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A reedição de medida provisória revogada

30/04/2020 às 15:51
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O Presidente Jair Bolsonaro revogou a MP 905/2019, que cria o Programa Verde-Amarelo, e disse que irá editar uma nova. Mas, no caso, não foi a matéria sequer decidida. Poderia ser formulada outra MP, sobre a mesma matéria, após revogação anterior?

I – O FATO

Segundo o jornal O Globo, em sua edição de 21 de abril do corrente ano, para evitar uma derrota política no Senado, o presidente Jair Bolsonaro revogou, na noite de ontem, a medida provisória (MP) 905, que cria o Programa Verde-Amarelo, e disse que irá editar uma nova MP, que tratará especificamente de contratos durante o período de enfrentamento do novo coronavírus. A medida 905, que trazia incentivos à contratação de jovens de 18 a 29 anos em seu primeiro emprego, e de pessoas com mais de 55 anos, há mais de um ano parada, foi lançada em 11 de novembro e perderia a validade ontem.

Bolsonaro disse que a estratégia foi acordada com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que vinha defendendo essa saída desde a semana passada. 

“Diante da iminente caducidade da MP 905, optei por revogá-la, mediante entendimento com o presidente do Senado. Para criação de empregos, editaremos nova MP, específica para tratar do contrato Verde-Amarelo durante o período de enfrentamento da Covid”, escreveu Bolsonaro em sua conta em uma rede social.

São os principais pontos da MP 905:

> Público-alvo. Jovens entre 18 e 29 anos, que nunca tiveram emprego, e pessoas de mais de 55 anos, sem vínculo formal há pelo menos 12 meses.

> Contrato. Valeria por dois anos, com salário limitado a 1,5 salário mínimo. O empregador ficaria isento de recolher a contribuição para a Previdência, e a multa do FGTS nas demissões sem justa causa cairia de 40% para 20%.

> Abrangência. Valeria para novos contratos, até 25% do quadro de pessoal da empresa.

> Taxação do seguro-desemprego. A contribuição ao INSS de quem recebe seguro-desemprego (prevista na MP para ajudar a financiar o programa) ficaria limitada a 7,5% e seria opcional. Quem optar pelo recolhimento poderia contar o tempo de recebimento do seguro-desemprego para fins de aposentadoria.

> Trabalho aos domingos e feriados. Só com acordo com sindicatos.

> Acidentes entre residência e empresa. Seriam considerados para fins previdenciários, o que garante aos trabalhadores o benefício integral, como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Mas o empregador ficaria livre de qualquer ônus, como estabilidade do trabalhador, se comprovar que não teve responsabilidade no acidente.


II – MEDIDA PROVISÓRIA NÃO REVOGA LEI

A matéria, na prática, é uma minirreforma trabalhista. A MP foi editada em novembro, antes da crise do novo coronavírus, para tentar estimular o emprego de jovens de 18 a 29 anos. O texto foi aprovado na semana passada na Câmara, após 12 horas de debate. O texto dá um tratamento diverso daquele tratado na Consolidação das Leis do Trabalho para outros empregados.

A medida provisória suspende os efeitos da lei anterior.

Veja-se a lição de Pontes de Miranda quando ainda falava, sob o regime constitucional anterior no decreto-lei:

“Trata-se de lei sob condição resolutiva, como afirmado por Pontes de Miranda, quando da análise dos decretos-leis na vigência da ordem constitucional de 1967: “Os decretos-leis, de que se cogita no art. 58 e no parágrafo único, é decreto que fica subordinado à aprovação, dentro de sessenta dias, pelo Congresso Nacional. Se expirou o prazo, sem haver deliberação, tem-se como aprovado. Aí, a aprovação é eficácia da omissão e tem-se a falta de aprovação ou de rejeição como manifestação tácita. Não se trata propriamente de decreto-lei, mas de lei sob condição resolutiva (rejeitável dentro do prazo), ou de decreto com eficácia adiantada em relação à deliberação do Congresso Nacional”. (Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, t. 3, p. 138).

A conclusão, portanto, é no sentido de que medida provisória não revoga lei anterior, mas apenas suspende seus efeitos no ordenamento jurídico, em face do seu caráter transitório e precário. Assim, aprovada a medida provisória pela Câmara e pelo Senado, surge nova lei, a qual terá o efeito de revogar lei antecedente. Todavia, caso a medida provisória seja rejeitada (expressa ou tacitamente), a lei primeira vigente no ordenamento, e que estava suspensa, volta a ter eficácia.


III – PODE UMA MEDIDA PROVISÓRIA REVOGAR OUTRA MEDIDA PROVISÓRIA

Mas, no caso não foi a matéria decidida, de forma que a MP foi revogada.

