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A tutela jurídica do meio ambiente no contexto internacional

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Apresentam-se a evolução histórica do direito internacional ambiental e leading cases que servem como parâmetro para a resolução de diversos litígios envolvendo o meio ambiente.

Resumo: As preocupações concernentes ao meio ambiente tomam um lugar de destaque no cenário internacional contemporâneo, fomentando o fortalecimento de um novel ramo jurídico o Direito Internacional Ambiental. A instabilidade ambiental conjugada com o interesse da conservação dos recursos naturais engendra a perene construção de baluartes comuns a toda a comunidade internacional, que necessita dos recursos naturais para sustentar o modelo de desenvolvimento econômico vigente. Na primeira parte do artigo ocorrem as considerações introdutórias do Direito Internacional Ambiental, desde o seu surgimento perpassando pelos eventos históricos e diplomáticos que contribuíram para a sua consolidação. Na segunda parte, faz-se uma análise sistemática das Convenções e Tratados Internacionais no âmbito ambiental, já que a compreensão desses instrumentos internacionais é crucial para o entendimento dos desafios e tendências atuais do Direito Internacional Ambiental. Por fim faz-se uma análise sucinta da implementação do Direito Internacional ambiental nos casos Hungria x Eslováquia e Argentina x Uruguai, que servem como base jurídica para diversos litígios concernentes à temática do Meio Ambiente.

Palavras – Chave: Tratados Internacionais; Responsabilidade Internacional; Direitos Humanos.

SUMÁRIO: 1. A gênese e a evolução histórica do Direito Internacional Ambiental. 2. As Dicotomias do Direito Internacional Ambiental. 2.1 Objetos Amplos e Objetos Específicos. 2.2. Biocentrismo e Antropocentrismo. 3. Aplicação dos Tratados Internacionais relacionados ao Meio Ambiente. 4. A contribuição dos casos Hungria x Eslováquia e Argentina x Uruguai para a consolidação do Direito Internacional Ambiental. 5. Considerações Finais. 


1. A gênese e a evolução histórica do Direito Internacional Ambiental

O Direito Internacional Ambiental é formado por um complexo conjunto de regras e princípios, que regem a proteção ambiental no âmbito internacional. Os seus princípios norteiam a resolução de conflitos envolvendo preocupações ambientais comuns à comunidade internacional, bem como possuem regras para situações particulares em regiões específicas do planeta.

A evolução histórica do Direito Internacional Ambiental é de difícil sistematização. Não é raro que os acordos firmados entre os países possuam níveis de cogência diferentes e entrem em contradição em searas idênticas. De igual modo, as mudanças nas políticas governamentais dos países em relação à temática ambiental devido a conjunturas nacionais representam uma barreira para um aumento progressivo da observância dos mecanismos de defesa do meio ambiente.

É possível afirmamos que é na segunda metade do século XX que os moldes iniciais do Direito Internacional Ambiental são delineados. É certo que no decorrer da história vários Tratados Internacionais tangenciavam a temática ambiental. Contudo, é a partir do pós-segunda guerra que um conjunto de regras começam a estruturar o Direito Internacional Ambiental. Afinal, o aumento da população mundial, e o processo, daí decorrente, de maior poluição e destruição de vários ecossistemas, impôs uma maior atenção por parte dos Estados.

Com as lições deixadas pela Segunda Guerra Mundial, observou-se a necessidade de mecanismos internacionais que articulassem a cooperação por um desenvolvimento econômico pautado na observância das problemáticas ambientais. Os grandes acidentes ambientais1 também deixaram evidente a necessidade de uma maior regulamentação, seja para promover o manejo sustentável dos recursos, seja para garantir a saúde e a qualidade de vida da população. Nesse sentido, o Direito Ambiental surge como uma corrente dos próprios direitos humanos, nascendo em uma perspectiva antropocêntrica. (TRINDADE, 1993).

2. As Dicotomias do Direito Internacional Ambiental

2.1 Objetos Amplos e Objetos Específicos

No decorrer da história se sucederam a produção de Tratados com objetos amplos destinados à regulação de amplas conjunturas, nesse sentido temos a Convenção de Londres de 1933, que buscava proteger a fauna e a flora nos seus estados naturais, como também se destaca a Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, de 1940.

