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A (i)legalidade da adoção feita por ascendente:

uma análise do § 1º do art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente

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23/07/2020 às 16:51
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CONCLUSÃO

Assim, ao conferir contornos finais ao que propôs o presente trabalho, alguns aspectos devem ser levados em consideração, no que tange a interpretação das normas. Começando que toda norma deve ser interpretada de maneira sistemática, ou seja, em conformidade com as demais normas e regras do ordenamento jurídico, que devem compor um sistema lógico e coerente. O interprete deve se ater que a norma é objeto da atividade interpretativa, não algo isolado do restante do ordenamento jurídico, devendo ser interpreta em conformidade com o sistema.[31]

Respeitando o primado acima, por dedução, tem-se que as normas infraconstitucionais devem respeitar as Constitucionais e portanto ao interpretar o parágrafo 1º do artigo 42 do Estatuto da criança e do adolescente, não se deve esquecer que a dignidade da pessoa humana, o melhor interesse do menor, a despatrimonialização do Direito Civil e por consequência a socioafetividade são primados que devem ser analisados quando se decidir sobre a (im)possibilidade de adoção por ascendentes. Isso significa que a interpretação da lei infraconstitucional está condicionada pela interpretação da Constituição.

Ainda no mesmo sentido, a razão de ser do artigo 6º do Estatuto da Criança e do adolescente é respeitada quando na interpretação da lei os fins sociais a que ela se dirige são respeitados, bem como as exigências do bem comum, direitos e garantias individuais e coletivos são respeitados. Desta forma, cumpre destacar voto do ministro Eros Roberto Grau, ao valorizar o trabalho do intérprete à situação prática:

“Permito-me, ademais, insistir em que ao interpretarmos/aplicarmos o direito – porque aí não há dois momentos distintos, mas uma só operação – ao praticarmos essa única operação, isto é, ao interpretarmos/aplicarmos o direito não nos exercitamos no mundo das abstrações, porém trabalhamos com a materialidade mais substancial da realidade. Decidimos não sobre teses, teorias ou doutrinas, mas situações do mundo da vida. Não estamos aqui para prestar contas a Montesquieu ou a Kelsen, porém para vivificarmos o ordenamento, todo ele. Por isso o tomamos na sua totalidade. Não somos meros leitores de seus textos – para o que nos bastaria a alfabetização – mas magistrados que produzem normas, tecendo e recompondo o próprio ordenamento” (Reclamação nº 3.034-2/PB AgR).[32]

Portanto, se fala-se em um direito civil constitucionalizado, em que o epicentro do ordenamento privado não é mais o patrimônio e sim a dignidade da pessoa humana e suas implicações, tem-se que pensar no efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico.

Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade de todas as normas do direito infraconstitucional. Nas palavras de Luís Roberto Barroso, “a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si, mas também um modo de olhar e interpretar os demais ramos do direito”.[33]

Logo não é diferente no estudo em tela, em que o intérprete da norma deve analisar as circunstâncias a que levou o processo de adoção de descendente por ascendente. Se, ao aplicar a norma, estiver respeitando princípios maiores (principalmente afetos à dignidade da pessoa humana, não intervenção estatal no direito de família e melhor interesse do incapaz), é compreensível a mitigação da interpretação hermética do parágrafo 1º do artigo 42 do Estatuto da Criança e do adolescente (Lei 8069/90).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. Temas de direito civil. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, 2001.


Notas

[1] MAIA, Renato. Constitucionalismo e Democracia. Coordenadores Eduardo Henrique Lopes Figueiredo [et al]. Rio de Janeiro, Elseiver, 2012. p. 198. 

[2] TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. Temas de direito civil. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, 2001, p.48.

[3] A mutação social. Brasil criança urgente. A lei 8.069/90. São Paulo: Columbus Cultural, 1990, p.38.

