5. Visão do cumprimento da pena sob a égide da Dignidade Humana
Nos capítulos anteriores foi exposto sobre o cumprimento da pena privativa de liberdade na visão teórica, ou seja, o que é previsto em lei, o que se espera de um cumprimento digno e dentro dos padrões legais e em contrapartida a visão prática do que realmente ocorre nos estabelecimentos penais no país.
Neste capítulo serão abordadas formas deste cumprimento que apesar da crise no sistema prisional podem ser analisadas e utilizadas para melhor efetividade e alcance dos objetivos da pena. Frisa-se que serão abordadas três formas, sendo que a primeira, a prisão domiciliar já é utilizada na prática atualmente, contudo serão feitas algumas observações e críticas que possam aprimorar em sua aplicação. As outras formas tratam-se da mediação e da parceria com universidades, meios que se encontram apenas na teoria.
5.1 Prisão domiciliar
A Lei de execução penal desde sua vigência já traz em seu texto a possibilidade de mães e gestantes cumprirem a pena de prisão em residências, como expõe o artigo abaixo:
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV - condenada gestante.
A prisão domiciliar é um benefício ao preso que pode cumprir a pena em casa. Contudo, segundo André Arnaldo Pereira[63]existem alguns requisitos para que este benefício seja concedido que incluem, entre outros:
Recolher-se diariamente à sua residência a partir das 21 horas e apresentar-se periodicamente à Justiça, através da VEPEMA – Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas;
Residir no endereço declarado, mantendo bom relacionamento com familiares e vizinhos, com a obrigação de comunicar à VEPEMA eventual mudança de endereço; Manter-se recolhido à residência entre 21 e 5 horas;
Permanecer dentro da residência nos domingos e feriados em tempo integral, durante o tempo determinado para a prisão domiciliar;
Comparecer à VEPEMA bimestralmente, nos dias designados no calendário de apresentação, informando e justificando suas atividades;
Não se ausentar da cidade de domicílio sem prévia autorização da VEPEMA, a menos que autorizado e dentro dos municípios constantes da autorização;
Não ter como companhia pessoas que também estejam cumprindo pena, em qualquer regime (aberto, semiaberto, fechado ou livramento condicional),
não andar acompanhado de menores de 18 anos que estejam cumprindo medidas socioeducativas;
Não portar armas de qualquer espécie (Pereira, 2016)
Dentre os requisitos ainda é possível citar:
Comprovar que está exercendo trabalho honesto no prazo determinado pela VEPEMA ou justificar as atividades exercidas;
Submeter-se à fiscalização de autoridades encarregadas de supervisionar suas condições de trabalho e de atividades;
Não usar ou portar entorpecentes ou bebidas alcoólicas e não frequentar locais de prostituição, jogos, bares e similares;
Sempre ter em mãos documentos pessoais e, quando for o caso, autorização de viagem ou autorização de prorrogação de horário;
Efetuar o pagamento de penas de multa de custas processuais, quando houver;
Ter em mãos comprovante de endereço na primeira apresentação à VEPEMA (Pereira, 2016).
Além do que foi explicitado acima é importante ressaltar que o regime de prisão domiciliar é uma conversão para aqueles presos que já foram sentenciados e que cumprem a pena em regime aberto, sendo que dificilmente o sentenciado começa o cumprimento cumprindo a pena em casa, sendo necessário cumprir uma parte da pena primeiro para depois solicitar a conversão, salvo em casos excepcionais.
O artigo 318, incisos IV e V do Código de Processo Penal preveem que: Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: gestante; ou mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Nesse sentido o artigo 318 A segue prevendo que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa.
Em relação as previsões dos artigos acima, é possível realizar algumas pontuações, a primeira, em relação ao artigo 117 da Lei de Execução Penal, considerando as gestantes e mães é que a aplicação seria muito restrita já que abrangeria apenas as mulheres em regime aberto.