Com a finalidade de promover a máxima efetividade de suas disposições, os Tratados com objetos amplos serviram como impulso para a formulação de Tratados com objetivos específicos. Além de otimizar os Tratados com objetivos amplos, os Tratados com objetos específicos podem surgir de forma independente para resguardar uma situação específica. Podemos mencionar como exemplo a Convenção Internacional sobre a Regulação da Pesca da Baleia, de 1946, e a Convenção sobre o Estabelecimento da Comissão Interamericana para a Pesca do Atum. (MILARÉ, 2007).

2.2. Biocentrismo e Antropocentrismo

A justificação teórica para a proteção dos objetos ambientais ainda é um tema controverso no debate contemporâneo. Ora a proteção se dá devido a um valor intrínseco da natureza, ora a justificação se dá, sobretudo, devido ao relevante papel da estabilidade ambiental para a manutenção dos objetivos humanos em nível de sobrevivência e reprodução do modelo de produção vigente.

Sob uma perspectiva biocentrista, ao menos em tese, podemos destacar a Convenção Relativa à Preservação da Fauna e da Flora em seu Estado Natural, também conhecida como Convenção de Londres de 1933, que assegurava uma proteção a fauna e a flora nos seus estados naturais, bem como a Convenção sobre o Tráfico de Espécies Ameaçadas de Extinção, de 1973. Nessas Convenções defende-se a importância inerente aos seres pertencentes aos ecossistemas protegidos. De acordo com Dworkin (1998), a natureza possui um valor intrínseco porque os seus elementos constitutivos não podem ser susceptíveis de avaliação material, ou seja, a totalidade dos elementos que constituem o meio ambiente não são precisamente mensuráveis, já que dependerão de um fator temporal. O valor intrínseco da natureza constitui-se em função do investimento natural de bilhões de anos, que forneceram as condições para a sua construção.

Em uma perspectiva antropocentrista, destacam-se as Convenções que aspiram assegurar a qualidade de vida do indivíduo, bem como preservar as demandas das gerações presentes e futuras. Nesse sentido, podemos citar a Convenção sobre a Proteção dos Pássaros Úteis à Agricultura de 1903.

Grosso modo, a caracterização de um Tratado ou Convenção como biocêntrica ou antropocêntrica não é absoluta, pois em larga escala o correto manuseio dos recursos naturais repercutirá em todo o planeta. Em face disso, a dicotomia biocentrismo e antropocentrismo tem um forte cunho didático, pois um mesmo Tratado pode ser assinado por motivos diversos. Alguns Estados podem se tornar signatários por acreditar que a defesa daquele interesse tenha utilidade para as pessoas, assim como outros Estados podem vincular-se ao tratado visando garantir os valores intrínsecos à natureza, não aspirando naquela proteção um meio para a consecução de benefícios no futuro. (MILARÉ, 2007).

Dessa maneira, não é possível reduzir as Convenções a essa dicotomia de forma definitiva, vez que as motivações para a assinatura podem variar de um Estado para outro, signatários de um mesmo Tratado ou Convenção.

3. Aplicação dos Tratados Internacionais relacionados ao Meio Ambiente

Os Tratados internacionais não são uma criação recente2, mas é a partir do pós-segunda guerra que eles ganham força e figuram na condição de fonte primordial do Direito Internacional. Importância corroborada pelo art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que coloca as Convenções Internacionais, celebradas pelos Estados, como fonte primeira do Direito Internacional3. O Tratado, como a principal fonte do Direito Internacional, regula as principais matérias de cunho internacional e melhor condiz com o ideal democrático, vez que há a participação direta dos Estados para a sua elaboração.

A Convenção de Viena de 1969 sobre os Tratados dá a seguinte definição: “Tratado significa um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja sua designação específica”.

