Capa da publicação Covid-19: liminar de Lewandowski na ADI 6363 proíbe acordo individual em contrato de trabalho
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Reflexões sobre a decisão do Ministro Ricardo Lewandowski na medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.363

09/04/2020 às 16:37
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Examinam-se efeitos jurídicos, econômicos e sociais da decisão liminar proferida na ADI 6.363. Será que os sindicatos estão aptos para acudir aos interesses de todos os trabalhadores, em todo o território nacional, considerando as peculiaridades, caso a caso, de cada região, cidade, empresa e segmento da economia?

Mal a economia nacional parecia estar começando a sair da grave crise dos últimos anos – ainda que o crescimento do PIB tenha se mostrado muito aquém do desejado, o viés era de alta –, o mundo se vê às voltas com a pandemia de coronavírus (Covid-19), levando de roldão o Brasil.

Despreparados em todos os sentidos (falta de leitos, profissionais preparados, equipamentos hospitalares e de proteção), os brasileiros se veem às voltas com uma situação nunca antes vista. Diz-se por aí que a crise econômica provocada pela pandemia de coronavírus (Covid-19) será igualável ou até pior do que aquela ocorrida em 1929. Seja como for, é possível que os poucos que a vivenciaram estivessem nas primeiras letras e não poderiam avaliar a gravidade do problema, salvo pelos traumas deixados em muitas famílias.

Mas o certo é que, hoje, fala-se em uma mudança de todos (ou em todos) os paradigmas socioeconômicos: os empregos já não serão mais os mesmos, pois a pandemia, que, segundo se especula, deve produzir efeitos ainda por muito tempo, terá alterado não só a forma de execução do trabalho (em muitos segmentos, por certo), mas, também, a mentalidade de trabalhadores e empresários.

Há vídeos ribombando pelas redes sociais, anunciando o fim de uma era e o advento de uma nova: a do teletrabalho. Pressagia-se caos econômico e social, fome e violência, pessoas depredando e assaltando lojas e supermercados, qual estaria já ocorrendo mundo afora.

Por certo, muito se especula, pouco se pode dizer com propriedade ou certeza.

Mas, no Brasil do aqui e agora, foi publicada uma decisão do Exmo. Sr. Ministro Ricardo Lewandowski numa ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Rede Sustentabilidade, em que questionava a validade de dispositivos da Medida Provisória 936/2020 (ADI 6.363), mais especificamente no tocante à possibilidade de redução proporcional de salário e jornada e à suspensão dos contratos de trabalho.

Em apertada síntese, o Partido Rede Sustentabilidade advoga a tese segundo a qual, a possibilidade de redução salarial, qual prevista na Medida Provisória 936/2020, seria, a priori e em exame perfunctório – nas palavras do Ministro Lewandowski –, contrárias aos dispositivos constitucionais invocados como fundamento da ação direta de inconstitucionalidade, a saber, artigos 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI.

Louvou-se a decisão monocrática, verdade seja dita, em opinativos anteriormente veiculados pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas e pela ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.

No entanto, a despeito dos judiciosos argumentos encontráveis tanto na ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Rede Sustentabilidade, como no voto do Ministro Relator e, também, nas manifestações dos referidos órgãos de classe, parece haver, em tudo isso, alguns graves equívocos.

É o que se tentará demonstrar aqui, em breves linhas.

Segundo informação divulgada no site https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pequena-empresa-responde-por-70-dos-empregos,70001963654 (consulta realizada em 23 de março de 2020), há, aproximadamente, 70 milhões de brasileiros trabalhando no setor privado, ao passo que o site https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/populacao-economicamente-ativa-brasil.htm (consulta realizada em 23 de março de 2020) informa que a população economicamente ativa do país é de 79 milhões de pessoas. Ou seja, se esses dados forem próximos da exatidão, a iniciativa privada responde por, aproximadamente, 88,61% da renda de toda a mão de obra nacional.