Poderia ser formulada outra MP na mesma matéria diante disso, depois da revogação anterior?

No passado recente, em 4 de setembro de 2003, o Supremo Tribunal Federal negou, por maioria de 9 a 1, a medida cautelar requerida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2984) ajuizada pelo PSDB e pelo PFL contra a Medida Provisória 128/03, que revogou a MP 124/03, que dispôs sobre o quadro de pessoal da Agência Nacional das Águas (ANA).

A decisão acompanhou o voto da relatora, ministra Ellen Gracie, mantendo ato do governo que teve por justificativa desobstruir a pauta da Câmara dos Deputados para votação do projeto de Reforma Tributária.

O Supremo julgou que a Constituição Federal não proíbe a revogação de uma medida provisória por outra. Ao indeferir a liminar pleiteada, a ministra Ellen Gracie observou que a contestação de Medidas Provisórias revogatórias de Medidas Provisórias anteriormente editadas não é nova no STF. Disse que em 29 de março de 1990, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 221, o Supremo apreciou Medida Provisória que pretendia declarar nulas duas MPs anteriores que haviam sido encaminhadas à apreciação do Congresso.

Conforme a ministra Ellen, os votos dos ministros-relator, Moreira Alves e Celso de Mello naquele julgamento, conduziram à fixação de um entendimento da Corte adotado sobre o assunto, ao julgar que o Executivo não pode retirar Medida Provisória já apresentada ao Congresso, o que é possível em relação aos projetos de lei.

“A primeira conclusão assentada naquela ocasião foi a de que Medida Provisória, já porque possui força de lei e eficácia imediata desde a sua publicação não poderia ser ‘retirada’ pelo presidente da República, visto que tal ato importaria num ilegítimo impedimento ao exercício da prerrogativa conferida ao Poder Legislativo de examinar plena e integralmente a Medida Provisória editada”, disse a ministra.

“No presente caso não vislumbro, pelo menos nesse juízo cautelar, particularidade qualquer que autorize entendimento divergente do firmado pela jurisprudência da Corte. Tal qual nos casos examinados nos precedentes acima mencionados, foi a Medida Provisória anterior, a 124, alcançada pelo ato normativo impugnado, quando ainda em curso o prazo dado ao Congresso para convertê-la ou não em lei, o qual sendo hoje de 60 dias, conforme a modificação introduzida pela Emenda Constitucional 32, somente atingiria o seu termo final no dia 11 de setembro próximo”, explicou a relatora.

O ministro Sepúlveda Pertence destacou que o voto da ministra coincidiu com posição adotada por ele ao negar liminar pleiteada em Mandado de Segurança (MS 24.643) ajuizado na véspera, para impedir a tramitação da reforma tributária na Câmara.

“Não tenho dúvida de que seria inválida a reedição da medida provisória revogada, na mesma sessão legislativa, tanto quanto o seria a reedição da medida provisória reeditada ou caduca. No sistema vigente, o presidente da República há de optar: Se a pendência da medida provisória anterior obsta a votação de alguma proposição subsequente. Ou mantém a pauta bloqueada e, assim, inviabiliza a aprovação rápida da proposta subsequente. Ou revoga a medida provisória, desobstrui”, votou Pertence.

“Entender que medida provisória é passível de revogação ou ab-rogação é chamar o feito legislativo à ordem, é restaurar ao Poder Legislativo a sua competência de legislar”, disse o ministro Carlos Britto.

“O que na verdade está se procurando com essa ADI é prosseguir no processo de obstrução do Congresso Nacional, através de uma decisão que venha a ser tomada pela Câmara”, votou o ministro Nelson Jobim.

“Neste caso especifico, todavia, nós temos ainda uma situação que é assaz delicada. Além da discussão que envolve políticas públicas em matéria tributária, nós temos a discussão da desvinculação de receitas da União e a prorrogação da CPMF. Nós estamos a falar, portanto, de medidas vitais para o sistema tributário-econômico-financeiro”, destacou Gilmar Mendes.

Já o ministro Celso de Mello considera lícito, do ponto de vista constitucional, o presidente da República se valer da Medida Provisória para, mediante este instituto excepcional, revogar outra Medida Provisória ainda pendente de apreciação pelo Congresso Nacional, mesmo estando a MP sobrestando a pauta de votação de uma das Casas legislativas federais (artigo 62, § 6º, da Constituição Federal).