A Convenção de Viena ainda preocupou-se em relatar os requisitos primordiais para a validação dos Tratados. Delimitando como requisitos: a capacidade dos contraentes; que os signatários estejam legalmente habilitados através da carta que dê plenos poderes, assinada pelo chefe do executivo; que o objeto seja lícito e possível e que haja um mútuo consentimento entre as partes.

Conforme já foi destacado, os Tratados Internacionais no âmbito ambiental não surgiram recentemente, mas o despertar do Direito Internacional Ambiental só se deu na segunda metade do século XX4, mais precisamente com os efeitos irradiados da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de 1972 em Estocolmo. Nesta linha de análise observa Guerra:

Para se ter a idéia da proliferação de documentos internacionais em matéria ambiental após 1972, alerta que até os anos 60, existiam apenas alguns dispositivos para a proteção dos pássaros úteis à agricultura, a proteção das peles de focas e sobre a proteção das águas. De 1960 até 1992, foram criados mais de 30.000 dispositivos jurídicos sobre o meio ambiente, entre os quais 300 tratados multilaterais e 900 acordos bilaterais, tratando da conservação e mais de 200 textos oriundos das organizações internacionais (GUERRA apud VARELLA, 2004, p.3).

Na Conferência de Estocolmo, ficou explícito a divergência entre os países do hemisfério Norte e do hemisfério Sul. Os países do hemisfério sul, majoritariamente subdesenvolvidos, enxergavam nas medidas ambientais como uma forma imposta pelos países desenvolvidos de limitar o desenvolvimento de sua economia. O Brasil, na época da Conferência, estava em pleno “milagre econômico”, que tinha como um dos pilares a exploração de recursos naturais em larga escala, motivo porque resistiu a certos postulados da Conferência de Estocolmo. Conforme informa Melgaço e Alvim (2008, p.17):

Na Conferência de Estocolmo, o Brasil liderou 77 países (do total de 113) com acusações aos países industrializados e na defesa do crescimento a qualquer custo. Em protesto estendeu uma faixa com os dizeres: “Bem vindos à poluição, estamos abertos a ela. O Brasil é um país que não tem restrições, temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque nós queremos empregos, dólares para o nosso desenvolvimento”.

Gradualmente, os países em desenvolvimento começaram a recepcionar a ideia de conservação ambiental dos Tratados Internacionais de Meio Ambiente. O pioneirismo da Conferência de Estocolmo, que reuniu 113 países e 400 ONGs, desencadeou uma profusão de Tratados internacionais bilaterais e multilaterais que tratavam da temática ambiental5. Depois de dez anos da Conferência de Estocolmo, ocorre, na cidade de Nairóbi, um encontro que tinha como objetivos: avaliar a observância e o cumprimento dos princípios emanadas da Conferência de Estocolmo; criar uma Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento. Esta foi constituída em 1983, e em 1987 recomendou a criação de um novo documento internacional que zelasse pelo meio ambiente e por um desenvolvimento sustentável (GUERRA, 2006). Já no ano de 1987 foi apresentado o Relatório Brundtland, também chamado Relatório Nosso Futuro Comum, que apontou os principais problemas ambientais a serem resolvidos6. O conceito de desenvolvimento sustentável também teve sua definição trazida nesse Relatório, que assim o definiu: “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”. (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p.46).

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Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, realizou-se a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ou Rio-92, que trouxe uma grande discussão multilateral entre os diversos atores internacionais. As discussões trazidas nesta Conferência resultaram na elaboração da Declaração do Rio Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que corroborou a definição de desenvolvimento sustentável anteriormente inaugurada pelo Relatório Brundtland. Outro mecanismo viabilizado pela Rio-92 foi a Agenda 21, baseada em um documento constituído por 40 capítulos, que reuniu a vontade de 179 países dispostos a conciliar proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica na promoção de um novo modelo de desenvolvimento7.

A Rio-92 foi um marco importantíssimo, estabelecendo diversos instrumentos, como, por exemplo, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que contemplou a assinatura de um compromisso que desencadeou a realização de reuniões anuais entre os Estados. Inicialmente, a Convenção Quadro das Nações Unidas foi assinada por 154 países, e entrou em vigor em 1994, sendo a primeira Conferência das Partes da Convenção (COP) realizada no ano de 1995 (GUERRA, 2006).