Então, pergunta-se: o que aconteceria com toda essa massa de trabalhadores se a iniciativa privada, que responde pela quase totalidade da mão de obra empregada no país, não encontrar alternativas ou soluções imediatas, respostas urgentes para no curto prazo minorar os efeitos nefastos da pandemia, que ameaça ceifar empregos e empresas da vida nacional?

Em todo o país, há inúmeras empresas totalmente paralisadas (escolas, casas de shows e espetáculos, cinemas teatros), outras funcionando precariamente (permissionárias e concessionárias de transporte coletivo de passageiros, sobretudo na modalidade de fretamento, bares e restaurantes). Há, também, alguns segmentos que já vinham sofrendo antes mesmo de o Covid-19 ter chegado em terras brasileiras (toda a cadeia de turismo, como transporte – o aéreo sobretudo –, agências de viagens e turismo, hotéis e pousadas).

Ao lado disso, as especulações têm provocado em alguns lugares escassez de produtos (médico-hospitalares e de proteção, inclusive, mas toda a cadeia de logística e distribuição tem sido afetada, com pessoas se queixando da falta de gêneros de primeira necessidade em supermercados e mercearias), com elevação de preços, já pressionados pela alta constante da moeda estrangeira, e flutuações (com viés de queda) na bolsa de valores.

A decisão do Ministro Lewandowski talvez não tenha atinado para o senso de urgência que todo este cenário exibe, agravando as instabilidades num oceano de incertezas.

Aliás, não é a Medida Provisória, qual o seu nome sugere, um remendo para situações transitórias e urgentes? Não fosse a tragédia social e econômica decorrente da pandemia de Covid-19, seria risível pensar que talvez tenha sido esta uma das poucas ocasiões em que a Medida Provisória foi utilizada num caso realmente relevante e urgente, embora, desta feita, o Judiciário de pronto suspendeu uma parte significativamente importante dos seus efeitos.

E já aqui é possível encontrar um primeiro argumento em desfavor da decisão – embora louváveis os seus argumentos – do Ministro Lewandowksi: a Medida Provisória 936/2020 não veio para ficar e nem assim poderia ser, pois não vige por mais de 120 (cento e vinte) dias (já contando a eventual prorrogação, nos termos dos §§3º e 7º do art. 62 da Constituição Federal), salvo se convertida em lei pelo Congresso Nacional.

Evidentemente, muitos dos dispositivos da Medida Provisória 936/2020 ou a sua conversão em lei poderiam levar, num estado de normalidade, por assim dizer, poderiam ser questionados à luz de algumas normas constitucionais. Todavia, é justamente a situação emergencial e excepcional, aliada à transitoriedade intrínseca ao ato do Poder Executivo, que parece torná-la não só legítima como absolutamente necessária no atual estado de coisas.

E por falar em transitoriedade, convém observar que a suspensão do contrato de trabalho não poderá ultrapassar de 60 (sessenta) dias e nem a redução de jornada e salário se estender por mais de 90 (noventa) dias, tempo inferior ao período máximo de vigência da Medida Provisória 936/2020, que é não superior a 120 (cento e vinte) dias, já contando a possibilidade de sua prorrogação uma única vez.

Não se pode olvidar, outrossim, as contrapartidas dadas aos trabalhadores, como a permanência do nível de empregabilidade e, mais do que isso, a garantia provisória de emprego. Dir-se-á: mas tal garantia é demasiado efêmera, correspondendo a não mais que o período de tempo em que o trabalhador tiver sofrido as perdas decorrentes da suspensão do contrato ou da redução proporcional de jornada e salário – respectivamente, 60 (sessenta) dias no primeiro caso e 90 (noventa) dias no segundo.

Bem, se o tempo de garantia de emprego é, como podem sustentar alguns, demasiado curto para beneficiar o trabalhador, o mesmo se pode dizer na perspectiva do empregador: é ínfimo no que concerne ao tempo de suspensão do contrato ou de redução de jornada e salário para justificar a sua supressão – o que reforça a conclusão de ter sido açodada a decisão monocrática exarada pelo Ministro Lewandowski.

