedora, é responsável pela transmissão de cultura, valores, costumes e práticas ideológicas aos seus membros. Pode-se perceber que, mesmo com o passar da história - ao longo dos anos a família assumiu diferentes modelos e características -, do patriarcalismo aos novos arranjos familiares da atualidade, permanece intacta a função socializadora da família.

O arcabouço jurídico brasileiro, como reflexo do interesse da sociedade, atribui à família a base da sociedade, e, por conta disso, possui especial proteção do Estado. A Constituição Federal de 1988 emanou uma ordem jurídica democrática ao país, tendo consagrado princípios importantes para reger as relações familiares, entre os principais destacam-se a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres e a proteção integral às crianças e aos adolescentes.

Os pais são responsáveis solidariamente pela criação e educação dos seus filhos menores de idade, devendo zelar pela integridade física e moral destes. É direito da criança e do adolescente o convívio familiar, seja pela família natural ou substituta, como estabelece o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que testemunha então a necessidade do vínculo familiar, essencial ao desenvolvimento físico e psíquico e formação como pessoa natural.

O problema ocorre quando o seio familiar é abalado pela violência intrafamiliar, um fenômeno complexo e com uma multiplicidade de causas, que assume vários tipos (físico, sexual, psicológico, econômico ou financeiro, institucional) e formas de manifestação. De fato, a desestruturação familiar causa efeitos de ordem física, moral e psicológica em seus membros, em especial sobre a formação das crianças e adolescentes, seres em estado de desenvolvimento humano. Neste ponto, então, permeou a estrutura e a dialética promovida pela pesquisa, verificando se esta questão social, intrínseca à esfera privada, constitui um dos fatores que geram a tendência À prática de criminalidade cometida por adolescentes.

Vale mencionar que as abordagens sociológica e psicológica apresentadas pelo trabalho não pretenderam esgotar o assunto ou tomar conclusões irredutíveis. As teorias foram confrontadas à hipótese de que a desestruturação familiar tem papel determinante na formação da personalidade do indivíduo e em, por conseguinte, na tendência à prática de atos infracionais pelos adolescentes.   

Sob a perspectiva sociológica, Émile Durkheim ensina que o estado de anomia social induz um estado de desorganização ou de ausência de regras, que acarreta na ruptura dos laços de solidariedade social. O sociólogo atribui às instituições sociais a responsabilidade por ter, em algum momento, falhado no seu mister de socialização do indivíduo, e, consequentemente, abalado seus aportes psíquicos, afetivos e normativos. Sendo assim, o crime não seria resultado de anomalias do sujeito, mas de deficiências provocadas pela estrutura social, que não atuou suficientemente sobre a formação psíquica e transmissão de normas a seus membros.

Para Jean Piaget, as relações familiares devem ser preenchidas pelo princípio da afetividade, pois a depender do grau e qualidade das interações, o desenvolvimento da criança pode ser influenciado positiva ou negativamente. Logo, o desequilíbrio nos complexos familiares tem potencial para implicar sobre a formação cognitiva, intelectual e afetiva da criança e do adolescente, bem como determinar o modo de interação futura do indivíduo com a sociedade.

Diante do exposto pelo trabalho, conclui-se que a relação existente entre a desestruturação familiar e a criminalidade juvenil é de causa e consequência. Ficou claro, pelos embasamentos teóricos, que o ambiente familiar e a própria instituição familiar é, por excelência, responsável por transmitir aos indivíduos os elementos necessários para a convivência em sociedade e por dar o suporte adequado ao seu desenvolvimento por completo enquanto ser humano. As disfunções (violência intrafamiliar) que ocorrem neste cenário além que romperem com o vínculo e os laços de solidariedade entre os membros, tem efeito direto sobre a tendência a prática de atos infracionais pelos adolescentes. 

Isto posto, é preciso dizer ainda que, embora tenha sido comprovada, a hipótese defendida pelo estudo não é absoluta. No entanto, o que restou evidente é que as teorias, quando confrontadas, permitiram afirmar o papel determinante que a família tem na formação da personalidade do indivíduo e na influência à criminalidade praticada por adolescentes.

Em verdade, o Poder Público e a sociedade civil deveriam concentrar esforços para a estruturação, alinhamento e execução de políticas públicas em atenção às famílias e ao público infanto-juvenil, principalmente àqueles em situação de vulnerabilidade social, pois, diante da violência que assola o país, a instituição familiar pode desempenhar uma missão ainda mais fundamental: a prevenção da delinquência juvenil.

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Nota

[1] O Instituto Sangari adotou as definições da Organização Pan-Americana da Saúde e da Organização Mundial da Saúde – OPS/OMS para definir o conceito juventude, que se resume uma categoria essencialmente sociológica, a qual indica o processo de preparação para o indivíduo assumir o papel de adulto na sociedade, tanto no plano familiar quanto no profissional, estendendo-se dos 15 aos 24 anos.

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Sobre a autora
Sabrina Oliveira de Figueiredo

Doutoranda em Administração na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Mestre em Administração pela UFES (2015), Pós-graduada em Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público (2010) e em Gestão Integrada em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (2011) e graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (2008).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Sabrina Oliveira. Desestruturação familiar e criminalidade juvenil:: reflexões sobre uma possível relação à luz de abordagens interdisciplinares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6099, 13 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79709. Acesso em: 19 abr. 2024.

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