Já em relação ao artigo 318 do Código de Processo Penal a primeira crítica é que o artigo traz a possibilidade de o magistrado converter a prisão preventiva em domiciliar, logo não é dever realizar tal ato, sendo assim, as mulheres que estão em prisão preventiva, a maioria que ocupa os estabelecimentos prisionais, como visto no gráfico 8[64], dependem da discricionariedade do juiz para terem a prisão convertida. Ressalva-se ainda que a Lei 13.257, de 8 de março de 2016 que alterou o Código de Processo Penal e introduziu a possibilidade da conversão da prisão preventiva em domiciliar para gestantes e mulheres com filhos até 12 anos. A pesquisa e estatística do gráfico se referem ao ano de 2017[65], e após um ano de promulgação da lei, esta não havia surtido tantos efeitos.
Em uma segunda análise desse mesmo artigo, se de fato todas as mulheres que preenchem os requisitos exigidos pela lei tivessem a conversão da prisão, uma significativa quantidade de vagas dos estabelecimentos prisionais seriam liberadas, isto porque atualmente dificilmente se encontram todas espécies de estabelecimentos vistas no capitulo 2[66] nos Estados, e normalmente se tem um único estabelecimento onde se reúne todas as mulheres de diferentes regimes cumprindo suas penas. Com a liberação de vagas, seria menos dificultoso fornecer assistência ao restante das mulheres em questão
Em relação a discricionariedade do magistrado em converter ou não a prisão das mulheres presas preventivamente em prisão domiciliar. Nesse quesito seria mais benéfico se a legislação determinasse que tal conversão fosse de ofício, trazendo assim mais proveito para as mulheres, as famílias, as crianças e o sistema penitenciário, que poderia utilizar os recursos em prol de outras presas já sentenciadas e sem outras possibilidades.
Diante dessas considerações a proposta para a elucidação da questão deste capitulo, qual seja, ter uma visão do cumprimento da pena sob a égide da dignidade da pessoa humana, seria uma lei mais abrangente que primeiramente abarcasse as mulheres gestantes, em estado puerperal e mães com filhos até 12 (doze) anos em regimes aberto e semi-aberto, sendo possível desde a condenação começar o cumprimento em regime domiciliar. Tal dedução se deve pelo fato de que com uma lei mais abrangente que envolvessem as mulheres nessas referidas situações e que não dependesse da decisão direta do juiz, fosse de oficio, dependendo do magistrado apenas para expedição de alvarás, traria a possibilidade de mais mulheres cumprissem a pena em prisão domiciliar o que refletiria significativamente no número de mulheres dentro dos estabelecimentos prisionais. A expectativa de que o regime inicial possa ser domiciliar também é importante pois além de interferir no número de mulheres no sistema prisional, impediria a separação das mães com seus filhos e também que as mulheres nas últimas semanas de gestação tenham seus filhos sem nenhuma assistência familiar.
Em relação as mulheres que cumprem a pena em regime fechado, seria interessante uma previsão expressa no sentido que permitisse o cumprimento excepcional em casa quando no estabelecimento em que estão não possuísse estrutura para suas necessidades gestacionais e maternas.
5.2 Mediações de conflitos familiares
Um dos problemas abordados com as mulheres alvo desta pesquisa se relaciona ao abandono sofrido pelos familiares, afetivamente e materialmente, o que se agrava quando diz respeito a guarda das crianças, isto porque após dar à luz a mulher tem a opção de já entregar a criança aos familiares ou esperar o período de amamentação (6 meses) e entregar a guarda posteriormente, contudo, em muitos casos, como os relatos no capítulo anterior, algumas famílias, com desafetos, se recusam a receber a criança o que obriga a mãe a entrega-la, em última hipótese, a assistentes sociais, sendo assim os menores vão para abrigo e perdem o contato com a genitora. Em outras situações, existe também a recusa dos familiares em levar as crianças em visitas aos presídios para continuar mantendo os laços afetivos com as mães. Há também aquelas famílias que mesmo sabendo da omissão do Estado e das dificuldades enfrentadas no cárcere não ajudam materialmente as detentas, salvo aquelas que realmente não podem ajudar, como visto nos capítulos anteriores por adversidades externas e não controláveis.