Por outro lado, também não é certo dentro de 60 (sessenta) ou 90 (noventa) dias a economia e as empresas, particularmente, já terão recuperado os prejuízos sofridos em decorrência da pandemia de coronavírus.

A esse respeito, para citar um exemplo, veja-se o caso dos cinemas. Será que as pessoas voltarão a frequentar normalmente as salas de projeção, ao cabo de 60 (sessenta) ou 90 (noventa) dias ou aguardarão a certificação de que o país ou a sua região está livre do Covid-19? Quanto tempo demorará até que o público se sinta seguro?

E não é só. O que enche as salas dos cinemas e lhes dão a maior parte da receita são os lançamentos mundiais da indústria cinematográfica, os chamados blockbusters, de modo que, mesmo que o Brasil tivesse erradicado o Covid-19 embora não os Estados Unidos e a Europa (em função dos quais são agendados com grande pompa e circunstância esses lançamentos), as películas que viessem a ser exibida não cobrissem sequer os custos operacionais.

Quantas empresas ou setores da economia amargarão situação semelhante até a efetiva normalização? Basta pensar em toda a cadeia de turismo, importante setor da economia, que movimenta incontáveis empresas do ramo de serviços (hotéis e pousadas, bares e restaurantes, parques, estabelecimentos de eventos, shows e espetáculos)... Os exemplos são infindáveis, não cabendo aqui trazê-los todos à tona.

Dentro dessas perspectivas, é preciso descer à análise dos dispositivos constitucionais que, no voto do Ministro Lewandowski, poderiam ter sido vulnerados. São eles os artigos 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI, a ver:

Art. 7º. [...]

[...]

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;  

[...]

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

Art. 8º. [...]

[...]

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

[...]

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

Antes de tudo, convém lembrar que a Constituição Federal também propugna pelo pleno emprego. E, sem dúvida, a pandemia de coronavírus é uma grave ameaça à manutenção dos postos de trabalho, cuja Medida Provisória 936/2020 pretende preservar.

Trocando em miúdos, se as empresas não puderem adotar soluções alternativas, imediatas e transitórias para assegurar a própria subsistência, muitos trabalhadores perderão os empregos. Significa dizer, grosso modo, que, aos olhos dos que sustentam a ilegitimidade do ato do Poder Executivo, mais vale nenhum emprego para um sem-número de trabalhadores e alguma garantia para os poucos que conseguirem se manter trabalhando, do que a permanência dos postos de trabalho de tantos quantos possam ser abrigados pela Medida Provisória 936/2020.

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Pois bem. Analisando os dispositivos constitucionais, salta aos olhos que a Medida Provisória 936/2020 não pratica qualquer afronta aos dispositivos constitucionais suscitados na petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade aforada pelo Partido Rede Sustentabilidade e invocados nas razões de decidir do Exmo. Sr. Ministro Ricardo Lewandowski.

Para começar, não se exclui e nem se ameaça, de modo algum, a participação dos sindicatos nos processos de negociação individual e, sobretudo, coletiva. Primeiro, a própria Medida Provisória 936/2020 prevê que, em certas situações, é indispensável a negociação coletiva (vide artigos 11 e 12, parágrafo único); segundo, porque os sindicatos sempre poderão suscitar eventual invalidade dos acordos entabulados diretamente com os trabalhadores, assistindo-os antes, durante ou depois de o terem celebrado.

A Medida Provisória 936/2020 também não afasta a imprescindibilidade dos sindicatos nas negociações coletivas. Eles apenas não participarão dos acordos celebrados individualmente, com cada trabalhador. Lei alguma (nem mesmo a Constituição Federal) jamais exigiu a sua interferência em negócios individuais.

Disso já resulta a inexistência de qualquer ofensa aos incisos III e VI do art. 8º da Constituição Federal: eles continuam e continuarão atuando na defesa dos interesses das categorias a que representam e apenas estarão alijados dos acordos individuais, posto que a sua participação só é imperiosa nas negociações coletivas.