Voto vencido, o ministro Marco Aurélio disse que a Constituição Federal “quer a obstrução”. “Não se pode ter ato do Poder Executivo que obstaculize o crivo pelo Congresso Nacional. Não posso, diante de um preceito que encerra a exceção, que é a revogação, partir para interpretação ampliativa. A única interpretação cabível é a estrita, é o que se contém no mandamento constitucional e no artigo 2º, da Emenda nº 32, relativamente apenas às medidas provisórias pendentes de apreciação para as quais previu-se a revogação”, votou

Na matéria, observo o ensinamento do ministro Moreira Alves, na matéria:

“ (...) Essa questão(ab-rogação de MP por MP) tem sido enfrentada pela doutrina italiana quanto aos decretos-leis a que aludem os 2º e 3º partes do artigo 77 da Constituição italiana, em que se modelou, como já acentuamos no início deste voto, fielmente a nossa Medida Provisória. Também na Itália se admite que uma Medida Provisória submetida às Câmaras para conversão, ou não, em lei possa ser ab-rogada por outra.....”

E prosseguiu o ministro Moreira Alves:

“Enquanto a Medida Provisória ab-rogante estiver em vigor por estar sendo apreciada pelo Congresso, este, obviamente, não pode continuar o processo destinado à conversão, ou não, da Medida Provisória ab-rogada, pois esta deixa de existir enquanto a Medida Provisória ab-rogante estiver em vigor por não ter escoado o prazo de trinta dias ou por não ter sido expressamente rejeitada, mas voltará a existir como Medida Provisória se a que a ab-rogou não se converter em lei. Se a Medida Provisória ab-rogante vier a ser convertida em lei, a ab-rogação da Medida Provisória anterior passa a ser definitiva, e como não mais pode ela ser convertida em lei, se tem como rejeitada para o efeito de perder ela a sua eficácia desde a sua edição, exceto se o Congresso Nacional, expressamente ressalvar que permanecem os efeitos já produzidos pela Medida Provisória ab-rogada entre as datas de sua entrada em vigor e sua ab-rogação”.

Por outro lado, ensinou o ministro Celso de Mello:

“A superveniência de medida provisória, com efeito ab-rogante ao ato normativo da mesma espécie somente poderá gerar dois efeitos. O primeiro efeito, de caráter material, consistirá na mera suspensão de eficácia jurídica da anterior medida(que não se terá por rovogada até que se converta em lei a nova medida provisória). O segundo efeito, de caráter procedimental, imporá a apreciação congressual de ambas as medidas, em momentos sucessivos, de tal modo que, pelo nexo de prejudicialidade entre ambas existente(uma a revogar a outra) seja examinada em primeiro lugar a medida provisória mais recente, de caráter subordinante, posto que nela se contém a cláusula da revogação da medida provisória anteriormente editada”.

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Assim, das lições que se tem da discussão na ADI 221, tem-se que, embora não tenha disponibilidade sobre matéria já editada, é válido ao chefe do Poder Executivo editar nova medida, ab-rogatória da anterior. Como tal procedimento não frustra nem tolhe a atuação do Congresso Nacional que persiste em sua plena competência para apreciar e converter ou não, em lei o referido texto.

Observo que, na Itália, a Lei nº 400, de 2 de agosto de 1988, limitou-se a vedar a continuidade normativa promovida por meio de cláusula de convalidação contida em nova medida normativa de urgência. Não vedou, portanto, a prática da reedição. Coube à Corte Constitucional(Sentença nº 360, de 17 de outubro de 1996), em julgado unânime no qual figurou como relator o Juiz Enzo Cheli, repetir a possibilidade constitucional de o Executivo reeditar provimento normativo dotado de caráter provisório.


IV – A PROIBIÇÃO DE REEDIÇÃO DE MP NA MESMA SESSÃO LEGISLATIVA

A nova medida que vier a ser editada poderá incorrer em inconstitucionalidade formal?

Observo o que foi objeto de julgamento nas seguintes ADIs: 5717, 5709, 5727 e 5716.

O Plenário definiu a seguinte tese: "É inconstitucional medida provisória ou lei, decorrente de conversão de medida provisória, cujo conteúdo normativo caracterize a reedição na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal".

A relatora, ministra Rosa Weber, ao votar, considerou haver desvio de finalidade. "A reedição de medidas provisórias com o mesmo assunto durante o prazo de um ano é inconstitucional porque é claro o desvio de funções, uma vez que um ano é pouco para a lei se firmar", disse.

