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Conversão de tempo especial em comum em risco?

19/07/2020 às 09:55
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Contrariando os interesses do governo, com muita insistência, garantiu-se, para os trabalhadores que exerceram atividade especial antes da reforma, o direito a requerer a conversão do tempo especial em comum.

A Reforma da Previdência, apresentada pela Proposta de Emenda à Constituição de nº 06/2019, como todos sabem, produz efeitos diretos e prejudiciais para a categoria dos operadores de segurança privada (vigilantes). Dentre os inúmeros retrocessos identificados nessa PEC, os quais reputamos inconstitucionais e que serão combatidos oportunamente, destaca-se a vedação expressa ao reconhecimento da aposentadoria especial para os trabalhadores que exercem atividades sujeitas à periculosidade. Vejam abaixo o trecho destacado:

Art. 40 (...)

§ 4º-C Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação destes agentes, vedados a caracterização por categoria profissional ou ocupação e o enquadramento por periculosidade (grifo nosso).

Isso significa que, a partir da entrada em vigor da PEC, a categoria profissional dos vigilantes não poderá usar da periculosidade para requerer o direito à aposentadoria especial (25 anos), salvo se já tiver preenchidos o tempo até a data da efetiva vigência dessa Emenda à Constituição, conforme descreve art. 3º, PEC 06/2019.

Nesse sentido, se tiver trabalhado exposto à periculosidade até a entrada em vigor da Reforma da Previdência, o vigilante, por meio do direito adquirido, poderá usufruir de sua aposentaria especial. Sobre essa situação, a redação da PEC não deixa dúvidas. Ocorre que há uma outra hipótese que merece a nossa atenção. Essa se refere ao caso dos vigilantes que ainda não têm direito à aposentadoria especial, mas que trabalharam sujeitos à periculosidade antes da Reforma. A partir disso, surge, então, o seguinte questionamento: há direito adquirido à conversão de tempo especial em comum?

Para responder a esse questionamento, é necessário, primeiramente, explicar o que é essa conversão de tempo especial em comum e qual o efeito que essa conversão trará para o vigilante, tendo em vista um cenário de pós aprovação da Reforma da Previdência.

Em linhas gerais, a conversão de tempo especial em comum trata do aproveitamento do tempo trabalhado na condição de tempo especial. Esse tempo será calculado com um multiplicador diferente para cada dia trabalhado. Acompanhe a seguir uma tabela que demonstra a forma dessa conversão:

Atualmente, reconhece-se para o vigilante o direito à aposentadoria especial, desde que esse tenha desempenhado essa atividade pelo prazo de 25 anos. Caso o vigilante tenha trabalhado em outras atividades, não sujeitas à aposentadoria especial, poderá somar o tempo especial com o tempo comum para o cálculo do tempo total de contribuição, com base na formula já mencionada.

Em termos práticos, suponhamos o seguinte: José, atualmente com 61 anos de idade, acumulou ao longo de sua vida laboral 30 anos de contribuição como auxiliar de escritório, tendo trabalhado apenas como vigilante por 03 anos e 07 meses. Esse trabalhador, ao converter esse tempo especial em tempo comum, terá uma contribuição de aproximadamente 5 anos e alguns dias. Ao somar o tempo convertido em tempo comum, José totalizará 35 anos e alguns dias de contribuição. Considerando as regras dos pontos (96 para homens e 86 para mulheres), José poderá solicitar sua aposentadoria sem a incidência do fator previdenciário e com valor integral do seu salário benefício. Caso não fosse utilizado o tempo convertido, esse vigilante teria que trabalhar por mais 01 ano e 07 meses (lembrado que esse cálculo tem por base a legislação em vigor na data dessa publicação).

O exemplo acima ilustra o efeito direto da conversão do tempo especial em comum e demostra a vantagem desse cálculo para se ter uma aposentadoria mais prévia. Essa conversão de maneira alguma é um privilégio, mas sim um direito, inegavelmente merecido, para os trabalhadores que expõem sua vida a agentes de risco no exercício do seu labor. Contudo, esse direito, o qual foi conquistado com muita luta e sacrifício, será extinto por um movimento político opressor, com flagrante vertente ideológica, voltado para os interesses dos grandes empresários. Vivemos tempos de retrocesso.

Observe, caro leitor, o direito à conversão de tempo especial em comum será suprimido por ocasião da Reforma da Previdência. Senão vejamos:

Art. 25 (…)

(...)