Diante desses conflitos, uma prática já utilizada atualmente conhecida como mediação de conflitos poderia ser usada, claro, adequando aos moldes da situação concreta que está sendo trabalhada.
A proposta seria de círculos de conversas entre familiares e reclusas para entender o motivo do conflito, explanar as dificuldades do relacionamento entre as partes e propor meios de solucionar o desacordo. Tais encontros seriam conduzidos por psicólogos, assistentes sociais e mediadores para facilitar o diálogo. Inclusive, esse tema já está sendo alvo de debates em alguns Estados. No Rio de Janeiro a Escola de Magistratura promoveu palestra[67] a respeito do assunto e a palestrante Ariane Trevisan Fiori[68], mediadora no Centro Penitenciário Soto Del Real de Madrid, disse que “a ideia é olhar para a Justiça Restaurativa como uma solução alternativa de conflitos penais”. No mesmo evento o juiz Bruno Monteiro Ruliére teceu críticas ao sistema carcerário no Brasil, dizendo que “a execução penal no Brasil, no Rio de Janeiro, chegou a um estágio de desumanidade que não consegue atender ao papel proposto”. Para finalizar a Fiori falou concluiu que “a Justiça Restaurativa traria uma reestruturação ao sistema penitenciário do Brasil”.
Nesse sentido o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) promoveu em Porto Alegre/RS, um workshop[69] sobre práticas restaurativas no sistema penitenciário. O evento ainda contou com a parceria do Ministério Público e do Tribunal de Justiça do Estado. Portanto, identifica-se que essa medida não está distante da realidade.
A mediação seria vantajosa no sentido de fortalecer os laços familiares e a família é fortemente defendida da Constituição Federal, geraria mais proximidade entre mães e filhos que estavam afastados, passaria segurança e confiança para a gestante que saberia com quem ficaria a guarda do filho e por fim poderia ainda gerar mais contribuições materiais que atendesse as necessidades peculiares das mães e gestantes que o Estado não é capaz de suprir.
5.3 Parceria com Instituições de Ensino Superior
O crescente número de alunos na educação superior é alarmante, em 2018, o número de ingressantes teve um crescimento de 6,8% em relação a 2017. Se comparada a 2008 o número de estudantes no ensino superior era de 2.463.899, enquanto em 2018 foi 3.445.935 conforme Censo da Educação Superior[70], e por consequência a procura de estágio obrigatório. Muitas instituições de ensino possuem o próprio núcleo de prática profissional para que seus alunos possam colocar em prática o que aprenderam em sala de aula. Atualmente vários desses núcleos, em diferentes áreas, oferecem serviços gratuitos para a população e assim as duas partes encontram vantagens, o aluno testa o seu conhecimento e o suposto cliente recebe um atendimento gratuito.
Uma prática proveitosa no cenário desta pesquisa seria o acordo entre o Estado e instituições de ensino próximas aos estabelecimentos prisionais para que os alunos pudessem atuar dentro dos presídios, com os recursos fornecidos pelo Ente, em prol das mulheres. Iria se tratar de um projeto bem programado, com uma logística que não prejudicasse a rotina do local, que contasse com a supervisão do professor, e incluísse diversas áreas profissionais, como alunos do curso de direito, fisioterapia, nutrição, psicologia, assistência social, educação física, enfermagem e odontologia.