Até hoje ocorreram 25 reuniões da COP, destacando-se a importância da COP 3, que instituiu o protocolo de Kyoto, delimitando a diminuição dos gases do efeito estufa responsáveis pelas mudanças climáticas. Todavia, os postulados construídos em Kyoto não surtiram o efeito esperado, devido a tantos interesses envolvidos está sendo difícil encontrar um denominador comum entre os Estados.

A 25º Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, realizada em 2019, na cidade de Madri, foi o último encontro entre as partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre mudanças climáticas. E nele ainda não foi possível definir medidas mais rígidas a fim de diminuir a emissão dos gases de efeito estufa, sobretudo, pois os Estados Unidos não ratificaram o Protocolo de Kyoto. Isso impossibilita o avanço nas negociações, uma vez que o país é o segundo maior emissor de gases causadores do efeito estufa, atrás apenas da China, e influencia a posição dos demais países.

Ao longo desse processo de evolução do Direito Internacional Ambiental, o Brasil foi ratificando os acordos internacionais e os incorporando ao ordenamento jurídico, influenciando diretamente o legislador na construção de importantes leis ambientais, como a lei 6.938/81 que criou a Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA e o Sistema Nacional do Meio Ambiente SISNAMA.

É de suma importância enfatizar que a soberania é um fator de grande influência no que diz respeito a Tratados internacionais, pois de acordo com o conceito clássico, não seria possível que fatores externos interferissem na ordem interna. Por outro lado, é preciso conciliar os interesses nacionais com as problemáticas que exigem uma articulação mundial. Aliás, como ressalta Choukr (2001), o respeito e a observância dos dispositivos dos Tratados Internacionais ratificados pelo Estado-parte são ações que corroboram a soberania estatal. Haja vista que: “ainda que por sede argumentativa se queira recorrer aos padrões clássicos de soberania, é necessário ser destacado que mesmo a atuação nacional na celebração de tais Tratados é uma das mais importantes e louváveis manifestações da atividade soberana do Estado” (CHOUKR, 2001, p.12).

4. A contribuição dos casos Hungria x Eslováquia e Argentina x Uruguai para a consolidação do Direito Internacional Ambiental

O Direito Internacional evolui constantemente na busca por melhores soluções dos impasses existentes. Na medida em que há ideias antagônicas e que não podem ser resolvidas sem que haja mediação de uma Corte, temos pontos de penumbra quanto ao esclarecimento. Tais situações forçam uma evolução e maiores explicações a respeito de controvérsias no âmbito do Direito Internacional.

Veremos que, nos casos de Gabcíkovo-Nagymaros (Hungria x Eslováquia), e no das Usinas de Celulose (Argentina x Uruguai), temos casos de violações de obrigações internacionais envolvendo o Direito Internacional Ambiental, que influenciam direta e indiretamente questões econômicas e sociais. Em ambos os casos citados, temos um tratado de base na relação entre as partes a respeito do aproveitamento e gestão de recurso natural comum, além de apontarem também violações mútuas.

A Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas. A ele cabe a resolução de conflitos envolvendo Tratados internacionais, tendo estatuto e regulamento próprios e juízes que devem representar a posição da Corte, e não interesses particulares de seus países de origem. Atuando na solução pacífica de litígios, a Corte Internacional de Justiça contribui para paz mundial. Diante da igualdade de direitos entre os Estados, há a necessidade de um terceiro imparcial para resolução do conflito, função que a referida Corte exerce.

Tomando para análise particular o caso de Gabcíkovo-Nagymaros, temos que a origem da disputa entre Hungria e Tchecoslováquia deu-se sobre um projeto de execução de aproveitamento e valorização do Rio Danúbio, que serve de fronteira, em certo trecho, entre os dois Estados (HICKMAN, 2006).

O projeto denominado Gacíkovo-Nagymaros surgiu de um tratado firmado em 1977 entre a República Popular Húngara e pela República Socialista Tchecoslovaca e destinava-se à exploração de recursos naturais.