§ 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data (grifo nosso)

Todavia, contrariando os interesses nefastos do atual governo, com muita discussão e insistência, foi preservado o direito adquirido à conversão, referente ao tempo vertido antes da entrada em vigor da Reforma da Previdência. Em outras palavras, para os trabalhadores que exerceram atividade especial antes da Reforma, garantiu-se o direito a requerer a conversão do tempo especial em comum. Isso permitirá que o trabalhador use esse tempo para uma aposentadoria por tempo de contribuição, mesmo que após a aprovação da PEC.

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Diante desse cenário, chama atenção a condição peculiar do vigilante. Atualmente, para que o trabalhador, com o enquadramento nessa categoria profissional, possa exercer seu direito à aposentadoria especial, faz-se necessário recorrer ao judiciário, uma vez que inexiste previsão legal da periculosidade como requisito para a aposentadoria especial. Segue abaixo essa honrosa jurisprudencia do STJ:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997. ARTS. 57 E 58 DA LEI 8.213/1991. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS. REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE (ART. 57, § 3o., DA LEI 8.213/1991). ENTENDIMENTO EM HARMONIA COM A ORIENTAÇÃO FIXADA NA TNU. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. […] Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a possibilidade de caracterização a atividade de vigilante como especial, com ou sem o uso de arma de fogo, mesmo após 5.3.1997, desde que comprovada a exposição do trabalhador à atividade nociva, de forma permanente, não ocasional, nem intermitente. […] É certo que a partir da edição do Decreto 2.172/97 não cabe mais o reconhecimento de condição especial de trabalho por presunção de periculosidade decorrente do enquadramento na categoria profissional de vigilante, contudo, tal reconhecimento é possível desde que apresentadas provas da permanente exposição do trabalhador à atividade nociva, independentemente do uso de arma de fogo ou não. […] Assim, reconhecendo-se a possibilidade de caracterização da atividade de vigilante como especial, mesmo após 5.3.1997, desde que comprovada a exposição do trabalhador à atividade nociva e tendo a Corte de origem reconhecido a comprovação de tal exposição, não há como acolher a pretensão da Autarquia. (RESP 1.410.057/RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho).

Em que pese o fato de o art. 25, §2º, da PEC nº 06/2019, reconhecer o direito adquirido aos trabalhadores que exercem atividade de risco, a redação é omissa quanto à categoria dos vigilantes, a qual tem garantido seu direito por decisão judicial. Observe que a redação desse parágrafo estabelece que “será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (…). A condição do vigilante não está prevista na Lei n.º 8.213/91. Evidentemente que esse cenário é apenas uma possibilidade, cujo argumento de observar estritamente o princípio da legalidade poderá ser utilizado pelo INSS.

O governo, com isso, terá um novo motivo para indeferir futuros requerimentos com pedidos de conversão de tempo especial em comum, ainda que tal tempo a ser convertido tenha fluído antes da Reforma. Essas omissões propositais são mecanismos ardilosos, utilizados pelo atual governo, de forma a impedir que os trabalhadores exerçam seus direitos, promovendo, gradativamente, o retrocesso dos direitos trabalhistas e previdenciários.

Em suma, acreditamos que a Reforma da Previdência, ao menos respeitará o direito adquirido à conversão do tempo especial em comum para a categoria dos vigilantes, desde que vertidos antes da entrada em vigor da Emenda à Constituição. Entretanto, avaliar possíveis cenários contrários ao que se acredita é oportuno e nos prepara para eventuais embates jurídicos contra o retrocesso social.

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Sobre o autor
Rogério Burkot Pietroski

Coordenador do Núcleo Previdenciário do Escritório Jardim Pietroski Advocacia 2020- Especialização em Direito Previdenciário: Nova Previdência. Escola Brasileira de Direito. EBRADI, São Paulo, SP, Brasil 2016 - 2016 Especialização em Direito Aplicado. Escola da Magistratura do Estado do Paraná, EMAP, Curitiba, PR, Brasil 2011 - 2015 Graduação em Direito. Centro Universitário Internacional, UNINTER, Curitiba, PR, Brasil 2001 - 2004 Graduação em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUC/PR, Curitiba, PR, Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIETROSKI, Rogério Burkot. Conversão de tempo especial em comum em risco?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6227, 19 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83753. Acesso em: 28 mar. 2024.

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