A demissão de Moro, a nomeação do diretor-geral da Políci Federal e a condenação das “intenções futuras”.

O caso Precogs

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17/05/2020 às 00:21
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CASO LULA, CRISTIANE BRASIL e ALEXANDRE RAMAGEM

Alguns defendem que tal decisão do Ministro Alexandre de Moraes se deu em consonância com julgados anteriores do próprio STF, como no caso da nomeação do ex presidente LULA para o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil (MS nº 34.070/DF) ou de CRISTIANE BRASIL para o cargo de Ministra do Trabalho (McRcl nº 29.580/DF).

Nestes dois casos anteriores, as decisões se deram, e tiveram como base, o desvio de finalidade em especial o princípio da moralidade administrativa, pois foram baseadas em provas destas, das gravações e demais documentos divulgados pela imprensa, estando claramente caracterizada seu desvio de finalidade e interesse público.

Especificamente a nomeação para o cargo de Diretor-Geral da PF, o julgamento do caso ALEXANDRE RAMAGEM deu uma dimensão diferenciada à autonomia da Polícia Federal, e por reflexão a de outras carreiras de Estado e das capacidades da discricionariedade dos poderes do Presidente da República. Nos casos de LULA e CRISTIANE BRASIL, os problemas residiam e estavam centrados exclusivamente nos “nomeandos” (e seus atos pretéritos), o que não ocorre no caso de RAMAGEM, conforme as fundamentações e explanações da decisão do póprio Ministro STF Alexandre de Moraes.


A TROCA DO DIRETOR-GERAL DA PF PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Quando foram expostas as mensagens de “Wathsapp” pelo (hoje) Ex-Ministro MORO em que demonstram que o Presidente alegava, para exonerar o Delegado VALEIXO de seu cargo comissionado e função de confiança, fato este que o próprio Bolsonaro já externava há algum tempo por "descontentamentos” em relação a não ser informado e não ter “relatórios de Inteligência” da PF, além de, nas palavras do próprio Delegado VALEIXO à PF em 11.05.2020, o Presidente não teria nada contra a sua pessoa, mas queria alguém com “mais afinidade”. 

Hoje tramitam no STF dois inquéritos, sendo um sobre as “Fake News” e outro sobre o “Fechamento do Congresso e do STF”, ambos de cunho sigiloso mas parece que sua divulgação para o Jornal “O ANTAGONISTA” em 22.04. 2020 parece ter sido a “gota d´agua” para a exoneração do Delegado VALEIXO. A estranheza surge no momento em que uma investigação, presidida pelo STF, operacionalizada pela PF e que, a priori, é sigilosa, então como a imprensa teve acesso e a ABIN não? No mesmo grupo de mensagens, o Presidente diz a frase: “Mais um motivo para a troca”.

Uma outra reclamação da atuação da PF em não subsidiar a Presidência da República com Informações de Inteligência e Estratégicas, se deu na reunião com seus Ministros e que o ex-Ministro MORO (este referindo-se à reunião em seu depoimento à PF), transcrita pela AGU e divulgada pelo site NOTICIAS UOL (14.05.2020) - Presidente Bolsonaro: “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento, etc.”

TENTATIVAS DE CRIMES e os PRE-JULGAMENTOS (os “PRECOGS”)

Os crimes, no ordenamento jurídico brasileiro, são classificados como MATERIAIS: onde o tipo penal descreve o resultado e este exige o resultado (seja alcançado) para que haja consumação, e os DE MERA CONDUTA: na qual não se precisa de nenhum resultado naturalístico para se consumar, e os FORMAIS: onde o tipo descreve o resultado naturalístico, mas este não necessariamente precisa ser alcançado para que o crime seja considerado consumado, ou como ensinou DAMASIO  (1997) “possuem um resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção”.

Os crimes formais, geralmente, possuem um “fim especial de agir”, como exemplo citamos a extorsão, crime contra a honra, ameaça, dentre outras.

Uma outra classificação das infrações penais é a divisão dos crimes em UNISSUBSISTENTES: aqueles crimes em que, de um ato só, sem fracionamento, a execução e a consumação coincidem e, portanto, impossível a tentativa, como geralmente os crimes formais e de mera conduta. Outros são os crimes PLURISSUBSISTENTES que, ao contrário dos anteriores, são todos que a execução pode se desdobrar em vários atos sucessivos, ocorrendo consequentemente a ação e o resultado típico, em momentos diferentes (distintos). Por exemplo citamos (via de regra) os crimes materiais.

No que preceita a legislação pátria sobre “tentativas”, presentes especialmente no Art. 14 do CP - Diz-se o crime: 

Tentativa

[...]

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Para fins de doutrina, a tentativa conforme DUPRET (2008) divide-se em:

  • Tentativa Perfeita (Crime Falho) ocorre quando o agente exaure toda a sua potencialidade lesiva mas o crime se consuma por circunstâncias alheias a sua vontade.