Após iniciadas as obras, a Hungria, devido o recebimento de muitas críticas relativas às obras, suspendeu os trabalhos em Nagymaros. A Tchecoslováquia realizou estudos na esperança de que fosse encontrada uma alternativa menos agressiva e que suscitasse menos dúvidas em relação a segurança e necessidade do projeto, encontrando assim uma solução alternativa, chamada de “Variante C”, decisão ratificada pelo governo federal tchecoslovaco. Os trabalhos na “Variante C” começaram, mas as negociações permaneceram sem acordo, até que a Hungria comunicou o término do Tratado. Quando a Eslováquia tornou-se um Estado independente, Hungria e Eslováquia firmaram um compromisso de gestão das águas do Danúbio, durante a submissão do caso à Corte Internacional de Justiça. Após diversos impasses, firmaram o acordo que perdurou apenas quatorze dias após o fim da Corte. O litígio no caso Gabcíkovo-Nagymaros foi apresentado à Corte em forma de Compromisso, que é um acordo entre as partes, no qual são delimitados os poderes da Corte e as questões de procedimentos. (HICKMAN, 2006).

A responsabilidade internacional teve pertinência devido às violações de regras convencionais e de Direito Internacional geral, além dos prejuízos reais advindos do conflito, do desvio do Rio Danúbio e das obras inacabadas. Neste caso, mesmo a Eslováquia tendo como principal interesse o de ver cumpridas as obrigações do Tratado de 1977, e não necessariamente receber um reparo, tem pretensões corroboradas pelo Direito Internacional sobre a responsabilidade dos Estados. Pois o desenvolvimento do Direito Internacional conduziu à supressão do prejuízo como elemento da responsabilidade, não sendo, porém, o reparo o único objetivo da responsabilidade internacional. Portanto, a Hungria, ao violar o Tratado do qual foi parte voluntariamente, “violou a obrigação de dar cumprimento de boa-fé aos Tratados” (HICKMAN, 2006, p.76).

No caso das usinas de celulose (Argentina x Uruguai), temos um contencioso devido à construção de duas usinas de celulose na fronteira entre os dois países. Duas fábricas de papel e celulose seriam construídas em território uruguaio, uma espanhola da empresa S.A. (ENCE) e outra finlandesa da empresa Oy Metsä-Botnia Ab (Botnia). As usinas seriam construídas às margens do Rio Uruguai. A Argentina declarou que o governo uruguaio descumpriu o Estatuto do Rio Uruguai, que estabelece a gestão das águas do rio, apontando que toda e qualquer decisão referente a navegação ou qualidade das águas deve ser tomada por ambos os países. Diante do ocorrido, manifestantes argentinos, preocupados com os impactos ambientais que tais usinas poderiam causar, passaram a bloquear vias de acesso a pontes internacionais que ligam os dois países. Tal situação veio a prejudicar o Uruguai, devido o impedimento de circulação de pessoas e mercadorias, mas também a Argentina, pois o Uruguai usaria, mais tarde, o evento como um contra-argumento diante das reclamações argentinas.(HICKMAN, 2006).

Após inúmeras tentativas de solucionar o problema, o governo uruguaio denunciou a obstrução à livre circulação de mercadorias como violação ao Tratado de Assunção (art. 1º) e ao Protocolo de Montevidéu sobre Comércio de Serviços, assim como às regras do Direito Internacional aplicáveis ao caso concreto. Diante desse fracasso diplomático, o país buscou então a instalação de um Tribunal Arbitral Ad Hoc em 19 de abril de 2006, nos termos do Mercosul. Paralelamente a esse processo, a Argentina acionou o Uruguai perante a Corte Internacional de Justiça em 4 de maio de 2006, alegando a falta de cumprimento das obrigações procedimentais e substanciais referentes ao Estatuto do Rio (HICKMAN, 2006).

Diante dos já citados bloqueios argentinos, o Uruguai alegou que diversos setores relacionados aos serviços teriam sido prejudicados. Também alegou a ocorrência de violação ao princípio fundamental da livre circulação de pessoas, constante de instrumentos jurídicos internacionais relativos a Direitos Humanos. Além disso, argumentou que teria o direito ao seu desenvolvimento econômico, tendo soberania permanente sobre seus recursos econômicos.

