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Da possibilidade de afastamento da súmula 377 do STF por meio de pacto antenupcial

30/05/2021 às 13:00
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Este artigo aborda a dinâmica necessária para aquele novo casal que deseja manter os efeitos do regime da separação legal de bens em seu casamento, inobstante a existência da súmula 377 do STF.

O nosso ordenamento jurídico estipula regras sobre o casamento e o regime de bens a ser adotado na constância do matrimônio, esse último em regra de livre escolha entre os nubentes. No entanto, em algumas situações o legislador optou pela imposição do regime da separação obrigatória de bens. Nos casos do artigo  1641 e 1523 do Código Civil, vejamos:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Art. 1.523. Não devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.

 Este último artigo relaciona as chamadas causas suspensivas de casamento e quando essas estão presentes não comprometem a existência e validade do casamento, mas podem, se assim concordarem os nubentes, justificar a suspensão de sua realização até que sejam sanadas, ou  implementar o regime de separação de bens por exemplo. Como regra, a observância das causas suspensivas visa proteger interesses pessoais dos próprios nubentes ou de seus descendentes. E se os nubentes deliberarem em realizar o casamento subsistindo a causa suspensiva, a consequência que enfrentam é a imposição do regime da separação obrigatória de bens.

As causas suspensivas atuam como instrumento para evitar confusão patrimonial nos seguintes casos: a) casamento de viúvo ou viúva que tiver filho do cônjuge falecido, e não procedeu a inventário e partilha dos bens do casal; e, b) casamento do divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal.

Em ambos os casos, a restrição é de ordem patrimonial. No primeiro caso, afasta-se um potencial prejuízo aos filhos do casamento anterior. Se não houver sido feito o inventário apenas pela absoluta inexistência de bens a partilhar, é preciso ser feita a prova dessa circunstância mediante a utilização do inventário negativo, judicial ou por escritura pública (Lei 1.441/2007). Se o casamento se realizar, a lei estabelece a hipoteca legal a favor dos filhos, nos termos do art. 1.489, do CC.

No segundo caso - divórcio sem partilha - a causa suspensiva preserva o interesse dos próprios cônjuges divorciados.

Existe causa suspensiva ainda no casamento da viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez (10) meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal. Nessa hipótese, a finalidade da lei é evitar dúvidas sobre a paternidade em face do conflito entre os incisos I e II do art. 1.597 do Código Civil. Trata-se de prevenção legal contra a turbatio sanguinis, ou seja, conflito de sangue.

Mas o objeto desse estudo, por ora, será dedicado aos maiores de 70 anos que desejam se casar. O Código Civil, como visto, lhes impõe o regime da separação legal de bens. Veja que o artigo atualizado não faz distinção entre o gênero do cônjuge e iguala a idade tanto para o homem como para a mulher, o que era diferente outrora.

Atualmente, com os avanços da medicina, facilidade de acesso à mesma e variáveis maneiras de comunicação, está havendo um aumento considerável do número de matrimônios realizados por septuagenários, ou pela primeira vez ou pós divórcio ou pós viuvez. Ocorre que esses cônjuges, face à evolução e abertura do mercado de trabalho no pós guerra, muitas das vezes já possuem amealhados, cada um o seu acervo patrimonial e, inobstante a vontade do legislador de lhes atribuir um regime de separação legal de bens nessas novas núpcias, eles os cônjuges também assim desejam, havendo aqui portanto uma coincidência de vontades dos nubentes e da legislação.

Imagine-se um caso em que um septuagenário venha a contrair novas núpcias, após anos de um casamento anterior com formação de família, com filhos e netos, cada descendente com uma personalidade e expectativa de segurança paternal e patrimonial diferentes; nesse caso poderia ser temerário para a prole anterior a celebração de novas núpcias com o regime diverso da separação de bens, ademais, se levar-se em conta que num caso hipotético esse pai ou avó pode vir a contrair segundas núpcias com um cônjuge sem lastro patrimonial, correndo o risco a primeira família de ver dividido o acervo patrimonial do pai ou avô agora com uma nova nubente.

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Nesse caso andou bem, a meu ver, o Código Civil em manter o regime da separação legal de bens para o casamento dos septuagenários, dessa forma, a família anterior fica numa posição mais segura patrimonialmente face às novas núpcias, podendo agora o idoso viver sua vida e fazer suas escolhas livremente sem carregar a culpa da possibilidade de falta de resguardo financeiro aos descendentes. Assim os ânimos da família anterior também se acalmam, não havendo motivos para uma discórdia familiar, ao menos no campo patrimonial. Deixam-se as questões morais fora desse artigo.