  • Tentativa Imperfeita: este já ocorre quando o agente não exaure toda a sua potencialidade lesiva e o crime não acontece por circunstâncias alheias a sua vontade.

Já o mestre Rogério GRECO (2020) explana de forma mais especifica quando ensina que na execução iniciada de um crime, embora não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, pode-se falar em tentativa (conatus), mas toda vez em que pudermos fracionar o iter criminis, se o agente, percorrendo este e der início à execução de um delito, mas que por fatos e circunstâncias alheias à sua vontade, podemos atribuir-lhe a tentativa. Já outros crimes são classificados (em tese) pela doutrina como impossíveis na modalidade tentada, por exemplo, os crimes habituais, os preterdolosos, os culposos, os unissubsistentes, os omissivos próprios e, até por via de regra por causa da consumação antecipada, os crimes formais.

Aproximando-nos mais do caso in concretu, analisado o Art 158 do CP (somente como exemplo acadêmico), tomemos por exemplo o que nos ensina Nelson HUNGRIA (2017) no que se refere a um tipo penal específico, para fins didáticos e de esclarecimentos da linha de raciocínio: “No tocante à extorsão (art.158) apesar de se tratar de crime formal, admite-se a tentativa, pois não se perfaz único actu, apresentando-se um iter a ser percorrido. Assim toda vez que deixa de ocorrer a pretendida ação, tolerância ou omissão da vítima, não obstante a idoneidade do meio de coação deixa este, já em execução, de se ultimar [...].

Explicando o que o autor quis falar, quando (e se) o agente não conseguir a conduta positiva (ou negativa) da pessoa (vítima) e assim não conseguiu consumar o crime, mas se a vítima, in casu, fizer o que o agente queria o crime se faz consumado, mesmo que a haja uma (eventual) fruição do produto da extorsão, neste caso o crime se apresenta como formal, pois a a exigência de vantagem é ainda parte do “momento executivo” do crime de extorsão, ocorrendo antes da consumação.

Porém, caso a vítima, não se sentindo constrangida ou intimidada, ou ainda se não fizer o que determinar o agente, não podemos falar em consumação, mas sim em tentativa, pois o iter criminis não foi completamente percorrido e a (“pseudo”) ameaça não resultou com que a vítima fizesse (ou deixasse de fazer) ou ainda tolerasse algo, assim podemos verificar na jurisprudência pátria:

“Entendo que apesar de ser a extorsão enquadrada entre os CRIMES FORMAIS, isto não impede que se reconheça a ocorrência em sua forma tentada, pois, sendo ela um delito plurissubsistente, isto é, que se preenche com a realização de vários atos, nada obsta a que o agente pratique apenas parte do inter criminis... Uma das formas de reconhecimento da forma tentada é quando a vítima não se submete à violência ou à grave ameaça, interrompendo o inter”.

TJMG, processo 1. 0395.06.013002-2/001(1) Numeração única 0130022-84.2006.8.13.0395, Relator: Fernando Starling.

“O delito descrito pelo art. 158, do CP, encerra um crime plurissubsistente, ou seja, a conduta típica apenas se esgota com a reunião de diversos atos, o que, na espécie, não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do ora apelante... Para que se reunisse todos os elementos constitutivos da figura típica, seria necessário que, ao lado do constrangimento perpetrado pelo agente – mediante violência ou grave ameaça – e com intuito de obtenção de vantagem econômica, houvesse a efetiva limitação da liberdade individual da vítima, de modo que essa fizesse, tolerasse ou deixasse de fazer algo fora dos marcos de atuação do querer individual”.

TJMG, processo 2.0000.00.356285-8/000(1) Numeração Única 3562858-25.2000.8.13.0000, Relator: Antônio Armando dos Anjos.

Ementa. PENAL - EXTORSÃO - CRIME FORMAL - TENTATIVA - ADMISSIBILIDADE.

A extorsão é um crime formal e plurissubsistente. Consuma-se independentemente da obtenção da indevida vantagem econômica. Admite-se, contudo, a tentativa quando a vítima não se submete à violência ou à grave ameaça, interrompendo o iter criminis. Recursos parcialmente providos. V.v: PENAL - EXTORSÃO - CRIME FORMAL - CONSUMAÇÃO - CONSTRANGIMENTO DA VÍTIMA - RECURSOS IMPROVIDOS. O delito de extorsão classifica-se como crime formal ou de consumação antecipada, de forma que a plena subsunção do fato ao tipo do art. 158, CP, independe da efetiva obtenção da vantagem indevida exigida e, apesar de, em tese, o crime admitir a tentativa, a hipótese é de difícil ocorrência, já que, para a consumação, é suficiente a concretização do constrangimento, que ocorre quando a vítima se sente efetivamente ameaçada pelo agente. Recursos improvidos.