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[4] Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

[5] HIRSCHFELD, Adriana Kruchin. A adoção pelos avós. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord). Grandes temas da atualidade – adoção. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[6] Art. 6º: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

[7] TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. Temas de direito civil. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, 2001, p.168.

[8] CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo. 2. ed. Saraiva, 2011, p. 52.

[9] (STJ - REsp: 1448969 SC 2014/0086446-1, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 21/10/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/11/2014).

[10] LIMA, Cláudio Vianna de. Legitimação adotiva. Rio de Janeiro: m. S. Rodrigues Editor, 1995, p. 64.

[11] MORAES, Maria Cecília Bodin de & TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentários ao artigo 227 da Constituição.  In: CANOTILLO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo W; STRECK, Lênio L. (coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 2.129-2.130.

[12] Ibidem, p. 2.130.

[13] Ibidem, p. 2.131.

[14] CASSETARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3. ed. rev. e atual., e ampl. – São Paulo: atlas, 2017, p. 211-212.

[15] TARTUCE, Fernanda. Processo civil no direito de família: teoria e prática. 2. ed. rev. e atual., e ampl. – Rio de Janeiro: forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 47.

[16] MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 6 ed. revista e atualizada conforme leis 12.010/2009 e 12.594/2012 – São Paulo, saraiva, 2013. p. 265.

[17] TEPEDINO, Gustavo. A disciplina jurídica da filiação na perspectiva civil constitucional. Temas de direito civil. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, renovar 1999, p.397.

[18] MADALENO, Ana Carolina Carpes e MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental: importância da detecção – aspectos legais e processuais. – 5ª edição revista, atualizada e ampliada. – Rio de Janeiro, Forense, 2018, p.20.

[19] LÔBO, Paulo Luiz Netto. In AZEVEDO, Álvaro Villaça (coord). Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003. V. XXVI, p.42.

[20] OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. São Paulo, revista dos tribunais, 2002, p.242.

[21] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na pós modernidade. São Paulo: atlas, 2010. p. 7.

[22] CARBONERA, Silvana Maria. O papel Jurídico do afeto nas relações de família. Repensando fundamentos do direito civil contemporâneo. In: FACHIN, Luiz Edson (coord). Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.304.

[23] CASSETARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3. ed. rev. e atual., e ampl. – São Paulo: atlas, 2017, p. 15-16.

[24] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: família. São Paulo: Atlas, 2008, p. 348.

[25] Instituto Brasileiro de família. Avós ganham direito de adotar neto. Notícias disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/5475/Av%C3%B3s+ganham+direito+de+adotar+o+neto. Acessado em 30/03/2018.

[26] Ibidem.

[27] GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes? (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6ª edição refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª tiragem. Editora malheiros, São Paulo, 2014.p .31.

[28] Superior Tribunal de Justiça (STJ - REsp: 1448969 SC 2014/0086446-1, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 21/10/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/11/2014).

[29] FACHIN, Luiz Edson.  Da paternidade: relação biológica e socioafetiva. Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p.59.

[30] Instituto Brasileiro de família. Avós ganham direito de adotar neto. Notícias disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/5475/Av%C3%B3s+ganham+direito+de+adotar+o+neto. Acessado em 30/03/2018.

[31] GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes? (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6ª edição refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª tiragem. Editora malheiros, São Paulo, 2014.p .44.

[32] Supremo Tribunal Federal (STF - Reclamação nº 3.034-2/PB AgR, Relator: Eros Roberto Grau, data do julgamento: 18/03/2009, publicado em DJe-056 DIVULG 24/03/2009 PUBLIC 25/03/2009).

[33] BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: Direito e política no Brasil contemporâneo. Revista de Direito do Estado n. 16, 2009.p.3

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Sobre o autor
Guilherme Jaria Barbosa

Graduado em Direito pela PUC Minas. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Puc Minas. Mestre em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Guilherme Jaria. A (i)legalidade da adoção feita por ascendente:: uma análise do § 1º do art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6231, 23 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83942. Acesso em: 19 abr. 2024.

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