Conclusões
A revogação de um tipo penal incriminador não significa, necessariamente, a abolição do crime, pois a mesma conduta poderá continuar tipificada em outro tipo penal incriminador, conforme preceitua a continuidade normativo-típica.
Os princípios utilizados para a resolução dos conflitos aparentes de normas penais se mostram úteis para esclarecer acerca da continuidade típica da conduta. A revogação de um tipo penal especial, permanecendo vigente o tipo geral, não gera abolitio criminis.
Em relação aos crimes previstos nos incisos XI e XII, do artigo 125 da Lei 6.815/80, operou-se a abolitio criminis. Já quanto ao crime antes previsto no artigo 125, XIII, operou-se a continuidade normativo-típica, transmudando-se a base legal para o crime previsto no artigo 299 do Código Penal, por se tratar de relação entre crime geral (artigo 299 do CP) e crime especial (crime revogado).
Por fim, o fato de nossa legislação ter adotado uma série de disposições indicativas de uma política migratória receptiva aos imigrantes não pode ser interpretado de forma ampliada, a impedir a responsabilização criminal por atos ilícitos diversos da situação irregular do estrangeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais. Ed.Saraiva. 11 ed. - São Paulo: Saraiva, 2017.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal : parte geral, 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 17. ed. rev., ampl. e atual. De acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo : Saraiva, 2012.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I / Rogério Greco. – 19. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Notas
1 A Lei 13.445 foi publicada em 25/05/2017, com 180 dias de vacatio legis.
2 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, p. 195.
3 HC 204.416/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 24/05/2012.
4 HC 215.444/BA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 21/11/2013.
5 Utiliza-se o termo princípios de forma atécnica, por se tratar de expressão consagrada pela doutrina no estudo do tema.
6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, p. 541.
7 NUCCI, Direito Penal. Parte Geral, p. 412.
8 BITENCOURT, op. cit., p. 543.
9 Apud BITENCOURT, op. cit, p. 543.
10 NUCCI, op. cit, p. 415.
11 RECURSO ORDINÁRIO EM habeas corpus. 1. FALSIDADE IDEOLÓGICA. SUBFATURAMENTO DE BENS IMPORTADOS. OBJETIVO DE ILUDIR O PAGAMENTO DE IMPOSTO SOBRE IMPORTAÇÃO. FALSO (CRIME-MEIO). DESCAMINHO (CRIME-FIM). RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO CRIME-FIM. TRIBUTO PAGO. AUSÊNCIA DE AUTONOMIA DO CRIME DE FALSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 2. RECURSO PROVIDO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. Verificando-se que a falsidade ideológica foi praticada "com o fim de iludir o pagamento de tributos incidentes nas importações", mostra-se patente a relação de causalidade com o crime de descaminho, o qual teve a punibilidade extinta ante o pagamento do imposto. Exaurindo-se o crime-meio na prática do crime-fim, o qual não mais persiste, não há se falar em justa causa para a ação penal pelo crime de falso, porquanto carente de autonomia 2. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento, para determinar o trancamento da Ação Penal nº 2009.70.08.000255-3, em trâmite na Vara Federal Criminal de Paranaguá/PR. (RHC 31.321/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 24/05/2013)
12 Considerando a época da promulgação do antigo Estatuto do Estrangeiro, entende-se ser este o melhor critério para identificação dos crimes em tal diploma, embora não se ignore que o precedente do Supremo Tribunal Federal no RE 430105 QO (Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 13/02/2007) demonstrou a insuficiência de tais critérios para conceituação de crime. Tal discussão, entretanto, ultrapassa os objetivos deste artigo.
13 O estrangeiro residente não tem só os direitos arrolados no art. 5º, apesar de somente ali aparecer como destinatário de direitos constitucionais. Cabem-lhe os direitos sociais, especialmente os trabalhistas. Ao outorgar direitos aos trabalhadores urbanos e rurais, por certo que aí a Constituição alberga também o trabalhador estrangeiro residente no país, e assim se há de estender em relação aos outros direitos sociais; seria contrário aos direitos fundamentais do homem negá-los aos estrangeiros aqui residentes. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 67.
14 TRF4, ACR 2001.04.01.085239-0, SÉTIMA TURMA, Relator VLADIMIR PASSOS DE FREITAS, DJ 09/10/2002.
15 BALTAZAR JÚNIOR, p. 372.
16 Trecho do voto mencionado na nota 16.
17 Voto nº 439/2018, Processo nº 0014375-72.2017.4.03.6181, Origem: 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Procurador oficiante: Márcio S. da Silva Araújo, Relator: Franklin Rodrigues da Costa, 24/01/2017.
18 Entende-se que no caso acima transcrito sequer seria de aplicação do crime previsto no artigo 125, XIII, da Lei nº 6.815/80, pois se tratava de falsidade perpetrada por meio de documentos, situação não abarcada pelo antigo tipo penal, mas subsumida no delito de uso de documento falso do Código Penal.
19 PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DECLARAÇÃO FALSA DE ESTRANGEIRO. ART. 125, XIII, DA LEI Nº 6.815/80. ABOLITIO CRIMINIS. LEI SUPERVENIENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. APELAÇÃO DA DEFESA PROVIDA. 1. A conduta descrita no artigo 125, XIII, da Lei 6.815/80, deixou de ser considerada criminosa a partir da entrada em vigor da Lei 13.445/2017 (Lei da Migração) que revogou expressamente o antigo Estatuto do Estrangeiro. 2. O sistema penal brasileiro deixou de reputar criminosa a conduta de quem faz declaração falsa em processo de regularização de residência na condição de estrangeiros. Aplicação da lei posterior mais benéfica ao acusado. Inteligência do artigo 2º, do CP. 3. Extinção da punibilidade do réu com fundamento no art. 107, III, do Código Penal. 4. Recurso da defesa provido (TRF-3 - ApCrim: 00007007620164036181 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, Data de Julgamento: 26/08/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/09/2019).
20 PENAL. ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. LEI 6.815/80. ART. 125, XIII, FAZER DECLARAÇÃO FALSA EM PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DE VISTO, DE REGISTRO, DE ALTERAÇÃO DE ASSENTAMENTO, DE NATURALIZAÇÃO OU PARA OBTENÇÃO DE PASSAPORTE PARA ESTRANGEIRO, LAISSEZ-PASSER, OU, QUANDO EXIGIDO, VISTO DE SAÍDA. LEI DE MIGRAÇÃO. LEI 13.445/17. HIPÓTESE DE ABOLITIO CRIMINIS. 1. Aos fatos ocorridos em maio de 2011 e julho de 2011, sobreveio a promulgação da Lei de Migração, Lei 13.445, de 24 de maio de 2017 que, revogando o Estatuto do Estrangeiro, Lei 6.815/80, deixou de trazer em seu corpo a tipificação da conduta antes prevista no art. 125, XIII, do estatuto. 2. Considerando que o dolo específico do tipo penal então previsto no Estatuto do Estrangeiro está intrinsecamente ligado à conduta do agente, cujo objetivo é exclusivamente falsear a residência para obter o documento de imigração, não é o caso de se considerar a ocorrência do tipo penal de falsidade ideológica. 3. Reconhecida a ocorrência de abolitio criminis. (TRF4, ACR 5008717-87.2012.4.04.7002, SÉTIMA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 22/08/2018).
21 AgRg no AREsp 1422129/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 12/11/2019.
22 TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 65573 - 0000188-69.2011.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 24/07/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/08/2018.