Desta forma, o projeto poderia ser elaborado pela coordenação da instituição de ensino parceira e pela secretaria de segurança pública. Na prática seria composto por alunos de diversos cursos, acompanhados por seus respectivos professores supervisores. Os alunos seriam separados em grupos e cada grupo englobaria pelo menos um aluno de cada curso. Nos presídios as mulheres também seriam separadas em grupos e desta forma cada grupo de alunos seria responsável por um ou mais grupo de reclusas e prestariam os serviços que essas detentas necessitam e que não são fornecidos pelo Estado, serviços esses que realizariam no estágio obrigatório. Teoricamente um grupo composto por um estudante e de direito, este auxiliaria no andamento processual e demais dúvidas jurídicas; de odontologia, que cuidaria da saúde bucal das internas; de psicologia, trabalharia a saúde mental; de fisioterapia, cuidaria daquelas mulheres que necessitam de cuidados especiais para reabilitação; sendo assim, cada estudante teria uma função adequada ao curso que realiza.
Tal atuação contribuiria profissionalmente para os alunos estagiários, socialmente para as mulheres e humanamente para todos.
Diante do exposto acima é possível verificar que é possível através de políticas públicas e adequações em legislações já existentes propor soluções viáveis para tentar driblar a crise no sistema prisional e oferecer condições dignas para o cumprimento de pena das mulheres mães, puérperas e gestantes, com o objetivo de que a pena cumpra seus objetivos e essas mulheres após o cumprimento da pena possam ser reinseridas na sociedade com esperança de uma vida melhor, longe da criminalidade e principalmente ressocializadas.
6 - Considerações finais
Por todo o exposto apresentam-se algumas considerações relativas ao estudo do tema.
O intuito inicial desta pesquisa era analisar como a crise no sistema prisional afeta o cumprimento da pena de mães e gestantes, isto porque a falta de estrutura nos estabelecimentos prisionais concorre diretamente para que essas mulheres tenham seus direitos contrariados e por consequência a dignidade violada.
Neste contexto foi explicitado que a dignidade da pessoa humana é o princípio orientador da Constituição, sendo esta, orientadora das demais legislações infraconstitucionais e norteadora das Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo assim, observa-se a importância de tal direito e a necessidade de respeitá-lo.
Durante o desenvolvimento desta temática foi trabalhado que a origem da pena no Brasil se deu com a criação das Ordenações Afonsinas e Manuelistas, posteriormente substituídas pelas Ordenações Filipinas pelo Rei D. Felipe. Tendo a pena de prisão sofrido influência dos sistemas alburbiano e progressivo inglês nas suas adequações até chegar no modelo atualmente aplicado.
Também foram trabalhados em relação a pena seus princípios, fundamentos e finalidades, e finalizar foram pontuadas as espécies e seus respectivos regimes de cumprimento.
Em continuação ao desdobramento do tema foram realizadas analises das legislações pertinentes aos direitos das mulheres mães e gestantes que cumprem a pena. Após estas análises ficou evidente que o ordenamento jurídico em diversos dispositivos legais resguarda o direito não só destas mulheres, mas também de seus filhos e que vários aspectos são regulados, tais como pré-natais, assistência à saúde, material, jurídica fornecidas pelo Estado, além de estabelecimentos adequados para suprir as necessidades referentes a gravidez e a maternidade.
Em contrapartida também foram realizadas analises de documentários voltados para a maternidade no cárcere, livros com relatos de diversas mulheres presas, entrevista com agente penitenciária e dados de estatísticas do Sistema do Departamento Penitenciário Nacional – SISDEPEN, bem como do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN e após exploração foi verificado que na prática os direitos previstos não são em suas totalidades observados, fazendo com que as mulheres alvo deste estudo, que permanecem sob a custódia do Estado e que são totalmente dependente deste sofram diversos danos e que indiretamente sejam penalizadas duas vezes, pela pena previamente cominada e pela precariedade do sistema prisional falido a que são submetidas.
Pelo exposto, foi proposto ao fim da pesquisa três formas de promover a execução da pena das mães e gestantes sob a égide da dignidade da pessoa humana, sendo estas, aprimoramento na legislação já existente e políticas públicas com enfoque nessa pauta, para que com o cumprimento digno da pena, esta cumpra sua real função, com o objetivo que as mulheres tenham além da dignidade preservada, a esperança da ressocialização e a esperança de uma vida prospera e afastada da criminalidade.