A norma inscrita no art. 67 da Constituição – que consagra o postulado da irrepetibilidade dos projetos rejeitados na mesma sessão legislativa – não impede o presidente da República de submeter, à apreciação do Congresso Nacional, reunido em convocação extraordinária (CF, art. 57, § 6º, II), projeto de lei versando, total ou parcialmente, a mesma matéria que constituiu objeto de medida provisória rejeitada pelo Parlamento, em sessão legislativa realizada no ano anterior. O presidente da República, no entanto, sob pena de ofensa ao princípio da separação de poderes e de transgressão à integridade da ordem democrática, não pode valer-se de medida provisória para disciplinar matéria que já tenha sido objeto de projeto de lei anteriormente rejeitado na mesma sessão legislativa (RTJ 166/890, rel. min. Octavio Gallotti). Também pelas mesmas razões, o chefe do Poder Executivo da União não pode reeditar medida provisória que veicule matéria constante de outra medida provisória anteriormente rejeitada pelo Congresso Nacional (RTJ 146/707-708, rel. min. Celso de Mello).

[ADI 2.010 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 30-9-1999, P, DJ de 12-4-2002.]

Observo aqui a lição de Clèmerson Merlin Clève (Medidas Provisórias, 2ª edição, pág. 85) quando disse que:

"Com efeito, o presidente da República está impedido de veicular, por meio de instrumento normativo contingencial, matéria já apreciada, em sede de juízo abstrato incidente sobre medida de idêntica natureza, com censura de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal. A reiteração da medida reprovada substanciaria afronta ao Poder Judiciário e violação ao princípio da separação e harmonia entre os poderes da República.

Do mesmo semelhante, a medida provisória não pode incursionar, na mesma sessão legislativa, sobre matéria objeto de medida anterior expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional. A vedação, decorrência também do princípio da separação de poderes, está implícita no artigo 67 da Lei Fundamental:"a matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das casas do Congresso Nacional". É verdade que a medida provisória não se confunde com o projeto de lei. Não é menos verdade, entretanto, que a medida provisória deve ser convertida em lei formal no prazo de trinta dias. Consequência da providência cautelar é a deflagração do projeto de lei de conversão. Rejeitada medida anterior, despido do poder de iniciativa, estará o presidente da República impossibilitado de apresentar ao Congresso Nacional nova medida com análogo conteúdo."

A sessão legislativa engloba sessões ordinárias e extraordinárias, as primeiras ocorrentes na sessão legislativa e as demais fora dela.

Para o ministro Sepúlveda Pertence, não há dúvida "de que seria inválida a reedição da medida provisória revogada, na mesma sessão legislativa, tanto quanto o seria a reedição da medida provisória reeditada ou caduca". No sistema vigente, o presidente da República há de optar: Se a pendência de medida provisória anterior obsta a votação de alguma proposição subsequente. Ou mantém a pauta bloqueada e, assim, inviabiliza a aprovação rápida da proposta subsequente. Ou revoga a medida provisória, desobstrui (STF, ADInMC 2.984/DF, relatora ministra Ellen decisão de 4 de setembro de 2003).

Como se vê, de acordo com a Constituição, a matéria já decidida não pode ser reapreciada na mesma sessão legislativa. A delimitação temporal de “sessão legislativa” pode ser buscada no caput do artigo 57, que compreende mais ou menos o período de um ano. Portanto, uma matéria rejeitada apenas poderia ser reanalisada, aproximadamente, no ano seguinte. Isso preserva a autoridade da decisão parlamentar e o amadurecimento da alteração legislativa pretendida mas frustrada, pois o tempo é o senhor da razão.

Ora, o Plenário definiu a seguinte tese: "É inconstitucional medida provisória ou lei, decorrente de conversão de medida provisória, cujo conteúdo normativo caracterize a reedição na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal".

No julgamento da ADI 5717, tem-se no item 7 da ementa:

‘É vedada reedição de medida provisória que tenha sido revogada, perdido sua eficácia ou rejeitada pelo Presidente da República na mesma sessão legislativa. Interpretação do §10 do art. 62 da Constituição Federal.”

Assim, a revogação de MP e a sua imediata reedição na mesma sessão legislativa, por meio de outra, configura hipótese vedada pela ordem constitucional.