E, ao mesmo tempo que a Medida Provisória 936/2020 confere legitimidade aos acordos celebrados individualmente, não impede que os sindicatos assistam os trabalhadores antes, durante ou depois da sua realização, até mesmo provocando o Judiciário, o Ministério Público do Trabalho ou a Superintendência das Relações de Trabalho, para adotar as medidas cabíveis contra eventuais abusos ou violações legais.

Isso sem perder de vista que qualquer sindicato sempre poderá se valer das prerrogativas que a Constituição Federal lhe assegura para a salvaguarda dos interesses de classe, tais como convocar assembleia para deliberar e, sendo o caso, promover paralisações e greves, ou para ratificar e conferir legitimidade ao ato, ou para impedir a celebração de acordos individuais.

Em resumo, abstrata ou concretamente, não há qualquer empecilho à atuação do sindicato na celebração dos acordos individuais. Tanto que, conforme as circunstâncias o determinarem, poderão suspender os contratos de uns e reduzir jornada e salário de outros.

Suponha-se, por exemplo, que todo um setor de uma determinada empresa tenha sido paralisado, embora outro possa funcionar precariamente. Para os trabalhadores daquele, o remédio, por amargo que seja, seria a suspensão dos contratos; para os do outro, a redução proporcional de jornada e salário.

Não se trata de uma fórmula geral e abstrata aplicável a todos os empregados de determinada empresa ou atividade produtiva, ainda que, em certos casos, a suspensão seja a única solução para toda um estabelecimento ou unidade empresarial.

Parece induvidoso que, se as empresas assim não puderem proceder, haverá a indispensável redução do quadro de empregados, de modo a manter o equilíbrio financeiro e preservar a sua continuidade.

Aliás, é curioso notar que a ação foi proposta por um partido político e não por sindicato, federação, confederação ou central sindical de trabalhadores de âmbito nacional, conquanto estejam legitimados à propositura da ação, qual se infere do art. 2º da Lei 9.868/1999.

Diga-se mais: a suspensão contratual e a redução proporcional de salário e jornada nada mais são do que formas de alteração do contrato de trabalho, algo, em princípio, contrário ao art. 468 da CLT. Portanto, o que faz a Medida Provisória 936/2020 é tão somente conferir, por curto lapso de tempo, legitimidade transitória e precária a essas modificações do negócio jurídico, em razão de uma situação de força maior.

Noutras palavras, as alterações individuais do contrato serão válidas enquanto a Medida Provisória 936/2020 produzirem os seus efeitos ou perdurarem as consequências da pandemia de coronavírus.

Seja como for, o que se quer demonstrar é que as empresas não estão autorizadas a celebrar acordos coletivos com os trabalhadores, sem a participação dos sindicatos, senão apenas a firmar, com cada um deles, um acerto individual, de curta duração em razão de uma situação de calamidade pública.

Sem embargo do que foi dito acima, dada a premência da situação vivida no país em decorrência da pandemia de coronavírus, é forçoso indagar: será que os sindicatos estão aptos para acudir aos interesses de todos os trabalhadores, em todo o território nacional, considerando as peculiaridades, caso a caso, de cada região, cidade, empresa e segmento da economia? Seria possível aos sindicatos implementar, em curto espaço de tempo – pois uma solução urge, de modo a manter o nível de empregabilidade e reduzir ao máximo os danos à economia já combalida –, todas as medidas necessárias para a legitimação dos instrumentos de negociação coletiva, tais como elaboração de pautas, convocação de assembleias, deliberações, coleta de votos, aprovação de propostas e iniciar as tratativas com as empresas, tudo isso com estrita observância dos prazos legais ou estatutários, sem que o caos social e econômico não se instalasse e estabelecesse de vez?

Ora, as normas constitucionais, por mais que a nossa Constituição Federal seja dogmática e (demasiado) analítica, são concebidas para estruturar situações de normalidade, por assim dizer. Seria – na verdade, é – um erro pensar que a Constituição encerra todas as respostas ou aponta todas as direções possíveis considerando as infinitas possibilidades jurídicas e sociais. Sempre existiu e sempre existirá (ao menos no Estado de Direito) uma margem de discricionariedade, para que o legislador infraconstitucional possa suprir as lacunas da Constituição e tratar justamente das incontáveis premências e vicissitudes da vida, individual ou coletivamente.