A Argentina tentou justificar-se alegando a liberdade de expressão dos manifestantes, que é um direito humano fundamental, previsto na constituição argentina, sendo superior ao direito do Mercosul. Argumentou também que teria tentando regularizar a situação, e que os bloqueios nada tinham a ver com a opinião do Governo. O Tribunal Ad Hoc do Mercosul decidiu que os bloqueios argentinos não seriam legítimos, devido a proporção que tomaram além de ter ficado claro apoio dado pelo governo. A Argentina, optando por continuar os bloqueios, sustentava que o Uruguai teria autorizado, de maneira unilateral, a construção das usinas de celulose no rio Uruguai, sem respeitar o procedimento obrigatório de informação e de consulta prévios. Pelo Estatuto, caso um dos países pretendesse realizar obras às margens do rio, o outro deveria ser notificado e teria o direito de se opor, se a obra afetasse seus interesses (HICKMAN, 2006).

A Argentina requereu o reconhecimento de que o Uruguai não teria cumprido as obrigações previstas no estatuto, que deveria realizar estudos de impacto ambiental, e reparar integralmente o prejuízo causado. Outra exigência argentina foi a paralisação das obras até a decisão definitiva da Corte, alegando que prejuízos irreversíveis poderiam ser causados diante da continuidade das obras.

O Uruguai solicitou uma medida cautelar para impedir os bloqueios, alegando que já havia sofrido grandes prejuízos em virtude dos mesmos. Segundo o Uruguai, o objetivo declarado do bloqueio seria o de obrigar o país a abandonar a construção da usina de celulose e impedir que a mesma entrasse em funcionamento.

A Corte Internacional de Justiça divulgou, no dia 20 de abril de 2010, sua decisão sobre a instalação das usinas de celulose. Entendeu-se que o Uruguai deveria ter consultado a Argentina antes da instalação das usinas, como previsto pelo Estatuto do Rio Uruguai. Embora assim tenha decidido, afirmou que, quanto a questão ambiental, o Estatuto não teria sido desrespeitado, pois os níveis de poluição não sofreram alterações após a construção das usinas. Além disso, as usinas não beneficiam todo o Uruguai e nem são empreendidas pelo governo uruguaio, mas por pessoas privadas que cuidam de seus interesses particulares. Diante disso, ficou-se acordado que o Uruguai deverá consultar a Argentina em todas as questões que envolvam o rio (HICKMAN, 2006).

5. Considerações Finais

Percebe-se que o Direito Internacional é constituído por normas que regulam temáticas como integração regional, meio ambiente, direitos humanos e cooperação interjurisdicional. Esse amplo leque de temas reflete o fortalecimento e o desenvolvimento do Direito Internacional desde a Idade Média. Nesta época, as normas consagradas no âmbito internacional regiam quase que, restritamente, as matérias relacionadas a seara dos tempos de guerra e paz8. Hoje, a intensa internacionalização de diversas temáticas motivou o diálogo entre os povos, que delineia parâmetros comuns a toda comunidade internacional.

A efetividade das recomendações internacionais envolvendo ao Meio Ambiente dependerá de uma mudança de paradigma por parte dos Estados. A adesão e a submissão aos organismos internacionais, e a observância dos dispositivos advindos de Tratados e Convenções internacionais são pressupostos basilares para a garantia das questões de cunho universal. Portanto, as sucessivas alegações de competência exclusiva dos Estados ou violação da soberania estatal precisam ser paulatinamente substituídas por uma colaboração dos Estados, dada a necessidade de articulação internacional para a resolução da crise ambiental de nossa época.

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Sobre o autor
Alex Jordan Soares Monteiro Mamede

Oficial de Justiça Avaliador Federal. Especialista em Direito Processual do Trabalho. Mestre em Direito pela UFPEL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORDAN, Alex Soares Monteiro Mamede. A tutela jurídica do meio ambiente no contexto internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6263, 24 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83639. Acesso em: 22 dez. 2024.

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