Para tanto, trago a lição do ministro Gilmar Mendes:

 “É certo que há, como demonstrado aqui, a preocupação com a possibilidade de que, a partir desse reconhecimento, se verifique a fraude à Constituição, burlando, especialmente, o comando relativo à proibição de reedição. Não obstante, essa possibilidade de revogação de medida provisória por outra não pode levar ao extremo de se admitir, posteriormente, a edição de uma medida provisória com o mesmo teor da medida provisória revogada. É que o §10 do art. 62 proíbe expressamente a reedição de medida provisória. E a reprodução do texto da medida provisória revogada em nova medida provisória importará reedição da mesma, já que aquela ainda será apreciada pelo Congresso Nacional. Assim, ao admitir a possibilidade de reedição de medida provisória por outra medida provisória, não estou a reconhecer que dessa conclusão se extraia, também – como já foi ressaltado, aqui, pela Ministra Ellen e pelos Ministros Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim e Ayres Britto -, a possibilidade de se reeditar medida provisória. Do contrário teria sido inócuo todo o esforço que se fez para produzir essa difícil solução em torno da Emenda n. 32. Essa cautela se impõe, com maior razão, com relação às alterações sucessivas, para que não se retome uma prática que a emenda constitucional afastou. Tenho alguma experiência nesse assunto, de prática e de reflexão. É possível que se cogite de alterações sucessivas, inclusive de partes de medidas provisórias, o que, também, haveria de ser repudiado nessa fórmula da combinação do art. 62, §10, com o art. 62, §6º.”

Para a caracterização da reedição da medida provisória, faz-se necessária a integral ou parcial repetição? A reedição substancial configura-se quando o texto anterior é replicado, embora outros temas também sejam disciplinados?

A resposta jurisdicional definida pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que a reedição, ainda que parcial, da medida provisória revogada é suficiente para a incidência da proibição veiculada na norma do art. 62, § 10, da Constituição Federal.

Nesse ponto, a manifestação do min. Gilmar Mendes se distingue, ao defender a necessidade de se refutar a chancela da ideia de reedição minimalista que seja, porquanto esse foi o modelo atacado pela Emenda Constitucional nº 32/2001: “Mas o quadro, aqui, realmente, é outro, conforme demonstrou o Ministro-Relator. Independentemente da relevância e urgência da matéria, que me parece insofismável, se nós pudéssemos chancelar a ideia de que uma reedição mínima, minimalista ou até uma reedição mediante paráfrases seria aceitável. A rigor, nós poderíamos estar incorrendo, realmente, já na revogação do modelo da Emenda nº 32, que foi tão almejado porque queria se romper com o modelo anterior, especialmente no que diz respeito ao §3º e ao §10 do art. 62. A partir daí, bastaria uma alteração cosmética num dispositivo, para, revogada uma medida provisória, fazer-se a reedição. Não haveria mais mãos a medir. Nós estaríamos regressando ao modelo de reedição de medidas provisórias, o qual, obviamente, a Emenda nº32 procurou coibir. Parece-me ser esse um dado objetivo.”

Disse então a ministra Cármen Lúcia: “ É fato que o Presidente da República dispõe da faculdade de poder revogar. O que não se pode é revogar para reeditar, nos termos do §10, até porque, neste caso, como bem lembrou o Ministro Carlos Britto, nós estaríamos diante de uma situação em que a urgência estaria descaracterizada – eu já nem diria tanto a relevância, mas certamente a urgência sim, porque, se urgente fosse, não se teria como verificar.”

A Emenda Constitucional nº 32/2001 teve por finalidade inaugurar novo modelo jurídico para as medidas provisórias, no qual a possibilidade de revogação de medidas provisórias por outras fosse viável, desde que de forma limitada e restrita, considerado o caráter excepcional do poder legiferante do Chefe do Poder Executivo. Nesse cenário normativo, verifica-se que qualquer solução a ser dada na atividade interpretativa do art. 62 da Constituição Federal deve ser restritiva, como forma de assegurar a funcionalidade das instituições e da própria democracia. A medida provisória, convém demarcar, é técnica legislativa excepcional a serviço do Poder Executivo, e não faz parte do núcleo funcional desse Poder.

A interpretação jurídica definida no julgamento da ADI 3.964-4 foi no sentido de que a reedição parcial de medida provisória revogada é causa necessária e suficiente para a incidência na vedação prescrita no § 10 do art. 62. Isso porque, com efeito, a prática legislativa, com o fim de burlar ou mesmo fraudar a Constituição, formulará medida provisória sucessiva com alterações superficiais, na tentativa de afastar a configuração de reedição substancial. Todavia, essa realidade político-institucional vivenciada no nosso Estado Constitucional foi o principal objeto de ataque e reformatação na reforma constitucional ocorrida com a EC nº 32/2001.

Ora, a MP do chamado “contrato verde-amarelo” MP 905, não chegou a ser totalmente apreciada pelo Senado. Foi revogada no seu último dia de validade.

Uma nova MP que venha a tratar da mesma matéria não poderá ser editada na mesma sessão legislativa.

Deve o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes, no caso da perda de vigência da MP.

A teor do parágrafo 11 do artigo 62 da Constituição, não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A reedição de medida provisória revogada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6147, 30 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81476. Acesso em: 19 mar. 2024.

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