É sob esse viés, inclusive, que deve ser interpretado o art. 7º, VI, da Constituição Federal, segundo o qual a irredutibilidade salarial é a regra, salvo negociação coletiva, dispositivo que encontra um paradigma (e precedente legal) no art. 2º da Lei 4.923/1965, possivelmente, sua fonte de inspiração.

Certamente, uma coisa é a permissibilidade de redução salarial, via negociação coletiva, quando uma empresa ou um setor enfrenta uma crise conjuntural, e a solução para suplantar as adversidades e manter os postos de trabalho seja uma diminuição geral dos vencimentos. As oscilações da economia, a concorrência com o empresário nacional ou estrangeiro, as preferências do consumidor e o advento de novas técnicas ou tecnologias são fatores que podem comprometer a saúde de determinado empresa ou setor e que fazem parte do risco do negócio, podendo causar a redução de empregos.

Aí, então, o sindicato, importante ator social, atua para assegurar a manutenção dos trabalhadores nos seus empregos, reduzindo benefícios e até salários, quando medidas necessárias à manutenção de postos de trabalho.

Outra coisa, porém, é a necessidade de reduzir salários por motivo de força maior, circunstância que foge à previsibilidade e ao risco do negócio em si – ou, do contrário, não seria força maior, nos termos do parágrafo único do art. 393 do Código Civil.

Nessa ordem de ideias, a Medida Provisória 936/2020, no que concerne à redução proporcional de jornada e salários está em perfeita sintonia com o art. 7º, VI, da Constituição Federal, como também assim se nos afigura o art. 503 da CLT (note-se que este último cogita da diminuição salarial sem sequer mencionar a redução proporcional da jornada).

Agora, veja-se que a Medida Provisória 936/2020 só permite a redução salarial se, com ela, advier proporcional minoração da jornada de trabalho, de modo inclusive a preservar o salário-hora originalmente contratado ou então vigente.

Significa dizer que não terá havido, sob esse prisma, uma redução salarial pura e simples, mas uma minoração do ganho proporcional ao trabalho executado, o que, dada natureza comutativa da remuneração, é perfeitamente compatível com o Direito do Trabalho.

Para corroborar esse entendimento, convém, lembrar o entendimento sufragado nas OJ’s 358, I, e 393 da SDI I do TST, com a ressalva de que esta última assegura o salário mínimo aos professores que cumpram o limite de jornada previsto no art. 318 do CLT (o que também leva a crer ser legítimo o pagamento em valor inferior, se não tiver sido cumprido esse limite).

Se assim é, não se pode dizer que a Medida Provisória 936/2020 conflita com o art. 7º, VI, da Constituição Federal.

O mesmo vale para o inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal, que prevê o limite máximo de jornada contratual: oito horas diárias e até quarenta e quatro horas semanais, salvo negociação coletiva, por meio da qual se permite a compensação e a redução de jornada.

Em primeiro lugar, a redução de jornada é sempre lícita, mesmo porque tende a ser favorável ao trabalhador (quando desacompanhada da redução salarial), de sorte que a norma constitucional, quando trata desse tema, associa-o à compensação de horários (ilação que é reforçada pela conjunção aditiva “e” entre “compensação de horários” e “redução da jornada”).

Isso porque a redução de jornada ensejará o aumento da carga horária noutro dia ou período, ou seja, a minoração compensa a majoração de horários e vice-versa, de modo a perfazer, na semana, o limite legal (quarenta e quatro horas ou outro inferior que a legislação eventualmente estabeleça) ou contratual (sempre respeitado o teto previsto em lei).

Mesmo assim, a jurisprudência trabalhista firmou entendimento no sentido de que é lícita a celebração de acordo individual de compensação de jornada, interpretando que o acordo a que se refere o inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal não está restrito ao negociado coletivamente com o sindicato – o que seria uma excessiva burocratização da relação de trabalho, sempre dinâmica.