TJMG: 200000047367580001 MG 2.0000.00.473675-8/000(1)

Quando partimos para a análise da decisão do Ministro do STF Alexandre de Moraes, este fundamentou sua decisão sobre a escolha e nomeação do diretor da PF pelo presidente como: 

“[...] mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal" [...]

"Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público".


CONCLUSÃO

O que podemos analisar nos fatos transcorridos desde a saída do Ex-Ministro MORO em 24.04.2020, passando pela liminar concedida pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes em 29.04.2020, até as últimas informações sobre a reunião ministerial de 22.04.2020 divulgadas (desgravações) pela AGU em 14.05.2020, foram as de que o Ministro do STF, de forma equivocada, refere-se à Polícia Federal como sendo SOMENTE uma Polícia Judiciária da União, esquecendo-se que a mesma atua também como órgão membro e alimentador do SISBIN, gerenciada pela ABIN, que se serve (e utiliza) destas informações para subsidiar o Presidente da República na tomada de decisões estratégicas de interesses nacionais.

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Outro fato que se torna importante é o de que a insatisfação do presidente foi externada há algum tempo, não contra a pessoa do Delegado VALEIXO, mas que a sua atuação estava “deixando a desejar” como Diretor-Geral por, além de não tendo “afinidades” com o Presidente (não esqueçamos que o cargo também é de CONFIANÇA), não o subsidiava, através do SISBIN/ABIN com todas informações, mas (não podemos pré julgar, afirmar e tampouco levianamente acusar, longe disso!), mas foi sob sua administração o “vazamento” de informações, a priori e s.m.j. sigilosas de investigações em curso no STF, para a imprensa o que, nas palavras de BOLSONARO, seria “mais um motivo para a troca”, pois o Gabinete da Presidência da República e a ABIN (provavelmente) souberam pela Imprensa e não pelos “canais oficiais do SISBIN.

Outro ponto que se conclui nestes episódios todos é a de que, na decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, alegando os princípios da Impessoalidade, Moralidade e Interesse Público, de que a nomeação seria para “[...] permitir que seja feita a interferência política na PF.” ou seja, já estava convencido e preliminarmente imputou tanto ao Presidente da República, quando ao delegado RAMAGEM, a tentativa do crime de interferência política e obtenção ilegal de informações sigilosas.

Este pré-julgamento e imputação criminosa, me fez lembrar, e obviamente fazer um paralelo perigoso, com “MINORITY REPORT”,  filme de ficção científica lançado em 2002 e estrelado por Tom Cruise, dirigido por Steven Spielberg e cujo roteiro se passa em uma Washington/DC e Northern Virginia (USA) no ano de 2054, onde "o PRÉ-CRIME", é um departamento de polícia especializada que apreende criminosos com base no conhecimento prévio fornecido (não cometeram o crime ainda) por três videntes chamados "PRECOGS". No filme o principal protagonista (Tom Cruise) é acusado de um crime que não ainda não cometeu, tornando-se um fugitivo.

Esta comparação, embora ficcional, não pode deixar de ser feita pois o que se imputou,  tanto ao Presidente da República (ao exonerar VALEIXO) e nomear RAMAGEM (e a este também), fato que ainda não fizeram, e sequer havendo o “conatus” e tampouco a preparação ou fruição de um resultado que sequer se sabe o “intentus” ou “modus operandi”, pois como a Policia Federal (confirmado tanto por declarações do Ex Ministro, de Delegados e da FENAPEF) trabalha com dados sigilosos, decretados pelo magistrado titular e poucas pessoas sabem dos detalhes, nem Superintendente (maioria das vezes) nem Diretor-Geral (muito menos o Ministro da Justiça) antes da deflagração, se torna uma “tentativa” de um CRIME IMPOSSÍVEL.


BIBLIOGRAFIA

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Sobre o autor
Farlei Meyer

Agente de Polícia Federal - Classe Especial (Aposentado), Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito Tributário, Especialista em Segurança Pública, Doutorando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA) com Linha de pesquisa em Origens e Patologias da Corrupção. Pesquisador formado pela Escola Superior de Polícia (DF), Membro do Comitê de Planejamento Estratégico da Polícia Federal (2007-2022). Já atuou como Professor do curso de Graduação em Direito da UNITINS, Professor de Pós-graduação da Escola da magistratura do Tocantins (ESMAT) e Professor/Tutor da Academia Nacional de Polícia (ANP/DF). Já foi Chefe da Unidade de Analise de Inteligência da Policiai Federal (UADIP/CGDI/DICOR), Chefe do Núcleo de Inteligência da Superintendência da PF/TO (NIP), Ex Diretor de Planejamento Estratégico Operacional da SSP/TO, Chefe da Delegacia de Ordem Política e Social (DELOPS) e Representante do Escritório da INTERPOL no TO (IP-TO/2005). Consultor em Compliance de ISO 37001.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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