É natural que a situação de pandemia, que traz risco atual e iminente à saúde das pessoas, cause apreensão geral na sociedade, que buscará referências em profissionais da saúde para se informar ou ainda efetivamente se proteger dos riscos da contaminação.
Recentemente, vários meios de comunicação veicularam a notícia de que diversos profissionais ofereciam cura e prevenção de COVID-19 em suas redes sociais. Eram casos em que médicos apresentavam soros para imunidade, manipulados e receitas caseiras que supostamente contribuiriam para a cura, blindagem e proteção da saúde.
O Código de Ética Médica e o Código de Processo Ético-Profissional possuem previsão para corrigir tal situação e zelar pelo prestígio e decoro da profissão médica.
Inicialmente, cumpre notar que a conduta de indicar cura ou prevenção de forma sensacionalista, com conteúdo inverídico, pode ofender o Código Ética Médica em vários princípios fundamentais e artigos, tais como:
IV - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão.
É vedado ao médico:
Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Art. 40. Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza.
Art. 112. Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico.
Art. 113. Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente.
Por óbvio que tais condutas serão objeto de sindicância e posterior processo ético-profissional em que diligências e outras providências serão necessárias, prazos deverão ser respeitados, e em que será resguardado também o direito de defesa do médico, mas até lá, poderá ele exercer sua atividade normalmente?
A conduta do profissional, consistente em oferecer tratamento, cura, blindagem à saúde contra o covid-19 sem respaldo científico se apresenta como risco atual e iminente à saúde dos pacientes e da coletividade, o que, em tese, não pode aguardar todo o trâmite interno de apuração dos fatos.
Nesse caso, há no Código de Processo Ético-Profissional medida de natureza cautelar, que tem por objetivo cessar o risco atual e iminente oferecido pela conduta inadequada, tratando-se da interdição cautelar do exercício da medicina.
Muitas vezes, entendida como se fosse uma penalidade imposta pelo Conselho, a suspensão cautelar é na verdade uma medida provisória. Diz o art. 25:
Art. 25.O pleno do CRM, por maioria simples de votos e respeitando o quórum mínimo, poderá interditar cautelarmente o exercício profissional de médico cuja ação ou omissão, decorrentes do exercício de sua profissão, esteja notoriamente prejudicando seu paciente ou à população, ou na iminência de fazê-lo.
§ 1º A interdição cautelar poderá ser aplicada quando da instauração do PEP, ou no curso da instrução, na sessão de julgamento ou na fase recursal;
§ 2º Os casos de interdição cautelar serão imediatamente informados ao CFM pelo CRM de Origem.
Veja o caráter atual da necessidade de imposição da medida, a conduta irregular deve estar notoriamente prejudicando o paciente ou a população, ou na iminência de fazê-lo; portanto, se esse caráter não estiver presente na apuração dos fatos, inadequada a medida.
Por não ser uma pena, não há que se falar em proporcionalidade da medida ou razoabilidade. É uma medida de proteção para a sociedade tomada pelo Conselho de Medicina que tem o mister de zelar pela boa prática médica.
Não raro o Poder Judiciário tem legitimado a interdição cautelar do exercício da profissão em casos de manifesta gravidade.
Conclui-se que, diante de manifesta conduta médica que coloca em risco, atual ou iminente, a saúde dos pacientes ou da população em geral, é legítima a interdição cautelar do exercício da medicina para manutenção do prestígio e do perfeito desempenho técnico e moral da profissão.