Vale lembrar que a Súmula 85 do TST esgotou o tema, admitindo a possibilidade de compensação de jornada mediante acordo individual, salvo se houver instrumento de negociação coletiva em sentido contrário.

E aqui está o derradeiro ponto dessas reflexões. A Medida Provisória 936/2020 não deixa de reconhecer os instrumentos de negociação coletiva. Em absoluto!

Tanto assim, que prevê a possibilidade de os ajustes de suspensão do contrato ou de redução proporcional de jornada e salário se realizarem por esse meio, isto é, via negociação coletiva.

Está claro, como já se ventilou anteriormente, que o sindicato poderá, por convenção ou acordo coletivo, coibir essas medidas – o que seria uma temeridade, tal é a gravidade da atual crise que assola o país – ou estabelecer os seus critérios e limites.

A Medida Provisória 936/2020 não diz o contrário disso, não assevera que as normas eventualmente ajustadas por instrumento de negociação coletiva não deverão ser observadas, mesmo que contrárias às suas disposições.

De qualquer modo, é preciso também atentar que o disposto no art. XXVI do art. 7º da Constituição Federal não confere aos instrumentos de negociação coletiva uma salvaguarda para que empresas e sindicatos disponham como bem quiserem e entenderem.

Se, como qualquer outro negócio jurídico entabulado entre particulares, o instrumento de negociação coletiva malferir norma imperativa, a disposição será considerada inválida.

Sem precisar ir muito longe, basta lembrar o que preconiza o item II da Súmula 364 do TST, que reputa inválida a disposição de acordo ou convenção coletiva de trabalho que permita a pactuação de adicional de periculosidade em percentual inferior ao legalmente previsto.

Ainda que este exemplo não nos pareça um caso de violação a norma imperativa – evidentemente, o é para o TST –, o que se quer com isso demonstrar é justamente que a norma contida no art. 7º, XXVI, da Constituição Federal não isenta os acordos e convenções coletivas de trabalho de atender a todos os requisitos de validade dos negócios jurídicos em geral.

Logo, o que a norma constitucional assegura, sem dúvida, é a força normativa dos referidos instrumentos, como qualquer outro instrumento jurídico. Às convenções e acordos coletivos de trabalho há de ser observado o princípio pacta sunt servanda, eis o que se infere do referido dispositivo constitucional.

Por isso, se as permissões excepcionalmente concedidas pela Medida Provisória 936/2020 visam a atender outros interesses e valores constitucionais não menos importantes, como é o caso da busca do pleno emprego (existem outros igualmente aplicáveis, mas que renderiam um debate mais acalorado, razão pela qual nos furtamos de mencioná-los), sobretudo considerado a sua transitoriedade, não se pode dizer que as suas disposições – talvez objetáveis numa situação de normalidade – sejam incompatíveis com a Constituição Federal (muito menos prima facie), mandando às favas milhares de empresas e condenando ao desemprego milhões de trabalhadores.

Teria andado bem o Exmo. Sr. Ministro Ricardo Lewandowski se, invés de deferir a liminar concedida pelo Partido Rede Sustentabilidade, antes refletisse sobre os impactos sociais e econômicos da decisão, não obstante os judiciosos fundamentos – os quais, como visto acima, não deixam de ser questionáveis.

Enquanto empresários e até empregados pareciam respirar aliviados com uma perspectiva de solução, ainda que parcial e transitória, o momento atual é de mais incertezas e inseguranças, pois os que se adiantaram em acordos individuais já não sabem o que e como fazer doravante, e nem se deverão informar ao Ministério da Economia os negócios que fizeram, como determina a Medida Provisória 936/2020, já que a sua legitimidade está suspensa, ou se poderão vir a ser autuados pelos órgãos de fiscalização do trabalho, uma vez que os acertos individuais eventualmente podem ser declarados ilícitos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Dante Menezes. Reflexões sobre a decisão do Ministro Ricardo Lewandowski na medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.363. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6126, 9 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80983. Acesso em: 22 dez. 2024.

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