No entanto, tal calmaria é ameaçada pela súmula 377/64 do STF que assim dispõe:

Súmula 377 STF - No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

Apesar de não se tratar de Súmula Vinculante, a Súmula nº 377/64 do STF ainda é parâmetro para todo o Judiciário e orienta a regulamentação existente nos Códigos de Normas do Extrajudicial dos Estados. Essa súmula é de 1964 mas ainda permanece aplicável pela jurisprudência atual, embora atualmente as relações entre casamento e bens sejam bem distintas das relações de 1964 especialmente se levarmos em consideração a inserção em massa das mulheres no mercado de trabalho, fazendo com que o desempenho e sucesso de muitas mulheres no mercado de trabalho as tornem independentes financeiramente e capazes de amealhar patrimônio tanto quanto o seu cônjuge.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser aplicável a Súmula 377 do STF, mesmo após a vigência do Código Civil de 2002, de modo que, no caso de o casamento ter sido celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens, é devida a partilha igualitária do patrimônio adquirido onerosamente na constância do casamento, com base no princípio da solidariedade e a fim de evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito de um consorte em detrimento do outro, mas  a súmula criou outro regime de bens diferente da separação legal, pois essa última implica em uma não comunhão, na ausência de meação e que todos os bens do casal sejam particulares, ou seja, ou só dele ou só dela. No entanto, a referida súmula veio mudar essa posição dos bens na constância do matrimônio.

Estamos diante de um impasse jurídico. De um lado, a lei estabelece uma regra de regime de bens para o casamento do maior de setenta anos, e de outro lado a jurisprudência estabelece uma outra regra de regime de bens para a mesma situação, que a princípio pela lei seria de separação de bens. O que fazer então diante desse impasse jurídico se um dos nubentes, ou ambos, maior de setenta anos desejar contrair segundas núpcias e desejar também o instituto da separação de bens na vigência das segundas núpcias?

A solução para esse caso em concreto está no Cartório de Notas, mediante a escritura de um Pacto Antenupcial, a Eg. Corregedoria Geral da Justiça, no Estado de São Paulo, nos autos do processo nº 1065469-74.2017.8.26.0100 deu provimento ao recurso administrativo, para efeito de dar seguimento à habilitação para casamento, com adoção do regime de separação obrigatória de bens, prevalecendo o pacto antenupcial que estipulava a incomunicabilidade absoluta dos aquestos.

Diante dessa situação, mesmo perante o fato de no Estado de São Paulo não constar norma expressa no Tabelionato de Notas para a lavratura da escritura de Pacto Antenupcial que estabeleça o regime de bens da separação legal para contraente maior de setenta anos, forçoso é concluir que não há óbice para os Tabeliães de Notas lavrarem essa escritura pública no interesse dos nubentes, protegendo um interesse lícito do novo casal e da família anterior se houver, afastando assim a incidência da súmula 377 do STF.

Outrossim, o fato de no estado de São Paulo não haver norma expressa a respeito, também de nada afasta a possibilidade da lavratura do pacto antenupcial, vez que a escolha do cartório de notas e seu tabelião investido é livre pelo interessado, e em outros estados como o de Pernambuco por exemplo por meio do provimento 8/2016, instituiu a regra prevista no artigo 664 - do Código de Normas:

“No regime da separação legal ou obrigatória de bens, na hipótese do artigo 1641, inciso II do Código Civil, deverá o oficial do registro civil cientificar os nubentes da possibilidade de afastamento da incidência da Súmula 377 do STF, por meio de Pacto Antenupcial.”

Em suma, ainda existem possibilidades de afastar a súmula referida e privilegiar a escolha do regime de bens realizada pelo novo casal, no caso a separação de bens, salvaguardando direitos e patrimônio da família anterior, se houver. Ao levarmos em consideração que com o aumento da expectativa de vida e a mudança nos conceitos jurídicos de família, outros feixes de relações poderão obter contornos de casamento e as consequentes proteções do instituto e – por que não? – salvaguardar ao menos patrimonialmente as relações do passado.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Valéria Vaz. Da possibilidade de afastamento da súmula 377 do STF por meio de pacto antenupcial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6542, 30 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81691. Acesso em: 19 abr. 2024.

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